"…a generosidade e a compreensão que a motivaram" Herberto Helder Quem convive com Eduardo Lourenço, todos os dias, conhece-lhe a cordialidade disponível sem limites, a distracção afável em questões práticas da vida, a sempre pronta conversa-diálogo de troca de pontos de vista em respeito mútuo com os outros, a curiosidade intelectual, sem limites de tempo, por tudo o que rodeia, um humor certeiro, lapidar e algumas vezes mesmo desarmante. Mas quem convive com Eduardo Lourenço, todos os dias, habitou-se a conhecer-se lhe também uma bondade intrínseca que não descansa em ajudar sempre quem lhe está ao lado, fazendo-o mesmo com pequenos gestos atentos a múltiplas circunstâncias. As duas cartas inéditas de Herberto Hélder que se publicam aqui vêm-no provar. No envelope da primeira, Eduardo Lourenço, conforme é seu costume, anotará: "Resp. 22-3-78" mas no seu Acervo não há cópia desta resposta. Na segunda carta Herberto Helder não só agradece mais uma vez "a generosa intervenção" junto do Secretário de Estado da Cultura como ao lhe enviar um seu último livro testemunha a forma muito própria da "movimentação errática" que é sempre o seu exercício poético, uma vez que um livro não deve ser considerado definitivo. É de 1978 esta sua afirmação a Eduardo Prado Coelho: "As versões têm variado de destinatário para destinatário, porque o livro em si mesmo, digamos flutua. É um livro em suspensão. Não é excitante que um livro não se cristalize, não seja "definitivo"? (cf. Herberto Helder, Abril, nº1, Fevereiro 1978) Cascais, 12.3.78
Caro Eduardo Lourenço –
O António Reis acaba de conceder-me um subsídio de sete mil e
quinhentos escudos mensais, com validade por um ano.
A sua generosa intervenção, resultado do pedido amigo do Eugénio de
Andrade, foi decerto de muito peso na decisão do secretário de Estado da Cultura.
Porque as circunstâncias em que me encontro são deveras difíceis, o
subsídio é para mim mais do que precioso.
Imagine, caro Eduardo Lourenço, como lhe estou grato.
Creia na minha estima Seu admirador e grato Herberto Helder Cascais, 28.3.78
Caro Eduardo Lourenço –
Ainda que tudo se tenha passado como o António Reis lhe disse, eu devia-lhe à mesma a si os melhores agradecimentos, porque não se agradece a eficácia de uma intervenção da natureza daquela que Você fez, mas a generosidade e compreensão que a motivaram.
Quanto à sua lamentadíssima ausência da crítica nacional, embora com
ela tivéssemos ganhado a praticamente única reflexão inteligente sobre a política nacional, creio que ela motivou um tremendo vazio.
Revendo a "Cobra",* vim introduzindo no texto impresso várias
alterações, algumas delas bastante pertinentes. E eliminei o poema final, de que redigi uma versão muito distanciada da primeira. Acrescentei outros dois poemas à última série. Tudo isto se destina a uma hipotética nova edição. Entretanto, não quero deixar de mandar-lhe um exemplar, não com a segunda versão referida nem com os dois poemas escritos posteriormente, mas com as emendas feitas no texto da "cobra" propriamente dita.