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OS DESTINOS DA PULSÃO

IPB
2019
Marcela Antelo
Apoio e deriva
Pulsão
Mitologia / Colagem surrealista
■ Para Lacan, uma montagem
■ Equivalente a "um dínamo acoplado na tomada de gás, de onde sai uma pena de
pavão que vem fazer cócegas no ventre de uma bela mulher que lá está incluída
para a beleza da coisa" (Lacan, 1979[1964], p. 161).
■ O próprio Freud, aliás, já a comparava aos grandes seres míticos, sempre
aberrantes e monstruosos: ciclopes, sátiros, centauros e sereias. « A teoria das
pulsoes é por assim dizer nossa mitologia. As pulsões são seres míticos, formidaveis
na sua imprecisão » Freud, S. Novas Conferencias introdutorias, Angustia e vida pulsional »
O sexual, coordenada traumática

■ Freud confrontava a moral sexual ■ Constitui junto a morte, o par de


civilizada de finais do século XIX coordenadas traumáticas da
apontando a um buraco negro no existência: sexualidade e morte
coração do ser. Um furo ontológico. como ensina Freud a partir do
esquecimento do nome próprio
■ A peste freudiana: Houve que
Signorelli.
esperar Freud para plantar o sexual,
o traumatismo sexual, no coração ■ Os impossíveis a simbolizar, a
da etiologia. pensar e processar como diríamos
hoje em dia.
"Contra a glorificação da vida Instintiva que degrada a alma
humana e pela nobreza do espíritu entrego às chamas
(fogo=sexualidade) as obras da escuela de Sigmund Freud".

(discurso do militar nazista que queimou as obras de Freud)


O julgamento final, afresco de Luca Signorelli (1499).
“O mais grandioso que vi até hoje” diz Freud a Fliess
em 1898.
Furo no saber

■ Para Freud a sexualidade é recalcada pelo que tem de enigmática: em relação ao sexo ha
um furo no saber; nao há programa sobre a relação entre os sexos inscrito no libro da
natureza. Não há uma condição universal da eleição de objeto. A Demanda do Outro
determina o objeto a ser adotado. (JL Sem. XI).
■ A pulsão contorna um furo velado pelas imagens oferecidas pela historia do sujeito.
■ Pulsión, antípoda do instinto. Padeceu uma tradução deshonesta
■ Sobre a mais geral degradação geral da vida amorosa Sigmund Freud (1912): Libido nas
alturas graças a um obstáculo. p.148 (O.I Editora Autêntica)

■ Lacan o soube dizer: “[...]em um ponto o simbólico carece de material”. Lacan, Jacques. O
seminário, Livro 3, As psicoses, p. 252
Se ele o sabia porque não o disse?

■ Conta-se que Freud assistiu em Paris entre 1885 e 1886 a uma reunião na casa de
Charcot e escutou o seguinte diálogo referindo-se ao caso de um jovem casal no
qual o marido estava impotente. Charcot responde a seu aluno Brouardel: nesses
casos é sempre a coisa genital, sempre...sempre...sempre”.
■ Freud se interrogou: “Bem, se ele o sabia, porque ele nunca o disse?

■ Freud, Sigmund, Historia del movimiento psicoanalítico, Amorrortu, v. 14, p. 12


Transmitir o que não se sabe
■ Freud estende a denegação a seus três mestres essenciais que transmitiram a ele a
“coisa genital”. Breuer: “são sempre segredos de alcova”, Charcot (é sempre, sempre,
sempre, a coisa genital” e o ginecologista de Viena, Chrobak (Frente a paciente
encaminhada a Freud, casada há 18 anos mais ainda virgo intacta por marido impotente,
aconselha em latim: Penis normalis dosim Repetatur!
■ “Os três me transmitiram uma inteleção que, em todo rigor, eles mesmos não possuíam”.
■ Os dois primeiros desmentiram a paternidade da etiologia sexual das neuroses e Charcot o
teria feito se Freud o tivesse encontrado mais uma vez. Freud é muito elegante nesse
ponto. não tenho revelado a ilustre origem dessa ideia atroz para descarregar sobre outros
a responsabilidade por ela.

■ Freud, Sigmund, Historia del movimiento psicoanalítico, Amorrortu, v. 14, p. 13


Modelo pulsional em Freud

■ 1898 Trieb no “Projeto de uma Psicologia para neurologistas” (Temporão da


vontade)
■ 1905 Trieb em "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade“. Primeira teoria das
pulsões: autoconservação e sexualidade
■ 1914 Pulsoes do eu e pulsões sexuais perturbação do narcisismo. O Eu libidinizado
não é compatível com a autopreservação.
■ 1915 Trieb e sua gramática. Se faire/se fazer
■ 1920 Eros e Thanatos
As pulsões e seus destinos (1915)
Primeira parte: Concentrado de epistemologia: Grundbegriffe

1)Nenhuma ciência começa com definições claras e precisas.


2)Ideias abstratas aplicadas ao material tomadas de algum lugar, (from
somewhere)não somente das novas experiencias.
3)Devem manter um grau de indeterminação(preservemos)
4)Parecem ser extraídas do material experiencial mas na verdade este
lhe é subordinado
5) Imaginamos as relações das ideias com o material empírico antes de
pode reconhecer e demonstrar
6) O progresso do conhecimento não tolera nenhuma rigidez nas
definições. Exlo: Física.
Pulsão Grundbegriffe: conceito fundamental
alicerce/ solo/ fundamento/ base

Pulsão Grenzbegriff: conceito limite ou conceito fronteiriço.


Procuremos, pois, preenchê-lo com conteúdos, partindo de diferentes
lados.

1)Fisiologia: diferenciar pulsão de estimulo fisiológico/impacto único


(momentâneo) vs. Força constante.
Ataca do interior e não há fuga possível
Necessidade-→ satisfação
Ação muscular (fuga) vs. Constante premência/inexpugnabilidade

2) Biologia: manter-se livre do estímulo


Estímulo Reiz: O que irrita e desestabiliza

■ a introdução das pulsões torna complexo o


simples esquema reflexo fisiológico
■ Tarefa do sistema nervoso:
■ induzem-no a atividades complicadas
o domínio dos estímulos e intricadas entre si
■ Abdicar da intenção ideal de mantê-los
afastados
Uma tarefa: subtrair-se
■ Motores do progresso do sistema nervoso
■ As pulsões são em parte, precipitados dos
A sensação de desprazer tem a ver
efeitos de estímulos externos que, no
com o aumento, e a sensação de
decurso da filogênese, atuaram de forma
prazer, com a diminuição do estímulo.
transformadora sobre a substância viva.
Trieb
■ conceito fronteiriço entre o anímico e o somático,
■ como representante psíquico dos estímulos oriundos do interior do corpo que
alcançam a alma,
■ como uma medida da exigência de trabalho imposta ao anímico em decorrência de
sua relação com o corporal.
Termos correlatos
■ Pressão: fator motor, a soma de força ou a medida da exigência de trabalho. Caráter
impelente: sua essência. Parcela de atividade. Nunca passiva, só sua meta.
■ Meta: sempre é a satisfação. As metas podem ser diversas, combinadas, substituídas,
inibidas, desviadas.
■ Objeto é aquele junto ao qual, ou através do qual, a pulsão pode alcançar sua meta. É o
que há de mais variável na pulsão, não estando originariamente a ela vinculado, sendo
apenas a ela atribuído por sua capacidade de tornar possível a satisfação. objeto
estranho (não necessariamente) ou parte do próprio corpo. Substituído e deslocado.
Mesmo objeto para satisfazer diversas pulsões.
■ Fonte: o processo somático em um órgão ou parte do corpo, cujo estímulo é
representado na vida anímica pela pulsão. Não se sabe se esse processo é regularmente
de natureza química ou se também pode corresponder à liberação de outras forças, por
exemplo, mecânicas. A origem em uma fonte somática é o elemento mais decisivo para a
pulsão, só a conhecemos na vida anímica por causa de suas metas. Inferidas pelas
metas.
Quais e quantas pulsões?
Reduzir às primordiais pelas fontes.

Construção auxiliar: só deve ser mantida enquanto for útil


Dualidade pulsional: as pulsões do Eu, ou de autopreservação, e as pulsões sexuais.
A clínica das neuroses de transferência ofereceu essa formalização
A clinica das psiconeuroses narcissícas (esquizofrenia, paranoia, melancolia) pode oferecer
outro binômio.
Por enquanto essa dualidade encontra apoio na Biologia
Biologia: duas concepções da relação entre o
individuo e a sexualidade

■ O indivíduo é o elemento principal, sendo a sexualidade valorizada como uma de suas


atividades e a satisfação sexual como uma de suas necessidades

■ O indivíduo é um apêndice temporário e evanescente de um plasma germinativo


quase imortal, que lhe foi confiado pela transmissão geracional.

■ Argumento retomado por Lacan no Seminário 11, teoria da lamelle.


MHBrousse em “A pulsão” faz analogia com Alien. Mito pós-moderno.
■ Stevens, Alexander. “A lamelle como mito moderno”. Quarto 60. Revue ECF-ACF en
Belgique. Juillet 1996.
■ Editorial de Ornicar? digital 70, Eric Laurent
Pulsões sexuais: classificação geral

■ são numerosas,
■ advêm de múltiplas fontes orgânicas,
■ agem inicialmente de forma independente umas das outras e
■ só depois se reúnem em uma síntese mais ou menos acabada.
■ A meta a que cada uma delas aspira é a obtenção do prazer de órgão

■ Apoiam-se inicialmente nas pulsões de conservação, das quais apenas aos poucos
se desligam, e seguem também na busca do objeto os caminhos indicados pelas
pulsões do Eu.
Pulsões sexuais

■ Uma parte delas segue por toda a vida associada às pulsões do Eu, dotando-os
com componentes libidinais, que passam facilmente ignorados durante o
funcionamento normal, surgindo de modo claro apenas a partir do adoecimento.
■ Caracterizam-se, em grande medida, por poderem se substituir vicariamente umas
pelas outras e por poderem trocar facilmente seus objetos.
■ Devido a tais atributos, são capazes de realizações muito distantes das ações
originais, orientadas a determinadas metas. (Sublimação.)
■ A investigação sobre quais destinos as pulsões podem experienciar ao longo do
desenvolvimento e da vida terá que ser por nós restrita às pulsões sexuais
que conhecemos melhor.
As pulsões e seus destinos/vicissitudes

■ A reversão em seu contrário,


■ O retorno em direção à própria pessoa, ao próprio eu,
■ O recalque
■ A sublimação.

■ Levando-se em consideração as forças moventes que operam contrapondo-se à


sequência de seu fluxo direto, pode-se também descrever os destinos pulsionais
como espécies de defesa contra as pulsões.
A reversão em seu ■ Passagem de uma pulsão da atividade
para a passividade (1) e a inversão de
contrário conteúdo (2).

■ (1) Meta ativa: atormentar, contemplar, é


substituída pela passiva: ser atormentado,
ser contemplado.
Reversão só diz respeito ■ (2) Inversão de conteúdo: caso único da
as metas transformação de amar em odiar
O retorno em ■ A reversão no contrário e o retorno contra si
próprio coincidem no caso do sadismo e
masoquismo.
direção à
própria ■ a) O sadismo consiste em atividade de
violência, dominação sobre outra pessoa

pessoa como objeto.


■ b) Tal objeto é abandonado e substituído
pela própria pessoa. (transformação) Com o
retorno em direção a si se transforma
também a meta ativa da pulsão em meta
Só diz respeito ao passiva.
objeto com ■ C) Novamente outra pessoa é procurada
como objeto, a qual, pela transformação da
invariância da meta meta ocorrida, terá que assumir o papel do
sujeito. (masoquismo só aqui)
■ O verbo ativo não passa para a voz passiva
mas sim para a voz media reflexiva.
Voyeurismo ■ a) O olhar como atividade, dirigido a um
objeto alheio

exibicionismo ■ b) o abandono do objeto, o retorno da pulsão


de olhar para uma parte do próprio corpo, e
com isso a reversão para a passividade e a
designação da nova meta: ser contemplado;
■ c) a introdução de um novo sujeito, a quem a
pessoa se mostra, no intuito de ser
Olhar observada por ele.

Ser olhado ■ Diferença do olhar: um antes de a).


■ a pulsão de olhar é autoerótica no inicio
■ Só mais tarde ela é conduzida (pela via da
comparação) a trocar esse objeto por
um que seja análogo no corpo alheio (fase
Se fazer olhar a).
Os dois primeiros destinos não empenham todo o montante
da pulsão.

■ Talvez, aliás, aqui se justifique ainda uma outra forma de concepção e


apresentação.
■ Podemos decompor a vida de cada pulsão em ondas singulares, cronologicamente
isoladas, sendo cada uma delas homogênea no interior de um período de tempo,
seja qual for sua duração, e que se comportam entre si de modo comparável a
sucessivas erupções de lava.
■ Uma original inmutável e outras com variações
■ Ambivalencia de Bleuler
Os destinos da pulsão, o retorno em direção ao próprio Eu e a
reversão da atividade em passividade, dependem da
organização narcísica do Eu

■ Se comportam de maneira autoerótica, quer dizer, seu objeto desaparece em face


do órgão que é sua fonte e, via de regra, coincide com ele.
■ o órgão-fonte no sadismo, musculatura capacitada para a ação,
aponta diretamente para outro objeto, ainda que ele se situe no próprio corpo.
■ Nas pulsões autoeróticas, o papel do órgão-fonte é tão decisivo a forma e a função
do órgão determinam a atividade ou a passividade da meta pulsional. A
■ transformação de uma pulsão em seu oposto (material) é observada apenas em
um caso: na conversão do amor em ódio. Como ambos, com especial frequência,
aparecem dirigidos simultaneamente para o mesmo objeto, sua
coexistência oferece o exemplo mais significativo de uma ambivalência de
sentimentos.
Destinos

■ Podemos destacar, de modo resumido, que os destinos da pulsão consistem


essencialmente no fato de que as moções pulsionais estão submetidas às
influências das três grandes polaridades que dominam a vida anímica.
■ Dessas três polaridades poderíamos designar a da
■ atividade–passividade como a biológica,
■ a do Eu–mundo externo como a real e, finalmente,
■ a do prazer–desprazer como a econômica.

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