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Elaborado por Tiago Pereira e Lucas Falasqui

COMENTÁRIOS À MP 927/2020

O presente trabalho tem como escopo comentar sobre as alterações trazidas com a MP
927/2020 e seus impactos nas relações de emprego durante o período de calamidade
pública nos termos do Decreto Legislativo n. 6 de 20 de março de 2020 em decorrência
do Coronavírus.

VIGÊNCIA

O parágrafo único do art. 1º dispõe sobre o prazo de validade da MP e as medidas que


são possíveis para preservação do emprego, que seria durante o estado de calamidade
pública reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6 de 20 de Março de 2020.

Segundo o Decreto Legislativo, o estado de calamidade pública foi decretado até


31.12.2020, logo, não há como a MP permanecer vigente até este prazo, visto que pela
regra constitucional, Medidas Provisórias poderão viger por até 60 dias prorrogados por
mais 60 nos termos do art. 62 da CF. Portanto, para que os efeitos da MP se prorroguem
até 31.12.2020, esta deverá ser convertida em lei.

Interessante pontuar que o Decreto Legislativo nº 6 de 2020, apontado como fundamento


para a edição da referida medida, destina-se a regulamentar o estado de calamidade para
fins de dispensa da observância dos resultados fiscais. Destacamos o artigo 1º:

“Fica reconhecida, exclusivamente para os fins do art. 65 da Lei


Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, notadamente para as
dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º
da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de
empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de
maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, com
efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos da solicitação do
Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº
93, de 18 de março de 2020.”

Na sequência, a medida provisória é clara ao afirmar que tem por escopo regulamentar a
força maior prevista no art. 501 da CLT. Destacamos:

“Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento


inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização
do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
§ 1º - A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.
§ 2º - À ocorrência do motivo de força maior que não afetar
substâncialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a
situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as
restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.”

Por fim, apenas para recordarmos, é interessante lembrar os principais artigos em que a
CLT expressamente se refere à força maior. De forma resumida, temos:
- art. 61 da CLT: possibilidade de prática de horas extras;
- art. 304, parágrafo único, da CLT: possibilidade de elastecimento
da jornada dos jornalistas;
- art. 492 e seguintes da CLT: prevê a indenização paga ao estável
decenal em caso de força maior;
- art. 775, § 1º, II, da CLT: sobre a possibilidade de prorrogação dos
prazos processuais;
- art. 786, parágrafo único, da CLT: elastecimento do prazo para
comparecimento pelo reclamante para redução a termo de sua
reclamação verbal.

OBJETIVO

As medidas previstas na MP poderão ser adotadas por empresas que forem impactadas
pelas medidas de contenção do vírus. Nesse aspecto, empresas que por sua natureza
continuarão a funcionar normalmente não poderão invocar as regras desta medida por
aplicação do § 2º do art. 501 da CLT, que é claro ao permitir a aplicação da força maior
somente a quem for SUBSTANCIALMENTE afetado.
Aqui, vale recordar o vetor interpretativo de que a lei não contém palavras inúteis. Ou
seja, não basta que a força maior impacte a empresa, é necessário que esse impacto seja
SUBSTANCIAL.

Portanto, deve haver prejuízo para a empresa que justifique a adoção de tais medidas,
como por exemplo bares, shoppings, restaurantes, lojas de roupa, etc. Nesse particular,
convém destacar que o prejuízo de um desses negócios é fato notório, o que torna
desnecessária a produção de prova sobre esse fato, na forma do art. 374,I, do Código de
Processo Civil.

Para serviços essenciais como farmácias, cujo movimento poderá até aumentar, cremos
que não poderá se valer dos benefícios previstos na MP, visto que o texto do art. 2º é
claro em dispor que as medidas servem para salvaguardar empregos. Qual justificativa a
empresa poderia diferir o pagamento do FGTS se não está promovendo extinção de
postos de trabalho?

Por fim, o próprio art. 1º da MP traz que as regras visam a garantia de emprego e da
renda, de maneira que a empresa que não for afetada diretamente pela crise não poderá
se valer dessas regras.

DAS ALTERNATIVAS TRABALHISTAS PARA ENFRENTAMENTO DO ESTADO DE


CALAMIDADE PÚBLICA

Art. 2º prevê que o acordado individualmente prevalecerá sobre os instrumentos


normativos, legais e negociais, respeitando o quanto previsto na Constituição da
República.

A medida provisória é contraditória em seu conteúdo. Primeiro, percebemos o uso do


vocábulo “preservação do empregado e da renda” em seus artigos iniciais, o que denota
que deve haver a preservação tanto do empregado como da renda, de tal sorte que um
sem o outro esvazia o escopo da medida. Nesse ponto, o artigo 18 da Medida Provisória
é flagrantemente contraditório, já que preservaria apenas o emprego sem garantir renda.

Esse artigo, aliás, foi revogado. Há quem o defensa dizendo que o empregador não
pretendia deixar seus empregados sem vencimento. Contudo, a ausência de um
parâmetro legal para redução do salário cria insegurança jurídica para a análise da
legalidade do procedimento adotado pelo empregador, bem como desampara a
coletividade de trabalhadores que não detém uma referência legal para negociar.

Além disso, também se mostra contraditória a suspensão de medidas de saúde e


segurança do trabalho, uma vez que a CF no seu art. 7º, XXII, prevê que é dever do
empregador a redução de riscos inerentes ao ambiente de trabalho, por meio de normas
de saúde, higiene e segurança do trabalho. Nesse particular, a Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes é elemento essencial para auxiliar a tutela do meio ambiente de
trabalho com a disseminação das boas práticas em matéria de higiene e na fiscalização
dos empregados na observância dessas medidas.

Art. 3º prevê as medidas que o empregador poderá tomar, sendo um rol meramente
exemplificativo, dando possibilidade de alterar outras condições de trabalho quando traz
no texto "dentre outras". Trata-se de faculdade do empregador adotar tais medidas.

O que se extrai das alterações é a desburocratização e a desregulamentação de matérias


que envolvem saúde do trabalhador, quanto a jornada e férias, bem como condições
laborais, o que preocupa nessa situação visto que o motivo das empresas cessarem suas
atividades é exatamente para coibir a proliferação do vírus.

Uma vez que a MP autoriza a suspensão de exigências administrativas em matérias de


segurança e saúde no trabalho, o empregado fica mais exposto a condições insalubres e
perigosas, bem como a acidentes e doenças ocupacionais para empresas que
permanecem em atividade.

O que se vê é a prevalência da atividade empresarial em detrimento da saúde do


trabalhador que continuará trabalhando em período de quarentena.

A possibilidade de prevalência dos acordos individuais sobre os demais instrumentos


normativos ocasiona, momentaneamente, uma derrogação do princípio da norma mais
favorável ao trabalhador, corolário do princípio da proteção. Nessa ótica, de forma
transitória, o princípio da proteção é derrogado para a prevalência do princípio da
preservação da empresa desde que a preservação da empresa ocasione preservação do
emprego e da renda. A nosso ver, é a concretização do princípio da função social da
empresa previsto no art. 170, III, da Constituição da República.

ATENÇÃO! PARA FACILITAR O ESTUDO:


- atos unilaterais do empregador: teletrabalho; concessão de férias individuais;
antecipação de feriados;
- atos bilateriais: antecipação de períodos aquisitivos futuros; antecipação de feriados
religiosos;

DO TELETRABALHO

Trata-se de ato unilateral a alteração do regime de trabalho presencial para o


teletrabalho com a inclusão das nomenclaturas "trabalho remoto ou outro tipo de trabalho
a distância". Percebam que a previsão de alteração unilateral coloca a questão
posicionada dentro do poder diretivo do empregador, afastando assim a possibilidade do
direito de resistência do empregado. Portanto, a nosso ver, empregado não pode recusar
a alteração do regime.

O art. 4º prevê a possibilidade de alteração inversa do teletrabalho para o trabalho


presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos,
dispensando o registro da alteração no contrato de trabalho, contrariando o art. 75-C da
CLT. Para entender esta possibilidade, é preciso rememorar que a demanda de algumas
empresas poderão vir a aumentar substancialmente (como a fabricação de alcool em gel,
por exemplo), de tal sorte que empregados que atuam em teletrabalho podem vir a ser
chamados para o comparecimento presencial para atender a demanda. À luz da
perspectiva do empregado, tal alteração pode ser reputada prejudicial, o que seria vedado
pelo art. 468 da CLT. Contudo, aqui há supremacia do interesse público sobre o privado,
sendo tal alteração contratual perfeitamente válida, agasalhada pela locução final do art.
8º da CLT.

O parágrafo 1º do art. 4º traz o termo preponderantemente justamente para abarcar


situações em que o empregado que comparece a empresa para atividades específicas,
porém o trabalho ocorra em grande parte fora das dependências da empresa. Note-se,
aliás, que esse vocábulo é o mesmo utilizado pelo art. 75 – B da CLT que conceitua o
instituto.

O teletrabalho é caracterizado com o uso de tecnologias da informação e comunicação


que, por sua natureza, não configuram trabalho externo. Sem o uso dessas tecnologias,
não será considerado teletrabalho e o empregado ficará à disposição do empregador nos
termos do inciso II do parágrafo 4º do art. 4º da MP.

Há críticas no sentido de ser muito vago o disposto no referido item II, visto que não prevê
outros casos a não ser em caso de impossibilidade de comodato. Pode haver outras
impossibilidades, como por exemplo, o local da residência do empregado não ter
disponibilidade de rede de internet. Embora esse fato não esteja no alcance do
empregador, entendemos que a consequência jurídica é o reconhecimento do tempo à
disposição, uma vez que o art. 2º da CLT é claro ao dispor que os riscos do
empreendimento pertencem ao empregador.

Acerca da adequação da residência do empregado para execução das tarefas


necessárias às suas funções, convém traçar breves linhas.

Primeiro, que o princípio da alteridade que prevê a assunção dos riscos do


empreendimento aponta que o custo da implantação do home office pertence ao
empregador. No entanto, o art. 75 – D da CLT deixou a regulamentação desse despesa
para o contrato individual, o que é criticável à luz do art. 2º da CLT e da possibilidade de
coerção derivada do estado de subordinação.

Agora, a adoção do teletrabalho tornou-se uma exigência para a sobrevivência da


sociedade. A quem recai esses custos? Novamente, entendemos que o princípio da
alteridade responde a essa dúvida. Porem, o art. 4º, § 3º, da MP informa que isso poderá
ser disciplinado em contrato escrito no prazo de até 30 dias após a alteração.

Aqui, há que se fazer uma ponderação. Se a despesa para adequação do ambiente é


pequena e pode ser vista como uma utilidade para o uso do empregado e de sua família,
é de considerar válida a pactuação de que os custos recaiam sobre o empregado. Porém,
imaginemos um designer gráfico que necessite não de um simples notebook, mas de um
computador topo de linha para o desempenho de suas atribuições que custe R$
10.000,00. Não se mostra razoável e também não atende ao juízo de proporcionalidade
em sentido estrito que o empregado seja obrigado a suportar essa despesa ainda que o
pagamento disso venha a ser diferido através de descontos nos salários futuros.

Por fim, a MP também tratou do uso de aplicativos e programas de comunicação fora da


jornada de trabalho não configura tempo à disposição, regime de prontidão ou de
sobreaviso, exceto por acordo individual. Assim, em um primeiro momento, o legislador
quis tornar natimorta a tese de que o uso do whatsapp acarreta o pagamento de horas
extras.

ESTAGIÁRIO E APRENDIZ EM TELETRABALHO


A MP não esqueceu de regular a situação dos estagiários e aprendizes, autorizando-lhes
o sistema de teletrabalho.

Estamos diante de um momento excepcional que exige a adoção de medidas


excepcionais, o que justifica, ao menos em tese, a adoção desse tipo de trabalho para os
aprendizes e para os estagiários.

Porém, é de bom tom recordar que os aprendizes e os estagiários são modalidades


especiais de trabalho em que o aprendizado prepondera sobre a prestação de serviços. A
prestação de serviços é um meio para que seja alcançado o fim principal que é o
aprendizado e o aprimoramento das competências da pessoa. Nesse ponto, a
aprendizagem se liga ao direito de profissionalização (art. 227 da Constituição da
República) e o estagio encontra fundamento axiológico no direito à educação (art. 6º da
Constituição da República).

Por tais razões é que as normas jurídicas possuem uma série de requisitos para autorizar
essa forma de trabalho. Destacamos, por exemplo, a necessidade de um profissional para
supervisionar até 10 estagiários, previsão essa contida no art. 9º, III, da Lei nº
11788/2008.

Diante disso, verificamos, a priori, que o regime de teletrabalho, ainda que autorizado pela
MP, precisa atender aos vetores que orientam a aprendizagem e o estágio, o que pode
ficar difícil com esse distanciamento do local de trabalho. Assim, é necessário cautela na
adoção do teletrabalho aos aprendizes e aos estagiários pois há o risco de
descaracterização desses regimes especiais e atrair, por consequência, aplicação da CLT
“in totum” para tais trabalhadores.

DA ANTECIPAÇÃO DAS FÉRIAS

O art. 6º prevê que a antecipação das férias só poderá ocorrer durante o estado de
calamidade pública informando o empregado com antecedência mínima de 48 horas, por
escrito ou por meio eletrônico, e-mail ou whatsapp.

Caso a empresa não respeite o prazo, caberia o pagamento da dobra das férias? A
Jurisprudência do TST não aceitava a tese de aplicação da penalidade prevista no art.
142 da CLT para o desrespeito ao prazo mínimo de 30 dias do art. 135 da CLT pois se
trata de uma infração administrativa e não acarreta prejuízo ao empregado. Ademais,
acrescenta-se que a penalidade para o pagamento em dobro está prevista no art. 142 e,
por ser norma que contém sanção, a interpretação deve ser restritiva. Assim, afasta-se a
punição ao pagamento dobrado nessa hipótese diante da ausência de previsão legal.

As férias não poderão ser gozadas em período inferior a 5 dias corridos. A CLT no art.
134, §1º, trouxe alteração com a reforma dividindo as férias em 3 períodos sendo que um
deles não poderá ser inferior a 14 dias.

Poderá ainda o empregador antecipar as férias caso o período aquisitivo não tenha se
completado. Por exemplo, empregado que tenha 8 meses de trabalho, suas férias serão
proporcionalmente concedidas em 20 dias (8/12 x 30). Nesse caso o empregador irá
antecipar 10 dias.

Nos termos do parágrafo segundo do art. 6º, o empregado e empregador poderão, por
acordo individual escrito, pactuar a antecipação de férias futuras cujo período aquisitivo
nem tenha iniciado ainda.

A possibilidade de antecipação de períodos futuros é nova e polêmica. Primeiro, pois


exige-se acordo individual escrito, o que permite a coerção pelo empregador em razão do
Estado de Subordinação. Segundo, pois a medida precisará ser analisada à luz da
razoabilidade. Aparentemente, não se mostra razoável que as partes pactuem a
antecipação de férias dos próximos 03 anos, pois o empregado ficaria mais de dois anos
sem férias, o que é vedado por lei. Insistimos, aliás, que essa vedação a cumulação de
mais de dois períodos concessivos de férias tem por finalidade assegurar o descanso do
empregado para recuperação de suas energias como medida profilática quanto aos
acidentes de trabalho e também para permitir o direito ao lazer e ao convívio familiar,
todos de igual importância constitucional. Nesse passo, não é razoável pensarmos que o
empregado possa ficar mais de três anos sem férias e, por consequência, sem a fruição
desses direitos que são exercidos pela concessão das férias. Nesse aspecto, a
antecipação do período de férias deve ser no máximo 01 período vindouro, como forma
de se respeitar a aplicação conjugada do art. 134 com o art. 137, ambos da CLT.

Como fica em casos do empregado ser dispensado? Poderá o empregador realizar o


desconto dos dias de férias concedidos que o empregado não teria direito? Pensamos
que sim, como forma de evitar o enriquecimento sem causa.

Trabalhadores que pertençam ao grupo de risco terão prioridade na concessão das férias.
Individuais ou coletivas, o que abrange pessoas com mais de 60 anos e com
comorbidades. Nesse aspecto, a medida provisória, conquanto o objeto seja a
preservação do emprego e da renda, andou mal, pois a COVID-19 pode ser devastadora
para as pessoas do grupo de risco, de tal sorte que a MP deveria DETERMINAR – e não
apenas facultar – a concessão das férias aos empregados em grupo de risco.

Também há previsão de interrupção das férias do pessoal da saúde ou que


desempenhem funções essenciais, mediante comunicação formal da decisão por escrito
ou por meio eletrônico com antecedência mínima de 48 horas. Não é obrigatório observar
esse prazo. Aqui, a alteração rápida do regime de férias para o comparecimento é mais
uma decorrência da supremacia do interesse público sobre o privado.

E se o empregado não conseguir retornar em 48 horas das suas férias? Caberá ao


empregador custear esse retorno?

Pagamento do terço constitucional poderá ser feito até 20/12 após a concessão das
férias, data limite para pagamento da gratificação natalina. Há quem sustente a
inconstitucionalidade desse dispositivo à luz do art. 7º, XVII, da Constituição que prevê a
fruição das férias com o pagamento do terço constitucional. Com a devida vênia, aqui
entendemos que a norma é constitucional, já que o objetivou permitir que o pagamento
ocorresse de forma diferida pois o empregador foi surpreendido com a pandemia e, à luz
da CLT, precisaria desembolsar o terço constitucional de todos os empregados que
fossem colocados em férias, o que poderia prejudicar a atividade economica e não
atender ao escopo de preservação da empresa. Há, sem dúvida, conflito entre a
disposição do art. 7º, XVII, com o art. 170 da Constituição da República. No entanto, em
um juízo de proporcionalidade, à luz do caso concreto e entendendo que a preservação
da empresa, nesse momento, atende ao interesse público, o art. 170 da Constituição
prepondera sobre o art. 7º, XVII, o que valida a atuação do legislados que diferiu o
pagamento do terço constitucional.

O abono de 10 dias antes era faculdade do empregado, agora é do empregador, sendo


que o empregado deve avisar com até 48 horas de antecedência essa opção.

O pagamento da remuneração das férias poderá ser feito até o 5º dia útil subsequente ao
do mês de início do gozo das férias. Isso se aplica até para quem já tinha direito
adquirido? Posso pleitear multa do art. 145, CLT? Acredito que se aplica a quem também
já teria direito às férias, mas ainda não havia gozado, uma vez que a regra que deve ser
aplicada é a da época em que as férias de fato é concedida, que no caso em tela, seria a
MP 927.

DAS FÉRIAS COLETIVAS

Deverá o empregador avisar o grupo de empregados afetados com antecedência mínima


de 48 horas e poderá ultrapassar mais de 2 períodos e com número de dias inferior a 10
para concessão das férias coletivas conforme prevê a CLT. Art. 139.

Não há necessidade de comunicação ao órgão local do Ministério da Economia e


tampouco aos sindicatos.

DO APROVEITAMENTO E ANTECIPAÇÃO DE FERIADOS

Os feriados não religiosos federais e locais poderão ser antecipados. Ou seja, o


empregado fica em casa nesse período de calamidade pública, porém terá que trabalhar
no feriado já antecipado sem remuneração.

Os feriados não religiosos, tiradentes, dia do trabalho, aniversários das cidades, etc.

Feriados religiosos poderão ser acordados com o empregador (natal, sexta feira santa,
por exemplo).

DO BANCO DE HORAS

O art. 14 traz a possibilidade do empregador instituir o banco de horas por acordo


individual ou coletivo (a CLT já previa essa possibilidade por acordo individual desde que
compensado em até 6 meses), ampliando o prazo de compensação para 18 meses,
contando da data do encerramento do estado de calamidade pública.

A compensação seria para que o empregado trabalhe os dias que ficou em casa durante
a interrupção das atividades da empresa, porém sem prejuízo do salário.

Na prática o empregado ficará devendo horas ao empregador. Como fica em caso do


retorno a normalidade e o empregado ser dispensado? Cabe o desconto?

DA SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS EM SEGURANÇA E SAÚDE


NO TRABALHO

Exames de admissão e ocupacionais ficam suspensos durante o período de crise.


Somente exames demissionais para resguardar eventual alteração na saúde do
trabalhador ocorrida durante o pacto laboral. Trata-se, evidentemente, de uma medida
que visa a desburocratização.

A crítica se volta para os novos empregos, pois o trabalhador não terá como fazer prova
de que ingressou no trabalho gozando da integridade da sua saúde para comparar com o
exame demissional.

O demissional poderá ser dispensado se o exame ocupacional foi realizado no prazo de


180 dias anteriores a dispensa.

Suspensos ainda os treinamentos para empregados atuais, previstos em NRs como por
exemplo, uso de EPI. A ideia de suspender os treinamentos deve ser interpretada à luz
das exigências do Ministério da Saúde, ou seja, o cancelamento dos treinamentos como
forma de não existir aglomeração e não entender o artigo como forma de desobrigar na
orientação e fiscalização dos uso dos EPI's. Nesse ponto, os EPI's são fundamentais para
o desempenho das atividades que são consideradas essenciais para a sobrevivência da
população.

O risco de acidente aumentará em muito caso o empregado não esteja atualizado com o
uso de equipamentos de proteção ou maquinário.

Poderá o empregador suspender os processos de eleições da CIPA. No entanto,


entendemos que a desativação da CIPA que é medida tolerada pela letra fria do
dispositivo, a nosso ver, é inconstitucional por colidir com a tutela do meio ambiente de
trabalho indivisível (art. 225 da Constituição), ao direito à saúde (art. 196 da Constituição)
e a tutela da saúde do empregado (art. 7º, XXII, da Constituição), direitos de estatura
constitucional que tem na CIPA a sua forma de materialização.

Nesse particular, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes é elemento essencial


para auxiliar a tutela do meio ambiente de trabalho com a disseminação das boas práticas
em matéria de higiene e na fiscalização dos empregados na observância dessas
medidas.
COVID – 19. É DOENÇA OCUPACIONAL?

A MP é clara ao afirmar que não pode se presumir a natureza ocupacional da contração


da COVID pelos empregados, salvo se comprovar o nexo de causalidade.

De início, a comprovação do nexo de causalidade é prova necessária em qualquer tipo de


alegação de doença ocupacional, de tal sorte que o artigo não cria nenhuma novidade.

A medida, nesse aspecto, teve por escopo tranquilizar o empregador para que possa
exigir que os empregados compareçam no ambiente de trabalho. Todavia, a medida não
pode ser reduzida de forma simples como está no artigo, senão vejamos.

A prova do nexo de causalidade, nesse ponto, é difícil de se realizar - senão impossível -


em um caso que há transmissão comunitária, de tal sorte que a presunção de ausência
de natureza ocupacional é a regra.

Porém, supondo que fique comprovado um caso de contaminação dentre os funcionários


e, na sequência, ocorra a contaminação de mais de 20 trabalhadores naquele local, ainda
assim continuaremos com a aplicação da regra prevista pelo art. 29 da MP? Pensamos
que não, pois aqui cabe espaço para a aplicação da teoria da aptidão para a prova, na
forma do art. 818, § 1º, da CLT.

Desse modo, em um caso como esse, a prova recairá sobre as medidas profiláticas que o
empregador adotou, como a explicação ostensiva da higiene necessária, o fornecimento
dos EPI's, a adequação da planta de trabalho para atender ao distanciamento social
necessário ao desempenho das atividades e demais ações que buscassem minorar a
exposição aos riscos. A comprovação de que o empregador adotou todas as medidas
razoáveis que estavam ao seu alcance é fundamental para desobrigá-lo de qualquer
condenação.

Nesse ponto, é de bom tom recordar que a tutela da adaptação razoável tem fundamento
legal na Convenção da Pessoa com Deficiência, ratificada com status constitucional pelo
Decreto nº 6949/2009, que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de
março de 2007, e assim dispõe no seu artigo segundo:

““Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes


necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional
ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar
que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais;”

Contudo, aqui há espaço para a teoria da melhor aptidão para a prova,

DA SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

O art. 18 como um todo foi revogado pela MP 928 diante das duras críticas da sociedade,
visto que previa a suspensão do contrato, sem o pagamento dos salários, pelo período de
4 meses, usando como base o conceito de direcionamento do trabalhador para
qualificação profissional a distância.

Tal suspensão já é prevista no art. 476-A da CLT cujo prazo é de 2 a 5 meses.

Não vou adentrar nesse artigo visto que já foi revogado.

DO DIFERIMENTO DO RECOLHIMENTO DO FGTS

A MP prorroga o prazo de recolhimento do FGTS somente quanto aos meses de março,


abril e maio deste ano. Por enquanto, não trata dos demais meses. Há também a
possibilidade de parcelamento sem incidência de atualização e multas. Por fim, garante a
suspensão do prazo prescricional para cobrança do FGTS em caso de inadimplência com
prazo de 120 dias.

Aqui, há quem entenda que essa medida é aplicável somente às empresas que forem
afetadas pela pandemia do Coronavírus, uma vez que prejudica o empregado o não
recolhimento do FGTS.

Contudo, ousamos divergir. Com efeito, o recolhimento de FGTS de um empregado é


direito diferido ao futuro, ou seja, ao tempo oportuno para sua fruição quando o
empregado preenche as possibilidades de saque do FGTS previstas na Lei nº 8036/90.
Nesse aspecto, não há prejuízo imediato ao empregado pela postergação do
recolhimento. Ao revés. A medida atende a preservação do emprego e da renda com a
valorização da função social da empresa (art. 170 da Constituição da República). A
Medida, nesse ponto, não faz ressalva à quem se concede essa moratória, de tal sorte
que não cabe ao intérprete fazê-lo.

No entanto, entendemos que o alcance desse dispositivo vai além. O comando legal tem
por escopo afastar a possibilidade de alegação de rescisão indireta pelo não recolhimento
do FGTS (art. 483, alínea “d”, da CLT) como forma de manter os postos de trabalho e não
onerar empregador com o pagamento das parcelas atinentes à dispensa imotivada sem
que isso tenha partido do próprio empregador.

MEDIDA PROVISÓRIA COM EFEITOS RETROATIVOS?

Salta aos olhos a dicção do art. 36 da MP que convalida os atos contrários à lei que foram
praticados nos 30 dias que antecedem a MP que não colidirem com seu conteúdo. O
artigo é deveras inconstitucional.

Primeiro, que há uma convalidação das irregularidades trabalhistas ainda que não tenham
qualquer relação com as medidas de contenção da pandemia, transmutando-se em uma
anistia, o que não é razoável.

Segundo, que a lei em sentido lato tem pode ser conceituada como algo abstrato,
genérico, impessoal e destinado a reger atos futuros. Ao estabelecer que é possível
convalidar os atos praticados anteriormente, a MP acaba, por via oblíqua, possuindo
efeito retroativo e não atende ao requisito de “reger atos futuros”.

A retroatividade buscada pela MP gera insegurança jurídica e acaba por prejudicar quem
agiu conforme a lei. Ora, com efeito, aquele empregador que atuou conforme a orientação
e conforme as leis vigentes acaba sendo - por via obliqua - punido por seguir a lei, ao
passo que o empregador que agiu ao arrepio da lei acaba sendo favorecido.

A retroatividade esbarra na prática do ato jurídico perfeito previsto no art. 5º, XXXVI, da
Constituição da República.

Nesse aspecto, a medida provisória, ao validar os atos praticados nos 30 dias que
antecedem, estende, por via oblíqua, os efeitos de sua validade para além da previsão
expressa do art. 62, § 3º, da Constituição da República.

O escopo da norma pode ter sido atender àqueles empregadores que concederam férias
individuais ou coletivas sem atender aos requisitos do prévio aviso aos interessados. No
entanto, nesse ponto, a redação do art. 36 não se limita a isso. Além disso, os vetores
interpretativos da boa-fé objetiva mostram-se suficientes para desonerar o empregador
das sanções legais por ter tomado tais medidas de forma excepcional visando atender a
um bem maior. Assim, entendemos que o artigo é deveras inconstitucional.

Elaborado por:

Tiago Pereira Lucas Falasqui


Advogado e criador do Portal Juiz do Trabalho e
Advocacia na Prática do Portal GoPosse
@advpratica. @luquinhafc_88

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