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Dialogo Macabéa e Olimpico, Adaptado.

(A Hora da Estrela)

Sentavam-se no é de graça: banco de praça publica e ali acomodados, nada os distinguia do


resto de nada. Para grande gloria de deus.

Ele: - Pois i é?

Ela: - Pois i é o que homi?

Ele: - eu só disse “pois i é”

Ela: - Mas, pois i é o que?

Ele: - Mió mudar de conversa, pois tu não me intendi

Ela: - intendê o que homi?

Ele: - Santa virge, macabéa, vamo muda de assunto e já

Ela: - mas então fala di que?

Ele: - pur exemplo d’ocê

Ela: - Eu?!

Ele: - pur que esse espanto? Tu não é gente? Gente fala de gente

Ela: - ahh desculpe, mas não acho que sou muito gente

Ele: - todo mundo é gente, meu deus!

Ela: - É que não me acosxtumei

Ele: - não se acosxtumou com u que?

Ela: - Ah nem sei lhe dizer

Ele: - i então?

Ela: - i então o que homi?

Ele: - veja, eu vou me embora, porque tu é impossível.

Ela: - É que sou só impossível mesmo, não sei ser mais nada. Que qu’eu faço pra conseguir ser
possível?

Ele: - Para de fala, tu só diz bobagi, só diga o que for do seu agrado

Ela: - Acho que nem sei

Ele: - num sabi uque?

Ela: - hein?

Ele: - olha tô ate suando de agonia, vamo não fala é de nada. Ta bem?

Ela: - sim, ta bem. Como tu quiser


Ele: - é tu não tem solução mesmo. Quanto eu, de tanto me chamá eu virei eu. La no sertão da
Paraíba todo mundo sabe quem é o Olimpico. E um dia o mundo todo vai saber de mim.

Ela: - i É?

Ele: - Pois se digo! Tu não acredita?

Ela: - acredito sim, credito, credito, não quero te ofendê

Ela: - veja esse poço, ocê sabe se nois pode comprar um buraco?

Ele: - ocê não percebeu que tudo que pergunta não tem resposta?

Ela: - não é só visão isso de fica rico?

Ele: - vá pro inferno, tu só desconfia. Eu só não digo besteira porque tu é moça donzela.

Ela: - cuide das preocupações, diz que da ferida nos estomago.

Ele: - preocupação o que? Eu sei que vou vencê. E tu tem preocupação?

Ela: - não tenho nada não, acho que não preciso vencer nessa vida.

Foi a única vez em que falou de si própria para Olímpico de Jesus. Estava habituada a se
esquecer de si mesma. Nunca quebrava seus hábitos, tinha medo de inventar.

Ela: - Você sabia que na radio relógio disseram que um homem escreveu um livro chamado
“Alice no País das Maravilhas” e que ele era também matemático? Falaram também em
“Élgebra”. O que é que quer dizer “élgebra”.

Ele: - saber disso é cousa de fresco, de homem que vira mulher. Desculpe a palavra de eu ter
dito fresco porque isso é palavrão para moça direita.

Ela: - Nessa radio eles dizem essa cousa de “cultura” e palavras difíceis, por exemplo: o que
quer dizer “eletrônico”?

Silencio

Ele: - Eu sei mas não quero dizer.

Ela: - eu gosto tanto de ouvir os pingos dos minutos no tempo assim: tic-tac-tic-tac-tic-tac. A
radio relógio diz que dá a hora certa, cultura e anúncios. Que quer dizer cultura?

Ele: - Cultura é cultura. (continuou ele emburrado) você também vive me encostando na
parede.

Ela: - é que muita coisa eu não entendo bem. O que quer dizer “renda per capita”?

Ele: - ora, é fácil, é coisa de médico.

Ela: - o que quer dizer Rua Conde Bonfim? O que é Conde? É Príncipe?

Ele: - Conde é Conde, ora essa.


Pensar era tão difícil, ela não sabia de que jeito se pensava. Mas olímpico não só pensava
como usava palavreado fino. Nunca esqueceria que no primeiro encontro ele a chamara de
“senhorinha”, ele fizera dela um alguém. Como era um alguém, ate comprou um batom cor de
rosa. O seu dialogo era sempre oco. Dava-se conta longinquamente de que nunca dissera uma
palavra verdadeira. E “amor” ela não chamava de amor, chamava de não sei o quê.

Ele: - Olhe, Macabéa

Ela: - Olhe o que?

Ele: - não, meu deus, não é “olhe” de ver, é “olhe” como quando se quer que uma pessoa
escute! Está escutando?

Ela: - tudinho, tudinho.

Ele: - tudinho o quê, meu deus, pois se eu ainda não falei! Pois olhe vou lhe pagar um
cafezinho no botequim. Quer?

Ela: - pode ser pingado com leite?

Ele: - pode, é o mesmo preço, se for mais, o resto você paga.

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