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A Linguagem na

Elaboração de
Materiais para a
Educação a Distância
Peculiaridades da linguagem verbal em ambientes virtuais:
o efeito de oralidade no texto escrito para AVA

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dr. Ana Lucia Tinoco Cabral
Profa. Dra. Silvia Augusta de Barros Albert

Revisão Textual:
Profa. Esp. Kelciane da Rocha Campos
Peculiaridades da linguagem verbal em
ambientes virtuais: o efeito de oralidade
no texto escrito para AVA

Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos:


• Introdução
• Linguagem especializada vs linguagem do dia a dia
• Uso da linguagem verbal para efeito de oralidade no texto
escrito para AVA

Fonte: iStock/Getty Images


Objetivos
• Compreender o conceito de linguagem oral/escrita e da internet, suas peculiaridades e
seu funcionamento;
• Compreender a importância da linguagem verbal adequada para a elaboração de
materiais destinados a curso em AVA.

Esta é a primeira unidade da disciplina “O Uso da Linguagem para Elaboração de Materiais


para EAV”. Nela, vamos conhecer um pouco sobre as peculiaridades da linguagem da
Internet, procurando refletir sobre a sua importância para o bom desenvolvimento de
uma disciplina ou curso em AVA.

Para um melhor aproveitamento na nossa disciplina, é muito importante a interação


e o compartilhamento de ideias com seus colegas e tutor(a) para a construção de
novos conhecimentos. Para interagir com eles, utilize as ferramentas de comunicação
disponíveis no Ambiente de Aprendizagem (AVA) Blackboard (Bb), como Fórum de
Dúvidas e Mensagens.
UNIDADE
Peculiaridades da linguagem verbal em ambientes virtuais: o efeito de oralidade no texto escrito para AVA

Contextualização
Nesta unidade, vamos apresentar algumas peculiaridades da linguagem verbal
em AVA. Veremos que, para obter clareza e aproximar o estudante dos conteúdos
apresentados em AVA, é preciso adequar o uso da linguagem verbal a esses ambientes.
Caso contrário, corremos o risco de falar para os estudantes como o Olegário...

Ficou curioso para conhecer a prosa do Olegário? Leia a história a seguir:

• Tem gente que gosta de falar difícil!


• Meu amigo Olegário é assim.

Outro dia, passei por ele na rua e ele, muito exaltado, me disse:

“Ana, querida, você não sabe como me sinto! Tenho mesmo vontade de derrubar, com a
extremidade do membro inferior, o suporte sustentáculo de uma das unidades de acampamento;
derramar água pelo chão através do tombamento violento e premeditado de seu recipiente de
uma vez por todas. Estou deglutindo cada batráquio ultimamente! Minha filha está noiva e o
noivo dela vive aplicando a contravenção do Dr. João, deficiente físico de um dos membros. Veja,
agora mesmo, minha filha veio me pedir o automóvel para viajar com o noivo para o interior de
Minas. Justo o meu automóvel que acabo de comprar, novinho de fábrica.
E, raivoso, ele ainda exclamou:
Sequer considerar a possibilidade da fêmea bovina expirar fortes contrações laringo-bucais;
podem retirar o filhote de equino da perturbação pluviométrica!
Não empresto, ou não me chamo mais Olegário!”

Na hora, eu não entendi nada. Foi preciso pensar muito para traduzir o que ele
tinha falado.
• Você entendeu tudo??

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Se não entendeu e quer saber, leia o texto do Olegário “traduzido” a seguir:

“Ana querida, você não sabe como me sinto! Tenho mesmo vontade de chutar o pau da barraca;
chutar o balde. Estou engolindo cada sapo ultimamente! Minha filha está noiva e o noivo dela
vive dando uma de João sem braço. Veja, agora mesmo, minha filha veio me pedir o automóvel
para viajar com o noivo para o interior de Minas. Justo o meu automóvel que acabo de comprar,
novinho de fábrica.
E, raivoso, ele ainda exclamou:
Nem que a vaca tussa; podem tirar o cavalinho da chuva!
Não empresto, ou não me chamo mais Olegário!”

Como podem ver, nem sempre o uso de uma linguagem formal e técnica é adequado
para uma determinada interação. Seu uso indevido pode dificultar a atribuição de
sentidos pelo interlocutor. É o que veremos a seguir no material teórico dessa unidade!

Bons estudos!

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UNIDADE
Peculiaridades da linguagem verbal em ambientes virtuais: o efeito de oralidade no texto escrito para AVA

Introdução
Elaborar conteúdos para cursos a distância não é fácil nem simples (cf. Cabral, 2008,
p.157). O produtor do material, para além do conhecimento específico da área relativa
ao curso ou disciplina em si, precisa ter clareza das especificidades do Ambiente Virtual
de Aprendizagem (AVA). Trata-se de um espaço de interação muito diverso da sala de
aula presencial. As peculiaridades do AVA se refletem de forma especial na produção
dos materiais e conteúdos teóricos que compõem o curso. Nesta unidade, vamos tratar
das peculiaridades da linguagem dos ambientes virtuais e refletir um pouco sobre as
exigências impostas pelo ambiente na elaboração de materiais para cursos em AVA;
vamos também abordar algumas estratégias linguísticas que auxiliam a tornar o texto
escrito para o AVA mais claro e mais preciso.

Lembramos, com Cabral e Cavalcante (2010), que o contexto de AVA impõe que
o produtor de materiais tome consciência das peculiaridades da linguagem verbal
escrita utilizada nos ambientes virtuais e especificamente no AVA. A linguagem verbal
escrita, segundo essas autoras, constitui o principal meio de comunicação da Internet.
Por esse motivo, devemos considerar a linguagem escrita como uma ferramenta, cujas
especificidades precisamos conhecer.

Linguagem especializada vs linguagem do


dia a dia
Iniciamos nossos estudos com a distinção entre linguagem especializada e linguagem
do dia a dia. Para tanto, tomamos emprestada a noção proposta por Eggins (1994)
de que o contexto, de alguma forma, situa-se no texto, inserindo-se nele. Essa autora
australiana considera que alguns aspectos da situação produzem efeitos sobre a linguagem
empregada, sobre as escolhas do falante. Entre esses aspectos, destacam-se três que
determinam o registro, ou seja, a escolha do tipo de linguagem a ser utilizada:

1. O campo (field), ou o assunto sobre o qual versa o texto;

2. O teor (tenor), ou os sujeitos envolvidos na produção do texto e o papel


desempenhado por cada um deles (entenda-se por sujeitos cada um dos
participantes da interação verbal);

3. A maneira (mode), ou papel desempenhado pela linguagem no evento de interação.

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Campo
Com relação ao campo, isto é, ao assunto ou tema desenvolvido no texto, Eggins
(1994) propõe considerar uma linha que estabelece dois polos para se classificarem os
assuntos; nessa linha, situa-se em um extremo a linguagem técnica ou especializada e,
no outro, a linguagem comum, do dia a dia:

Linguagem técnica Linguagem do dia a dia


Lembramos, no entanto, que embora apresentada por Eggins de forma polarizada,
no uso, a linguagem pode oscilar entre esses polos, ocupando, muitas vezes, um espaço
intermediário. A linguagem dos textos de jornal para divulgação científica constitui um
exemplo de linguagem que se situa entre a técnica e a do dia a dia. Já a linguagem
acadêmica com a qual estamos habituados em artigo científicos, por exemplo, e que dá
bem conta dos conteúdos teóricos com os quais trabalhamos, situa-se bastante próxima
do polo da linguagem técnica.

Numa sala de aula presencial, podemos usar uma linguagem mais técnica para
transmitir os conteúdos, pois se o aluno não compreender determinado conceito, ou
determinado termo técnico, ele tem a possibilidade de nos interromper e solicitar uma
explicação, sanando sua dúvida imediatamente. Isso não acontece no ambiente virtual
de aprendizagem.

No AVA, a transmissão dos conteúdos se dá por meio da leitura que o aluno faz do
texto teórico. Se ele não compreender determinado termo, ou conceito teórico, sua
leitura fica dificultada e ele pode desestimular-se. Por isso, a linguagem que devemos
utilizar nos ambientes virtuais de aprendizagem deve situar-se entre a linguagem técnica
e a linguagem do dia a dia.

Linguagem técnica AVA Linguagem do dia a dia


Ainda com respeito ao campo em AVA, lembramos que é importante que o produtor
do material identifique o perfil do aluno a que se dirige, tendo claro que quanto mais
próxima da linguagem do dia a dia for a linguagem utilizada, mais facilitada será a leitura
do texto pelos nossos alunos.

Não podemos, entretanto, negligenciar a especificidade da linguagem de cada área


do conhecimento, afinal é também nossa função proporcionar aos estudantes o contato
com a linguagem específica da área em que atuamos e para a qual os preparamos para
atuar profissionalmente.

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UNIDADE
Peculiaridades da linguagem verbal em ambientes virtuais: o efeito de oralidade no texto escrito para AVA

O que fazer então?


Devemos mesclar: selecionar os termos técnicos fundamentais e introduzi-los aos poucos.
Além disso, sempre que os apresentarmos, devemos dar uma explicação.
Veja, por exemplo, como fizemos no início deste subitem: apresentamos três termos
técnicos da área da Linguística (campo, teor e modo) e, em seguida, demos a definição do
conceito de cada um.

Teor
O teor (tenor) refere-se principalmente aos papéis a que se ligam os interlocutores, como,
por exemplo, professor/aluno, cliente/vendedor, médico/paciente, amigo/amigo.
O texto normalmente explicita a hierarquia que esses papéis implicam e as relações
de poder nela envolvidas. A linguagem, com relação a tenor, polariza-se em formal ou
informal, como podemos observar na tabela proposta por Eggins (1994, p. 65):

Informal Formal
Poder igual Hierarquia de poder (não igual)
Contato frequente Contato não frequente
Grande envolvimento afetivo Pouco envolvimento afetivo
Léxico atitudinal Léxico neutro
Léxico coloquial (abreviações e gírias) Léxico formal (formas não abreviadas e não emprego de gírias)
Interrupções e sobreposições Cuidado na tomada de turno
Emprego de apelidos e diminutivos Emprego de títulos
Modalização para expressar probabilidade Modalização para expressar deferência
Modalização para expressar opinião Modalização para expressar sugestão
(EGGINS, 1994, p. 65)

Utilizamos uma linguagem informal para interagirmos com pessoas que, numa relação
hierárquica, ocupam a mesma posição que nós e com quem temos contato frequente ou
algum tipo de relação afetiva (entre amigos, irmãos, namorados, marido e mulher etc.).
Como temos certa intimidade com essas pessoas, não nos preocupamos, por exemplo,
se interrompemos o interlocutor.

Quando há hierarquia de poder, ou quando interagimos com pessoas com as quais


não temos contato frequente nem relação afetiva, a linguagem torna-se formal.

A linguagem informal caracteriza-se pelo emprego de apelidos, de diminutivos, pelo


uso de gírias e de formas mais abreviadas de dizer. Além disso, procuramos expressar
atitudes (como prometer, apostar, jurar) e costumamos expressar nossas opiniões
claramente, dizendo, por exemplo, “eu acho”; e, frequentemente, utilizamos formas
para expressar a probabilidade, como “pode ser”, “talvez”, “é possível”. Em suma,
a linguagem informal é mais subjetiva na medida em que, nos contextos de maior
intimidade, podemos expor mais espontaneamente o que pensamos e o que sentimos.

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Já a linguagem formal caracteriza-se pela utilização de palavras mais neutras. Nela
evitamos empregar gírias e abreviações. Também tomamos certo cuidado para não
interromper o interlocutor; procuramos ainda utilizar uma linguagem menos subjetiva,
marcando a distância pela cerimônia, razão pela qual utilizamos títulos, do tipo Prof., Dr.
Além disso, procuramos mostrar deferência e evitamos parecer autoritários, razão pela
qual optamos por dar sugestões em vez de dar nossa opinião ou avaliação.

A linguagem da internet oscila entre o formal e o informal, recorrendo a estratégias


de ambos os registros. Veja o quadro proposto por Arcoverde e Cabral (2004, p. 191)
para dar conta das peculiaridades da linguagem da Internet relativamente a essa questão:

Informal Internet Formal


Poder igual Busca de atenuação da hierarquia Hierarquia de poder (não igual)
Contato frequente Frequência de contato variável Contato não frequente
Há pouco envolvimento afetivo, mas
Grande envolvimento afetivo Pouco envolvimento afetivo
procura mostrar algum envolvimento.
Léxico atitudinal Léxico atitudinal Léxico neutro
Léxico é formal, mas próximo do Léxico formal (formas não abreviadas e
Léxico coloquial (abreviações e gírias)
coloquial não emprego de gírias)
Os turnos se dão possibilidade de
Interrupções e sobreposições abandonar a interação a qualquer Cuidado na tomada de turno
momento
Não há emprego de títulos nem de
Emprego de apelidos e diminutivos Emprego de títulos
diminutivos
Modalização para expressar tanto
Modalização para expressar probabilidade Modalização para expressar deferência
probabilidade quanto deferência
Modalização para expressar tanto
Modalização para expressar opinião Modalização para expressar sugestão
opinião Quanto sugestão
(ARCOVERDE; CABRAL, 2004, p.192)

A linguagem da Internet caracteriza-se por ser híbrida, oscilando entre o formal e o


informal. Considerando a distância imposta pelo uso da máquina como mediador da
interação em ambientes virtuais, a linguagem constitui uma estratégia para a aproximação.

Assim, a linguagem da internet busca a atenuação da hierarquia. Mesmo assim, por um


lado, procuramos mostrar envolvimento afetivo, por meio da linguagem, que tende a ser
mais subjetiva; por outro, evitamos o uso de diminutivos, gírias e abreviaturas próprios da
linguagem informal, além de não usarmos os títulos próprios da linguagem formal.

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UNIDADE
Peculiaridades da linguagem verbal em ambientes virtuais: o efeito de oralidade no texto escrito para AVA

Maneira
A maneira, ou mode, permite diferenciar linguagem oral de linguagem escrita, que,
de acordo com Eggins (1994, p. 57), pode ser assim exposta:

Linguagem Oral Linguagem Escrita


Organização em tomadas de turno Organização monológica
Estrutura dinâmica: Estrutura sinóptica
• Interativo • Retórico
• Final aberto • Término fechado; finito
Fenômeno espontâneo (falsos começos, hesitações, interrupções, Versão final elaborada e revisada (indicações de versões
saltos, frases incompletas). anteriores removidas)
Léxico do dia a dia Léxico de prestígio
Gramática não padrão Gramática do padrão culto
Complexidade gramatical Simplicidade gramatical
Pouca variação lexical Grande variação lexical
(EGGINS, 1994, p. 57)

Utilizamos a linguagem oral normalmente para conversar com nossos interlocutores,


situação em que cada um fala de uma vez, em turnos de fala, para usar um termo técnico.
Por ser própria da conversação, a linguagem oral tem uma estrutura mais dinâmica,
interativa, e tem final aberto, ou seja, sempre nosso interlocutor pode acrescentar
alguma coisa ao que dissemos.

Além disso, a linguagem oral é espontânea; nela hesitamos, deixamos enunciados


inacabados, interrompemos a nossa fala e a de nosso interlocutor com frequência.

Na linguagem oral também procuramos utilizar palavras do dia a dia e não nos
importamos muito com a correção gramatical, o que, aliás, torna a linguagem oral mais
complexa do ponto de vista gramatical. Em contrapartida, variamos menos as palavras,
repetindo-as com frequência.

Quando nos comunicamos por escrito, normalmente o fazemos porque nosso


interlocutor não está presente. Assim sendo, não somos interrompidos por eles,
podemos planejar o que queremos dizer, revisar o texto e, ao terminarmos a mensagem,
o interlocutor não interfere nela. A linguagem escrita caracteriza-se, portanto, por ser
revisada, planejada, organizada retoricamente de acordo com nossas intenções.

Como a planejamos e revisamos, evitamos a repetição de palavras, variando bastante.


Vale lembrar os professores de português que sempre alertam: “esse texto tem muita
repetição; procure outras palavras”.

Também procuramos utilizar um vocabulário mais cuidado, utilizando palavras


de prestígio.

Além disso, preocupamo-nos com a correção gramatical.

Como o texto escrito é revisado, trabalhado, normalmente ele atende ao previsto


pela norma culta da língua, o que o torna mais simples do ponto de vista gramatical.

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Nos ambientes virtuais, embora utilizemos o texto escrito como principal meio de
informação e interação, esse texto traz uma série de características da linguagem oral.
Veja o quadro proposto por Arcoverde e Cabral (2004, p.192) para dar conta das
peculiaridades de linguagem da Internet em comparação com as linguagens oral e escrita:

Linguagem Oral Internet Linguagem Escrita


Organização ora de tomadas de turno
ora monológica, possibilidade de
Organização em tomadas de turno Organização monológica
abandonar a interação a qualquer
momento
Dependente do contexto Independente do contexto Independente do contexto
Estrutura dinâmica Estrutura dinâmica Estrutura sinóptica
• Interativo • Interativo • Retórico
• Final aberto • Final aberto • T érmino fechado; finito
• Possibilidade de intervenção
do usuário
Fenômeno espontâneo (falsos Versão final elaborada e revisada Versão final elaborada e revisada
começos, hesitações, interrupções, (indicações de versões anteriores (indicações de versões anteriores
saltos, frases incompletas. removidas) removidas)
Léxico do dia a dia Léxico do dia a dia e léxico de prestígio Léxico de prestígio
mesclados
Gramática não padrão Gramática do padrão culto Gramática do padrão culto
Complexidade gramatical Simplicidade gramatical Simplicidade gramatical
Ora Pouca variação lexical ora Grande
Pouca variação lexical Grande variação lexical
variação lexical
(ARCOVERDE; CABRAL, 2004, p.192)

Como podemos notar nesse quadro, a linguagem no ambiente virtual oscila entre o
oral e o escrito. Ela tem uma estrutura dinâmica como a linguagem oral, com final aberto
e possibilidade de intervenção do usuário e pode organizar-se em tomadas de turnos,
como na linguagem oral, mas pode também ser monológica como a escrita. E, mais
ainda, há sempre a possibilidade de abandonar a interação a qualquer momento, decisão
que fica com o interlocutor.

Assim como a linguagem escrita, a linguagem da Internet conta com uma versão final
elaborada e revisada, mas ela mistura palavras do dia a dia com palavras de prestígio,
mesclando características da linguagem oral e da escrita. Na Internet, também a gramática
costuma seguir a norma culta, o que confere simplicidade gramatical, mas assim como
a linguagem oral, tem menos variação de vocabulário.

A linguagem da Internet traz características da linguagem informal e da linguagem


formal; da linguagem oral e da linguagem escrita.

Podemos afirmar, então, que a Linguagem da Internet se situa entre informal e


formal; entre oral e escrita, o que a torna uma linguagem peculiar. O quadro a seguir
abarca as peculiaridades da linguagem da Internet:

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Peculiaridades da linguagem verbal em ambientes virtuais: o efeito de oralidade no texto escrito para AVA

INTERNET
• Tem versão final elaborada e revisada (indicações de versões anteriores removidas)
• Utiliza gramática do padrão culto
• Tem estrutura dinâmica
• Apresenta ora grande variação lexical ora pouca variação lexical
• Busca a atenuação da hierarquia
• Traz mostras de envolvimento do produtor do texto.
• Utiliza léxico formal, mas próximo do coloquial
• Utiliza léxico do dia a dia e léxico de prestígio mesclados
• Não faz uso de diminutivos
• Apresenta simplicidade gramatical

A linguagem dos ambientes virtuais, embora constitua concretamente uma realização


planejada escrita e, por isso mesmo, apresente todas as características da escrita,
apresenta também, intencionalmente, muitas marcas de oralidade, que cumprem a
função de minimizar a distância entre o texto e o leitor.

Uso da linguagem verbal para efeito de


oralidade no texto escrito para AVA
Muitas das peculiaridades da linguagem da Internet são importantes para o
desenvolvimento de materiais para AVA. Elas permitem criar o efeito de conversa, que
gera uma aproximação entre o leitor e o texto, tornando a leitura e a interação com o
material mais agradável.

Destacaremos as peculiaridades da linguagem da Internet que dizem respeito,


especialmente, à elaboração de materiais.

Sem dúvida, as condições de produção dos materiais para AVA são as de um texto
escrito. Planejamos o que vamos abordar, cuidamos da organização do texto e, depois
de pronto, o revisamos, sem deixar nenhum vestígio de nosso processo de reelaboração.
Além disso, o material, quando publicado no ambiente virtual de aprendizagem, está
com sua redação concluída.

E há mais um detalhe: na redação dos materiais, como acontece quando produzimos


qualquer texto escrito para fins acadêmicos, procuramos cuidar da correção
gramatical; escolhemos bem nossas palavras, na tentativa de usar um vocabulário
variado; e também ficamos atentos à maneira como construímos os enunciados, na
busca de clareza.

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Dá muito trabalho, não é?

Mas há ainda um trabalhinho suplementar muito importante para tornar a leitura do


material a ser veiculado no AVA mais agradável, para que o aluno sinta a presença de
um professor que está do outro lado da máquina.

Esse trabalho consiste no uso de estratégias que conferem ao texto escrito para o
AVA um efeito de oralidade, simulando uma conversa.

Esse efeito é responsável por uma maior interação com o material, o que acaba por
tornar a leitura mais agradável e sua compreensão mais facilitada.

Segundo Cabral e Cavalcante (2010), a linguagem escrita tem duplo papel nos
ambientes virtuais de aprendizagem: transmissão de conteúdos e a interação. Vale lembrar
que, na transmissão de conteúdos, é importante mostrar que estamos interagindo com
os estudantes.

É por isso que os textos da internet procuram mostrar atenuação da hierarquia, para
minimizar a distância imposta pela máquina. Esse é um detalhe importante a ser levado
em conta na elaboração de materiais para o AVA.

Sabemos que somos os professores e que esse estatuto nos coloca numa hierarquia um
pouco acima de nossos alunos; eles também sabem disso, mas se mantivermos clara essa
posição no AVA, isso pode afastar o estudante e não apenas dificultar a interação, como
também tornar o próprio material mais distante do aluno. A esse respeito, Cabral e Seara
(2013) destacam a importância de estratégias de delicadeza que atenuam a hierarquia.

A atenuação da hierarquia se dá por meio de algumas estratégias de uso da linguagem,


sendo uma delas incluir o aluno no texto teórico; assim, mostramos o envolvimento do
produtor com o texto e com o leitor.

Veja o exemplo a seguir:

Incluir o estudante no texto teórico, como interlocutor


• Os coletores de impostos romanos tinham o direito de recolher os impostos e
assumiam a obrigação de remunerar o Estado.
• Você pode achar estranho, mas no Império Romano, já havia mercado de ações.
• Para explorar esse mercado financeiro em crescimento, criaram-se grandes empresas
sob a forma de sociedades por ações. Tente lembrar-se de grandes empresas que
vimos, num passado próximo, sucumbirem por problemas de má Administração.

No exemplo, o emprego de “você” invoca o estudante; o uso do verbo no modo


imperativo (tente) incita-o a tomar uma atitude (lembrar-se). Essas duas estratégias
incluem o estudante no texto teórico, instituindo-o como interlocutor do texto.

Além de incluir o estudante no texto, devemos também nos fazer presentes nos textos
teóricos, para mostrarmos envolvimento com o processo de aprendizagem, como está
exemplificado no quadro a seguir:

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Peculiaridades da linguagem verbal em ambientes virtuais: o efeito de oralidade no texto escrito para AVA

Fazer-se presente também no texto teórico


• Como sabemos, a investigação de aspectos pertinentes ao homem, objeto de
estudo da psicologia, já é antiga. Assim, ao considerarmos a psicologia como
uma ciência independente devemos, em primeiro lugar, avaliar a história das
práticas e dos conhecimentos produzidos com base na busca de compreensão
do homem, das relações entre os homens e das relações entre eles e o ambiente
que os cerca.

• Nesta análise, precisamos levar em conta o desenvolvimento do pensamento


filosófico acerca do entendimento do ser humano. Assim, vamos comparar os
estudiosos, apontando maneiras diferentes de conceber e descrever o universo da
existência humana.

• Nesse estudo, algumas concepções que deram forma à ciência psicológica


merecem nossa atenção especial para compreender o tema.

No exemplo, o emprego de verbos na primeira pessoa do plural e de pronome de


primeira pessoa do plural inclui o produtor no texto teórico e não apenas ele, pois o
valor inclusivo da primeira pessoa do plural inclui simultaneamente o produtor do texto
e o leitor a quem se destina o texto, ou seja, o estudante.

Vale lembrar que, embora o texto escrito para o AVA procure simular uma conversa
com o aluno, seus enunciados apresentam uma organização gramatical própria do
texto escrito, caracterizada pela simplicidade gramatical.
Isso quer dizer que, no texto escrito, não há interrupções, quebras nem sobreposições
nos enunciados.

Outra estratégia que permite gerar um efeito de aproximação do leitor com o conteúdo
do texto, facilitando a leitura, encontra-se na escolha das palavras, como o uso de uma
linguagem mais próxima da linguagem informal, que começa pelo emprego mesclado
da linguagem técnica com a linguagem do dia a dia.

Sabemos que precisamos transmitir conteúdos teóricos. Temos consciência de que


a teoria está atrelada a conceitos e depende, muitas vezes, de termos técnicos, de um
vocabulário específico da área.

Marquesi e Cabral (2012, p. 171) lembram que “o contexto acadêmico implica muitas
vezes a utilização de vocabulário técnico e, não raro, os produtores de textos científicos
revelam acreditar que os textos escritos devem contemplar vocabulário erudito”.
Entretanto, devemos nos lembrar de que nem sempre o estudante tem o domínio do
vocabulário técnico e menos ainda de formas eruditas de dizer.

Além disso, devemos ter claro que, muito frequentemente, o estudante não está
acostumado com a linguagem mais elaborada, enriquecida por palavras de prestígio
usadas nos textos acadêmico-científicos.

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Por isso é que, na elaboração de nossos materiais para AVA, devemos procurar
palavras de fácil compreensão, conforme podemos observar no exemplo que segue:

Texto Acadêmico Texto para AVA


O desenho representa a modelização da cultura, pois, por O desenho representa um meio de transmissão da cultura,
intermédio da linguagem gráfica contida no traço, a partir pois, por intermédio da linguagem gráfica contida no traço, a
de suas noções espácio-temporais de profundidade, de partir de suas noções espácio-temporais de profundidade, de
tridimensionalidade, de perspectiva, permite uma leitura. tridimensionalidade, de perspectiva, permite uma leitura.
A leitura da imagem, perpassada pela decodificação dos A leitura da imagem, exigindo a compreensão do conjunto
sistemas simbólicos, constitui uma comunicação e, por de símbolos que a compõem, constitui uma comunicação e,
conseguinte, é geradora de cultura, e, nesse ponto, o desenho por conseguinte, é geradora de cultura, e, nesse ponto, o desenho
exerce papel importante no armazenamento e na transmissão exerce papel importante no armazenamento e na transmissão de
de produção cultural dos grupos. produção cultural dos grupos.
O desenho assume um importante valor cognitivo à medida que O desenho assume um importante valor para o conhecimento
possibilita o desenvolvimento da imaginação, da capacidade de à medida que possibilita o desenvolvimento da imaginação, da
criar, de ler e reler o mundo, de reescrevê-lo, por intermédio dos capacidade de criar, de ler e reler o mundo, de reescrevê-lo, por
elementos estéticos, artísticos criados pelo homem. intermédio dos elementos estéticos, artísticos criados pelo homem

Há situações em que os termos técnicos se impõem. Assim, quando utilizarmos


termos técnicos que podem ser de difícil compreensão para os alunos, uma estratégia
eficaz é apresentar em seguida sua explicação, na forma de paráfrase, como podemos
observar no exemplo que segue:

Texto Acadêmico Texto para AVA


O desenho evolui para o pictograma até chegar ao ideograma, O desenho evolui para a representação figurativa das palavras, ou
pictograma, até chegar ao ideograma, isto é, um símbolo gráfico
o que resulta, mais tarde, no surgimento das artes plásticas:
que serve para representar uma ideia. Essa evolução resulta, mais
pintura, escultura, etc. tarde, no surgimento das artes plásticas: pintura, escultura, etc.

Apesar de procurarmos um vocabulário mais próximo da compreensão do estudante,


precisamos tomar cuidado para não banalizar os conteúdos, nem infantilizar o texto.
Por isso é que não usamos no material que preparamos os diminutivos, que, às vezes,
utilizamos em nossas mensagens para os estudantes.

Não podemos desprezar, entretanto, outras marcas de subjetividade, reforçando


um conteúdo importante com verbos com maior força argumentativa; alguns recursos
gráficos para chamar a atenção do aluno para itens que precisam de maior atenção,
sem exageros, claro; advérbios avaliativos e intensificadores; marcadores textuais para
orientar a leitura, conforme indicado no excerto a seguir, extraído de uma disciplina
oferecida em AVA:

A Intervenção Verbal
Quando falamos em comunicar, somos, muitas vezes, levados a
pensar apenas em informar. Mas não podemos nos esquecer Verbo com força argumentativa
de que comunicar não é apenas transmitir uma informação.
Evidentemente, há momentos em que desejamos apenas
transmitir uma informação, porém, muito frequentemente,
Advérbio avaliativo, de caráter modalizador
temos outros objetivos, como dar uma ordem, ou expressar um
sentimento, fazer um pedido.

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UNIDADE
Peculiaridades da linguagem verbal em ambientes virtuais: o efeito de oralidade no texto escrito para AVA

Nossos alunos, por exemplo, muitas vezes, fazem uso da


linguagem para nos solicitar uma explicação, para justificar Marcador textual que indica ao leitor a apresentação de exemplos
que não entregaram uma atividade, etc. E nessas ocasiões, eles
querem algo diferente de apenas transmitir uma informação,
mas fazer-nos agir, seja fornecendo a explicação desejada, seja Aspas, para chamar a atenção
“perdoando” a sua falha.

O fato é que quando produzimos uma mensagem, temos a


Expressão adverbial atenuadora
intenção de exercer, de certa forma, alguma influência sobre
o outro: convencer seu interlocutor da veracidade de uma
informação; da necessidade de que ele cumpra uma ordem
Marcador textual que indica ao leitor a apresentação de exemplo.
expressa; ou fazê-lo atender um pedido, por exemplo.

Sempre que dizemos alguma coisa é porque temos uma


intenção, uma finalidade a atingir.
Assim, na interação verbal, os interlocutores exercem uns
Negrito para chamar a atenção sobre um conteúdo.
sobre os outros uma série de influências mútuas. Essas
influências se dão como resposta às mensagens de cada um
dos participantes da interação verbal.
A palavra não é, portanto, apenas um instrumento, é também
uma forma de agir. É, na verdade, uma forma de interagir. Expressão adverbial avaliativa de caráter modalizador

Todos esses elementos são de grande utilidade para a elaboração de materiais para
AVA, tenha certeza!

Nesta Unidade, estudamos as peculiaridades da linguagem verbal no contexto da


Internet. Vimos que, na Internet, a linguagem verbal mescla características tanto da
linguagem oral como da escrita; tanto da formal como a informal. Essa mescla se dá,
como vimos, porque a Internet busca aproximação com a linguagem oral, embora
se utilize predominantemente da linguagem escrita. E, como a Internet acaba nos
aproximando, a linguagem tende a ser menos formal. Todas essas peculiaridades devem
ser levadas em conta na elaboração de materiais para AVA, pois, conforme pudemos
observar, a linguagem constitui uma estratégia para aproximar o estudante do conteúdo
apresentado e estimular seu interesse pelo estudo.

Lembre-se disso na hora de produzir conteúdos para AVA!

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Sites
Língua D’água
Para que você aprofunde seus conhecimentos, indicamos a leitura de uma revista
científica cujo volume 28 contempla vários estudos, todos eles relacionando o uso de
tecnologias ao ensino e alguns contemplando questões de língua e uso da linguagem
verbal. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Linha d’água (online), São Paulo, v. 28, n.
1, jun. 2015.)
http://goo.gl/IvkiEM

Você poderá “passear” pelos artigos propostos pela revista e escolher aqueles que lhe
interessarem. Cada um deles traz uma contribuição diferente.
Aventure-se!

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UNIDADE
Peculiaridades da linguagem verbal em ambientes virtuais: o efeito de oralidade no texto escrito para AVA

Referências
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