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PEQUENOS NEGÓCIOS E DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL (II): COESÃO DO PLANO E

FLEXIBILIDADE

Desenvolver um trabalho bem estruturado de planejamento para melhor aproveitar


oportunidades locais e criar condições para enfrentar ameaças oferecidas pelo
ambiente é um dos principais desafios de governantes e empreendedores de diversas
esferas, notadamente no âmbito municipal. Parte importante deste trabalho toma a
forma de formular ações voltadas para micro e pequenas empresas. Este artigo traz
recomendações práticas sobre a tarefa de elaborar uma estratégia e indica cuidados
que podem contribuir para que se chegue a uma estratégia mais eficaz.

Uma vez que as ações que compõem os planos têm natureza variada, é necessário distinguir
assuntos que exijam linhas de ação distintas; diferenciar o que depende de ação combinada de
parceiros do que não depende; saber o que deve ser executado antes como pré-condição para
outras ações; e perceber quando é preferível se manter dentro de limites pré-existentes ou
quando é melhor trabalhar na sua ampliação.

A comparação entre diferentes planos estratégicos municipais permite visualizar certas


características recomendáveis: temáticas claramente divididas, exploração criativa das
possibilidades de parceria local, distinção entre esforços estruturantes daqueles que não o são
e uma visão que transcende limites territoriais restritos de atuação 1. Assim, algumas ações
básicas e recomendáveis são as seguintes:

- dividir os problemas em temas estrategicamente administráveis;

- considerar exaustivamente as possibilidades ligadas a parcerias com instituições que


poderão apoiar o desenvolvimento das ações do plano;

1
Constatação baseada nos relatórios recebidos para exame pelo Sebrae-SP por ocasião da concessão do
Prêmio Sebrae Prefeito Empreendedor.

1
- atentar para o caráter estruturante das iniciativas, isto é, referir-se predominantemente
a ações que criem condições futuras para o desenvolvimento das atividades de maior
potencial;

- estudar a possibilidade de ampliação dos mercados para a produção local (incluindo-se


o mercado internacional), considerando as exigências de qualidade, capacitação,
tecnologia e volume de produção que tal incremento acarretaria.

Organicidade e abrangência das ações

Freqüentemente se ouve que o principal problema dos planos de desenvolvimento local


vinculados a pequenos negócios reside na descontinuidade das políticas públicas, derivada da
transitoriedade dos agentes que se mantêm no poder. Mas existem, a nosso ver, pelo menos
quatro problemas possíveis relacionados com as questões de formulação, abrangência e
estruturação das ações planejadas:

 elas não têm o grau de abrangência que deveriam;


 elas não formam um conjunto coerente;
 elas não apresentam sinergia ou convergência;
 sua implementação significa subotimização.

Embora seja possível lançar mão de diversas providências em várias frentes ao mesmo tempo
sem que exista muita conexão entre elas (e isso é certamente melhor do que não implementar
ação alguma), o desejável para maximizar o resultado possível é que as providências formem
um todo orgânico, isto é, estejam organizadas de forma coerente com determinados objetivos,
práticas, condições e meios. Faz-se necessária a existência de um projeto de desenvolvimento,
no qual a sinergia das ações provoque um efeito conjunto superior à soma de seus efeitos
considerados individualmente, isto é, deve-se evitar a dispersão dos esforços. Além disso, e
especialmente nos casos em que a carência de infra-estrutura é muito grande, a mais
importante das decisões se refere a o que deve ser priorizado. Organicidade e escolha
criteriosa entre prioridades são elementos que costumam estar presentes nos melhores planos
de desenvolvimento que tivemos a oportunidade de examinar.

Não há dúvida que iniciativas implementadas somente em razão de seu caráter social podem
gerar benefícios importantes. No entanto, se elas forem fragmentadas e esparsas, e se não
estiverem voltadas para o aumento da capacitação competitiva da cidade ou região, só
acidentalmente permitirão obter o melhor resultado possível em termos de fortalecimento da
estrutura produtiva que alternativamente se teria com otimização do uso de recursos e geração

2
duradoura de benefícios. Considerando que o desenvolvimento da economia local como um
processo --movimento dotado de dinamismo – verifica-se que tais ações não são
necessariamente as mesmas que capacitariam a região para competir em mercados
crescentemente exigentes, cada vez mais competitivos e não raro internacionalizados.

Uma estratégia de boa qualidade supõe ações amplas, e não pontuais, como elementos de um
sistema em constante movimento. Geralmente se trata de operar em várias frentes,
complementares, que devem ser trabalhadas de forma orgânica, isto é, como um conjunto
coerente e bem estruturado. Para isso, é preciso visualizar o quadro inteiro do processo de
evolução econômica local. A concepção das ações deve considerar a forma como elas se
influenciam mutuamente, sua finalidade direta e os objetivos a alcançar. Em outras palavras, a
estratégia deve assumir a forma de um conjunto dotado de um sentido e convergência, ao
invés de ser um aglomerado de ações.

O exemplo, positivo, de Aguaí (SP) é esclarecedor. Dados referentes ao período de 1997 a


2000 mostravam uma cidade situada, no ranking do IPRS (Índice Paulista de Responsabilidade
Social) no grupo das cidades com baixo desenvolvimento econômico e social. 2 Ela se
ressentia, entre outras coisas, dos efeitos de falta de programas educativos e de capacitação
profissional que pudessem possibilitar maior participação de seus habitantes no processo de
industrialização das décadas anteriores. Com a implementação do Programa de
Desenvolvimento Econômico Social, a partir de 2001, a cidade estabeleceu sete metas para
atrair a presença de novas indústrias, apoiar o desenvolvimento de MPEs e qualificar mão-de-
obra. A população passou a ter maior participação na elaboração do Plano Diretor do
município, que mudou o zoneamento industrial da cidade em função de critérios ambientais e
logísticos. Então, foram adotadas várias medidas combinadas de capacitação de
trabalhadores, oferecimento de incentivos, facilitação do acesso de MPEs ao crédito e outras; a
cidade foi bem-sucedida em sua intenção de se mostrar mais atrativa para a instalação e o
desenvolvimento de indústrias, tanto novas quanto já existentes. Os anos seguintes mostraram
a geração de um fluxo de renda local de efeito multiplicador significativo, pela atração e
operação de número crescente de empresas cuja presença provoca a geração de benefícios
mútuos para todas.

Clareza de objetivos

Embora não bastem para garantir a boa qualidade de uma estratégia, ter objetivos claros e
precisos é um passo importante nesse sentido. Tê-los é condição necessária para que as
ações convirjam e a orientação do conjunto possa ser bem direcionada. Planos com objetivos
2
SEBRAE-SP. Prêmio Sebrae Prefeito Empreendedor: guia paulista 2003-2004. São Paulo: Engenho da
Imagem, 2005, pp-65-67.

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claros poderão ou não chegar a bons resultados; planos com objetivos mal definidos
dificilmente permitirão chegar a algum lugar.

A presença de um objetivo claro ou geral, de fácil entendimento e que sintetize a finalidade da


estratégia, contribuirá para aumentar as chances de comunicação, disseminação e aceitação
do plano. Torna-se mais fácil transmitir a estratégia e seus componentes quando as pessoas
compreendem sua finalidade e vêem, no objetivo-síntese, um critério básico para decidir
quando tiverem de selecionar linhas de ação. Também por isso é útil que os objetivos derivem
de ampla discussão com os agentes envolvidos, na qual possam dispor e contrapor suas
intenções e interesses, de forma legítima e negociada.

Muitas vezes as ações têm de se vincular a várias frentes, mas nunca de forma desordenada
ou independente. Outra vantagem de ter objetivos definidos com clareza é poder evitar
dispersão de recursos e duplicidade de esforços.

Embora os esforços de elaboração da estratégia tenham cunho amplo e devam abarcar o


funcionamento do conjunto do sistema econômico na sua totalidade, essa característica não
deve se confundir com má orientação dos recursos, ineficiência ou falta de empenho na busca
dos melhores resultados possíveis. A falta de definição clara do objetivo costuma tomar a forma
de abstração (“vamos aplicar esforços em conformidade com nosso histórico de expansão no
setor X”) ou falta de precisão (“pretendemos nos tornar centro de referência para as empresas
do setor”). Definições bem feitas costumam especificar aquilo se pretende ver realizado, em
que medida e em quanto tempo.

A dificuldade em definir os objetivos com clareza é proporcional à sua importância; boa parte
dessa dificuldade tem a ver com a natureza da tarefa: estabelecer objetivos significa fazer
escolhas que podem eventualmente vir a se mostrar erradas e ter conseqüências de difícil
reversão, além de serem vários os atores locais que sofrerão o impacto das decisões. Tais
elementos tornam difícil a fixação de objetivos, mas deixar de considerá-los significará fazer
planos que terão, no final, duvidosa utilidade.

Flexibilidade

Planos têm de se ajustar à realidade sem se descaracterizar, isto é, sem perder o foco. A
opção entre planejar e improvisar significa a escolha entre operar com um esquema de atuação
voltado para o alcance de certos objetivos e agir de forma casual. O planejamento não significa
o engessamento das ações futuras, e sim um esquema referencial para agir. Planos devem ser

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dotados de certo grau de flexibilidade no que diz respeito a formas alternativas de alcançar
certo resultado, e mesmo no que diz respeito a rever metas quando as condições de operação
se mostram diferentes do esperado.

A tarefa de considerar problemas possíveis e ponderá-los é algo que não se deve confundir
com tentativas de adivinhar o que ocorrerá no futuro. Em um mundo no qual o intercâmbio de
informações se torna crescentemente rápido e menos oneroso, a forma de implementar
estratégias tornou-se mais flexível. Antigamente cabia ao agente conceber planos e depois
promover a execução das ações com certo rigor em relação ao inicialmente planejado, mas
hoje em dia mostra-se mais fácil monitorar a implementação à medida que as ações são
executadas, gerindo avanços e recuos conforme a necessidade e promovendo alterações.
Atualmente é possível captar informações sobre metas atingidas com certa regularidade (em
certos casos, de forma contínua) e em tempo de promover as ações corretivas ou
compensatórias necessárias. Planos dotados de flexibilidade dão aos agentes melhores
condições de adaptação; eles devem dar às entidades uma melhor posição para poder fazer
escolhas futuras, e jamais funcionar como elemento engessador das ações. O desafio que se
coloca é o de exercer essa flexibilidade com equilíbrio e sem perder de vista o foco original, isto
é, sem deixar de se orientar pelas intenções que levaram à formulação do plano.

Considerações finais

É importante que as ações planejadas componham um todo organicamente estruturado,


coerente e com o grau de amplitude adequado à geração do melhor resultado possível. Além
disso, objetivos a atingir e metas parciais devem ser estabelecidos com clareza tal que facilitem
o entendimento, a comunicação e a aferição dos resultados. A possibilidade de obter
informações em fluxo praticamente contínuo sugere que hoje tais aferições possam ser feitas
com certa regularidade e maior freqüência do que antigamente, ao longo da implementação da
estratégia e em tempo de rever a orientação conforme a necessidade.

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