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VITÓRIA DA CONQUISTA- BA
JULHO DE 2018
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VITÓRIA DA CONQUISTA- BA
JULHO DE 2018
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S696m Memorial e Instituto Maria Aragão: sobre espaços de memória das lutas da esquerda no
Maranhão. / Karlana Bianca Matos Sousa – Vitória da Conquista, 2018.
89 f.
1. Instituto e Memorial Maria Aragão. 2. Maria Aragão – Registros de sua memória. 3. IMA –
Espaço de Memória. I. Santos, Cláudio Eduardo Félix dos. II. Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia, Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade. III. T.
CDD: 981.21
Título em inglês: Maria Aragão Institute and Memorial: on spaces of memory of the struggles of the
left in Maranhão.
Palavras-chaves em inglês: Maria Aragão Institute and Memorial. Maria Aragão - Records of her
memory. IMA - Memory space.
Área de concentração: Multidisciplinaridade da Memória.
Titulação: Mestre em Memória: Linguagem e Sociedade.
Banca Examinadora: Prof. Dr. Cláudio Eduardo Felix dos Santos (presidente); Profa. Dra. Ana
Elizabeth Santos Alves (titular); Prof. Dr. José Eudes Baima Bezerra (titular).
Data da Defesa: 4 de julho de 2018.
Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade.
16
AGRADECIMENTOS
Violeta Parra
20
RESUMO
O presente trabalho intitulado Memorial e Instituto Maria Aragão: sobre espaços de memória
das lutas da esquerda no Maranhão, tem como objetivo a análise do processo de preservação
da memória e de desenvolvimento de atividades educativas do Instituto e do Memorial
Maria Aragão, principalmente entre os anos de 2001-2010. Essas iniciativas visam
preservar a memória da médica comunista Maria José Aragão (1910-1991). Para tanto
apresentaremos a biografia da médica, baseada em Aragão (1992), Moreira Neto (2014),
Araújo (2014) e Azevedo (2015), dentre outros. Em seguida abordaremos a criação do
Instituto e do Memorial, utilizando os estudos de Jelin (2002) e Sá (2007), a respeito de
―espaços de memória‖, além de fotos, publicações e documentos do IMA. Trataremos ainda
da constituição do acervo e exposição sobre a vida de Maria Aragão presente no Memorial.
Por último analisamos as atividades educativas promovidas pelo Instituto, além de suas
publicações que visam preservar a memória da médica militante. Inicialmente podemos
constatar a figura exemplar de Maria Aragão: mulher, negra, pobre e comunista que
conseguiu se formar em medicina mesmo diante de muitas dificuldades e que teve atuação de
destaque do Partido Comunista do Brasil e no Maranhão. Partimos do pressuposto que essas
iniciativas visam a articular a figura de Maria Aragão, médica comunista, com sua trajetória
profissional e política a luta da classe trabalhadora, entendendo esses espaços como um
mecanismo de preservação de sua memória.
ABSTRACT
The present paper, titled ―Memorial and Institute Maria Aragão: on spaces of memory of the
left fights in Maranhão, aims at analyzing the process of preservation of the memory and
development of educative activities at the Institute and Memorial Maria Aragão, mainly
between 2001 and 2010, those initiatives look for preserving the memory of the communist
physician Maria José Aragão (1910-1991), to it it is presented the biography of the physician
based on Aragão (1992), Moreira Neto (2014), Araújo (2014) and Azevedo (2015), among
others. Thereafter it will be considered the creation of the Institute and the Memorial being
used the studies of Jelin (2002) and Sá (2007), as to the ―space of memories‖, and also photos,
editions and documents of IMA. It will also be treated the constitution of the collection and
exposition about the life of Maria Aragão possessed by the Memorial. Finally, it will be
analysed the educative activities promoted by the Institute including its editions which aim at
preserving the memory of the militant physician. In the beginning one can observe the
exemplar profile of Maria Aragão: woman, black, poor and communist who got abstain her
Medicine degree even facing a great deal of difficulties and her highlighted at the Brazilian
Communist Party and in Maranhão, the inquire starts from the presupposition that such
initiatives aim at articulating the profile of Maria Aragão, physician and communist, within
her professional career and political activities beside her fight in favor of the labor class, so
understanding that those spaces act like a mechanism of preservation of her memory.
Keywords: Maria Aragão Institute and Memorial. Maria Aragão - Records of her memory.
IMA - Memory space.
22
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
1. 14
INTRODUÇÃO .................................................................................................................
2. MARIA ARAGÃO: TRAJETÓRIA DE VIDA E REGISTROS DE SUA
18
MEMÓRIA ........................................................................................................................
2.1. DA INFÂNCIA NO ENGENHO CENTRAL À SUA ENTRADA NO
PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PCB) .................................................................
18
2.2. MARIA ARAGÃO NO RIO DE JANEIRO: A FACULDADE DE MEDICINA .............
21
2.3. O INGRESSO NO PCB, MILITÂNCIA E A VINDA PARA O MARANHÃO ...............
24
2.3.1. Os primeiros anos de atuação política: 1945-1951 .............................................................
25
2.3.2. Trabalho e prisão durante a ditadura militar .......................................................................
29
2.3.3. A saída do PCB e outras atividades políticas......................................................................
31
2.4. MARIA ARAGÃO E OS REGISTROS DE SUA MEMÓRIA .........................................
32
3. INSTITUTO E MEMORIAL MARIA ARAGÃO: ESPAÇOS DE
40
MEMÓRIA E LUTA ........................................................................................................
3.1. A CONSTITUIÇÃO DE ESPAÇOS E A LUTA PELA MEMÓRIA DE
MARIA ARAGÃO: A CRIAÇÃO DO IMA......................................................................
40
3.2. NEGOCIAÇÕES, EMBARGO E MODIFICAÇÕES: O CAMINHO PARA A
CONSTRUÇÃO DO MEMORIAL ....................................................................................
46
3.3. MEMORIAL MARIA ARAGÃO: ORGANIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DO
ACERVO DA EXPOSIÇÃO ..............................................................................................
50
3.3.1. Militância, trabalho e objetos de rotina: o acervo exposto de Maria Aragão .....................
53
3.3.2. Usos do Memorial: a Praça Maria Aragão ..........................................................................
62
4. SOBRE AS ATIVIDADES EDUCATIVAS, CULTURAIS E
65
PUBLICAÇÕES DO IMA ...............................................................................................
4.1. AS SEMANAS POLÍTICO-CULTURAIS E OUTRAS ATIVIDADES
ORGANIZADAS PELO IMA ............................................................................................
65
4.2. AS PUBLICAÇÕES DO IMA: A MEMÓRIA EM REVISTA E JORNAIS ....................
76
5. 80
CONCLUSÃO ...................................................................................................................
83
REFERÊNCIAS ................................................................................................................
88
ANEXOS ............................................................................................................................
27
1. INTRODUÇÃO
Luís e que o referido instituto foi criado na tentativa de ser um espaço de debates, cursos e
eventos políticos.
Essas disputas pela memória e as narrativas dos fatos tornam-se ainda mais
contundentes se tratamos das lutas dirigidas pela esquerda no Brasil e na América Latina, no
sentido de construir uma práxis que possa contribuir para a superação das desigualdades,
assim como a efetivação dos direitos humanos e sociais dos quais ainda estão distantes a
maioria da população.
Esta pesquisa é de caráter empírico e documental. De acordo com Marconi e
Lakatos (2003, p. 174): ―[...] a característica da pesquisa documental é que a fonte de
coleta de dados está restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o que se
denomina de fontes primárias.‖.
Delineamos a história de vida de Maria Aragão buscando as biografias e trabalhos
acadêmicas que tratam da vida médica, situando alguns aspectos da sua vida com fatos da
História do Brasil e do Maranhão.
Efetuamos uma pesquisa bibliográfica acerca dos espaços de memória,
principalmente àqueles ligados a preservação e a demarcação de memórias de militantes
de esquerda.
Os documentos pesquisados foram folders, projetos, revistas e jornais produzidos
pelo IMA; notícias de jornais e documentos relativos a constituição do Instituto a exemplo
de: atas, cronograma de planejamento, cartas enviadas a imprensa e outros órgãos e o
projeto do acervo do Memorial.
Vale ressaltar que os documentos pesquisados a respeito do memorial e do IMA
são, na categorização proposta por Gil (2016, p. 51) ―Documentos de primeira mão, ou
seja, ainda não haviam recebido tratamento analítico‖.
Segundo Demo (1995, p. 13), existem quatro tipos de pesquisa com aspectos
distintos, mas interligadas, visto que a realidade se apresenta de forma complexa. Assim, a
pesquisa empírica se ―dedica a codificar a face mensurável da realidade social‖; para isso,
realizamos entrevistas semiestruturadas com duas fundadoras do IMA,
Nas entrevistas buscamos compreender como ocorreu o processo de criação do
Memorial, quais objetivos foram atingidos, quais as maiores dificuldades e quais as
perspectivas para o Instituto na atualidade.
Com a guia do Memorial e com a coordenadora de patrimônio imaterial da
Fundação Municipal de Cultura, órgão ligado à Secretaria Municipal de Cultura de São
Luís, responsáveis pela coordenação do Memorial e da Praça Maria Aragão, no sentido de
30
Este capítulo tem por objetivo expor a trajetória de vida da médica e militante
comunista Maria José Aragão. Pretendemos, a partir dos relatos memorialísticos feitos a seu
respeito, delinear sua trajetória de vida singular: mulher negra, que teve uma vida de penúria
na infância e juventude; formou-se médica, tornando-se uma militante reconhecida no Partido
Comunista como grande liderança. Maria Aragão teve uma influência nos meios políticos na
cidade de São Luís e em todo Estado do Maranhão.
1
Indivíduo encarregado de vigiar e reparar as linhas ou cabos de luz elétrica, telegráficos e telefônicos
(MICHAELIS, 2017).
2
―O coronelismo representou uma variante de uma relação sociopolítica mais geral - o clientelismo […]. Essa
relação resultava da desigualdade social, da impossibilidade dos cidadãos efetivarem seus direitos. […] Do ponto
de vista eleitoral, o ‗coronel‘ controlava os votantes e, sua área de influência. Trocava votos em candidatos por
ele indicados em favores tão variados como um par de sapatos, uma vaga no hospital ou um emprego de
professora.‖ (FAUSTO, 2015, p. 226).
32
(2015) e Azevedo (2016), Maria Aragão sempre esteve envolvida com as atividades de
Educação e Ensino: algumas vezes inserida em escolas formais e outras vezes atuando como
professora particular em casas de família. Já estudante de Medicina, continuou a dar aulas
particulares durante o curso, para se manter.
A escassez de recursos financeiros e a itinerância por vários municípios do interior do
Estado marcaram sua infância: ―Meu curso primário foi feito em várias cidades do interior do
estado, sendo que eu tenho lembrança de Codó [...].‖ (ARAGÃO, 1992, p. 33).
No ano de 1921, sua mãe, a contragosto do pai, trouxe os filhos para a capital em
busca de escolarizá-los. Nessa época ela estava com 11 anos de idade, aproximadamente.
Eu disse antes que minha mãe queria que todos os filhos fossem doutores, não sei o
que ela achava que fosse doutor, mas inexplicavelmente botava todos os irmãos para
aprender uma profissão. José era alfaiate, Benedito era mecânico, Jonas foi para a
oficina de marceneiro e o Emídio, para uma oficina de sapateiro. Nenhum chegou a
exercer a profissão. Nenhum chegou a terminar. À medida que iam crescendo, iam
querendo sair daqui, procurar melhor vida (ARAGÃO, 1992, p. 23).
Nos seus relatos Maria Aragão refere-se sempre à fome que rondava constantemente
sua casa. Segundo ela, era difícil para sua mãe manter os filhos na capital com os parcos
recursos enviados por seu pai. Mesmo assim, Maria Aragão conseguiu terminar o curso
Normal em 1926, no Liceu Maranhense.
A princípio ela não conseguiu emprego nas escolas da capital e passou a dar aulas
particulares em domicílio, até que seu pai, na época moradora em Grajaú, conseguiu uma
promessa de nomeação como professora nesse município e ela seguiu para lá com seus
documentos, a fim de ser nomeada. Contudo, na nomeação de fato, Maria Aragão apareceu
como professora adjunta (a titular era uma professora que estava prestes a se aposentar,
residente no município), o que a deixou bastante decepcionada e, sentindo-se preterida,
acabou desistindo do cargo.
De volta a São Luís, ainda sem conseguir emprego, ela recebeu uma proposta de
trabalhar no Estado do Piauí, onde seria professora particular dos filhos de um médico. E lá
permaneceu por um ano. Novamente retornou para São Luís e foi trabalhar no Colégio Cisne,
onde foi professora do escritor Josué Montello. Nessa época, ela fez o curso ginasial em dois
anos, já pensando no curso de Medicina, que na época não era oferecido em São Luís: ia-se
estudar em Salvador ou no Rio de Janeiro (ARAGÃO, 1992).
Nessa época Maria Aragão já almejava estudar Medicina, sonho compartilhado com
sua mãe, Rosa Camargo, a contragosto do pai, Emídio Camargo, que queria que a filha
33
estudasse Direito e dizia: ―Por que não fica em São Luís para estudar Direito, se aqui havia
faculdade? Ele me achava muito inteligente.‖ (ARAGÃO, 1992, p. 34).
O Brasil, da década de 1920, vivia tempos de muita agitação. Ocorria o movimento
tenentista sob a liderança de Luiz Carlos Prestes. Segundo Fausto (2015), as revoltas contra o
que tinha se tornado a República, encabeçadas por oficiais do Exército (tenentes e capitães)
marcavam a vida pública e demonstravam insatisfação com a política brasileira.
No Maranhão, segundo análise feita por Mendes (2015), o tenentismo tinha forte
presença de civis e ficou conhecido como ―tarquinismo‖ em razão da sua principal liderança
ser o médico Tarquínio Lopes Filho. Esse clima de insatisfação, incertezas, lutas armadas e
ideológicas vividas no país e no Maranhão, nos anos de 1920-1930, ainda não figuram, pelo
que podemos observar, nas memórias contadas por Maria Aragão.
Para Reis (2007, p. 96), não houve no Estado uma ameaça real às estruturas
oligárquicas. Na sua análise, ele assevera que no Maranhão configurou-se ―[...] uma
renovação interna das oligarquias‖ e que o cenário dos anos 20 e 30 do século XX, no Estado,
era aterrador: falta de água, transporte, altos preços dos alimentos, problemas de habitação,
dentre outros, assolavam a cidade de São Luís e aumentavam o descontentamento popular.
Nesse cenário, no ano de 1930, Maria Aragão foi para Recife prestar concurso para o
Banco do Brasil, mas não conseguiu ser aprovada e preferiu buscar trabalho na cidade de João
Pessoa (ARAÚJO, 2014).
Nessa nova empreitada, em busca de trabalho como professora, Maria Aragão seguiu
de Recife para João Pessoa. Na cidade conseguiu uma audiência pública com o interventor
Gratuliano de Brito (ARAÚJO, 2014). Dois dias depois da audiência Maria Aragão conseguiu
uma nomeação como professora na cidade de Patos, a 307 quilômetros da capital. Ela
permaneceu nessa cidade por um ano, contudo, como sua mãe encontrava-se gravemente
doente em São Luís, ela retornou para esta cidade.
Dessa forma, podemos perceber que a infância e o início da juventude de Maria
Aragão foi como de tantas outras de famílias pobres que buscam na educação formal um
dispositivo de ascensão social, assim como a melhoria na vida dos demais membros da
família.
34
Em 1934 Maria Aragão chegou ao Rio de Janeiro com sua mãe doente em busca de
tratamento. D. Rosa Aragão veio a falecer logo depois da chegada à cidade, e nossa
bibliografada resolveu ficar e fazer vestibular para a Faculdade de Medicina da Universidade
do Brasil. Neste mesmo ano ela trouxe do Maranhão seus irmãos João, Emídio e Cristina para
morar com ela (ARAGÃO, 1992).
Enquanto se preparava para as provas, trabalhou como professora ministrando aulas
em casa para os funcionários que teriam de fazer um concurso.
À época, o Getúlio Vargas determinou que para entrar no serviço público tinha que
ser por concurso. Aí eu ensinei muito candidato a concurso em vários ministérios.
Houve fatos interessantes, por exemplo, eu tive um grupo de alunos para o
Ministério do Exterior, gente de certa categoria, de elite que trabalhava no Itamaraty
(ARAGÃO, 1992, p. 54).
Esses relatos foram contados com bom humor a posteriori por Maria Aragão, pois na
época ela ressalta que tais colocações, que não foram poucas, a deixavam muito irritada.
Mesmo assim, ela refere sempre de si como alguém que em meio a tantas dificuldades tinha
um enorme apreço pela vida!: ―[...] trabalhava muito, estudava muito, mas achava a vida
linda, achava a vida uma beleza. Não é de hoje que eu sou otimista. Não é de hoje que eu sou
comunista. Não é de hoje que tenho esse espírito alegre, eu sempre tive, eu sou hoje o que
sempre fui.‖ (ARAGÃO, 1992, p. 61).
Apesar das inúmeras dificuldades, os irmãos se ajudavam para continuarem na cidade.
O relacionamento entre eles, quando moravam no Rio de Janeiro, é retratado da seguinte
forma por ela:
Maria Aragão engravidou em 1941 e avaliou que não poderia ficar interna no Hospital
fazendo residência médica. Realizou um concurso para enfermeira no Hospital Artur
Bernardes, atualmente Instituto Frederico Figueiras. Trabalhando à noite (como enfermeira) e
estudando de dia, dormia das 18h (quando chegava da faculdade e/ou das aulas particulares)
às 21h (quando saía para o hospital). A rotina era bem rígida, já que tinha de estar nas aulas
teóricas, nas aulas práticas, além de ensinar particularmente e trabalhar como enfermeira
(ARAGÃO, 1992).
À beira de uma estafa, procurou um amigo psiquiatra para aconselhá-la, pois estava
tendo muitos lapsos de memória. Após ouvi-la, ele disse: ―Tu não estás doida, mas está te
suicidando [...]. Vais ficar um mês sem ir ao trabalho‖. (ARAGÃO, 1992, p. 71).
Deste modo, ficou 20 dias sem ir ao trabalho e na sua volta ao hospital, relatou sua
história para o diretor, sua luta de estudante, sua conversa com seu amigo psiquiatra, sua
estafa. ―O diretor mandou bater um ofício autorizando que eu entrasse para trabalhar e
justificando todas as minhas faltas. Eu recebi o pagamento integral‖. (ARAGÃO, 1992, p. 71-
72).
Depois do nascimento de sua filha Clarice, em 1942, Maria Aragão se encontrou com
um padre maranhense que estava no Rio de Janeiro. O padre ficou surpreso ao vê-la com sua
filha no colo e perguntou se era sua afilhada ou se ela havia se casado. Ao dizer que a menina
36
era sua filha e que não tinha se casado, deparou-se com a surpresa do padre. Maria Aragão
acredita que esse fato contribuiu para que parte do clero maranhense a chamasse de
―prostituta e não médica‖ (MOREIRA NETO, 2015).
Nesse sentido, Colling (1997, p. 111), nos refere:
A constatação feita por Ana Maria Colling (1997) em seu estudo a respeito de
mulheres, que sofreram a repressão na Ditadura Militar, encontra ressonância nas atitudes que
parte do clero e a sociedade maranhense tiveram a respeito de Maria Aragão quando ela
retornou para a cidade.
Inicialmente, ela escolheu a Pediatria. Tendo concluído seu curso em 1942 (Figura
23), partiu com a filha para trabalhar em General Câmara, município do Rio Grande do Sul.
Em 1944, sua filha morreu aos dois anos, vítima de desinteria bacilar.
A morte da filha a abalou profundamente: ―Depois da morte da minha filha, eu fiquei
bloqueada, não conseguia trabalhar com crianças.‖ (ARAGÃO, 1992, p. 74). Após este
trágico acontecimento na sua vida, ela retornou ao Rio de Janeiro e recomeçou a trabalhar no
Hospital Miguel Couto, fazendo especialização em Clínica e Ginecologia.
Nesse período começou a conviver com os pacientes vindo de comunidades da
periferia carioca, principalmente do Pavão-pavãozinho (ARAGÃO, 1992) e, apesar de
acreditar que poderia contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos mais pobres sendo
médica, percebeu que os problemas daquelas pessoas iam além da Medicina,
Ainda lhe doía a fome que passou na infância, as dificuldades que teve para estudar,
além de não estar totalmente reestabelecida da perda de sua filha.
Em determinada ocasião, no ano de 1944, ao realizar atendimento com uma paciente,
foi convidada para uma reunião: ―A senhora se parece com uns amigos que eu tenho, se a
senhora quisesse, poderia ir conversar com eles.‖ (ARAGÃO, 1992, p. 78). A reunião era de
37
comunistas e Maria Aragão conta que começou a falar, mesmo sem entender muita coisa,
Naquela reunião a que fui, eles discutiam problemas e eu comecei a dar palpites,
mas sem entender nada. Um operário simples, trabalhador, mal vestido, analisando o
que eu estava dizendo, dando um certo sentido político. Eu disse: ‗Eu nunca tinha
pensado nisso antes‘ (ARAGÃO, 1992, p. 78).
O grupo de maranhenses chegou lá, todos sebentos, infelizes e sujos, doentes. Como
estudante de medicina eu os ajudava levando-os ao hospital e pedindo aos
professores que os examinassem, requisitassem exames, dessem remédios. E meus
professores ajudavam nisso, alguns eram meus amigos (ARAGÃO, 1992, p. 60).
Esse grupo foi hostilizado por integralistas4 que também estavam na pensão. Maria
Aragão conta que ―ficou do lado‖ dos comunistas, mas sem qualquer embasamento teórico,
apenas por que, à época, lhe pareceu a parte ―mais fraca.‖ (ARAGÃO, 1992).
Em 1945, Luís Carlos Prestes fez um histórico comício no Campo do Vasco, em São
Januário. Até então Maria Aragão não ouvira falar de Prestes e uma paciente a convidou,
contando-lhe a história e, inclusive, que ele havia deixado a prisão recentemente. Em seus
relatos, Aragão explicita:
Mas a noção que tinha de Prestes era um homem arrasado, iria falar de tudo quanto
havia sofrido, lamentado tudo, a deportação da mulher-devia ser um homem infeliz.
Pensei que não era a pessoa que queria ouvir, não queria ouvir gente derrotada, eu ia
pensando isso, mas fui. (ARAGÃO, 1992, p. 79).
3
Instituto Penal Cândido Mendes, situado no município de Ilha Grande-RJ. Foi desativado em 1994 (FRANÇA,
2014).
4
Movimento nacionalista de inspiração fascista brasileiro criado na década de 1930; ―[...] o Integralismo se
definiu mais como um movimento cultural do que econômico […] Integralistas e comunistas se enfrentaram
mortalmente ao longo dos anos de 1930.‖ (FAUSTO, 2015, p. 301-304).
38
A participação naquele comício de 1945, no campo do Vasco, mudou a sua vida. Ela
afirma que ficou ―eletrizada‖ olhando para Prestes, que fez um discurso sobre a situação
nacional. Falou da guerra, do Nazismo e da redemocratização. Maria Aragão ficou
impressionada com Prestes dizendo que era comunista; admirou sua coragem, já que tinha
estado preso por nove anos: ―Eu ficava me perguntando: ‗Que diabo é ser comunista‘? Mas ia
achando que só podia ser coisa muito boa, por que ele só falou do interesse do povo, ele
também estava interessado, como eu, nos problemas do povo.‖ (ARAGÃO, 1992, p. 80).
Nesse mesmo dia ela anunciou aos seus irmãos que desistira de seus projetos de ir
trabalhar no Acre e entraria para o Partido Comunista.
Sua volta para a cidade de São Luís se deu no ano de 1945. Inicialmente, foi morar na
casa de amigos até conseguir estabelecer-se. Segundo Moreira Neto (2015), não adquiriu casa
própria, fixando-se sempre em casas alugadas (onde funcionava também seu consultório) no
centro da cidade de São Luís e no Bairro do Monte Castelo e Apeadouro.
Aos poucos ficou conhecida no tratamento de doenças de senhoras e pelo seu trabalho
em clínica geral. Conquistou muita popularidade entre os mais pobres e também ganhou o
respeito das classes médias e até da elite maranhense (AZEVEDO, 2016). Todavia, ainda
sofria muito preconceito por sua opção política e por ser mulher independente. Situação
insuportável para o machismo de uma São Luís dos anos 1940.
Já disse que cometi um erro de me expor muito quando voltei para o Maranhão. Tal
fato aguçou a reação contra mim, particularmente o clero. Os padres me atacavam
furiosamente, diziam: ‗Chegou aí uma dona Maria, ela não é médica, é uma
prostituta‘ (ARAGÃO, 1992, p. 91).
De acordo com Aragão (1992, p.91), com os anos de trabalho na cidade de São Luís a
relação com o clero mudou, mas, para estabelecer-se na cidade, teve de lutar contra muitas
formas de preconceito,
Vou dizer porque os padres diziam que eu era prostituta, coisa que me revoltava
porque sempre trabalhei feito uma desesperada para estudar, ensinei, fui ser
enfermeira, sempre fui uma mulher dona da minha vida, dona do meu corpo, tive os
homens que quis, não podia permitir que me chamassem de prostituta.
Aliado a esse motivo pessoal, Maria Aragão ressalta ainda que temia prejudicar a
39
Mas não foi fácil decidir a casar. Sempre fui uma pessoa livre, muito dona da minha
vida e não me seduzia a ideia de casar, de ter esse tipo de relacionamento que não
tivera até então [...], mas eu tinha na cabeça o que os padres diziam nas missas e isso
me mostrava que eu não podia ter aventuras nenhuma, eu não podia arrebentar com
o Partido, não podia fazer nada que viesse a comprometê-lo. Casar, para mim era
uma maneira de desmentir os padres. Ter um relacionamento sem casar não é ser
prostituta, mas eles diziam que eu era. Então ele resolveu casar e eu também decidi.
[…] (ARAGÃO, 1992, p. 94).
Maria Aragão ficou casada por 10 anos. Nesse período adotou três crianças: Sônia,
Simone e Sebastião. Sônia era filha de uma família muito pobre que morava próxima à casa
da médica e foi tratada de um quadro de desnutrição. Vendo a situação delicada da família, a
médica acabou tornando-se responsável pela menina. Este fato ocorreu no ano de 1947,
quando a criança tinha dois anos de idade (ARAGÃO, 1992).
Simone era filha de uma família que morava no bairro do Anil, na capital São Luís,
onde a médica trabalhava no posto de saúde. Segundo Aragão (1992), foi morar com a médica
na década de 50, do século passado, com aproximadamente 9 anos. Um dia, em visita a
família, a menina Simone se apegou a Maria Aragão e assim foi morar com ela. Simone
formou-se em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e foi
vereadora pelo PCB na cidade. Simone Macieira é viúva de Roberto Macieira, com quem teve
três filhos. Ele foi prefeito de São Luís e ocupou também secretarias em outros governos. Era
irmão de Marly Sarney, esposa do ex-presidente José Sarney (ARAGÃO, 1992; MOREIRA
NETO, 2015).
Sebastião foi o último a chegar à casa de Maria Aragão. Isso ocorreu em 1958, quando
o garoto tinha oito anos de idade. Era filho de um companheiro do partido que trabalhava na
tipografia do jornal e tinha se separado recentemente. Ele pediu que o menino ficasse em sua
casa: ―Lá ele ficou comigo e ficou de uma vez, porque gostou da casa, gostou das meninas
[...], tinha música, tinha muito disco de histórias infantis [...], tinha muitas revistas infantis e
ele não sabia ler.‖ (MOREIRA NETO, 2015, p. 137). Sebastião formou-se em Design Gráfico
na UFMA, e mora em São Luís.
Com uma visão de vanguarda, Maria Aragão afirma que, mesmo morando com ela, e
saindo de casa já independentes, seus filhos sempre mantiveram contato com suas famílias.
Pelos filhos Maria Aragão é chamada carinhosamente de Dedê (MOREIRA NETO, 2015).
No ano de 1945 o PCB retomou a legalidade. Foi nesse momento que Aragão, ao
ingressar no partido, passou a assumir importantes tarefas onde, ao mesmo tempo em que se
40
Nesse cenário provisoriamente favorável para o PCB, Maria Aragão entrou para o
partido ainda no Rio de Janeiro. Ela afirma que não teve qualquer preparação para fazer parte
da organização; somente participou de uma reunião onde foi lido o Estatuto, participou de
algumas reuniões no Rio de Janeiro. Em seus relatos se mostrava entusiasmada, certa de que
tinha feito a escolha correta. Até que surgiu a necessidade de vir para o Maranhão reorganizar
o Partido, e vieram: Maria Aragão e mais três colegas (ARAGÃO, 1992).
No Maranhão, o partido ―[...] era formado por velhos comunistas que tinham ido para
Ilha Grande, [...] e quando voltaram viram-se sem emprego, na miséria, sem condições de
recomeçar a vida.‖ (ARAGÃO, 1992, p. 84). Dessa época Maria Aragão relatou que ainda
não tinha muito conhecimento da teoria marxista ou mesmo de muitas leituras políticas:
Vim para o Maranhão assim despreparada. Quem me ensinou nesse ponto foi um
companheiro que passou por aqui na época, com a missão de nos dar assistência e
demorou um pouco. Era conhecido como Nei, embora seu nome fosse Orestes
Timbaúba. Espetacular em todos os sentidos, companheiro muito querido [...]. Ele
me disse: você precisa estudar, está cometendo muito erro porque não estuda. Fez
uma relação de livros, discutia comigo coisas [...] (ARAGÃO, 1992, p. 84).
Dentre os erros cometidos por Aragão ela revela que, no começo da militância, era
muito empolgada com a luta e acabava atropelando as pessoas, querendo fazer tudo, não
buscando entender ―o problema dos companheiros‖: ―Eu queria que eles se engajassem
naquele trabalho com a paixão que eu tinha, era um erro que procurei vencer ao longo dos
anos, de idealizar as pessoas, de não estudar cada pessoa‖.
As principais atividades dessa militante, nessa época, era vender livros da Editora
41
Vitória5 e o Jornal ―Voz Operária‖6. Ela ia para as portas das fábricas com um ―alto-falante‖ e
anunciava o jornal. Também falava nas praças da cidade, comentava os fatos políticos e ia
atraindo a atenção dos que por ali passavam. Seus companheiros de partido eram mais
cautelosos e diziam que a legalidade era passageira: era somente para saber quem éramos e
que eu me expunha muito (ARAGÃO, 1992; MOREIRA NETO, 2015).
A médica começou a estudar as obras clássicas do Marxismo e organizou cursos de
formação de militantes na capital e no interior do Estado. Ela revela que, nessa época, o
Partido chegou a ter 2.000 companheiros no Maranhão (ARAGÃO, 1992). Contudo, o
trabalho que mais empolgava e reunia as pessoas eram as falas feitas por Maria Aragão à
porta das fábricas. Nessa época havia em São Luís uma grave crise na indústria têxtil que
vinha sendo gradativamente substituída pelas fábricas produtoras de óleo de babaçu e
derivados7.
Ela foi presa pela primeira vez na Greve de 19518, acusada de incitar a população a
promover incêndios em bairros da cidade. Assim como ocorria no resto do país, no Maranhão
havia um clima de insatisfação popular. Aragão foi presa em sua casa, enquadrada na Lei de
Segurança Nacional e passou 3 meses na prisão.
Após sair da prisão, ela continuou trabalhando na cidade e no interior como médica e
atuando no Partido. Mesmo na ilegalidade ela continuava vendendo Jornal e participando de
cursos de formação nas bases. Nos anos seguintes à primeira prisão, segundo Aragão (1992,
p. 133), houve muitas divergências entre ela e os outros dirigentes do Partido no Maranhão,
Maria Aragão seguiu então para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), em 1961, para fazer um curso de formação e lá permaneceu por um ano e três meses,
Ao sair daqui não podia dizer que ia a URSS fazer um curso político, disse então
5
Editora ligada ao Partido Comunista Brasileiro (ARIAS, 2004).
6
Jornal carioca, inicialmente semanal e depois mensal, fundado em fevereiro de 1949 pelo Partido Comunista
Brasileiro então PCB (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2009).
7
Sobre a crise na indústria têxtil no Maranhão no início do século XX (CAMPOS, 2008).
8
Greve que ocorreu na cidade de São Luís em protesto contra as denúncias de fraude nas eleições (COSTA,
2004).
42
que ia ver como estava a medicina por lá, que ia fazer uma especialização. Por isso
ao terminar o curso político, pedi que me mostrassem a medicina soviética, então me
levaram a vários centros, a vários hospitais, prontos-socorros. (ARAGÃO, 1992, p.
135).
Logo nos primeiros dias do golpe, nós havíamos orientado os jovens para não
revelarem quem eram os comunistas [...]. Mesmo se perguntassem se conhecia
Maria Aragão, que publicamente se declarava comunista, deveriam dizer que me
conheciam como médica [...]. De qualquer modo a reação sabia que eu trabalhava
com os jovens, e de maneira errada porque fazia isso abertamente, na ilusão de que a
legalidade estava prestes a vir para o Partido e agíamos como se houvesse essa
legalidade, antes do golpe (ARAGÃO, 1992, p.154).
A médica passou 3 meses presa. Sua terceira prisão aconteceu nesse mesmo ano em
novembro. Ela e mais um grupo de comunistas do Estado foram presos novamente. No início
de 1965, foram soltos e o processo arquivado.
A médica continuou seu trabalho no Posto, no consultório em sua casa e com as
atividades de militância, mesmo em um período de muita repressão. Contudo, as diferenças
internas no PCB foram também sentidas no Estado e uma parte da militância aliou-se ao
43
Partido Comunista do Brasil (PC do B)9. Nesse período ela conta que trabalhou na
reorganização do Partido, vendendo os jornais ―Voz Operária‖10 e ―Voz da Unidade‖11.
Na década de 1970, trabalhando no Posto de Saúde do Anil continuou suas atividades
de vanguarda realizando palestras com os moradores do bairro e adjacências para tratar de
assuntos diversos e problemáticos de seu cotidiano. Nesse ano assumiu a direção do Posto e
foi nomeada médica no governo do Estado e lotada no Centro de Saúde do João Paulo,
aposentando-se compulsoriamente em 1981 (ARAGÃO, 1992).
O posto de saúde do Anil tornou-se referência para a prefeitura de São Luís. Houve
um evento, com a presença de representantes do Ministério da Saúde, onde o
secretário municipal agradeceu em nome do governo, pelo bom trabalho realizado.
Ao usar a palavra, Maria criou constrangimento aos presentes. Disse que não
trabalhava para o governo, mas sim para o povo. Para completar falou abertamente o
fato de ser comunista (AZEVEDO, 2016, p. 111).
Em 1973, Maria Aragão foi presa novamente, aos 63 anos. Foi levada para Fortaleza
onde permaneceu 7 meses. Foi solta em dezembro desse mesmo ano. No julgamento do
processo, ocorrido em 1976, foi condenada a 1 anos e 2 meses de prisão, sendo novamente
presa em 1977 para cumprir o restante da pena (ARAÚJO, 2014).
A pesquisadora Marcia Antonia Piedade Araújo teve acesso ao requerimento de prisão
preventiva da médica, datado de 13 de março de 1973, que se encontra no Departamento de
Ordem Política e Social (Dops), do Rio de Janeiro,
Segundo Moreira Neto (2015), Maria Aragão não costumava falar muito sobre
tortura, mas revelou que havia passado por essa experiência na prisão sem nunca dar muitos
9
Em 1962, militantes do PCB, reorganizam o partido agora nomeado de PC do B, Partido Comunista Brasileiro,
no intuito de fugir da ideia de que o PCB era um partido estrangeiro, comandado pela União Soviética.
Atualmente os dois partidos estão em atividade (BRASIL, 2008; PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, 2017).
10
Jornal carioca, inicialmente semanal e depois mensal, fundado em fevereiro de 1949 pelo Partido Comunista
Brasileiro então Partido Comunista do Brasil (PCB). Circulou regularmente até fevereiro de 1959, quando foi
fechado por iniciativa do próprio PCB. Voltou a circular, na clandestinidade, entre 1964 e 1975 e, de então até
agosto de 1979, foi editado no exterior. Teve alguns números editados clandestinamente durante o ano de 1980.
(FGV, 2018).
11
Semanário do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em março de 1980 e editado em São Paulo, com
sucursais em diversas capitais. (FGV, 2018).
44
detalhes das agressões sofridas; apenas se referia ―aos olhos vendados e choques elétricos‖
durante os interrogatórios. Esses episódios foram retratados pelo Grupo Xama Teatro (2008),
na peça: ―A Besta Fera-Biografia Cênica de Maria Aragão‖, de 2008, que trata da vida da
médica com destaque ao tempo que passou na prisão.
Na década de 1980, mais precisamente no ano de 1981, Maria Aragão deixou o PCB e
tornou-se simpatizante do Partido Democrático Trabalhista (PDT), que tinha como figura de
referência no Estado do Maranhão Jackson Lago, médico, que foi governador do Estado e
prefeito de São Luís12. Segundo Aragão (1992) sua saída do partido se deu em função da saída
de Prestes e do acirramento das divergências entre os militantes.
Apesar de ter se declarado inúmeras vezes como comunista, a militância de Maria
Aragão não se restringiu somente ao partido. Principalmente depois da década de 70, já com
60 anos a médica continuou atuando em outras frentes de estudo e militância.
Os anos 80 assistiram ao progressivo, mas ainda inconcluso, processo de
redemocratização do país. Depois de 21 anos de uma ditadura militar, que deixou marcas no
país: artistas, intelectuais, professores, jornalistas, militantes foram exilados, mortos e
desaparecidos, direitos humanos desrespeitados em torturas nas prisões, censura aos meios de
comunicação e toda sorte de arbitrariedades cometidas contra pessoas que divergiam do
regime.
Em 1982, fundou o Grupo de Mulheres Oito de Março, buscando ―[...] experimentar o
potencial revolucionário das mulheres‖ (AZEVEDO, 2016, p.45). O grupo teve ações durante
toda a década de 80, realizando palestras nas periferias da cidade de São Luís. Em 1984
escreveu a favor das ‗Diretas já‘; no mesmo ano participou da Campanha Nacional da
Reforma Agrária no Maranhão, dentre outras atividades (ARAÚJO, 2014).
Maria Aragão continuou atuante nos anos 80. Participou da fundação da Central Única
dos Trabalhadores (CUT) no Estado, em 1983, e atuou como tesoureira da entidade até o ano
de sua morte; declarou apoio a Brizola nas eleições de 1990, no primeiro turno, e participou
do comício do candidato quando esteve na cidade de São Luís.
Na área médica participou da Associação das Médicas do Maranhão (Amma), da
12
Prefeito em 1989 a 1992, de 1997 a 2000 e de 2001 a 2002, quando saiu para disputar as eleições de 2002;
governador de 2007-2009, quando foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na ocasião a 2º colocada,
Roseana Sarney, assumiu o governo do Estado. Para mais detalhes Cf. Santiago (2006) e Gallucci (2009).
45
Como referência de militante de esquerda, Maria Aragão muitas vezes foi procurada
para falar sobre suas experiências. Antônio Francisco13 foi o responsável pelo primeiro livro
acerca da vida de Maria Aragão. Intitulado ―A razão de uma vida‖. O livro foi publicado no
ano de 1992 (Figura 1). A obra foi escrita com base nos depoimentos colhidos pelo autor entre
os anos de 1990 e 1991.
Funcionário público, Antônio Francisco, maranhense, que morou por muitos anos em
Brasília e ainda naquela cidade tomou conhecimento da atuação política e social de Maria
Aragão, buscou-se conhecer os fatos e suas atividades. Ao retornar à cidade de São Luís,
quando já estava aposentado, escreveu o que seria a primeira biografia da médica.
13
Pseudônimo usado por Valdair José da Costa.
46
Os depoimentos foram registrados por ele entre os anos de 1990 e 1991. O autor expõe
no prefácio do livro que sua intenção era gravar as entrevistas que fez com Maria Aragão
sobre sua vida, carreira profissional e militância política e aprofundá-las com outras fontes
para, posteriormente, dirimir dúvidas com a médica. Porém, a morte de Maria Aragão
impossibilitou que ele desse cabo ao trabalho. Mesmo assim, achou dever publicar os
depoimentos que poderiam colaborar com pesquisas futuras.
Antônio Francisco ressalta que a autoria do livro é da própria Maria Aragão, já que
―apenas‖ gravou o material e posteriormente o transcreveu.
No livro de Antônio Francisco observamos uma Maria Aragão que narra de forma
despretensiosa sua trajetória de vida mesmo que pareça consciente da importância do seu
legado para a história política do Estado e da importância que as pessoas dão a sua vida, as
suas histórias, seu trabalho e sua presença nos meios políticos. De toda forma, o livro ―Maria
Aragão, a razão de uma vida‖, está presente em todos os trabalhos que falam desta militante.
Esta obra se configura como uma espécie de ponto de partida para as pesquisas.
Dividido em 28 capítulos, o livro traz os principais fatos da vida da médica assim como
episódios de sua militância política. O livro vem-se juntar às de obras escritas que tratam da
militância de mulheres em organizações de esquerda.
Segundo Colling (1997, p.75), a atuação das mulheres em organizações de esquerda
brasileiras era conflituosa já que
47
A autora citada trata de mulheres militantes que atuaram na luta armada no Brasil e
resistiram à ditadura. Neste particular, a atuação política de Maria Aragão é mais longeva do
que o período da Ditadura. Ela passou toda a sua vida e encaminhou a sua profissão no
combate às desigualdades sociais e em prol do Socialismo.
Maria Aragão não assumiu a postura feminista. Contudo, por sua atuação à frente do
Partido, ela foi considerada uma mulher que fugiu das convenções sociais e dos papéis
normalmente desempenhados por mulheres na sociedade, na história e no Partido Comunista.
As mulheres normalmente estão relegadas ao papel de coadjuvantes na história oficial,
postura esta assinalada por Perrot (2017) que postula que as mulheres normalmente ocuparam,
ao longo da história, papéis no âmbito privado, sendo inclusive uma ofensa o termo ―mulher
pública‖.
Neste sentido a mulher comunista, segundo Colling (1997), era tida como desviada,
antônimo da mulher virtuosa que fica restrita ao espaço doméstico e aos afazeres do dia-a-dia.
A política neste caso fica a cargo do universo masculino.
A história fala pouco de mulheres. Elas são invisíveis como sujeitos históricos. É
preciso correr atrás de suas pistas, que são tênues. Para falar sobre elas é preciso
falar das relações de poder entre homens e mulheres. Para identificá-los como
sujeitos políticos é necessário analisar as intricadas relações de gênero, de classe, de
raça e de geração. Dentro dessa diferença, da diversidade de organização da
sociedade, o sujeito construído como corpo unitário, uniforme e homogêneo, se
multiplica em suas diferenças, suas particularidades. (COLLING, 1997, p.94).
Desta forma, a opção de vida feita por Maria Aragão rompeu com o ―destino‖ das
mulheres do período, sobretudo das mulheres negras, ao se recusarem à dedicação exclusiva à
vida privada, ao cuidado da família e passou a fazer parte da história do Partido Comunista do
Brasil e do Maranhão, assim como a sua posição de vanguarda em assumir a militância e a
luta pelo Socialismo como uma opção de vida.
Deixando de ser coadjuvantes e assumindo o papel de protagonistas, as mulheres na
Política tiveram de se constituir como militantes com voz e atitudes que precisavam ser
levadas em conta para a luta,
48
De uma forma geral, em se tratando da militância feminina, grande parte dos textos
memorialísticos, a maioria de autoria masculina, deu pouca visibilidade à militância
feminina e/ou às discussões feministas. Autores como Leôncio Basbaum (1976),
Ellias Chaves Neto (1977), Agildo Barata (1978), Moisés Vinhas (1982), Jacob
Gorender (1987) e João Falcão (1988) deram pouca, ou nenhuma, atenção a atuação
das mulheres no partido.
A história da esquerda brasileira foi, e é até hoje, escrita em torno das trajetórias
destes "grandes homens". As mulheres aparecem como meras coadjuvantes. Aos
homens cabem as decisões políticas (o mundo das ideias) e as ações práticas (o
mundo público). Às mulheres, o suporte familiar e caseiro (o mundo doméstico)
para que estes homens possam continuar realizando suas "nobres" atividades
políticas. Essa representação sobre o papel secundário (ou de apoio) das mulheres
fica evidente no discurso destas militantes sobre suas funções no interior das
organizações [...] (GOLDENBERG, s/d, p. 4).
49
Se esta análise estiver correta, o resultado para onde nos conduz permitiria talvez
14
A Sociedade Recreativa Favela do Samba é uma escola de samba em São Luís do Maranhão. Está localizada
no Bairro do Sacavém (MOREIRA NETO, 2015).
50
responder a objeção mais séria e, aliás, a mais natural a que nos expomos quando
pretendemos que só temos a capacidade de nos lembrar quando nos colocamos no
ponto de vista de um ou mais grupos e de nos situar novamente em uma ou mais
correntes de pensamento coletivo (HALBWACHS, 1990, p. 36).
O terceiro livro foi concebido em forma de reportagem. Foi lançado no ano de 2016,
pelo jornalista Emílio Azevedo e teve como título: ―Uma subversiva no fio da história‖. O
texto apresenta fatos da vida de Maria Aragão contextualizados com o cenário e figuras
políticas do estado e trata também das disputas envolvendo o legado e a memória pública da
médica.
A tese da professora Márcia Antonia Piedade Araújo: ―Maria –uma mulher e suas
paixões em busca de uma sociedade igualitária‖, apresenta uma leitura da médica por um viés
da Psicologia Social.
Desde sua morte Maria Aragão foi lembrada em muitas homenagens. Algumas
encabeçadas pelo Instituto Maria Aragão (IMA) que serão detalhadas no capítulo 3 desta
dissertação. De maneira geral houve comemorações com a passagem do centenário de seu
nascimento. Foram instaladas placas nos locais onde ela trabalhou, a realização de uma peça
teatral inspirada em sua vida, focando principalmente o período que passou na prisão.
A peça ―Besta fera‖ foi encenada pelo grupo Xama Teatro (2008). O espetáculo é um
monólogo onde a médica aparece em interrogatórios que antecederam a suas prisões. As
perguntas do interrogatório são intercaladas com a narração dos episódios da vida de Maria
Aragão (CANTARIA FILMES, 2013).
Na peça a atriz Maria Ethel encarna Maria Aragão, durante a experiência das prisões,
interrogatórios e tortura. O espetáculo foi contemplado com o Prêmio Myriam Muniz 2007 e
no Plano Estadual de Cultura. Foi apresentado na capital, São Luís, e em mais 12 municípios
do Estado, nas cidades do Rio de Janeiro, Florianópolis, Brasília e em Cuba no II Festival de
Monólogo latino americano.
O nome da peça, Besta Fera (Figura 2), relembra um fato vivido por Maria Aragão,
quando em viagem ao interior do Estado para visitar as bases do partido. O padre do local,
querendo assustar a população, disse que havia chegado à cidade uma mulher que se dizia
médica mas na verdade era a ―besta fera‖, comedora de crianças e que os fiéis não fossem
procurá-la. Ocorre que o padre acabou atiçando a curiosidade do povo que foi ao hotel onde a
médica estava para apedrejá-la, mas acabaram envolvidos com o seu discurso.
A peça é baseada no diário que a médica fez, enquanto estava presa e retrata alguns
momentos vividos na prisão, nos interrogatórios, destacando a coragem da militante nesses
51
Ao longo deste capítulo apresentamos a vida de Maria Aragão e sua trajetória singular,
até sua entrada no partido Comunista e retorno ao Maranhão. Percebemos que, a despeito de
muitas dificuldades no início de sua vida, ela teve êxito ao terminar o curso de Medicina em
uma época em que esta profissão estava quase totalmente restrita aos filhos das classes
abastadas.
Contudo, Maria Aragão parece imbuída de uma consciência de classe que a fez
sensível aos problemas brasileiros: fome, falta de assistência na saúde, habitação, dentre
tantos outros, levando-a a uma militância de destaque no Partido Comunista. Sua história de
vida, se não passou a história oficial, foi rearticulada pela memória dos que conviveram com
ela e representada no Instituto e Memorial Maria Aragão, a qual será analisada no capítulo
seguinte.
53
Marx e Engels (1998) afirmam que as ideias dominantes, em todo o tempo e lugar, são
as ideias da classe dominante. Tal fato se estabelece na medida em que uma pequena parcela
social, proprietária dos grandes meios de produção da riqueza, portanto dos insumos e
instrumentos de produção, apropriam-se privadamente desta riqueza em detrimento da grande
maioria dos que trabalham. Desse modo, o poder da ideologia dominante se estabelece, ao
mesmo tempo que é de fundamental importância ao funcionamento das relações sociais de
exploração e dominação vigentes historicamente a produção de visões de mundo que
consolidem tais relações. A memória, nestes casos, é de grande utilidade para estes fins, na
medida que, ao se valorizarem (tornar memoráveis) determinados fatos, ideias, personagens,
criam-se amálgamas para o controle da maioria da sociedade.
Historicamente, as classes dominantes têm o poder e os recursos para o
estabelecimento de marcos físicos que fazem eco aos fatos e personagens históricos que
comungavam com os seus ideais e práticas. O estabelecimento de praças, monumentos,
placas, memoriais e etc., portavam e ainda portam seus nomes e evocam sua trajetória e fatos.
A memória coletiva acresce e enaltece as figuras e fatos que favorecem a classe dominante
principalmente nas instituições estatais,
54
A memória coletiva se expressa no âmbito de instituições, a maioria das vezes estatais, mas
também da sociedade civil, como igrejas, escolas, sociedades históricas e assim por diante.
As instituições estatais são a voz do poder. Nas instituições da sociedade civil misturam-se
as vozes dos dominantes e dos dominados, de tal sorte que se podem encontrar memórias
de lutas operárias nos sindicatos e hoje até mesmo nas universidades [...] (CASTANHO,
2007, p.16).
Todavia, a luta de classes faz com que, além das reivindicações e embates, também
sejam construídas lembranças, memórias, marcos, símbolos e espaços para a preservação do
legado das lutas dos trabalhadores, trabalhadoras e povos oprimidos.
Nesse sentido podemos destacar, dentre outras instituições ligadas à organização dos
trabalhadores, o trabalho da CUT, no sentido de preservar a memória das lutas da classe
trabalhadora no campo e na cidade, como ocorre no evento promovido por esta entidade
intitulado ―Seminários Internacionais: o Mundo dos trabalhadores e seus arquivos‖, o qual
apresenta o esforço dessa entidade em discutir os espaços de preservação da memória da luta
de classes e tornar pública a história sindical e dos movimentos populares.
Outro importante espaço de memória é Centro de Documentação do Movimento
Operário (CEMAP), situado na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (UNESP)
que guarda um importante acervo acerca das lutas de esquerda no Brasil.
Trabalharemos com o termo espaço de memória. Na categorização proposta por
Jelin (2002) a memória social seria resultado de um trabalho onde a sua reconstrução
estaria a cargo dos ―empreendedores da memória‖ 15 que se empenham em alavancar o fato
ou personalidade em questão para trazê-lo ao reconhecimento público e preservação.
Usaremos a reflexão de Jelin, em estudos a respeito da construção da memória social para
fatos históricos, o qual adota a expressão ―trabajos de construcción y formalización de las
memórias‖ (JELIN, 2002 p. 39). Todavia, é importante destacar, ainda segundo a autora, que
a representação da memória em espaços não são unívocas.
15
―El papel de los ―empreendedores de la memoria‖ es central em la dinâmica de los conflitos alredor de la
memoria publica‖ (JELIN, 2002, p. 51).
55
medida em que são responsáveis por alavancar um projeto que exige esforço, tempo, diálogos,
articulações para sua materialização.
Esses empreendedores lutam pelo objetivo de construção de um aparato de lembranças
que se pretende transmitir às futuras gerações, para que o fato ou a pessoa e seus ideais não
desapareçam. A consolidação dessa luta fica explícita nos objetivos do Memorial Maria
Aragão, a saber: ―preservar e servir de referencial para o estudo da vida social e política de
Maria Aragão, favorecendo o resgate e a divulgação da história das lutas populares no
Maranhão‖ (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2004, p. 3).
Segundo Celso Pereira de Sá (2015, p. 373, grifo nosso):
A partir da reflexão de Sá, esse processo de construção dos espaços de memória para
Maria Aragão se deu pelos relatos e documentos consultados, com a colocação de uma placa
na pequena Praça que foi construída em sua homenagem e onde os amigos se reuniam para
celebrar algumas datas importantes.
Conforme os estudos de Heymann (2011), a constituição de Institutos nasce da
vontade de se preservar a memória e garantir a permanência de um legado em questão. No
caso do IMA, a preservação do legado de Maria Aragão no que diz respeito à sua figura
exemplar e lutadora pelos direitos dos mais necessitados. Desta forma o IMA, se constitui em
uma experiência de preservação do legado.
Como afirmamos, o Instituto Maria Aragão e o Memorial Maria Aragão são marcos de
espaços de memória destinados a preservar e divulgar trajetória de vida de Maria Aragão. A
história do Memorial e da Praça tiveram início quando a médica ainda estava viva,
16
Padre Marcos Passerini (Itália, 1941), sacerdote da congregação dos Missionários Combonianos. No Brasil
desde 1973. Brasileiro naturalizado desde 2000. Cidadão maranhense a partir de 2005. Há 22 anos residente em
Fortaleza-Ceará, depois de 15 anos de presença no Maranhão. Durante sua trajetória eclesiástica no Maranhão,
padre Marcos Passerini esteve envolvido em diversas mobilizações em torno dos problemas sociais, como
movimentos de ocupações urbanas, na articulação com o movimento estudantil, através da Pastoral da Juventude
56
presente, não fico pra festa porque vou viajar. Era uma placa de azulejo com os
dizeres ―Praça Maria Aragão‖. Completou: ―Quando lhe derem uma praça, não se
esqueça que fui o primeiro a ter essa ideia e coloque a placa lá (ARAGÃO, 1992, p.
176).
A médica continua o relato e ressalta o fato de que essa primeira placa acabou
desaparecendo de sua casa em uma das suas viagens e nunca foi encontrada. Na passagem dos
seus 80 anos, em 1990, foi colocada uma placa de bronze na Beira-Mar próximo de onde
atualmente está localizado o Memorial (ARAGÃO, 1992).
Em 1993, dois anos após sua morte, foi inaugurada a Praça Maria Aragão, ainda como
um projeto de menor visibilidade. Amigos mais próximos, visando preservar-lhe a memória,
promoveram a criação de uma pequena Praça que levaria o seu nome. Neste espaço havia um
busto onde esse grupo se reunia, principalmente no dia do nascimento da médica, para
lembrá-la (ARAÚJO, 2014). Nesse local, durante um dos encontros, o grupo decidiu criar um
Instituto que buscasse preservar a memória de Maria Aragão. Assim nasceu o IMA.
Figura 5 - Primeira Praça Maria Aragão (Na foto sem o busto que foi tirado do local)
.
e na defesa dos menores abandonados na cidade de São Luís. Foi expulso da Arquidiocese de São Luís em 1981,
por envolvimento com movimentos de ocupação urbana na cidade de São Luís (PORTELA, 2015).
57
O grupo de sócios fundadores era formado por 26 pessoas, dentre elas médicos,
professores universitários, militantes e artistas. Na Ata de fundação (ANEXO A) houve a
concessão de título de membros honorários aos filhos de Maria Aragão (INSTITUTO
MARIA ARAGÃO, 2005).
O Instituto Maria Aragão-IMA foi fundado em 9 de fevereiro de 2001 em cerimônia
na Ordem dos Advogados do Brasil do Maranhão (OAB-MA), tendo como sede provisória
uma sala na Sociedade Maranhense de Medicina e Cirurgia do Maranhão (SMCMA).
Esses objetivos ainda não foram plenamente alcançados. Alguns espaços de formação
foram criados, como colhemos na seção IV deste trabalho; outros ainda não foram plenamente
alcançados.
O IMA se articula com algumas instituições similares que existem no país e,
referenciando a memória de lutadores do povo e/ou militantes, buscam potencializar,
principalmente ações educativas e culturais, a luta dos movimentos sociais e da sociedade
civil em favor dos seus direitos.
Em meio a inúmeras dificuldades, a entidade estabelece e começa a planejar ações a
fim de divulgar a memória de Maria Aragão e debater temas atuais. Segundo uma das
fundadoras:
Nós fazíamos as coisas, como se diz, na cara e na coragem, sem apoio, sem dinheiro
e até sem tempo pois todos nós tínhamos outras obrigações de trabalho, com a
família... mas mesmo assim queríamos realizar as formações e nos dedicávamos a
isso, por vezes nós mesmos financiávamos parte dos eventos formativos
(NASCIMENTO, 2018, s/p).
17
Entrevista concedida em 5 de abril de 2018.
59
A pequena Praça fundada em 1993 parecia não estar à altura da história de vida e
militância de Maria Aragão e, em 1997, em meio a disputas políticas o então deputado federal
Haroldo Sabóia18 apresentou ao então prefeito Jackson Lago (PDT) a construção do Memorial
e ampliação da Praça. A proposta foi prontamente apoiada pelo então prefeito. Após a
aprovação, o projeto foi apresentado, no Rio de Janeiro, ao arquiteto Oscar Niemayer (1907-
2012) por uma comissão do IMA (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2005).
Niemayer ficou entusiasmado com a ideia, já que também nutria admiração por Maria
Aragão e tinha uma alta estima sua atuação política. O projeto arquitetônico foi realizado e as
obras começaram, em 1998, mas foram embargadas pelo Instituto de Patrimônio Histórico
Artístico Nacional (IPHAN) no ano de 2001, por modificar a paisagem natural do local, que
faz parte do Centro Histórico de São Luís, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio
Cultural Mundial em 1997 (IPHAN, 2016).
O local onde está localizado o Memorial faz parte do conjunto arquitetônico conhecido
como Beira-Mar, as margens do Rio Anil, formado pelo Largo e Igreja dos Remédios e a
Praça Gonçalves Dias, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) desde 1955 (SOUZA, 2016).
Com o embargo, a equipe do arquiteto Oscar Niemayer fez algumas modificações do
projeto original: duas salas sofreram diminuição nas dimensões, a concha acústica e a pomba
mudaram de posição para não prejudicar a paisagem e a execução do projeto prosseguiu
(ARAÚJO, 2014, p. 395).
Durante a realização das atividades em comemoração aos 92 anos de Maria Aragão,
nos dia 6 a 8 de março de 2002, o IMA promoveu uma ação cultural no local onde estava
sendo construído o Memorial (que estava com as obras paradas): a produção de um painel,
com a participação de mais de 20 artistas plásticos convidados, no tapume que contornava a
Praça Maria Aragão. (INTITUTO MARIA ARAGÃO, 2002, p. 3).
No dia 25 de junho de 2004 foi inaugurado o Memorial Maria Aragão (Figura 8). As
18
Haroldo Freitas Pires de Sabóia nasceu em São Luís (MA) no dia 16 de junho de 1950.‖(...) Ao lado de antigos
militantes da resistência popular e democrática maranhense, entre os quais a médica comunista Maria José
Aragão, participou da fundação do Comitê Brasileiro pela Anistia no estado. Filiou-se ao PC do B em 1967, com
o AI-5 exilou-se em Paris em 1971, retornando em 1977. Foi filiado ao MDB depois PMDB (1982-!990), PDT
(1990-1992), PT/PPS (1992-2007), PDT (2008-2012). Atualmente é filiado ao PSOL. Ocupou cargos de
deputado federal, estadual e vereador‖ (CRUZ; CARNEIRO; MONNERAT, 2018).
60
obras foram iniciadas na gestão do prefeito Jackson Lago e terminaram na gestão do prefeito
Tadeu Palácio. A inauguração contou com centenas de pessoas e com um discurso entusiasta
do prefeito a respeito da homenageada: ‗uma mulher guerreira e humana. (INTITUTO
MARIA ARAGÃO, 2005).
Figura 8 - Mapa com a visão do Memorial para a sua implantação. Praça (1),
o Memorial (2), anfiteatro (3) e prédio de apoio (4)
A estrutura do Memorial abrange uma Praça (1), o Memorial (2), onde estão
localizadas duas salas da administração, a sala de exposição do acervo da médica e militante
Maria Aragão, um auditório com capacidade para 50 pessoas e um depósito, o anfiteatro (3)
onde estão localizados o palco, a concha acústica, os camarins e dois banheiros e um prédio
de apoio (4), onde há um espaço que abrange um bar ou lanchonete quando ocorrerem
eventos, e mais dois banheiros.
61
Figura 10 - Concha acústica, ao fundo Igreja Nossa senhora dos Remédios e Praça
Gonçalves Dias.
Figura 12 – Memorial.
O Instituto Maria Aragão foi responsável pela articulação política e mobilização para a
continuidade das obras do Memorial. Mas, no que consiste um Memorial?
Este ponto também precisa ser explorado com cuidado. Se o conceito de memorial,
em sua origem admite a via da memória institucional, fazendo-se a partir de objetos
selecionados, então estamos diante de uma definição aproximada de memorial como
lugar permanente que conserva e expõe coleções de objetos de caráter institucional
com fins culturais se quisermos apenas modificar brevemente a concepção do
Conselho Internacional de museus. No entanto, sua definição é completamente
distinta da definição dada aos museus em Santiago do Chile, em 1973, pois no caso,
não se trata de uma instituição a serviço da sociedade (sic) mas de uma instituição a
serviço de fins específicos do Estado. Isso modifica muito a Declaração de Santiago,
pois, ainda que possamos dizer que um memorial ―adquire, comunica e expõe -
como qualquer museu - para fins de estudo e educação - não se tratam dos
testemunhos em geral, mas de testemunhos específicos. Entramos portanto no
campo da ideologia (BARCELOS, 1999, p. 8).
O Memorial Maria Aragão pode ser considerado o corolário das intenções e ações de
preservação da memória de Maria Aragão. Não falamos aqui de uma preservação estática,
mas da tentativa de ressignificar a trajetória da médica e sua atuação política que sirva as
futuras gerações.
Trata-se também de uma iniciativa importante no campo de disputas da memória, onde
o que está estabelecido geralmente tem um lugar de maior destaque nas representações e
espaços de memória. Segundo o Projeto Acervo Maria Aragão,
A história e as muitas lições de vida de Maria Aragão, marcadas pela sua atuação no
universo social e político do nosso Estado garantiram a existência desse espaço
como mais uma alternativa para a população maranhense se desenvolver e participar
de atividades socioculturais enriquecedoras (INSTITUTO MARIA ARAGÃO,
2004, p. 11).
O espaço buscou preservar a memória dos que foram silenciados e que não tiveram a
chance de ver suas histórias e a história da luta de seu povo representada nos bancos
escolares, articulada em torno da história de vida e luta da medica comunista. A busca pelo
não apagamento dessa memória é parte da tentativa do IMA na concepção e montagem do
Memorial.
Depois de terminadas as obras viu-se que ali deveria haver um espaço onde fosse
contada um pouco da história de Maria Aragão, através de seus objetos pessoais, livros,
65
materiais de uso profissional. Mas não poderia ser qualquer lugar, nem os objetos escolhidos
de forma aleatória: era preciso que houvesse uma organização desse acervo e o espaço onde
os objetos ficariam expostos, e fosse pensada de maneira significativa a vida de Maria
Aragão.
O acervo que constitui a exposição permanente no Memorial foi doado pelos filhos de
Maria Aragão e organizada pelo IMA e pelo arquiteto Ricardo Furtado. O espaço é aberto de
segunda a sexta-feira, das 13h às 17h. A exposição inclui objetos pessoais, livros,
instrumentos de trabalho, discos, cartas e documentos, além de painéis contendo imagens da
médica e reprodução de algumas de suas falas.
Segundo o projeto ―Acervo Maria Aragão‘ o objetivo geral da exposição é: ―Preservar
a memória e servir de referencial para o estudo da vida social e política de Maria José
Camargo Aragão, favorecendo o resgate e a divulgação da história das lutas populares no
Maranhão‖ (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2004).
Os objetivos específicos pretendidos pelo IMA (2004, p.4), no espaço, são:
Podemos observar que alguns desses objetivos, como, por exemplo, o de promover
debates, exibição de filmes e a difusão das ideias de Maria Aragão, são cumpridos nas
publicações e atividades realizadas pelo IMA, mesmo antes da concretização do acervo e
exposição do Memorial.
Podemos notar que a constituição do acervo do Memorial Maria Aragão traz
elementos de crítica ao Estado capitalista, como demonstra a própria vida da homenageada. O
espaço, que foi organizado pelo IMA, hoje é administrado pela Prefeitura de São Luís. Os 3
funcionários: coordenador, guia e responsável pela limpeza e manutenção são funcionários da
prefeitura, trazendo mais um elemento para a complexidade da categoria Memorial exposta
pelo autor em questão.
Um memorial é, por assim dizer, um local onde existe uma intenção de demarcar,
preservar e informar sobre determinada memória de uma pessoa, um fato, um grupo, um
acontecimento.
66
Figura 15 - Parte dos objetos da bandeja 1: broches, relógio, brincos, caixinha de costura,
porta-joias, moeda da década de 1980.
Figura 16 - Parte dos objetos da bandeja 2: par de cálices, xícara e pires de prata e
conjunto de café em porcelana.
Figura 17 - Parte dos objetos da bandeja 4: pilão, louça branca e azul, caneca de vidro para
chope, bombonière em louça com ramalhete, terriana verde de servir juçara e
um copo de louça anos 1950 e copos de alumínio.
Maria Aragão foi presa 5 vezes, como abordámos na seção 2 , sendo a última em
1977. Dessa fase a exposição expõe, na bandeja 3, três cartas de Maria Aragão encaminhadas
ao diretor da Penitenciária de Pedrinhas, sugerindo mudanças no sistema prisional e ainda dos
diários de prisão feitos entre os anos de 1977 e 1978.
A médica militante disse de si mesma certa vez, que no começo da militãncia, era
69
―uma agitadora nata‖, referindo-se a pouca formação política que teve antes de entrar para o
partido (ARAGÃO, 1992). Com o passar dos anos, porém, Maria Aragão mostrou-se muito
empenhada em ler e aprender sobre Política, Socialismo e Medicina. Na bandeja 5 estão
demonstrados seus esforços no estudo teórico do Socialismo ―[...] para reforçar o processo de
organização e formação política dos trabalhadores, adotando o pensamento de Lênin de que
não há movimento revolucionário sem teoria revolucionária‖ (INSTITUTO MARIA
ARAGÃO, 2004, p. 6). Estão expostos aí livros e bótons de pensadores socialistas,
movimentos políticos, sociais e candidatos.
Em sua atuação como , Maria Aragão sempre demonstrou seus ideias de Justiça e
Humanidade, tanto nas longas conversas que travava com suas pacientes em suas consultas
(ARAÚJO, 2014), quanto nas palestras e ações educativas que realizava nos bairros, quando
foi diretora do Posto de Saúde do Anil. Na bandeja 7, chamada de Memória pessoal e
profissional,são apresentados ao público visitante documentos como passaporte, título de
leitor, carteira de identidade, carimbos pessoais, carteira profissional, cartão de apresntação
médica. Ainda estão expostos materiais de trabalho: cuba de ágata, esterilizador, seringas,
receitas, dentre outros. Nessa bandeja estão ainda o Ato do governador aposentando a médica
compulsoriamente em 1981 e o diploma de membro efetivo da Academia Maranhense de
Medicina.
71
Figura 22 - Bandeja 8: Jornal Tribuna do Povo, livros de: José Louzeiro, Pablo Neruda.
Josué de Castro, dentre outros.
19
Atualmente reformado.
73
Segundo entrevista feita com umas das organizadoras do acervo20, ainda não existe
uma ação efetiva para a digitalização e montagem de uma página do Memorial na Internet o
que, no nosso ponto de vista, traria mais visibilidade para o acervo dentro e fora do país.
Durante as nossas visitas ao memorial tivemos a oportunidade de observar alguns
visitantes, turistas, que ficaram impressionados com o local e a história da médica mas
lamentaram terem chegado ali por acaso, já que não receberam nenhum material referente ao
Memorial.
Em que pese ter sido a primeira obra do arquiteto Oscar Niemayer no Nordeste, o
Memorial também nós dá acesso a uma bela paisagem na cidade de São Luís e nos remete a
história de uma maranhense que lutou contra os preconceitos: negra, pobre e mulher,
conseguiu estabelecer-se no cenário profissional, político e ainda se destacar na luta política
socialista em um estado historicamente governado por oligarquias.
Assim como outros espaços de memória dedicados a contar uma outra versão de fatos
e períodos históricos, o Memorial precisa estabelecer um diálogo com a comunidade a fim de
que seu acervo não se deteriore e fique anacrônico ao que se passa na sociedade. Acreditamos
que o melhor caminho para esse processo é a busca de parcerias nas Universidades, Instituto
Federal e nos movimentos sociais. O objetivo é ensejar mais pesquisas e movimento ao
acervo.
Uma etapa muito importante já foi feita: a luta travada pelos integrantes do IMA, para
montar um espaço dedicado a uma mulher, lutadora do povo. Já corresponde a um esforço
que, a despeito de algumas polêmicas e discussões, representa um viés na luta por Justiça
social, luta esta que não apresenta somente um caminho, devendo lançar mão de espaços de
memória, no caso o memorial Maria Aragão, como possiblidade de ações educativas e
culturais que busquem também a conscientização política.
20
Lucia Nascimento, entrevista em 5 de abril de 2018.
21
Informação colhida em entrevista com Graça Sousa, da coordenação de Patrimônio Imaterial/ FUNC , setor
responsável pela coordenação do Memorial , em 5 de abril de 2018.
76
22
Informação recolhida por meio de entrevista realizada com Ana Luzia Santos, guia do Memorial, em maio de
2017, em São Luís-MA.
77
23
Informação colhida da entrevista com Lucia Nascimento em 04 de abril de 2018.
24
Informação recolhida da lista de presença de uma das atividades da primeira semana político cultural. Acervo
do IMA.
25
Com 120 lugares, privilegia a exibição de filmes de arte e de interesse cultural, visando a difusão da cultura na
área cinematográfica. Localizado no Centro Histórico da Cidade de São Luís-Ma (MARANHÃO, 2018).
26
Silvio Tendler (Rio de Janeiro RJ 1950). Cineasta, professor e historiador. Aproxima-se do cinema em 1965.
Os aspectos históricos e políticos com que Silvio Tendler aborda personagens e contextos nos documentários
decorrem da formação de historiador.
79
27
Manoel Conceição Santos nasceu em 1935 na região de Pedra Grande, no Estado do Maranhão. Fundador do
primeiro sindicato dos trabalhadores rurais em Pindaré Mirim no Estado. Lutou contra a ditadura, o latifúndio e
foi um dos fundadores do PT no Maranhão. Articulador de diversas ações contra o latifúndio em favor dos
pequenos agricultores e sem-terras, principalmente na região sul do Estado. (SANTOS, 2010).
28
Clara Charf (1925-) é militante política desde os 20 anos. Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB),
aos 21 anos, onde conheceu Carlos Marighella, seu futuro companheiro de vida e militância. (...) Ao lado dele,
viveu na clandestinidade e militou pelo comunismo durante os anos pós-Segunda Guerra Mundial e contra a
ditadura civil-militar que se instaurou em 1964. Militante feminista, Clara é até hoje filiada ao PT. Integra a
Secretaria de Mulheres do partido e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. (MEMÓRIAS DA
DITADURA, 2018).
80
realizou palestras sobre direitos das mulheres e discussões acerca o período da Ditadura.
(INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2005).
Figura 31 - Clara Charf na sede do IMA com algumas representantes do IMA, 2002.
Apresentar a trajetória de uma personagem que lutou contra a Ditadura, morto por esse
sistema nos parece uma tentativa de discussão da memória social construída a respeito desse
período. Segundo Magalhães e Almeida (2011) parece haver um controle na transmissão da
memória social. Neste sentido, a tarefa do IMA nesta atividade foi ensejar um outro olhar para
83
29
Informação colhida da entrevista com Lucia Nascimento em 04 de abril de 2018.
84
celebrando seus 95 anos, além da projeção de imagens, vídeos e textos sobre a médica e visita
a sala de exposição do Memorial.
Segundo Jelin (2002), se por um lado a materialidade pode subverter a imagem e a
evocação necessária de quem é lembrado, a falta de materialidade poderá significar uma
memória fluida, restrita aos grupos diretamente ligados à pessoa ou aos fatos rememorados.
Usando essa assertiva para tratar da memória de Maria Aragão, vemos aí a necessidade em
expor elementos que remetam a sua trajetória, como forma de assegurar a divulgação de sua
vida, atividades profissionais e políticas, suscitando discussões e ações no presente.
Nessa primeira publicação vemos referências às diversas frentes de luta em que Maria
Aragão esteve durante sua vida. A matéria assinada pela médica e professora da UFMA,
Luciane Brito, intitulada ―Memórias revisitadas‖ destaca uma de suas características
marcantes:
Notamos nessa publicação uma forte vontade em ―eternizar‖ Maria Aragão e seu
exemplo de luta. Antônio Francisco que colheu os depoimentos de Maria Aragão na sua
primeira Biografia, assina uma matéria na publicação e as outras duas matérias são assinadas
por médicos que conviveram com a militante.
Na coluna final do jornal destacamos a referência ao IMA e a sua tarefa histórica:
Identificamos nessa matéria elementos que são constituintes dos ideais do IMA e
também quando abordamos a memória no viés formativo e educacional: a
interdisciplinaridade e a questão dos direitos humanos.
Em 2002 o Instituto publicou o Jornal: ―Maria Aragão - 92 anos de rebeldia‖. A
matéria intitulada: ―Maria, um exemplo que fortalece nossa luta‖ relembra o exemplo de
Maria para a luta popular contra as desigualdades sociais. A matéria assinada por Ironildes
Vanderlei ressalta ainda que, se estivesse viva a médica estaria completando 92, e que seu
exemplo reuniu um grupo de amigos que ―[...] incorporou sua forma de pensar e seus
princípios de ação.‖ (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2002, p.3).
91
com destaque ao jornalista José Louzeiro30 e ao ex-prefeito de São Luís Jackson Lago que
escreveram sobre a médica para essa publicação.
30
São Luís, 1957-Rio de Janeiro 2017. Jornalista e escritor. Seu primeiro trabalho no cinema aconteceu em
1976, como cor roteirista do filme Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, romance homônimo de JL, lançado em
1975. Os livros mais conhecidos de José Louzeiro são: Infância dos Mortos, argumento do filme Pixote; Lúcio
Flávio, o Passageiro da Agonia (título homônimo no cinema); Aracelli, Meu Amor; Em Carne Viva, lembrando
o drama de Zuzu Angel e de seu filho Stuart Angel, morto na tortura, na década de 60. (LOUZEIRO, 2018).
93
5. CONCLUSÃO
31
Entrevista realizada com Graça Sousa, da coordenação de Patrimônio Imaterial da FUNC em 5 de abril de
2018.
32
Ana Luzia Santos, entrevista realiza em 24 de novembro de 2017.
94
mas a dinamicidade da política faz com que outros partidos, de oposição e situação, direita ou
esquerda, ocupem cargos na Prefeitura e, conforme a orientação política, assegurem mais ou
menos recursos, Políticas Públicas e atenção ao espaço, principalmente ao Memorial e o
acervo da militante.
Entendemos que o IMA poderia ampliar seu raio de abrangência buscando parcerias
com as universidades, Instituto Federal e outras entidades da sociedade civil para continuar o
trabalho de (re)conhecimento, conscientização e divulgação da memória de Maria Aragão,
através do Memorial, o que representaria um importante viés de educação patrimonial de
cunho popular e na construção da legitimidade e reconhecimento da validade das lutas e dos
lutadores populares, frente a um processo de crescente desmantelamento da democracia e dos
direitos humanos.
Cremos que as revisões são necessárias quando se trata de instituições construídas por
pessoas com orientações e histórias de vida tão diversas. Assim, o IMA e o Memorial Maria
Aragão estão inseridos na dinâmica da história e da memória que demandam articulações no
presente a fim de assegurar a sua permanência futura.
O exemplo e a trajetória de vida não podem nem devem ser seguidos de forma literal,
no risco de cairmos no personalismo infértil. As ressonâncias da reconfiguração da memória -
enquanto categoria social-não são unívocas nem isentas de conflitos e disputas constantes.
Ainda há o risco de acharmos sempre que a representação (no espaço) não faz jus à
experiência de vida (exemplo) deixado por Maria Aragão. Contudo, os espaços de memória
podem ser potencializadores do debate político. Se fosse de outra forma, o IMA, o Memorial
e a vida de Maria Aragão não estariam presentes em inúmeros trabalhos acadêmicos, livros e
outras formas de manifestações artísticas, culturais e políticas da cidade.
Na nossa avaliação o IMA se dedicou às tarefas mais pungentes: a organização do
memorial, ações e publicações, abrindo um caminho para outras pesquisas a respeito de Maria
Aragão e o seu legado. Tal fato não representa apenas um caminho de acertos e erros, mas
uma tarefa histórica dinâmica e árdua.
Neste trabalho esforçamo-nos por apresentar aspectos da trajetória de uma militante
singular que inspirou trabalhos nas mais diversas áreas e espaços de memória a ela dedicados
e financiados pelo Poder púbico executor das políticas de estado capitalista. Nessa órbita, a
configuração de espaços de memória aparece carregada de dilemas. Contudo, acreditamos que
esses espaços podem potencializar debates e ações que ensejem contribuir para a mudança
social.
Para além da questão puramente simbólica e cultural, poderemos pensar em espaços
95
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ANEXOS