CAPÍTULO 1 – Origem, extensão e fim do governo civil
Rejeitado (no 1º tratado) o domínio de Adão, é preciso encontrar outro fundamento para o governo, outra origem para o poder político que não seja a força e a violência (a lei do mais forte). Poder político – definição: o DIREITO de fazer leis com pena de morte (e, por conseguinte, com todas as penas menores) para a regulação e preservação da propriedade, e de empregar a força da comunidade na execução dessas leis e na defesa contra agressão estrangeira, tudo isso visando ao bem comum.
CAPÍTULO 2 – Estado de natureza
O estado de natureza é o estado em que todos os homens originalmente se encontram. É um estado de perfeita liberdade para ordenar suas ações e dispor de suas pessoas e suas propriedades, de acordo com os limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade de outra pessoa. É também um estado de igualdade, onde todo o poder e jurisdição estão repartidos igualmente, não havendo qualquer subordinação ou sujeição entre os homens. O estado de natureza não é um estado de licenciosidade. Os homens não possuem liberdade para destruir a si próprios ou a qualquer criatura em seu poder, salvo para uso mais nobre do que a mera preservação. O estado de natureza é governado pela lei da natureza, que é a razão, a qual impõe que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar a outrem em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou suas posses. Cada um, pelo mesmo dever que possui de preservar a si mesmo, deve preservar ao resto da humanidade, na medida do possível, quando sua própria preservação não estiver em jogo, e não deve tirar ou prejudicar a vida, ou o que diz respeito à preservação da vida, a liberdade, a saúde e os bens de outrem, salvo para justiçar a um ofensor. No estado de natureza, a execução da lei da natureza está nas mãos de todos os homens, de modo que cada um tem o direito de punir o transgressor de modo proporcional à sua ofensa, visando à retribuição do mal cometido e à dissuasão dos outros através do exemplo. Quando a transgressão de alguém causar um dano a outrem, este, além do direito de punição comum a todos os demais, possui também o direito de exigir do ofensor a reparação do dano, e todo aquele que assim considerar justo poderá unir-se ao que foi lesado e auxilia-lo na obtenção da reparação. O magistrado, em cujas mãos foi posto o direito comum de punir, pode perdoar o ofensor no que tange à punição criminal, mas somente o lesado pode perdoar a reparação. Aquele que sofreu o dano tem o direito de apropriar-se dos bens ou do serviço do ofensor, pelo direito de autopreservação. Todo homem, no estado de natureza, tem o direito de matar um assassino, tanto para, com o exemplo, dissuadir outros de cometer o mesmo crime quanto para proteger aos demais. Sob isso se assenta a grande lei da natureza: aquele que derramar o sangue de um homem terá o seu sangue derramado por um homem. Pela mesma razão, no estado de natureza, um homem tem o direito de punir as menores violações da lei da natureza, devendo cada transgressão ser punida na extensão e severidade suficientes para fazer com que o crime não compense para o ofensor, dar-lhe causa para arrependimento e aterrorizar os outros de fazerem o mesmo. Sem entrar nos meandros da lei da natureza, é certo que existe essa lei e que ela é tão inteligível e clara para uma criatura racional e um seu estudioso quanto as leis positivas dos Estados; ou melhor, possivelmente até mais clara, na medida em que a razão é mais fácil de ser entendida do que as fantasias e artifícios intrincados dos homens. As leis dos Estados só o são na medida em que estejam fundadas na lei da natureza, segundo a qual elas devem ser reguladas e interpretadas. Não é todo pacto que põe um fim ao estado de natureza entre os homens, mas somente aquele de acordarem mutuamente em entrar em uma comunidade e formarem um corpo político. Todos os homens estão naturalmente naquele estado e assim permanecem até que, por sua própria vontade, tornam-se membros de uma sociedade política.