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O excerto em foque nesta recensão é da autoria de Fátima Pombo, intitulado

“Das Coisas Belas e Desenhadas”.


Nos dois últimos pontos do primeiro capítulo é abordado a perspetiva do filósofo
Merleau-Ponty em relação à forma como o processo de pintar deve ser feito. Este
defende que a pintura é um meio para o seu autor ter acesso ao seu verdadeiro Ser,
tendo como forma de conhecimento a intuição, recusando qualquer pensamento
reflexivo na conceção da obra de arte.
Merleau-Ponty para defender a sua forma de pensamento aprofundou as obras
do pintor Cézanne. Ao longo desta abordagem também realiza comparações entre a
pintura e outras artes como a música e a poesia.
O filósofo Marleau-Ponty afirma que a pintura é um meio para o artista aceder
ao seu verdadeiro Ser. Este defende que se o pintor deseja seguir um caminho de
verdade e pureza a sua criação artística deverá ser a mais transparente e nítida
possível face à realidade.
O pintor, ausenta-se do seu “eu” interior para se tentar expressar. Este vai ao
encontro da sua perceção em relação às “coisas”. Após esta ausência representa
artisticamente, no mundo exterior, a sua perceção em relação ao que o deslumbra.
A pintura não vive do abstrato, mas sim a partir da latência do Ser, isto é, do
pensamento até à criação da obra. Esta tem influências de tudo o que está na sua
realidade circundante, realidade essa que é o seu meio de transmissão que resulta na
obra de arte que é o seu meio de propagação.
Para Marleau-Ponty a experiência do mundo não pode ser dada pelo
pensamento reflexivo. Isto significa que o artista não se baseia na reflexão, mas num
pensamento intuitivo. Em Gasque (2011) “O conceito de pensamento reflexivo,
proposto por Dewey em 1910, centra-se na dimensão interativa de pensar o mundo
em contato com o mundo, por meio da experiência”. Assim, um pensamento que é
reflexivo é critico, ponderado e examina mentalmente um determinado assunto,
originando a algo que pode criar dúvida ou alguma confusão para obter uma resposta.
Desta forma, não existindo um pensamento reflexivo na pintura, o pintor não age
através do senso comum ou de experiências passadas e simplesmente se deixa levar.
No entanto, na prática, isto é subjetivo dado que todos nós temos interpretações
díspares da realidade devido aos nossos valores e experiências vivenciadas até então.
Tal como refere Júnior (2016) “A tela não resulta, então, de uma objetividade do olhar
e nem exclusivamente das convenções de modos de representação, mas da complexa
interação entre o mundo das sensações físicas, o das projeções psíquicas e o dos
códigos artísticos.”
Na obra Le Doute de Cézanne de 1945, o filósofo Marleau-Ponty tenta
perceber a relação do pintor Cézanne com a pintura, uma relação com a natureza e a
sua própria existência.
Cézanne procura o subjetivo no objetivo, o que está escondido para além
daquilo que se pode ver e tenta conceber e definir uma natureza que não é visível aos
olhos dos comuns, procurando perceber o que está por detrás das paisagens. Desta
forma, a obra deve representar uma aproximação não do que é visível e
contemplativo, mas sim uma aproximação ao seu significado.
Assim, nas suas pinturas tenta demonstrar a natureza com pinceladas intuitivas
após a sua observação minuciosa, sendo uma síntese do que observa por detrás do
que está visível. Aqui existe uma realidade distorcida perante a perceção de cada um.
O invisível neste caso torna-se uma aproximação da sensação que o artista está a ter
face à realidade, ou seja, as coisas visíveis. Assim refere Muñoz (2012) que “Cézanne
determina una construcción visual que claramente se distancia de aquellas que
podríamos imaginar animadas por el principio de imitación de lo visible.”
Cézanne rejeita a rigidez de contorno defendendo que quando retratamos o
mundo visível, não o podemos retratar segundo leis e formas geométricas rígidas,
porque esta formalidade retira a sua autenticidade. Aqui apercebe-se que a
realidade invisível está captada através da sensação e tenta libertar-se de
preceitos, tentando eternizar o que é breve e transitório na natureza. Desta forma, a
sensação e o pensamento estão inteiramente ligados para mostrar o que realmente
existe na natureza. Em Miranda (2017):

“Para Cézanne “pintar un cuadro significa componer… una gran


sensibilidad es la disposición más propicia para una buena concepción
artística”. Cézanne fue en búsqueda, no de la luz como lo muestra la superficie
de los objetos que fue la motivación de los impresionistas, sino la geometría
como se vislumbra más allá de esa superficie.”

Em Cézanne, o desenho tem como elemento fundamental a cor, explicado pelo


facto de considerar o mundo como um organismo de cores. A essência dos seus
desenhos vai surgindo à medida que vai pintando.
Por sua vez, as cores não são escolhidas, são autónomas, sem seguir uma
ordem lógica. Em Miranda (2017) “A través de variaciones del color objetiva los planos
geométricos que él esperaba le permitirían mostrar la estructura de los objetos dando
una masa y solidez que aumentaría su realidad.” A escolha das cores é um meio para
o pintor exprimir o seu interior, bem como a essência que ele capta através das
alterações das paisagens ao longo do dia. Cézanne não segue uma lógica segundo
uma ordem pré-estabelecida, não cedendo a padrões dos teus contemporâneos.
Desta forma, Cézanne tenta unificar a arte com a natureza captando-a através
da sensação, não julgando nem intervindo sobre ela. Apenas tenta captar o mundo
através das suas sensações para conseguir chegar ao que não está visível aos
nossos olhos, tornando o ato criativo num ato infinito. Segundo Nóbrega (2007 citado
por SOUSA (2018, p.49), “Cézanne irá buscar nas cores, na embriaguez das
sensações, no mergulho na natureza, nas deformações da natureza humana, em sua
contingência corpórea o motivo para sua arte, nos seus quadros, para sua vida”.
O pintor transforma a realidade conseguida através do mundo artístico, de
modo a que cada pintura seja única e não uma cópia.
Não só na pintura, mas noutras artes, como por exemplo na música, há um
encontro radical com as “coisas”, na forma de aceder ao Ser. Surge aqui um
paralelismo entre a pintura e a música. A música surge como um enigma do Ser,
porque assim como na pintura, o pintor tenta representar o que não consegue ver, na
música, o compositor como Mahler, tenta compor o que não se consegue ouvir. O
paralelismo entre as duas artes vem confirmar o pensamento que está na raiz da
criação tanto na pintura como na música.
Além do papel do compositor, o músico vive da insatisfação da procura
constante entre descobrir o mundo e o seu próprio Ser.
Os sons e o silêncio na música são uma tentativa de penetrar o mundo que não
se vê, mas que se sente, onde os sons são uma forma de pensamento para expor o
Ser e o seu íntimo.
Também na poesia quanto o poeta pensa na origem do mundo, encontramos
novamente um pensamento não reflexivo, mas intuitivo, no sentido em que o poeta
tenta encontrar uma ligação íntima que lhe pertence, que só ele consegue escutar e
essa ligação é feita pelas palavras que possuem uma musicalidade própria.
As palavras são comparadas à música, e essas palavras são o que o poeta
quer manifestar e a escuta disto é o acesso ao Ser. Temos como exemplo o poeta
Holderlin que Heidegger considera que consegue mostrar na sua poesia a sua
essência.
Holderlin na sua obra Sonetos a Orfeu, tenta afastar os sons das vozes humanas
priorizando os sons da natureza e da divindade, mostrando dois mundos, o vaguear
dos humanos e do seu espírito errante e, por outro lado, um mundo com uma atitude
de escuta, a única maneira de chegar à pureza. Este espírito errante do ser está na
sua atitude passiva de apenas ouvir, contrariando uma atitude ativa de escutar.
Os sons do “canto da terra” remetem para a criação musical segundo o circuito natural
da natureza, contendo por um lado sinais do esplendor da vida e por outro, o silêncio
da morte, da despedida.
Para o poeta Rilke, não há uma união entre a humanidade e a natureza, onde todo o
sofrimento humano é resultado do afastamento com todas as dádivas da natureza,
fontes de energia vital.
Os pintores de Worpswede admiram e respeitam a natureza, as suas leis e as suas
inacessibilidades, no seu esplendor, admirando e sentindo a sua força criadora,
tentando encontrar uma harmonia entre o estado humano e o estado da natureza.
Cézanne constata que para captar a intensidade da forma, tem de pintar de forma
mais abstrata que, apesar de se afastar da realidade visível, a torna mais íntima com
uma realidade mais profunda.
Rilke utiliza a rosa como fonte de inspiração do fim e do recomeço, comparando o
canto rítmico (a pulsação) que o ciclo natural de uma flor tem ao ciclo humano.
Rilke utiliza a rosa como fonte de inspiração do fim e do recomeço, comparando o
canto rítmico (a pulsação) que o ciclo natural de uma flor tem ao ciclo humano.
Para Rilke, o canto está inserido na arte através do antagonismo entre o que se
descobre e o que está encoberto.
Uma obra tem que despertar interesse onde está implícito um certo mistério para
suscitar a curiosidade no espectador.
Rilke tem por base a lei da metamorfose na vida quotidiana e temos de nos saber
adaptar nas várias áreas das artes e temos de ir buscar à natureza a inspiração que
necessitamos para não perder o interesse na criação.

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-19652011000100002&script=sci_arttext

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-
53202016000200154&lang=pt&fbclid=IwAR1doyYu644YLiLr34lEuOFQl2vqwHenJe9VEiMT4OLB
yftaREowcPyK4c8#fn22
https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-
71812012000200012&lang=pt&fbclid=IwAR1WlibQkzMk07I6w_asMyucbHqvrto23iy9pHoyMB
GIW6ogWJywn5hX9kI

https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
98872017000400011&lang=pt

https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-
71812012000200012&lang=pt&fbclid=IwAR1WlibQkzMk07I6w_asMyucbHqvrto23iy9pHoyMB
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