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Herberto Helder

(Funchal, 1930-Cascais, 2015)


"…a generosidade e a compreensão que a motivaram"
Herberto Helder
Quem convive com Eduardo Lourenço, todos os dias, conhece-lhe a
cordialidade disponível sem limites, a distracção afável em questões
práticas da vida, a sempre pronta conversa-diálogo de troca de pontos de
vista em respeito mútuo com os outros, a curiosidade intelectual, sem
limites de tempo, por tudo o que rodeia, um humor certeiro, lapidar e
algumas vezes mesmo desarmante. Mas quem convive com Eduardo
Lourenço, todos os dias, habitou-se a conhecer-se lhe também uma
bondade intrínseca que não descansa em ajudar sempre quem lhe está
ao lado, fazendo-o mesmo com pequenos gestos atentos a múltiplas
circunstâncias. As duas cartas inéditas de Herberto Hélder que se
publicam aqui vêm-no provar. No envelope da primeira, Eduardo
Lourenço, conforme é seu costume, anotará: "Resp. 22-3-78" mas no seu
Acervo não há cópia desta resposta. Na segunda carta Herberto Helder
não só agradece mais uma vez "a generosa intervenção" junto do
Secretário de Estado da Cultura como ao lhe enviar um seu último livro
testemunha a forma muito própria da "movimentação errática" que é
sempre o seu exercício poético, uma vez que um livro não deve ser
considerado definitivo. É de 1978 esta sua afirmação a Eduardo Prado
Coelho: "As versões têm variado de destinatário para destinatário,
porque o livro em si mesmo, digamos flutua. É um livro em suspensão.
Não é excitante que um livro não se cristalize, não seja "definitivo"? (cf.
Herberto Helder, Abril, nº1, Fevereiro 1978)
Cascais, 12.3.78

Caro Eduardo Lourenço – 

O António Reis acaba de conceder-me um subsídio de sete mil e


quinhentos escudos mensais, com validade por um ano. 

A sua generosa intervenção, resultado do pedido amigo do Eugénio de


Andrade, foi decerto de muito peso na decisão do secretário de Estado
da Cultura. 

Porque as circunstâncias em que me encontro são deveras difíceis, o


subsídio é para mim mais do que precioso. 

Imagine, caro Eduardo Lourenço, como lhe estou grato. 


Creia na minha estima 
Seu admirador e grato 
Herberto Helder
Cascais, 28.3.78

Caro Eduardo Lourenço –


Ainda que tudo se tenha passado como o António Reis lhe disse, eu
devia-lhe à mesma a si os melhores agradecimentos, porque não se
agradece a eficácia de uma intervenção da natureza daquela que Você
fez, mas a generosidade e compreensão que a motivaram. 

Quanto à sua lamentadíssima ausência da crítica nacional, embora com


ela tivéssemos ganhado a praticamente única reflexão inteligente sobre
a política nacional, creio que ela motivou um tremendo vazio. 

Revendo a "Cobra",* vim introduzindo no texto impresso várias


alterações, algumas delas bastante pertinentes. E eliminei o poema final,
de que redigi uma versão muito distanciada da primeira. Acrescentei
outros dois poemas à última série. Tudo isto se destina a uma hipotética
nova edição. Entretanto, não quero deixar de mandar-lhe um exemplar,
não com a segunda versão referida nem com os dois poemas escritos
posteriormente, mas com as emendas feitas no texto da "cobra"
propriamente dita. 

Creia na minha muita admiração 


Afectuosamente 
Herberto Helder

*Cobra, Ed.& etc, 1977 Lisboa


No obituário publicado no jornal Público (24 de Março de 2015), Luís
Miguel Queirós recorda os «vários empregos precários» a que Herberto
Helder se dedicou: «tornou-se mítico o ecléctico e pitoresco inventário
de ofícios que foi desempenhando para sobreviver enquanto deambulava
pela França, Holanda e Bélgica. Foi operário metalúrgico, empregado
numa cervejaria, cortador de legumes numa casa de sopas, guia de
marinheiros em Amsterdão e empacotador de aparas de papel […].»
Talvez o espírito rebelde, as constantes mudanças de actividade, e até
de país, expliquem que, em 1978, Herberto Helder se encontre em
circunstâncias (usando as suas próprias palavras) «deveras difíceis». As
duas cartas aqui transcritas, datadas de 12 e 28 de Março de 1978,
agradecem a intervenção de Eduardo Lourenço junto do secretário de
Estado da Cultura do II Governo Constitucional, António Reis. O Acervo
de Eduardo Lourenço possui quatro cartas de Herberto Helder, duas
manuscritas e duas dactiloscritas (1975-1978).
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