Você está na página 1de 4

Justificativa

Partindo para a justificativa, em primeiro lugar, o projeto de pesquisa visa


circundar as discussões que são pertinentes a linha de História, Cultura e Narrativas,
utilizando-se de autores(as) que abrangem ou apresentam uma possível análise
historiográfica para além da primazia das ordens políticas e econômicas, salientando as
práticas sociais e culturais como participantes ou produtoras de uma memória histórica.
Como, considerando o presente projeto, a produção musical.

Dessa forma, os objetivos da pesquisa, pautados em pesquisar a difusão de um


movimento religioso, marcado em um tempo e espaço específico, bem como de
investigar a história das religiões e de entender a visibilidade da cultura oriental no
Ocidente a partir da música, possibilitam evidenciar, sendo revelado aqui a importância
acadêmica do projeto, as formas de expressão de uma cultura e todo o processo de
apropriação, ressignificação e representação feito por determinados personagens
históricos (como George Harrison), levando em conta suas visões de mundo.

Nesse sentido, para afirmar a validade das compreensões supracitadas, é


necessário o respaldo em autores como o historiador francês, Jacques Le Goff, no livro
História e Memória, do também historiador francês, Roger Chartier, no artigo O Mundo
como representação, e da historiadora brasileira, Sandra Jatahy Pesavento, no livro
Narrativas, imagens e práticas sociais: percursos em história cultural. Contudo, antes,
é imprescindível lembrar que as discussões feitas por estes profissionais não abordam,
especificadamente, os questionamentos elencados neste projeto de pesquisa, mas as suas
análises podem ser prolongadas para o estudo que aqui será feito, desde o tratamento do
próprio personagem que produz o álbum musical védico como também do documento
em si, colocado como objeto de estudo.

Sandra Jatahy Pesavento, no capítulo “O mundo da imagem: território da


história cultural”, do livro já citado, apresenta a importância dos materiais imagéticos
para compreensão de uma determinada realidade e que, com outras formas de
linguagens e códigos, substituem o lugar dos acontecimentos e seres, dotados de
significados. (PESAVENTO, 2008)

Para além disso, a autora compreende que, em conjunto com a imagem visual
que carrega ou que se coloca no lugar das ações humanas, existe a imagem mental que
confere sentido àquilo que é visto e o adjetiva. Este processo de interpretação do que é
visual e que remete a uma imagem mental, é reflexo daquilo que Pesavento caracteriza
de “museu imaginário”. Sendo este último, presente em todos os indivíduos a partir das
suas experiências, ou seja, das leituras que fez, da formação profissional, território em
que vive, etc. A realidade, nesse sentido, é recriada pelo imaginário. (PESAVENTO,
2008)

Levando em conta estas observações de Sandra Pesavento, é possível relacioná-


las com os próprios elementos constituintes na temática do projeto de pesquisa. Pois o
produtor musical do álbum que aqui será estudado, o ex-Beatle George Harrison, a
partir de seu museu imaginário, interpretou uma ramificação da religião hinduísta e
atribuiu um novo sentido a ela, conectando as suas experiências com aquilo que não
fazia parte da sua realidade.

Já o autor Jacques Le Goff, no último capítulo do livro História e Memória,


traça os materiais da memória coletiva e, como diz o próprio autor, da sua forma
científica, a história, que são: o documento e o monumento. Sendo este último a herança
do passado e, o primeiro, a escolha do historiador. Além disso, ele retoma,
historicamente, uma breve trajetória da compreensão do que era documento histórico
(objeto de estudo da disciplina), desde o triunfo do documento escrito até revolução
documental, proporcionada na primeira metade do século XX, que abrangeu as
possibilidades de estudo com outras fontes, em conjunto com interdisciplinaridade. (LE
GOFF, 2003)

Contudo, é a partir do terceiro tópico de seu capítulo que suas análises se tornam
fundamentais para justificação da pesquisa aqui apresentada e, acima de tudo, com o
tratamento a ser feito no objeto de estudo da mesma. Segundo Le Goff, apenas
compreendendo o documento enquanto monumento é possível recuperar o passado,
cientificamente pelo historiador, com conhecimento de causa. Ou seja, perceber que o
documento é produto de uma relação de forças que, conscientemente ou não, o
manipulam, construindo uma aparência enganadora. Dessa forma, o historiador francês
concebe a importância do historiador em desmistificar essa montagem feita sob aquilo
que restou do passado e entender as condições de produção dos documentos-
monumentos. (LE GOFF, 2003)
Nesse sentido, se o documento deste projeto de pesquisa, o álbum “The Radha
Krsna Temple”, chegou até os dias atuais e em diversas mídias possíveis, é porque
existe uma série de forças que atuam e/ou atuaram sobre ele, criando toda uma
roupagem ilusória. Cabe então, nesta pesquisa, compreender estas ações presentes em
torno do álbum védico, em direção a estudar esta produção musical e sua condição de
formação.

Por fim, o historiador francês Roger Chartier, em seu artigo O mundo como
representação, publicado na revista Annales, aborda alguns temas pertinentes aos
estudos históricos a partir do final dos anos 80, do século XX. Nesse sentido, o autor
discute a existência de uma “crise geral das ciências sociais”, a partir do abandono, por
exemplo, dos sistemas globais de intepretação, os “paradigmas dominantes”, como o
estruturalismo e o marxismo. Chartier compreende que, ao final da década supracitada,
a história é convidada a reformular seus objetos e renunciar os princípios de
inteligibilidade que governavam a prática de pesquisa há quase trinta anos. Renunciando
o projeto de história global, a definição territorial dos objetos de pesquisa e a primazia
ao recorte social. O autor propõe a passagem de uma história social da cultura para uma
história cultural do social. (CHARTIER, 1991)

Com a finalidade de exemplificar estas análises, o autor recorre a sua própria


experiência, relacionada ao estudo da história dos livros, da edição e da leitura e como
esta é apropriada pelos indivíduos de forma diferenciada. Desta última, quando se
estuda na disciplina histórica, explica Chartier:

“A apropriação, a nosso ver, visa uma história social dos usos e das
interpretações, referidas a suas determinações fundamentais e inscritas nas
práticas específicas que as produzem (12). Assim, voltar a atenção para as
condições e os processos que, muito concretamente, sustentam as operações
de produção do sentido (na relação de leitura, mas em tantos outros também)
é reconhecer, contra a antiga história intelectual, que nem as inteligências
nem as ideias são desencarnadas, e, contra os pensamentos do universal, que
as categorias dadas como invariantes, sejam elas filosóficas ou
fenomenológicas, devem ser construídas na descontinuidade das trajetórias
históricas.” (CHARTIER, 1991, p. 180)

Portanto, ao relacionar essas discussões feitas pelo historiador francês no


presente projeto de pesquisa, é possível entender que ao estudar a produção de um
álbum védico também possibilita visualizar a apropriação de uma determinada cultura,
sendo esta ressignificada a partir de uma determinada visão de mundo, criando outro
sentido. As formas de expressão de uma cultura ou, especificadamente, de uma
ramificação de uma religião não pode ser desvinculada da compreensão da recepção
dela pelos indivíduos, bem como, parafraseando Chartier, da descontinuidade das
trajetórias históricas.

Você também pode gostar