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COMENTÁRIOS À MP 927/2020
O presente trabalho tem como escopo comentar sobre as alterações trazidas com a MP
927/2020 e seus impactos nas relações de emprego durante o período de calamidade
pública nos termos do Decreto Legislativo n. 6 de 20 de março de 2020 em decorrência
do Coronavírus.
VIGÊNCIA
Na sequência, a medida provisória é clara ao afirmar que tem por escopo regulamentar a
força maior prevista no art. 501 da CLT. Destacamos:
Por fim, apenas para recordarmos, é interessante lembrar os principais artigos em que a
CLT expressamente se refere à força maior. De forma resumida, temos:
- art. 61 da CLT: possibilidade de prática de horas extras;
- art. 304, parágrafo único, da CLT: possibilidade de elastecimento
da jornada dos jornalistas;
- art. 492 e seguintes da CLT: prevê a indenização paga ao estável
decenal em caso de força maior;
- art. 775, § 1º, II, da CLT: sobre a possibilidade de prorrogação dos
prazos processuais;
- art. 786, parágrafo único, da CLT: elastecimento do prazo para
comparecimento pelo reclamante para redução a termo de sua
reclamação verbal.
OBJETIVO
As medidas previstas na MP poderão ser adotadas por empresas que forem impactadas
pelas medidas de contenção do vírus. Nesse aspecto, empresas que por sua natureza
continuarão a funcionar normalmente não poderão invocar as regras desta medida por
aplicação do § 2º do art. 501 da CLT, que é claro ao permitir a aplicação da força maior
somente a quem for SUBSTANCIALMENTE afetado.
Aqui, vale recordar o vetor interpretativo de que a lei não contém palavras inúteis. Ou
seja, não basta que a força maior impacte a empresa, é necessário que esse impacto seja
SUBSTANCIAL.
Portanto, deve haver prejuízo para a empresa que justifique a adoção de tais medidas,
como por exemplo bares, shoppings, restaurantes, lojas de roupa, etc. Nesse particular,
convém destacar que o prejuízo de um desses negócios é fato notório, o que torna
desnecessária a produção de prova sobre esse fato, na forma do art. 374,I, do Código de
Processo Civil.
Para serviços essenciais como farmácias, cujo movimento poderá até aumentar, cremos
que não poderá se valer dos benefícios previstos na MP, visto que o texto do art. 2º é
claro em dispor que as medidas servem para salvaguardar empregos. Qual justificativa a
empresa poderia diferir o pagamento do FGTS se não está promovendo extinção de
postos de trabalho?
Por fim, o próprio art. 1º da MP traz que as regras visam a garantia de emprego e da
renda, de maneira que a empresa que não for afetada diretamente pela crise não poderá
se valer dessas regras.
Esse artigo, aliás, foi revogado. Há quem o defensa dizendo que o empregador não
pretendia deixar seus empregados sem vencimento. Contudo, a ausência de um
parâmetro legal para redução do salário cria insegurança jurídica para a análise da
legalidade do procedimento adotado pelo empregador, bem como desampara a
coletividade de trabalhadores que não detém uma referência legal para negociar.
Art. 3º prevê as medidas que o empregador poderá tomar, sendo um rol meramente
exemplificativo, dando possibilidade de alterar outras condições de trabalho quando traz
no texto "dentre outras". Trata-se de faculdade do empregador adotar tais medidas.
DO TELETRABALHO
Há críticas no sentido de ser muito vago o disposto no referido item II, visto que não prevê
outros casos a não ser em caso de impossibilidade de comodato. Pode haver outras
impossibilidades, como por exemplo, o local da residência do empregado não ter
disponibilidade de rede de internet. Embora esse fato não esteja no alcance do
empregador, entendemos que a consequência jurídica é o reconhecimento do tempo à
disposição, uma vez que o art. 2º da CLT é claro ao dispor que os riscos do
empreendimento pertencem ao empregador.
Por tais razões é que as normas jurídicas possuem uma série de requisitos para autorizar
essa forma de trabalho. Destacamos, por exemplo, a necessidade de um profissional para
supervisionar até 10 estagiários, previsão essa contida no art. 9º, III, da Lei nº
11788/2008.
Diante disso, verificamos, a priori, que o regime de teletrabalho, ainda que autorizado pela
MP, precisa atender aos vetores que orientam a aprendizagem e o estágio, o que pode
ficar difícil com esse distanciamento do local de trabalho. Assim, é necessário cautela na
adoção do teletrabalho aos aprendizes e aos estagiários pois há o risco de
descaracterização desses regimes especiais e atrair, por consequência, aplicação da CLT
“in totum” para tais trabalhadores.
O art. 6º prevê que a antecipação das férias só poderá ocorrer durante o estado de
calamidade pública informando o empregado com antecedência mínima de 48 horas, por
escrito ou por meio eletrônico, e-mail ou whatsapp.
Caso a empresa não respeite o prazo, caberia o pagamento da dobra das férias? A
Jurisprudência do TST não aceitava a tese de aplicação da penalidade prevista no art.
142 da CLT para o desrespeito ao prazo mínimo de 30 dias do art. 135 da CLT pois se
trata de uma infração administrativa e não acarreta prejuízo ao empregado. Ademais,
acrescenta-se que a penalidade para o pagamento em dobro está prevista no art. 142 e,
por ser norma que contém sanção, a interpretação deve ser restritiva. Assim, afasta-se a
punição ao pagamento dobrado nessa hipótese diante da ausência de previsão legal.
As férias não poderão ser gozadas em período inferior a 5 dias corridos. A CLT no art.
134, §1º, trouxe alteração com a reforma dividindo as férias em 3 períodos sendo que um
deles não poderá ser inferior a 14 dias.
Poderá ainda o empregador antecipar as férias caso o período aquisitivo não tenha se
completado. Por exemplo, empregado que tenha 8 meses de trabalho, suas férias serão
proporcionalmente concedidas em 20 dias (8/12 x 30). Nesse caso o empregador irá
antecipar 10 dias.
Nos termos do parágrafo segundo do art. 6º, o empregado e empregador poderão, por
acordo individual escrito, pactuar a antecipação de férias futuras cujo período aquisitivo
nem tenha iniciado ainda.
Trabalhadores que pertençam ao grupo de risco terão prioridade na concessão das férias.
Individuais ou coletivas, o que abrange pessoas com mais de 60 anos e com
comorbidades. Nesse aspecto, a medida provisória, conquanto o objeto seja a
preservação do emprego e da renda, andou mal, pois a COVID-19 pode ser devastadora
para as pessoas do grupo de risco, de tal sorte que a MP deveria DETERMINAR – e não
apenas facultar – a concessão das férias aos empregados em grupo de risco.
Pagamento do terço constitucional poderá ser feito até 20/12 após a concessão das
férias, data limite para pagamento da gratificação natalina. Há quem sustente a
inconstitucionalidade desse dispositivo à luz do art. 7º, XVII, da Constituição que prevê a
fruição das férias com o pagamento do terço constitucional. Com a devida vênia, aqui
entendemos que a norma é constitucional, já que o objetivou permitir que o pagamento
ocorresse de forma diferida pois o empregador foi surpreendido com a pandemia e, à luz
da CLT, precisaria desembolsar o terço constitucional de todos os empregados que
fossem colocados em férias, o que poderia prejudicar a atividade economica e não
atender ao escopo de preservação da empresa. Há, sem dúvida, conflito entre a
disposição do art. 7º, XVII, com o art. 170 da Constituição da República. No entanto, em
um juízo de proporcionalidade, à luz do caso concreto e entendendo que a preservação
da empresa, nesse momento, atende ao interesse público, o art. 170 da Constituição
prepondera sobre o art. 7º, XVII, o que valida a atuação do legislados que diferiu o
pagamento do terço constitucional.
O pagamento da remuneração das férias poderá ser feito até o 5º dia útil subsequente ao
do mês de início do gozo das férias. Isso se aplica até para quem já tinha direito
adquirido? Posso pleitear multa do art. 145, CLT? Acredito que se aplica a quem também
já teria direito às férias, mas ainda não havia gozado, uma vez que a regra que deve ser
aplicada é a da época em que as férias de fato é concedida, que no caso em tela, seria a
MP 927.
Os feriados não religiosos, tiradentes, dia do trabalho, aniversários das cidades, etc.
Feriados religiosos poderão ser acordados com o empregador (natal, sexta feira santa,
por exemplo).
DO BANCO DE HORAS
A compensação seria para que o empregado trabalhe os dias que ficou em casa durante
a interrupção das atividades da empresa, porém sem prejuízo do salário.
A crítica se volta para os novos empregos, pois o trabalhador não terá como fazer prova
de que ingressou no trabalho gozando da integridade da sua saúde para comparar com o
exame demissional.
Suspensos ainda os treinamentos para empregados atuais, previstos em NRs como por
exemplo, uso de EPI. A ideia de suspender os treinamentos deve ser interpretada à luz
das exigências do Ministério da Saúde, ou seja, o cancelamento dos treinamentos como
forma de não existir aglomeração e não entender o artigo como forma de desobrigar na
orientação e fiscalização dos uso dos EPI's. Nesse ponto, os EPI's são fundamentais para
o desempenho das atividades que são consideradas essenciais para a sobrevivência da
população.
O risco de acidente aumentará em muito caso o empregado não esteja atualizado com o
uso de equipamentos de proteção ou maquinário.
A medida, nesse aspecto, teve por escopo tranquilizar o empregador para que possa
exigir que os empregados compareçam no ambiente de trabalho. Todavia, a medida não
pode ser reduzida de forma simples como está no artigo, senão vejamos.
Desse modo, em um caso como esse, a prova recairá sobre as medidas profiláticas que o
empregador adotou, como a explicação ostensiva da higiene necessária, o fornecimento
dos EPI's, a adequação da planta de trabalho para atender ao distanciamento social
necessário ao desempenho das atividades e demais ações que buscassem minorar a
exposição aos riscos. A comprovação de que o empregador adotou todas as medidas
razoáveis que estavam ao seu alcance é fundamental para desobrigá-lo de qualquer
condenação.
Nesse ponto, é de bom tom recordar que a tutela da adaptação razoável tem fundamento
legal na Convenção da Pessoa com Deficiência, ratificada com status constitucional pelo
Decreto nº 6949/2009, que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de
março de 2007, e assim dispõe no seu artigo segundo:
O art. 18 como um todo foi revogado pela MP 928 diante das duras críticas da sociedade,
visto que previa a suspensão do contrato, sem o pagamento dos salários, pelo período de
4 meses, usando como base o conceito de direcionamento do trabalhador para
qualificação profissional a distância.
Aqui, há quem entenda que essa medida é aplicável somente às empresas que forem
afetadas pela pandemia do Coronavírus, uma vez que prejudica o empregado o não
recolhimento do FGTS.
No entanto, entendemos que o alcance desse dispositivo vai além. O comando legal tem
por escopo afastar a possibilidade de alegação de rescisão indireta pelo não recolhimento
do FGTS (art. 483, alínea “d”, da CLT) como forma de manter os postos de trabalho e não
onerar empregador com o pagamento das parcelas atinentes à dispensa imotivada sem
que isso tenha partido do próprio empregador.
Salta aos olhos a dicção do art. 36 da MP que convalida os atos contrários à lei que foram
praticados nos 30 dias que antecedem a MP que não colidirem com seu conteúdo. O
artigo é deveras inconstitucional.
Primeiro, que há uma convalidação das irregularidades trabalhistas ainda que não tenham
qualquer relação com as medidas de contenção da pandemia, transmutando-se em uma
anistia, o que não é razoável.
Segundo, que a lei em sentido lato tem pode ser conceituada como algo abstrato,
genérico, impessoal e destinado a reger atos futuros. Ao estabelecer que é possível
convalidar os atos praticados anteriormente, a MP acaba, por via oblíqua, possuindo
efeito retroativo e não atende ao requisito de “reger atos futuros”.
A retroatividade buscada pela MP gera insegurança jurídica e acaba por prejudicar quem
agiu conforme a lei. Ora, com efeito, aquele empregador que atuou conforme a orientação
e conforme as leis vigentes acaba sendo - por via obliqua - punido por seguir a lei, ao
passo que o empregador que agiu ao arrepio da lei acaba sendo favorecido.
A retroatividade esbarra na prática do ato jurídico perfeito previsto no art. 5º, XXXVI, da
Constituição da República.
Nesse aspecto, a medida provisória, ao validar os atos praticados nos 30 dias que
antecedem, estende, por via oblíqua, os efeitos de sua validade para além da previsão
expressa do art. 62, § 3º, da Constituição da República.
O escopo da norma pode ter sido atender àqueles empregadores que concederam férias
individuais ou coletivas sem atender aos requisitos do prévio aviso aos interessados. No
entanto, nesse ponto, a redação do art. 36 não se limita a isso. Além disso, os vetores
interpretativos da boa-fé objetiva mostram-se suficientes para desonerar o empregador
das sanções legais por ter tomado tais medidas de forma excepcional visando atender a
um bem maior. Assim, entendemos que o artigo é deveras inconstitucional.
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