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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEMÓRIA: LINGUAGEM E SOCIEDADE

KARLANA BIANCA MATOS SOUSA

MEMORIAL E INSTITUTO MARIA ARAGÃO: SOBRE ESPAÇOS DE


MEMÓRIA DAS LUTAS DA ESQUERDA NO MARANHÃO

VITÓRIA DA CONQUISTA- BA
JULHO DE 2018
14

KARLANA BIANCA MATOS SOUSA

MEMORIAL E INSTITUTO MARIA ARAGÃO: SOBRE ESPAÇOS DE


MEMÓRIA DAS LUTAS DA ESQUERDA NO MARANHÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade,
como requisito parcial e obrigatório para obtenção
do título de Mestre em Memória: Linguagem e
Sociedade.

Área: Multidisciplinaridade da Memória.

Linha de Pesquisa: Memória, Cultura e Educação.

Orientador: Prof. Dr. Cláudio Eduardo Félix dos


Santos.

VITÓRIA DA CONQUISTA- BA
JULHO DE 2018
15

Sousa, Karlana Bianca Matos.

S696m Memorial e Instituto Maria Aragão: sobre espaços de memória das lutas da esquerda no
Maranhão. / Karlana Bianca Matos Sousa – Vitória da Conquista, 2018.
89 f.

Orientador: Cláudio Eduardo Félix dos Santos.


Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade –
PPGMLS. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, 2018.

Inclui referência F. 83 - 87.

1. Instituto e Memorial Maria Aragão. 2. Maria Aragão – Registros de sua memória. 3. IMA –
Espaço de Memória. I. Santos, Cláudio Eduardo Félix dos. II. Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia, Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade. III. T.

CDD: 981.21

Catalogação na fonte: Juliana Teixeira de Assunção – CRB 5/1890


UESB – Campus de Vitória da Conquista – BA

Título em inglês: Maria Aragão Institute and Memorial: on spaces of memory of the struggles of the
left in Maranhão.
Palavras-chaves em inglês: Maria Aragão Institute and Memorial. Maria Aragão - Records of her
memory. IMA - Memory space.
Área de concentração: Multidisciplinaridade da Memória.
Titulação: Mestre em Memória: Linguagem e Sociedade.
Banca Examinadora: Prof. Dr. Cláudio Eduardo Felix dos Santos (presidente); Profa. Dra. Ana
Elizabeth Santos Alves (titular); Prof. Dr. José Eudes Baima Bezerra (titular).
Data da Defesa: 4 de julho de 2018.
Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade.
16

KARLANA BIANCA MATOS SOUSA

MEMORIAL E INSTITUTO MARIA ARAGÃO: SOBRE ESPAÇOS DE


MEMÓRIA DAS LUTAS DA ESQUERDA NO MARANHÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade,
como requisito parcial e obrigatório para obtenção
do título de Mestre em Memória: Linguagem e
Sociedade.
17

Às minhas Anas: Maria e Luíza, mãe e filha.


18

AGRADECIMENTOS

Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão-IFMA e a


Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB, por terem me proporcionado participar
do Mestrado Interinstitucional-MINTER.
Ao Programa de Pós-graduação em Memória: linguagem e sociedade-PPMLS, pela
acolhida e ensinamentos durante esses dois anos.
Ao Prof. Dr.º Claudio Eduardo Félix dos Santos, que orientou este trabalho, pela
paciência, ensinamentos, compreensão e principalmente pela confiança e segurança que me
transmitiu nos momentos difíceis.
Aos docentes do programa, pelos ensinamentos, disponibilidade, paciência e
humanidade.
À coordenação do MINTER na UESB e no IFMA.
À banca de qualificação, Professora Ana Elizabete dos Santos Alves e Professor José
Alves Dias, pelas valiosas contribuições na qualificação, pelo carinho, atenção e paciência
naquele momento.
À Lucia Nascimento, Josefa Batista, e os demais integrantes do Instituto Maria
Aragão. A Professora Marcia Antonia Piedade e Ana Luzia Santos, guia do memorial.
À Professora Ana Elizabete dos Santos Alves e o Professor José Eudes Baima Bezerra,
por terem aceitado participar da banca de defesa.
Aos funcionários do programa pela atenção e apoio durante esse tempo, em especial
quando estávamos em Vitória da Conquista.
Aos colegas do IFMA – Campus Pinheiro, especialmente aos professores Weeslem
Lima e Claudeilson Pessoa, pelo apoio em diversas fases dessa pesquisa.
Aos colegas do Minter, pelas conversas, apoio e trocas de experiências intensas
durante esses 2 anos.
Aos meus alunos e alunas do Campus Pinheiro, agradeço a atenção, o apoio e a
paciência durante os meus dias de cansaço, impaciência e ausências durante mestrado.
Aos meus familiares, amigas e amigos, em especial minha mãe, minha irmã e Maria
Antônia que cuidaram da casa e da minha filha durante o curso.
19

Gracias a la vida, que me ha dado tanto (..)

Violeta Parra
20

RESUMO

O presente trabalho intitulado Memorial e Instituto Maria Aragão: sobre espaços de memória
das lutas da esquerda no Maranhão, tem como objetivo a análise do processo de preservação
da memória e de desenvolvimento de atividades educativas do Instituto e do Memorial
Maria Aragão, principalmente entre os anos de 2001-2010. Essas iniciativas visam
preservar a memória da médica comunista Maria José Aragão (1910-1991). Para tanto
apresentaremos a biografia da médica, baseada em Aragão (1992), Moreira Neto (2014),
Araújo (2014) e Azevedo (2015), dentre outros. Em seguida abordaremos a criação do
Instituto e do Memorial, utilizando os estudos de Jelin (2002) e Sá (2007), a respeito de
―espaços de memória‖, além de fotos, publicações e documentos do IMA. Trataremos ainda
da constituição do acervo e exposição sobre a vida de Maria Aragão presente no Memorial.
Por último analisamos as atividades educativas promovidas pelo Instituto, além de suas
publicações que visam preservar a memória da médica militante. Inicialmente podemos
constatar a figura exemplar de Maria Aragão: mulher, negra, pobre e comunista que
conseguiu se formar em medicina mesmo diante de muitas dificuldades e que teve atuação de
destaque do Partido Comunista do Brasil e no Maranhão. Partimos do pressuposto que essas
iniciativas visam a articular a figura de Maria Aragão, médica comunista, com sua trajetória
profissional e política a luta da classe trabalhadora, entendendo esses espaços como um
mecanismo de preservação de sua memória.

Palavras-chave: Instituto e Memorial Maria Aragão. Maria Aragão – Registros de sua


memória. IMA – Espaço de Memória.
21

ABSTRACT

The present paper, titled ―Memorial and Institute Maria Aragão: on spaces of memory of the
left fights in Maranhão, aims at analyzing the process of preservation of the memory and
development of educative activities at the Institute and Memorial Maria Aragão, mainly
between 2001 and 2010, those initiatives look for preserving the memory of the communist
physician Maria José Aragão (1910-1991), to it it is presented the biography of the physician
based on Aragão (1992), Moreira Neto (2014), Araújo (2014) and Azevedo (2015), among
others. Thereafter it will be considered the creation of the Institute and the Memorial being
used the studies of Jelin (2002) and Sá (2007), as to the ―space of memories‖, and also photos,
editions and documents of IMA. It will also be treated the constitution of the collection and
exposition about the life of Maria Aragão possessed by the Memorial. Finally, it will be
analysed the educative activities promoted by the Institute including its editions which aim at
preserving the memory of the militant physician. In the beginning one can observe the
exemplar profile of Maria Aragão: woman, black, poor and communist who got abstain her
Medicine degree even facing a great deal of difficulties and her highlighted at the Brazilian
Communist Party and in Maranhão, the inquire starts from the presupposition that such
initiatives aim at articulating the profile of Maria Aragão, physician and communist, within
her professional career and political activities beside her fight in favor of the labor class, so
understanding that those spaces act like a mechanism of preservation of her memory.

Keywords: Maria Aragão Institute and Memorial. Maria Aragão - Records of her memory.
IMA - Memory space.
22

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AMMA Associação das Médicas do Maranhão


CEMDP Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos
CEMAP Centro de Documentação do Movimento Operário
CNV Comissão Nacional da Verdade
CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
CUT Central Única dos Trabalhadores
DOPS Departamento de Ordem Política e Social
ENFF Escola Nacional Florestan Fernandes
FUNC Fundação Municipal de Cultura e abrange
IFMA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão
IMA Instituto Maria Aragão
IPHAN Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional
MINTER Mestrado Interinstitucional
OAB-MA Ordem dos Advogados do Brasil do Maranhão
PC do B Partido Comunista do Brasil
PCB Partido Comunista do Brasil
PDT Partido Democrático Trabalhista
PT Partido dos Trabalhadores
SMCMA Sociedade Maranhense de Medicina e Cirurgia do Maranhão
SOGIMA Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Maranhão
TSE Tribunal Superior Eleitoral
UFMA Universidade Federal do Maranhão
UNESP Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
23

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Capa do livro ―A razão de uma vida‖, depoimentos da médica Maria


Aragão colhidos por Antônio Francisco ....................................................................
32
Figura 2 Reprodução do Cartaz da Peça ..................................................................................
37
Figura 3 Placa comemorativa ao centenário de Maria Aragão ................................................
37
Figura 4 Convite para o lançamento do documentário: ―Maria Aragão e a
organização popular ...................................................................................................
38
Figura 5 Primeira Praça Maria Aragão (Na foto sem o busto que foi tirado do local) ............
42
Figura 6 Primeira Praça Maria Aragão, vista panorâmica .......................................................
43
Figura 7 Fundação do Instituto Maria Aragão, em 09 de fevereiro de 2001. Na foto
alguns dos membros da Diretoria ..............................................................................
43
Figura 8 Mapa com a visão do Memorial para a sua implantação. Praça (1), o
Memorial (2), anfiteatro (3) e prédio de apoio (4) .....................................................
46
Figura 9 Vista panorâmica do Memorial Maria Aragão, ao meio a Praça. À
esquerda o anfiteatro, no fundo, ao centro, o Memorial, e à direita o
prédio de apoio ...........................................................................................................
47
Figura 10 Concha acústica, ao fundo Igreja Nossa senhora dos Remédios e Praça
Gonçalves Dias ..........................................................................................................
47
Figura 11 Prédio de apoio ..........................................................................................................
48
Figura 12 Memorial. ...................................................................................................................
48
Figura 13 A entrada do Memorial ..............................................................................................
49
Figura 14 Vista panorâmica da sala do acervo: ao fundo a esquerda as bandejas e um
painel fotográfico, ao centro 7 painéis de aço, com textos e fotos e a
direita, no fundo, a mesa ginecológica ......................................................................
52
Figura 15 Parte dos objetos da bandeja 1: broches, relógio, brincos, caixinha de
costura, porta-joias, moeda da década de 1980 .........................................................
53
Figura 16 Parte dos objetos da bandeja 2: par de cálices, xícara e pires de prata e
conjunto de café em porcelana ...................................................................................
54
Figura 17 Parte dos objetos da bandeja 4: pilão, louça branca e azul, caneca de vidro
para chope, bombonière em louça com ramalhete, terriana verde de servir
juçara e um copo de louça anos 1950 e copos de alumínio .......................................
54
24

Figura 18 Bandeja 5: obras de marx e lênin e botons de candidatos, movimentos


políticos e sociais e pensadores socialistas ................................................................
55
Figura 19 Bandeja 6: disco russo, Gobbi, Olga Mohana e Seleções Portugal ...........................
56
Figura 20 Detalhe da bandeja 7: título de eleitor e passaporte ...................................................
57
Figura 21 Bandeja 7- Diploma de membro efetivo da Academia Maranhense de
Medicina ....................................................................................................................
57
Figura 22 Bandeja 8: Jornal Tribuna do Povo, livros de: José Louzeiro, Pablo
Neruda. Josué de Castro, dentre outros. .....................................................................
58
Figura 23 Reprodução ampliada de duas fotos: da formatura acima e da filha Clarice
embaixo. .....................................................................................................................
58
Figura 24 Foto da saída do corpo de Maria Aragão da Assembleia Legislativa em 23
de julho de 1991 .........................................................................................................
59
Figura 25 Frase de Maria Aragão exposta .................................................................................
59
Figura 26 Mesa ginecológica utilizada por Maria Aragão........................................... 60
Figura 27 Busto de Maria Aragão, parte da exposição do presente no Memorial .....................
60
Figura 28 Entrada do Arraial da Praça Maria Aragão ................................................................
63
Figura 29 Vista panorâmica do Arraial Maria Aragão ...............................................................
63
Figura 30 Folder da 1ª Semana Político Cultural: capa, agradecimentos e
programação ...............................................................................................................
65
Figura 31 Clara Charf na sede do IMA com algumas representantes do IMA, 2002 ................
66
Figura 32 Folder do lançamento do Filme ―Marighella, retrato de um Guerrilheiro .................
67
Figura 33 Folder do lançamento do filme ―Marighella, retrato de um Guerrilheiro ..................
67
Figura 34 Folder do lançamento do filme ―Marighella, retrato de um Guerrilheiro ..................
68
Figura 35 Cartaz do lançamento do filme: Marighella, retrato de um Guerrilheiro, no
Centro de Formação de Professores do Município ....................................................
68
Figura 36 Folder com a Programação da 2º Semana Político Cultural ......................................
70
Figura 37 Folder com a Programação da 2º Semana Político-Cultural ......................................
70
Figura 38 Sala de exposição do Memorial Maria Aragão, durante a realização da 2º
Semana Político-Cultural em 2005 ............................................................................
71
Figura 39 Visitante na sala de exposição do Memorial Maria Aragão, durante a
realização da 2º Semana Político-Cultural .................................................................
72
Figura 40 Visitantes no acervo do Memorial durante a 2º Semana Político
Pedagógica .................................................................................................................
72
25

Figura 41 Entrada da 2º Semana Político-Pedagógica no Memorial Maria Aragão,


com os visitantes recebendo a revista em homenagem aos 95 anos de
Maria Aragão .............................................................................................................
73
Figura 42 Capa do Jornal: Maria Aragão - 90 anos publicado pelo IMA ..................................
75
Figura 43 Jornal em comemoração aos 92 anos de Maria .........................................................
77
Figura 44 Capa da Revista comemorativa aos 95 anos de Maria Aragão ..................................
78
26

SUMÁRIO

1. 14
INTRODUÇÃO .................................................................................................................
2. MARIA ARAGÃO: TRAJETÓRIA DE VIDA E REGISTROS DE SUA
18
MEMÓRIA ........................................................................................................................
2.1. DA INFÂNCIA NO ENGENHO CENTRAL À SUA ENTRADA NO
PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PCB) .................................................................
18
2.2. MARIA ARAGÃO NO RIO DE JANEIRO: A FACULDADE DE MEDICINA .............
21
2.3. O INGRESSO NO PCB, MILITÂNCIA E A VINDA PARA O MARANHÃO ...............
24
2.3.1. Os primeiros anos de atuação política: 1945-1951 .............................................................
25
2.3.2. Trabalho e prisão durante a ditadura militar .......................................................................
29
2.3.3. A saída do PCB e outras atividades políticas......................................................................
31
2.4. MARIA ARAGÃO E OS REGISTROS DE SUA MEMÓRIA .........................................
32
3. INSTITUTO E MEMORIAL MARIA ARAGÃO: ESPAÇOS DE
40
MEMÓRIA E LUTA ........................................................................................................
3.1. A CONSTITUIÇÃO DE ESPAÇOS E A LUTA PELA MEMÓRIA DE
MARIA ARAGÃO: A CRIAÇÃO DO IMA......................................................................
40
3.2. NEGOCIAÇÕES, EMBARGO E MODIFICAÇÕES: O CAMINHO PARA A
CONSTRUÇÃO DO MEMORIAL ....................................................................................
46
3.3. MEMORIAL MARIA ARAGÃO: ORGANIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DO
ACERVO DA EXPOSIÇÃO ..............................................................................................
50
3.3.1. Militância, trabalho e objetos de rotina: o acervo exposto de Maria Aragão .....................
53
3.3.2. Usos do Memorial: a Praça Maria Aragão ..........................................................................
62
4. SOBRE AS ATIVIDADES EDUCATIVAS, CULTURAIS E
65
PUBLICAÇÕES DO IMA ...............................................................................................
4.1. AS SEMANAS POLÍTICO-CULTURAIS E OUTRAS ATIVIDADES
ORGANIZADAS PELO IMA ............................................................................................
65
4.2. AS PUBLICAÇÕES DO IMA: A MEMÓRIA EM REVISTA E JORNAIS ....................
76
5. 80
CONCLUSÃO ...................................................................................................................
83
REFERÊNCIAS ................................................................................................................
88
ANEXOS ............................................................................................................................
27

1. INTRODUÇÃO

A presente dissertação ―Memorial e Instituto Maria Aragão: sobre espaços de memória


das lutas da esquerda no Maranhão‖ se insere no projeto temático ―Memória e história das
ideias e experiências educacionais de esquerda no Brasil e América Latina‖, na linha de
pesquisa memória, cultura e educação do programa de Pós-graduação em Memória:
linguagem e sociedade.
Visando contribuir com a memória e a história de experiências educativas de esquerda,
esta pesquisa buscou explorar o Memorial e o Instituto Maria Aragão (IMA), enquanto
espaços de memória que desenvolvem a formação humana e a preservação do legado de
Maria Aragão.
Maria José Aragão nasceu em 1910, na cidade de Engenho Central (atualmente
Pindaré Mirim), no Maranhão. Sua história é uma referência da memória política e da luta de
classes daquele Estado. Ela, na condição de comunista, mulher, negra, pobre e nordestina,
conseguiu, na década de 1940, tornar-se médica e ter destacada atuação política no Partido
Comunista do Brasil (PCB), no Estado do Maranhão. Faleceu a 23 de julho de 1991, na
cidade de São Luís.
Foi uma mulher combativa na política maranhense. Ajudou a organizar o partido no
Estado (ARAÚJO, 2014); foi editora, redatora e vendedora do Jornal Tribuna do Povo, ligado
ao partido comunista. Atuou como médica, normalmente em consultórios, em sua própria
casa, mas, também, em postos de saúde e em hospitais na cidade. Fundou grupos de estudos
de cunho político e científico, organizou um coletivo de mulheres, atuou como tesoureira da
Central Única dos Trabalhadores (CUT), no Estado.
Após sua morte, suas companheiras e companheiros de luta preocuparam-se com a
preservação da memória dessa militante. Assim sendo, em 9 de fevereiro de 2001, fundaram o
Instituto Maria Aragão (IMA). O grupo é formado por professores universitários, médicos,
artistas, enfermeiras, pessoas que conviveram com a médica na militância, na Medicina, nos
grupos de estudos e nutriam admiração por seu trabalho e sua coerência.
Em 1997 foi apresentado o projeto do Memorial Maria Aragão, aceito pelo prefeito da
cidade e inaugurado em 2004. O Memorial Maria Aragão foi concebido pelo arquiteto Oscar
Niemayer (1907-2012) e constitui-se em um complexo arquitetônico que compreende o
Memorial, a praça, o anfiteatro, a concha acústica e o prédio de apoio. A praça Maria Aragão
é um dos espaços públicos mais utilizados na cidade de São Luís.
28

Nesse sentido, debruçamos-nos sobre o estudo do ―Memorial Maria Aragão‖


localizado no centro da cidade de São Luís e anunciamos como objetivo principal do nosso
trabalho a análise do processo de preservação da memória de Maria Aragão através do
Instituto e do Memorial. Especificamente objetivamos: a) discutir aspectos da biograf ia da
militante e médica comunista Maria José Aragão; b) Caracterizar o processo de criação do
Memorial e do Instituto Maria Aragão; c) Apresentar as atividades educativas
desenvolvidas pelo IMA e o acervo exposto de Maria Aragão no Memorial.
A escolha do objeto de pesquisa se deu em contato com o conceito de lugares de
memória utilizados por Nora (1993) e as diversas aplicações deste conceito. A discussão
teórica travada pelo referido autor tem contexto na formação dos Estados nacionais europeus
e na construção de marcos que consolidassem a ideia de nação.
Sabemos que, na constituição de espaços de memória, predominam as narrativas das
classes dominantes e que as memórias do povo e da esquerda têm pouca representação. Essas
iniciativas, o IMA e o Memorial, estão localizadas na cidade de São Luís, no Estado do
Maranhão, marcado pelo predomínio das oligarquias políticas, onde as representações da
memória do povo têm poucos exemplos.
Nosso estudo também se configura uma tentativa de relatar a memória das mulheres
da esquerda na política brasileira que aparecem de forma menos significativa nas pesquisas
acadêmicas que relatam a história do PCB. No Estado do Maranhão não conhecemos espaço
similar, onde haja uma exposição dedicada a uma militante de esquerda, daí a necessidade de
se conhecer e preservar esse espaço.
Huyssen (2000, p. 35) destaca a emergência da memória como umas das questões
centrais das sociedades modernas, principalmente após o ano de 1980. Impulsionada pela
memória do Holocausto, parece haver uma urgência de uma ―rememoração produtiva.‖.
A memória passou então a ser fator constituinte de identidades, em um mundo cada
vez mais fragmentado e polarizado. Assim, as iniciativas de preservação da memória de Maria
Aragão, o IMA e o Memorial, inserem-se em uma lógica do mundo moderno em relação a
memória, que é o dever de lembrar.
Na constituição da memória de Maria Aragão presentes no grupo de amigos e
militantes responsáveis pela idealização e fundação do IMA, constam a admiração pela luta e
a trajetória de vida dessa médica sempre em busca de Justiça social e defesa dos explorados,
conforme depoimentos de alguns membros fundadores do IMA, presentes no documentário
―Maria Aragão e a organização popular‖ (MARIA ARAGÃO, 2014). Notamos ainda que a
sua vida e militância despertam grande interesse entre os grupos de esquerda da cidade de São
29

Luís e que o referido instituto foi criado na tentativa de ser um espaço de debates, cursos e
eventos políticos.
Essas disputas pela memória e as narrativas dos fatos tornam-se ainda mais
contundentes se tratamos das lutas dirigidas pela esquerda no Brasil e na América Latina, no
sentido de construir uma práxis que possa contribuir para a superação das desigualdades,
assim como a efetivação dos direitos humanos e sociais dos quais ainda estão distantes a
maioria da população.
Esta pesquisa é de caráter empírico e documental. De acordo com Marconi e
Lakatos (2003, p. 174): ―[...] a característica da pesquisa documental é que a fonte de
coleta de dados está restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o que se
denomina de fontes primárias.‖.
Delineamos a história de vida de Maria Aragão buscando as biografias e trabalhos
acadêmicas que tratam da vida médica, situando alguns aspectos da sua vida com fatos da
História do Brasil e do Maranhão.
Efetuamos uma pesquisa bibliográfica acerca dos espaços de memória,
principalmente àqueles ligados a preservação e a demarcação de memórias de militantes
de esquerda.
Os documentos pesquisados foram folders, projetos, revistas e jornais produzidos
pelo IMA; notícias de jornais e documentos relativos a constituição do Instituto a exemplo
de: atas, cronograma de planejamento, cartas enviadas a imprensa e outros órgãos e o
projeto do acervo do Memorial.
Vale ressaltar que os documentos pesquisados a respeito do memorial e do IMA
são, na categorização proposta por Gil (2016, p. 51) ―Documentos de primeira mão, ou
seja, ainda não haviam recebido tratamento analítico‖.
Segundo Demo (1995, p. 13), existem quatro tipos de pesquisa com aspectos
distintos, mas interligadas, visto que a realidade se apresenta de forma complexa. Assim, a
pesquisa empírica se ―dedica a codificar a face mensurável da realidade social‖; para isso,
realizamos entrevistas semiestruturadas com duas fundadoras do IMA,
Nas entrevistas buscamos compreender como ocorreu o processo de criação do
Memorial, quais objetivos foram atingidos, quais as maiores dificuldades e quais as
perspectivas para o Instituto na atualidade.
Com a guia do Memorial e com a coordenadora de patrimônio imaterial da
Fundação Municipal de Cultura, órgão ligado à Secretaria Municipal de Cultura de São
Luís, responsáveis pela coordenação do Memorial e da Praça Maria Aragão, no sentido de
30

entender-lhe o contexto de fundação, a consecução dos objetivos, a realização de


atividades, dificuldades e avanços na atuação do Instituto, além de informações a respeito
da construção e constituição do acervo do Memorial. Com a guia do espaço buscamos
informações a respeito do funcionamento do Memorial, organização do acervo, visitas e
manutenção.
No texto apresentamos, na seção 2, a biografia de Maria Aragão, utilizando as
obras de Aragão (1992), Araújo (2014), Moreira Neto (2015) e Azevedo (2016).
Elaboramos algumas considerações acerca de memória coletiva e memória autobiográfica
utilizando os estudos de Halbwachs (1990) e Sá (2007). Buscamos contextualizar alguns
fatos da vida de Maria Aragão com a História do Brasil, do Maranhão e do PCB,
utilizando os estudos de Reis (2007) e Fausto (2015), dentre outros.
Na terceira seção abordamos a trajetória de criação do IMA e do Memorial Maria
Aragão, entendendo-os segundo o conceito de espaços de memória de Jelin (2002).
Apresentamos os objetivos dessas iniciativas, as dificuldades e o acervo que compõem a
exposição do Memorial. Utilizamos documentos do IMA, fotografias e o projeto do
acervo, além de autores como Axt (2012), Barcelos (1999) além de entrevistas com
fundadoras do IMA e a guia do Memorial.
Na quarta seção procuramos apresentar as atividades e publicações produzidas pelo
IMA, principalmente entre os anos de 2001 e 2010, situando essas iniciativas como uma
tentativa de preservar a memória de Maria Aragão, ao mesmo tempo articulando-a aos
debates sobre os problemas do Estado do Maranhão e do Brasil. Essas atividades
configuram uma tentativa de divulgar a memória da médica militante entre os que não a
conheceram.
31

2. MARIA ARAGÃO: TRAJETÓRIA DE VIDA E REGISTROS DE SUA MEMÓRIA

Este capítulo tem por objetivo expor a trajetória de vida da médica e militante
comunista Maria José Aragão. Pretendemos, a partir dos relatos memorialísticos feitos a seu
respeito, delinear sua trajetória de vida singular: mulher negra, que teve uma vida de penúria
na infância e juventude; formou-se médica, tornando-se uma militante reconhecida no Partido
Comunista como grande liderança. Maria Aragão teve uma influência nos meios políticos na
cidade de São Luís e em todo Estado do Maranhão.

2.1. DA INFÂNCIA NO ENGENHO CENTRAL À SUA ENTRADA NO PARTIDO


COMUNISTA DO BRASIL (PCB)

Nascida em 10 de fevereiro de 1910, no Engenho Central, hoje a cidade de Itapecuru-


Mirim, no interior do Estado do Maranhão, Maria José Aragão era a quarta filha de sete
irmãos: Benedito, José Maria, Jonas, Maria Aragão, Cristina, Emídio e João, nascidos do
casamento de Rosa Camargo, dona-de-casa e Emídio Aragão que trabalhava como guarda-fio1
(ARAGÃO, 1992; MOREIRA NETO, 2015).
Negra, pobre e nordestina, a trajetória desta mulher é impressionante. Estamos falando
da primeira metade do século XX com todos os efeitos do racismo e machismo que, como
demonstraremos, recaiu sobre a vida de Aragão. Ela e sua família viveram as incertezas
causadas pela exclusão social que atingia a maioria da população no Nordeste brasileiro, nas
décadas de 1910 e 1920: a consolidação das oligarquias e o coronelismo2.
Maria Aragão estudou em escolas públicas do interior do Estado do Maranhão, antes
de avançar seus estudos na capital São Luís por volta de 1921. Essa mudança para a capital
deu-se principalmente em razão de que sua mãe acreditava que somente através do estudo
seus filhos poderiam sair da condição de pobreza e insegurança que assolavam a família
(ARAGÃO, 1992).
Segundo os relatos encontrados em Aragão (1992), Araújo (2014), Moreira Neto

1
Indivíduo encarregado de vigiar e reparar as linhas ou cabos de luz elétrica, telegráficos e telefônicos
(MICHAELIS, 2017).
2
―O coronelismo representou uma variante de uma relação sociopolítica mais geral - o clientelismo […]. Essa
relação resultava da desigualdade social, da impossibilidade dos cidadãos efetivarem seus direitos. […] Do ponto
de vista eleitoral, o ‗coronel‘ controlava os votantes e, sua área de influência. Trocava votos em candidatos por
ele indicados em favores tão variados como um par de sapatos, uma vaga no hospital ou um emprego de
professora.‖ (FAUSTO, 2015, p. 226).
32

(2015) e Azevedo (2016), Maria Aragão sempre esteve envolvida com as atividades de
Educação e Ensino: algumas vezes inserida em escolas formais e outras vezes atuando como
professora particular em casas de família. Já estudante de Medicina, continuou a dar aulas
particulares durante o curso, para se manter.
A escassez de recursos financeiros e a itinerância por vários municípios do interior do
Estado marcaram sua infância: ―Meu curso primário foi feito em várias cidades do interior do
estado, sendo que eu tenho lembrança de Codó [...].‖ (ARAGÃO, 1992, p. 33).
No ano de 1921, sua mãe, a contragosto do pai, trouxe os filhos para a capital em
busca de escolarizá-los. Nessa época ela estava com 11 anos de idade, aproximadamente.

Eu disse antes que minha mãe queria que todos os filhos fossem doutores, não sei o
que ela achava que fosse doutor, mas inexplicavelmente botava todos os irmãos para
aprender uma profissão. José era alfaiate, Benedito era mecânico, Jonas foi para a
oficina de marceneiro e o Emídio, para uma oficina de sapateiro. Nenhum chegou a
exercer a profissão. Nenhum chegou a terminar. À medida que iam crescendo, iam
querendo sair daqui, procurar melhor vida (ARAGÃO, 1992, p. 23).

Nos seus relatos Maria Aragão refere-se sempre à fome que rondava constantemente
sua casa. Segundo ela, era difícil para sua mãe manter os filhos na capital com os parcos
recursos enviados por seu pai. Mesmo assim, Maria Aragão conseguiu terminar o curso
Normal em 1926, no Liceu Maranhense.
A princípio ela não conseguiu emprego nas escolas da capital e passou a dar aulas
particulares em domicílio, até que seu pai, na época moradora em Grajaú, conseguiu uma
promessa de nomeação como professora nesse município e ela seguiu para lá com seus
documentos, a fim de ser nomeada. Contudo, na nomeação de fato, Maria Aragão apareceu
como professora adjunta (a titular era uma professora que estava prestes a se aposentar,
residente no município), o que a deixou bastante decepcionada e, sentindo-se preterida,
acabou desistindo do cargo.
De volta a São Luís, ainda sem conseguir emprego, ela recebeu uma proposta de
trabalhar no Estado do Piauí, onde seria professora particular dos filhos de um médico. E lá
permaneceu por um ano. Novamente retornou para São Luís e foi trabalhar no Colégio Cisne,
onde foi professora do escritor Josué Montello. Nessa época, ela fez o curso ginasial em dois
anos, já pensando no curso de Medicina, que na época não era oferecido em São Luís: ia-se
estudar em Salvador ou no Rio de Janeiro (ARAGÃO, 1992).
Nessa época Maria Aragão já almejava estudar Medicina, sonho compartilhado com
sua mãe, Rosa Camargo, a contragosto do pai, Emídio Camargo, que queria que a filha
33

estudasse Direito e dizia: ―Por que não fica em São Luís para estudar Direito, se aqui havia
faculdade? Ele me achava muito inteligente.‖ (ARAGÃO, 1992, p. 34).
O Brasil, da década de 1920, vivia tempos de muita agitação. Ocorria o movimento
tenentista sob a liderança de Luiz Carlos Prestes. Segundo Fausto (2015), as revoltas contra o
que tinha se tornado a República, encabeçadas por oficiais do Exército (tenentes e capitães)
marcavam a vida pública e demonstravam insatisfação com a política brasileira.
No Maranhão, segundo análise feita por Mendes (2015), o tenentismo tinha forte
presença de civis e ficou conhecido como ―tarquinismo‖ em razão da sua principal liderança
ser o médico Tarquínio Lopes Filho. Esse clima de insatisfação, incertezas, lutas armadas e
ideológicas vividas no país e no Maranhão, nos anos de 1920-1930, ainda não figuram, pelo
que podemos observar, nas memórias contadas por Maria Aragão.
Para Reis (2007, p. 96), não houve no Estado uma ameaça real às estruturas
oligárquicas. Na sua análise, ele assevera que no Maranhão configurou-se ―[...] uma
renovação interna das oligarquias‖ e que o cenário dos anos 20 e 30 do século XX, no Estado,
era aterrador: falta de água, transporte, altos preços dos alimentos, problemas de habitação,
dentre outros, assolavam a cidade de São Luís e aumentavam o descontentamento popular.
Nesse cenário, no ano de 1930, Maria Aragão foi para Recife prestar concurso para o
Banco do Brasil, mas não conseguiu ser aprovada e preferiu buscar trabalho na cidade de João
Pessoa (ARAÚJO, 2014).
Nessa nova empreitada, em busca de trabalho como professora, Maria Aragão seguiu
de Recife para João Pessoa. Na cidade conseguiu uma audiência pública com o interventor
Gratuliano de Brito (ARAÚJO, 2014). Dois dias depois da audiência Maria Aragão conseguiu
uma nomeação como professora na cidade de Patos, a 307 quilômetros da capital. Ela
permaneceu nessa cidade por um ano, contudo, como sua mãe encontrava-se gravemente
doente em São Luís, ela retornou para esta cidade.
Dessa forma, podemos perceber que a infância e o início da juventude de Maria
Aragão foi como de tantas outras de famílias pobres que buscam na educação formal um
dispositivo de ascensão social, assim como a melhoria na vida dos demais membros da
família.
34

2.2. MARIA ARAGÃO NO RIO DE JANEIRO: A FACULDADE DE MEDICINA

Em 1934 Maria Aragão chegou ao Rio de Janeiro com sua mãe doente em busca de
tratamento. D. Rosa Aragão veio a falecer logo depois da chegada à cidade, e nossa
bibliografada resolveu ficar e fazer vestibular para a Faculdade de Medicina da Universidade
do Brasil. Neste mesmo ano ela trouxe do Maranhão seus irmãos João, Emídio e Cristina para
morar com ela (ARAGÃO, 1992).
Enquanto se preparava para as provas, trabalhou como professora ministrando aulas
em casa para os funcionários que teriam de fazer um concurso.

À época, o Getúlio Vargas determinou que para entrar no serviço público tinha que
ser por concurso. Aí eu ensinei muito candidato a concurso em vários ministérios.
Houve fatos interessantes, por exemplo, eu tive um grupo de alunos para o
Ministério do Exterior, gente de certa categoria, de elite que trabalhava no Itamaraty
(ARAGÃO, 1992, p. 54).

Em 1935 ela conseguiu aprovação na Faculdade. Para se sustentar continuou a


trabalhar como professora ―[...] o curso no Rio foi muito pesado para mim porque eu
precisava trabalhar para me manter, dando aulas‖, vale ressaltar, que Maria Aragão ministrou
aulas também para pessoas que não tinham condições de pagar (ARAGÃO, 1992, p.123).
As dificuldades eram muitas, a fome ainda a rondava, conforme observamos nos
relatos (ARAGÃO, 1992; MOREIRA NETO, 2015), mas ela prosseguiu no curso,
trabalhando como professora como forma de garantir seu sustento. Dava aulas em todos os
horários possíveis o que acabou atrapalhando as aulas práticas de algumas disciplinas. Ela
relata: ―O curso foi muito difícil para mim, porque eu precisava trabalhar, por isso continuei
dando aulas particulares. Eu não podia escolher horários, ficava na dependência dos alunos,
tinha que ser na hora que eles podiam, nem sempre dava para conciliar‖. (ARAGÃO, 1992, p.
59).
Nas suas falas é bem enfática e às vezes bem-humorada, ao rememorar como as
pessoas olhavam para aquela moça com roupas simples, evidenciando sua classe social, sendo
estudante de Medicina. Ela conta que, certa vez, foi convidada para a festa de amiga
maranhense que estava no Rio:

[...] Fui cumprimentá-la em Copacabana ou Ipanema não lembro, ela estava


oferecendo um lanche e com uma porção de amigos granfinos. Eu cheguei mal
vestida [...]. A mãe dela D. Evangelina perguntou o que eu estava fazendo no Rio,
[...] volte para o Maranhão, você é boa professora, lá você cuida de sua vida, aqui
você não vai conseguir ser médica (ARAGÃO, 1992, p. 56).
35

Esses relatos foram contados com bom humor a posteriori por Maria Aragão, pois na
época ela ressalta que tais colocações, que não foram poucas, a deixavam muito irritada.
Mesmo assim, ela refere sempre de si como alguém que em meio a tantas dificuldades tinha
um enorme apreço pela vida!: ―[...] trabalhava muito, estudava muito, mas achava a vida
linda, achava a vida uma beleza. Não é de hoje que eu sou otimista. Não é de hoje que eu sou
comunista. Não é de hoje que tenho esse espírito alegre, eu sempre tive, eu sou hoje o que
sempre fui.‖ (ARAGÃO, 1992, p. 61).
Apesar das inúmeras dificuldades, os irmãos se ajudavam para continuarem na cidade.
O relacionamento entre eles, quando moravam no Rio de Janeiro, é retratado da seguinte
forma por ela:

Aliás, todos nós tínhamos muito bom-humor e gostávamos de mexer um com o


outro, de troçar um com outro, ninguém se zangava [...]. No Rio ocupávamos dois
quartos contíguos, um para mim e Cristina, outro para João e Emídio. Nós tínhamos
leis que nós mesmos traçamos: suja um prato, lava, deixa limpo; camas arrumadas.
[...] (ARAGÃO, 1992, p. 28).

Maria Aragão engravidou em 1941 e avaliou que não poderia ficar interna no Hospital
fazendo residência médica. Realizou um concurso para enfermeira no Hospital Artur
Bernardes, atualmente Instituto Frederico Figueiras. Trabalhando à noite (como enfermeira) e
estudando de dia, dormia das 18h (quando chegava da faculdade e/ou das aulas particulares)
às 21h (quando saía para o hospital). A rotina era bem rígida, já que tinha de estar nas aulas
teóricas, nas aulas práticas, além de ensinar particularmente e trabalhar como enfermeira
(ARAGÃO, 1992).
À beira de uma estafa, procurou um amigo psiquiatra para aconselhá-la, pois estava
tendo muitos lapsos de memória. Após ouvi-la, ele disse: ―Tu não estás doida, mas está te
suicidando [...]. Vais ficar um mês sem ir ao trabalho‖. (ARAGÃO, 1992, p. 71).
Deste modo, ficou 20 dias sem ir ao trabalho e na sua volta ao hospital, relatou sua
história para o diretor, sua luta de estudante, sua conversa com seu amigo psiquiatra, sua
estafa. ―O diretor mandou bater um ofício autorizando que eu entrasse para trabalhar e
justificando todas as minhas faltas. Eu recebi o pagamento integral‖. (ARAGÃO, 1992, p. 71-
72).
Depois do nascimento de sua filha Clarice, em 1942, Maria Aragão se encontrou com
um padre maranhense que estava no Rio de Janeiro. O padre ficou surpreso ao vê-la com sua
filha no colo e perguntou se era sua afilhada ou se ela havia se casado. Ao dizer que a menina
36

era sua filha e que não tinha se casado, deparou-se com a surpresa do padre. Maria Aragão
acredita que esse fato contribuiu para que parte do clero maranhense a chamasse de
―prostituta e não médica‖ (MOREIRA NETO, 2015).
Nesse sentido, Colling (1997, p. 111), nos refere:

A tentativa de desconstrução do sujeito político feminino se clarifica na expressão


usada pela repressão para caracterizar a militante ―puta comunista‖. A mulher é
enquadrada em duas categorias problemáticas e desviantes-prostituta e comunista-,
na tentativa de ser desmerecida como sujeito político.

A constatação feita por Ana Maria Colling (1997) em seu estudo a respeito de
mulheres, que sofreram a repressão na Ditadura Militar, encontra ressonância nas atitudes que
parte do clero e a sociedade maranhense tiveram a respeito de Maria Aragão quando ela
retornou para a cidade.
Inicialmente, ela escolheu a Pediatria. Tendo concluído seu curso em 1942 (Figura
23), partiu com a filha para trabalhar em General Câmara, município do Rio Grande do Sul.
Em 1944, sua filha morreu aos dois anos, vítima de desinteria bacilar.
A morte da filha a abalou profundamente: ―Depois da morte da minha filha, eu fiquei
bloqueada, não conseguia trabalhar com crianças.‖ (ARAGÃO, 1992, p. 74). Após este
trágico acontecimento na sua vida, ela retornou ao Rio de Janeiro e recomeçou a trabalhar no
Hospital Miguel Couto, fazendo especialização em Clínica e Ginecologia.
Nesse período começou a conviver com os pacientes vindo de comunidades da
periferia carioca, principalmente do Pavão-pavãozinho (ARAGÃO, 1992) e, apesar de
acreditar que poderia contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos mais pobres sendo
médica, percebeu que os problemas daquelas pessoas iam além da Medicina,

Quem ia ao hospital era gente do morro, gente da periferia, gente pobre, e eu


comecei a me interessar pelos problemas das pessoas, como sempre me interessei
pelos problemas alheios, sobretudo da pobreza, de fome, de miséria, de falta de
assistência. Então eu tinha muito interesse por essas pessoas e procurava ajudá-las.
Quando chegam ao hospital. Eu fazia logo a história, se era pra operar eu ia ver com
os médicos para operar o mais breve possível, pedia logo os exames. Enfim as
pessoas me distinguiam como interessada na vida delas (ARAGÃO, 1992, p. 75).

Ainda lhe doía a fome que passou na infância, as dificuldades que teve para estudar,
além de não estar totalmente reestabelecida da perda de sua filha.
Em determinada ocasião, no ano de 1944, ao realizar atendimento com uma paciente,
foi convidada para uma reunião: ―A senhora se parece com uns amigos que eu tenho, se a
senhora quisesse, poderia ir conversar com eles.‖ (ARAGÃO, 1992, p. 78). A reunião era de
37

comunistas e Maria Aragão conta que começou a falar, mesmo sem entender muita coisa,

Naquela reunião a que fui, eles discutiam problemas e eu comecei a dar palpites,
mas sem entender nada. Um operário simples, trabalhador, mal vestido, analisando o
que eu estava dizendo, dando um certo sentido político. Eu disse: ‗Eu nunca tinha
pensado nisso antes‘ (ARAGÃO, 1992, p. 78).

Apesar de ter se identificado com as ideias do Partido Comunista ela só se filiaria ao


mesmo no ano de 1945.

2.3. O INGRESSO NO PCB, MILITÂNCIA E A VINDA PARA O MARANHÃO

O primeiro contato de Maria Aragão com o Comunismo aconteceu em 1937. Ela


morava em uma pensão na Tijuca e lá chegaram alguns maranhenses vindos da Ilha Grande 3.
Provavelmente esse grupo teria saído da prisão em razão da libertação de mais de 400 presos
políticos que não tinham processo formado e foram acusados de participação no Levante de
1935, episódio que ficou conhecido como Macedada,

O grupo de maranhenses chegou lá, todos sebentos, infelizes e sujos, doentes. Como
estudante de medicina eu os ajudava levando-os ao hospital e pedindo aos
professores que os examinassem, requisitassem exames, dessem remédios. E meus
professores ajudavam nisso, alguns eram meus amigos (ARAGÃO, 1992, p. 60).

Esse grupo foi hostilizado por integralistas4 que também estavam na pensão. Maria
Aragão conta que ―ficou do lado‖ dos comunistas, mas sem qualquer embasamento teórico,
apenas por que, à época, lhe pareceu a parte ―mais fraca.‖ (ARAGÃO, 1992).
Em 1945, Luís Carlos Prestes fez um histórico comício no Campo do Vasco, em São
Januário. Até então Maria Aragão não ouvira falar de Prestes e uma paciente a convidou,
contando-lhe a história e, inclusive, que ele havia deixado a prisão recentemente. Em seus
relatos, Aragão explicita:

Mas a noção que tinha de Prestes era um homem arrasado, iria falar de tudo quanto
havia sofrido, lamentado tudo, a deportação da mulher-devia ser um homem infeliz.
Pensei que não era a pessoa que queria ouvir, não queria ouvir gente derrotada, eu ia
pensando isso, mas fui. (ARAGÃO, 1992, p. 79).

3
Instituto Penal Cândido Mendes, situado no município de Ilha Grande-RJ. Foi desativado em 1994 (FRANÇA,
2014).
4
Movimento nacionalista de inspiração fascista brasileiro criado na década de 1930; ―[...] o Integralismo se
definiu mais como um movimento cultural do que econômico […] Integralistas e comunistas se enfrentaram
mortalmente ao longo dos anos de 1930.‖ (FAUSTO, 2015, p. 301-304).
38

A participação naquele comício de 1945, no campo do Vasco, mudou a sua vida. Ela
afirma que ficou ―eletrizada‖ olhando para Prestes, que fez um discurso sobre a situação
nacional. Falou da guerra, do Nazismo e da redemocratização. Maria Aragão ficou
impressionada com Prestes dizendo que era comunista; admirou sua coragem, já que tinha
estado preso por nove anos: ―Eu ficava me perguntando: ‗Que diabo é ser comunista‘? Mas ia
achando que só podia ser coisa muito boa, por que ele só falou do interesse do povo, ele
também estava interessado, como eu, nos problemas do povo.‖ (ARAGÃO, 1992, p. 80).
Nesse mesmo dia ela anunciou aos seus irmãos que desistira de seus projetos de ir
trabalhar no Acre e entraria para o Partido Comunista.

2.3.1. Os primeiros anos de atuação política: 1945-1951

Sua volta para a cidade de São Luís se deu no ano de 1945. Inicialmente, foi morar na
casa de amigos até conseguir estabelecer-se. Segundo Moreira Neto (2015), não adquiriu casa
própria, fixando-se sempre em casas alugadas (onde funcionava também seu consultório) no
centro da cidade de São Luís e no Bairro do Monte Castelo e Apeadouro.
Aos poucos ficou conhecida no tratamento de doenças de senhoras e pelo seu trabalho
em clínica geral. Conquistou muita popularidade entre os mais pobres e também ganhou o
respeito das classes médias e até da elite maranhense (AZEVEDO, 2016). Todavia, ainda
sofria muito preconceito por sua opção política e por ser mulher independente. Situação
insuportável para o machismo de uma São Luís dos anos 1940.

Já disse que cometi um erro de me expor muito quando voltei para o Maranhão. Tal
fato aguçou a reação contra mim, particularmente o clero. Os padres me atacavam
furiosamente, diziam: ‗Chegou aí uma dona Maria, ela não é médica, é uma
prostituta‘ (ARAGÃO, 1992, p. 91).

De acordo com Aragão (1992, p.91), com os anos de trabalho na cidade de São Luís a
relação com o clero mudou, mas, para estabelecer-se na cidade, teve de lutar contra muitas
formas de preconceito,

Vou dizer porque os padres diziam que eu era prostituta, coisa que me revoltava
porque sempre trabalhei feito uma desesperada para estudar, ensinei, fui ser
enfermeira, sempre fui uma mulher dona da minha vida, dona do meu corpo, tive os
homens que quis, não podia permitir que me chamassem de prostituta.

Aliado a esse motivo pessoal, Maria Aragão ressalta ainda que temia prejudicar a
39

―imagem‖ do Partido no Estado. Deste modo, casou-se em 1947,

Mas não foi fácil decidir a casar. Sempre fui uma pessoa livre, muito dona da minha
vida e não me seduzia a ideia de casar, de ter esse tipo de relacionamento que não
tivera até então [...], mas eu tinha na cabeça o que os padres diziam nas missas e isso
me mostrava que eu não podia ter aventuras nenhuma, eu não podia arrebentar com
o Partido, não podia fazer nada que viesse a comprometê-lo. Casar, para mim era
uma maneira de desmentir os padres. Ter um relacionamento sem casar não é ser
prostituta, mas eles diziam que eu era. Então ele resolveu casar e eu também decidi.
[…] (ARAGÃO, 1992, p. 94).

Maria Aragão ficou casada por 10 anos. Nesse período adotou três crianças: Sônia,
Simone e Sebastião. Sônia era filha de uma família muito pobre que morava próxima à casa
da médica e foi tratada de um quadro de desnutrição. Vendo a situação delicada da família, a
médica acabou tornando-se responsável pela menina. Este fato ocorreu no ano de 1947,
quando a criança tinha dois anos de idade (ARAGÃO, 1992).
Simone era filha de uma família que morava no bairro do Anil, na capital São Luís,
onde a médica trabalhava no posto de saúde. Segundo Aragão (1992), foi morar com a médica
na década de 50, do século passado, com aproximadamente 9 anos. Um dia, em visita a
família, a menina Simone se apegou a Maria Aragão e assim foi morar com ela. Simone
formou-se em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e foi
vereadora pelo PCB na cidade. Simone Macieira é viúva de Roberto Macieira, com quem teve
três filhos. Ele foi prefeito de São Luís e ocupou também secretarias em outros governos. Era
irmão de Marly Sarney, esposa do ex-presidente José Sarney (ARAGÃO, 1992; MOREIRA
NETO, 2015).
Sebastião foi o último a chegar à casa de Maria Aragão. Isso ocorreu em 1958, quando
o garoto tinha oito anos de idade. Era filho de um companheiro do partido que trabalhava na
tipografia do jornal e tinha se separado recentemente. Ele pediu que o menino ficasse em sua
casa: ―Lá ele ficou comigo e ficou de uma vez, porque gostou da casa, gostou das meninas
[...], tinha música, tinha muito disco de histórias infantis [...], tinha muitas revistas infantis e
ele não sabia ler.‖ (MOREIRA NETO, 2015, p. 137). Sebastião formou-se em Design Gráfico
na UFMA, e mora em São Luís.
Com uma visão de vanguarda, Maria Aragão afirma que, mesmo morando com ela, e
saindo de casa já independentes, seus filhos sempre mantiveram contato com suas famílias.
Pelos filhos Maria Aragão é chamada carinhosamente de Dedê (MOREIRA NETO, 2015).
No ano de 1945 o PCB retomou a legalidade. Foi nesse momento que Aragão, ao
ingressar no partido, passou a assumir importantes tarefas onde, ao mesmo tempo em que se
40

respiravam os ares da legalidade, a perseguição aos comunistas no mundo era intensificada.


O Partido Comunista do Brasil atravessou, no período anterior a 1945, intensas
perseguições externas e disputas internas. Tinha estado na ilegalidade durante 18 anos, de
1927-1945. Voltando à legalidade em 1945, o Partido conseguiu, na Constituinte desse ano,
eleger 14 deputados e um senador, Luis Carlos Prestes. Nas eleições suplementares de 1947, o
Partido elegeu mais 18 vereadores no Distrito Federal e mais 49 deputados nas assembleias
legislativas estaduais. De acordo com os estudos do Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil (2015, p. 13):

A fase de atuação legal propiciou um aumento rápido no número de inscritos no


partido. A adesão ao PCB estava ligada em parte ao prestígio de Luís Carlos Prestes
e em parte ao prestígio da URSS, que tivera um papel fundamental na derrubada do
nazifascismo. Segundo algumas estimativas, o PCB no início da fase de
redemocratização, em 1945, contava entre dois e cinco mil membros e em 1946, de
acordo com Leôncio Basbaum, atingiu 180 mil membros inscritos.

Nesse cenário provisoriamente favorável para o PCB, Maria Aragão entrou para o
partido ainda no Rio de Janeiro. Ela afirma que não teve qualquer preparação para fazer parte
da organização; somente participou de uma reunião onde foi lido o Estatuto, participou de
algumas reuniões no Rio de Janeiro. Em seus relatos se mostrava entusiasmada, certa de que
tinha feito a escolha correta. Até que surgiu a necessidade de vir para o Maranhão reorganizar
o Partido, e vieram: Maria Aragão e mais três colegas (ARAGÃO, 1992).
No Maranhão, o partido ―[...] era formado por velhos comunistas que tinham ido para
Ilha Grande, [...] e quando voltaram viram-se sem emprego, na miséria, sem condições de
recomeçar a vida.‖ (ARAGÃO, 1992, p. 84). Dessa época Maria Aragão relatou que ainda
não tinha muito conhecimento da teoria marxista ou mesmo de muitas leituras políticas:

Vim para o Maranhão assim despreparada. Quem me ensinou nesse ponto foi um
companheiro que passou por aqui na época, com a missão de nos dar assistência e
demorou um pouco. Era conhecido como Nei, embora seu nome fosse Orestes
Timbaúba. Espetacular em todos os sentidos, companheiro muito querido [...]. Ele
me disse: você precisa estudar, está cometendo muito erro porque não estuda. Fez
uma relação de livros, discutia comigo coisas [...] (ARAGÃO, 1992, p. 84).

Dentre os erros cometidos por Aragão ela revela que, no começo da militância, era
muito empolgada com a luta e acabava atropelando as pessoas, querendo fazer tudo, não
buscando entender ―o problema dos companheiros‖: ―Eu queria que eles se engajassem
naquele trabalho com a paixão que eu tinha, era um erro que procurei vencer ao longo dos
anos, de idealizar as pessoas, de não estudar cada pessoa‖.
As principais atividades dessa militante, nessa época, era vender livros da Editora
41

Vitória5 e o Jornal ―Voz Operária‖6. Ela ia para as portas das fábricas com um ―alto-falante‖ e
anunciava o jornal. Também falava nas praças da cidade, comentava os fatos políticos e ia
atraindo a atenção dos que por ali passavam. Seus companheiros de partido eram mais
cautelosos e diziam que a legalidade era passageira: era somente para saber quem éramos e
que eu me expunha muito (ARAGÃO, 1992; MOREIRA NETO, 2015).
A médica começou a estudar as obras clássicas do Marxismo e organizou cursos de
formação de militantes na capital e no interior do Estado. Ela revela que, nessa época, o
Partido chegou a ter 2.000 companheiros no Maranhão (ARAGÃO, 1992). Contudo, o
trabalho que mais empolgava e reunia as pessoas eram as falas feitas por Maria Aragão à
porta das fábricas. Nessa época havia em São Luís uma grave crise na indústria têxtil que
vinha sendo gradativamente substituída pelas fábricas produtoras de óleo de babaçu e
derivados7.
Ela foi presa pela primeira vez na Greve de 19518, acusada de incitar a população a
promover incêndios em bairros da cidade. Assim como ocorria no resto do país, no Maranhão
havia um clima de insatisfação popular. Aragão foi presa em sua casa, enquadrada na Lei de
Segurança Nacional e passou 3 meses na prisão.
Após sair da prisão, ela continuou trabalhando na cidade e no interior como médica e
atuando no Partido. Mesmo na ilegalidade ela continuava vendendo Jornal e participando de
cursos de formação nas bases. Nos anos seguintes à primeira prisão, segundo Aragão (1992,
p. 133), houve muitas divergências entre ela e os outros dirigentes do Partido no Maranhão,

Na realidade eu estava enfrentando alguns problemas dentro do Partido, aqui no


Maranhão. Andava meio desiludida, sentido que não era um fator de unidade, tinha
havido uns choques com alguns companheiros, coisas desagradáveis mesmo.
Resolvi ir embora, cheguei a escrever para a direção do Partido, no Rio de Janeiro,
pedindo que mandassem gente para cá, o Partido estava precisando de ajuda. A
direção, todavia, não queria que eu saísse de São Luís, os companheiros alegavam
que isso traria dificuldades, quantos anos seriam necessários para ter outra Maria
Aragão por aqui? Então, apesar de dizerem que eu era sectária e autossuficiente, fui
surpreendida com a indicação de uma viagem a União Soviética.

Maria Aragão seguiu então para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), em 1961, para fazer um curso de formação e lá permaneceu por um ano e três meses,

Ao sair daqui não podia dizer que ia a URSS fazer um curso político, disse então

5
Editora ligada ao Partido Comunista Brasileiro (ARIAS, 2004).
6
Jornal carioca, inicialmente semanal e depois mensal, fundado em fevereiro de 1949 pelo Partido Comunista
Brasileiro então PCB (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2009).
7
Sobre a crise na indústria têxtil no Maranhão no início do século XX (CAMPOS, 2008).
8
Greve que ocorreu na cidade de São Luís em protesto contra as denúncias de fraude nas eleições (COSTA,
2004).
42

que ia ver como estava a medicina por lá, que ia fazer uma especialização. Por isso
ao terminar o curso político, pedi que me mostrassem a medicina soviética, então me
levaram a vários centros, a vários hospitais, prontos-socorros. (ARAGÃO, 1992, p.
135).

2.3.2. Trabalho e prisão durante a ditadura militar

De volta para o Maranhão, em 1963, Aragão começou a trabalhar como prestadora de


serviços no Posto de Saúde do Anil, administrado pela prefeitura. Até então a médica tinha
evitado trabalhar em órgãos ligados ao governo, sob a alegação que as atividades poderiam
ser incompatíveis com a sua postura militante. Contudo, aos 53 anos, sob a insistência dos
amigos, que temiam por sua segurança financeira, ela acabou aceitando.
Entretanto, para iniciar os trabalhos no posto de saúde, nossa doutora impôs uma série
de condições: fazer reunião com toda a equipe que trabalhava no Posto, dos médicos às
serventes, solicitar reformas no prédio e dispor de um trabalho direto com a comunidade com
palestras e visitas periódicas nos bairros. Ela conta que o prefeito aceitou e que da equipe
apenas duas médicas não aceitaram trabalhar da nova maneira que ela estava propondo; anos
mais tarde o Posto de Saúde do Anil se tornaria referência na cidade (ARAGÃO, 1992).
Nas palestras nos bairros promovidas pelo Posto de Saúde, Maria Aragão surpreendia
a todos falando de Educação, das condições das escolas, de saneamento básico, transporte
público e conclamava o povo a reivindicar melhorias no bairro. Talvez por isso, logo após o
golpe de 1964, ela foi presa pela segunda vez, no dia de 5 de abril, em sua casa.

Logo nos primeiros dias do golpe, nós havíamos orientado os jovens para não
revelarem quem eram os comunistas [...]. Mesmo se perguntassem se conhecia
Maria Aragão, que publicamente se declarava comunista, deveriam dizer que me
conheciam como médica [...]. De qualquer modo a reação sabia que eu trabalhava
com os jovens, e de maneira errada porque fazia isso abertamente, na ilusão de que a
legalidade estava prestes a vir para o Partido e agíamos como se houvesse essa
legalidade, antes do golpe (ARAGÃO, 1992, p.154).

A médica passou 3 meses presa. Sua terceira prisão aconteceu nesse mesmo ano em
novembro. Ela e mais um grupo de comunistas do Estado foram presos novamente. No início
de 1965, foram soltos e o processo arquivado.
A médica continuou seu trabalho no Posto, no consultório em sua casa e com as
atividades de militância, mesmo em um período de muita repressão. Contudo, as diferenças
internas no PCB foram também sentidas no Estado e uma parte da militância aliou-se ao
43

Partido Comunista do Brasil (PC do B)9. Nesse período ela conta que trabalhou na
reorganização do Partido, vendendo os jornais ―Voz Operária‖10 e ―Voz da Unidade‖11.
Na década de 1970, trabalhando no Posto de Saúde do Anil continuou suas atividades
de vanguarda realizando palestras com os moradores do bairro e adjacências para tratar de
assuntos diversos e problemáticos de seu cotidiano. Nesse ano assumiu a direção do Posto e
foi nomeada médica no governo do Estado e lotada no Centro de Saúde do João Paulo,
aposentando-se compulsoriamente em 1981 (ARAGÃO, 1992).

O posto de saúde do Anil tornou-se referência para a prefeitura de São Luís. Houve
um evento, com a presença de representantes do Ministério da Saúde, onde o
secretário municipal agradeceu em nome do governo, pelo bom trabalho realizado.
Ao usar a palavra, Maria criou constrangimento aos presentes. Disse que não
trabalhava para o governo, mas sim para o povo. Para completar falou abertamente o
fato de ser comunista (AZEVEDO, 2016, p. 111).

Em 1973, Maria Aragão foi presa novamente, aos 63 anos. Foi levada para Fortaleza
onde permaneceu 7 meses. Foi solta em dezembro desse mesmo ano. No julgamento do
processo, ocorrido em 1976, foi condenada a 1 anos e 2 meses de prisão, sendo novamente
presa em 1977 para cumprir o restante da pena (ARAÚJO, 2014).
A pesquisadora Marcia Antonia Piedade Araújo teve acesso ao requerimento de prisão
preventiva da médica, datado de 13 de março de 1973, que se encontra no Departamento de
Ordem Política e Social (Dops), do Rio de Janeiro,

Nele aparece com os condinomes de Clarice e Clara […]. O objetivo criminal do


requerimento é a apuração de atividades subversivas de militantes ativos do PCB na
área Norte/Nordeste [...]. Há referencias diretas sobre a vida profissional e política
de Maria Aragão e dados de identificação; são citadas suas atribuições no Partido
Comunista, a saber: distribuidora do Jornal A voz Operária em São Luís e no
interior do estado, e ainda do Tribuna do Povo, órgão do PCB em São Luís, e
representante da editora Vitória (também do PCB); enfim é caracterizada como
militante ativista (ARAÚJO, 2014, p. 202, grifo do autor).

Segundo Moreira Neto (2015), Maria Aragão não costumava falar muito sobre
tortura, mas revelou que havia passado por essa experiência na prisão sem nunca dar muitos

9
Em 1962, militantes do PCB, reorganizam o partido agora nomeado de PC do B, Partido Comunista Brasileiro,
no intuito de fugir da ideia de que o PCB era um partido estrangeiro, comandado pela União Soviética.
Atualmente os dois partidos estão em atividade (BRASIL, 2008; PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, 2017).
10
Jornal carioca, inicialmente semanal e depois mensal, fundado em fevereiro de 1949 pelo Partido Comunista
Brasileiro então Partido Comunista do Brasil (PCB). Circulou regularmente até fevereiro de 1959, quando foi
fechado por iniciativa do próprio PCB. Voltou a circular, na clandestinidade, entre 1964 e 1975 e, de então até
agosto de 1979, foi editado no exterior. Teve alguns números editados clandestinamente durante o ano de 1980.
(FGV, 2018).
11
Semanário do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em março de 1980 e editado em São Paulo, com
sucursais em diversas capitais. (FGV, 2018).
44

detalhes das agressões sofridas; apenas se referia ―aos olhos vendados e choques elétricos‖
durante os interrogatórios. Esses episódios foram retratados pelo Grupo Xama Teatro (2008),
na peça: ―A Besta Fera-Biografia Cênica de Maria Aragão‖, de 2008, que trata da vida da
médica com destaque ao tempo que passou na prisão.

2.3.3. A saída do PCB e outras atividades políticas

Na década de 1980, mais precisamente no ano de 1981, Maria Aragão deixou o PCB e
tornou-se simpatizante do Partido Democrático Trabalhista (PDT), que tinha como figura de
referência no Estado do Maranhão Jackson Lago, médico, que foi governador do Estado e
prefeito de São Luís12. Segundo Aragão (1992) sua saída do partido se deu em função da saída
de Prestes e do acirramento das divergências entre os militantes.
Apesar de ter se declarado inúmeras vezes como comunista, a militância de Maria
Aragão não se restringiu somente ao partido. Principalmente depois da década de 70, já com
60 anos a médica continuou atuando em outras frentes de estudo e militância.
Os anos 80 assistiram ao progressivo, mas ainda inconcluso, processo de
redemocratização do país. Depois de 21 anos de uma ditadura militar, que deixou marcas no
país: artistas, intelectuais, professores, jornalistas, militantes foram exilados, mortos e
desaparecidos, direitos humanos desrespeitados em torturas nas prisões, censura aos meios de
comunicação e toda sorte de arbitrariedades cometidas contra pessoas que divergiam do
regime.
Em 1982, fundou o Grupo de Mulheres Oito de Março, buscando ―[...] experimentar o
potencial revolucionário das mulheres‖ (AZEVEDO, 2016, p.45). O grupo teve ações durante
toda a década de 80, realizando palestras nas periferias da cidade de São Luís. Em 1984
escreveu a favor das ‗Diretas já‘; no mesmo ano participou da Campanha Nacional da
Reforma Agrária no Maranhão, dentre outras atividades (ARAÚJO, 2014).
Maria Aragão continuou atuante nos anos 80. Participou da fundação da Central Única
dos Trabalhadores (CUT) no Estado, em 1983, e atuou como tesoureira da entidade até o ano
de sua morte; declarou apoio a Brizola nas eleições de 1990, no primeiro turno, e participou
do comício do candidato quando esteve na cidade de São Luís.
Na área médica participou da Associação das Médicas do Maranhão (Amma), da

12
Prefeito em 1989 a 1992, de 1997 a 2000 e de 2001 a 2002, quando saiu para disputar as eleições de 2002;
governador de 2007-2009, quando foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na ocasião a 2º colocada,
Roseana Sarney, assumiu o governo do Estado. Para mais detalhes Cf. Santiago (2006) e Gallucci (2009).
45

Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Maranhão (Sogima) e da Sociedade Brasileira de


Patologia Cervical Uterina e Colposcopia. É importante ressaltar que, em 1974, aos 64 anos
Nossa militante fez um curso de aprimoramento em Colposcopia na Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), trabalhando e militando pela saúde da mulher, surpreendendo seus
pares e clinicando ativamente na Fundação Antônio Jorge Dino, especializada no Tratamento
de Câncer, localizado em São Luís, mas atendendo pacientes oriundos de todo Estado
(ARAÚJO, 2014).
Maria Aragão morreu em 23 de julho de 1991. Os relatos de sua vida ganharam força
nos meios acadêmicos e militantes da cidade e sua memória passou a ser disputada por
diversos setores políticos. Segundo a análise de Azevedo (2016), meios de comunicação
ligados a grupos dominantes passaram a homenageá-la, associando-lhe a sua imagem à de
mulheres da elite maranhense de maneira indiscriminada, em matérias e propagandas,
principalmente às alusivas ao Dia da Mulher.

2.4. MARIA ARAGÃO E OS REGISTROS DE SUA MEMÓRIA

Como referência de militante de esquerda, Maria Aragão muitas vezes foi procurada
para falar sobre suas experiências. Antônio Francisco13 foi o responsável pelo primeiro livro
acerca da vida de Maria Aragão. Intitulado ―A razão de uma vida‖. O livro foi publicado no
ano de 1992 (Figura 1). A obra foi escrita com base nos depoimentos colhidos pelo autor entre
os anos de 1990 e 1991.
Funcionário público, Antônio Francisco, maranhense, que morou por muitos anos em
Brasília e ainda naquela cidade tomou conhecimento da atuação política e social de Maria
Aragão, buscou-se conhecer os fatos e suas atividades. Ao retornar à cidade de São Luís,
quando já estava aposentado, escreveu o que seria a primeira biografia da médica.

13
Pseudônimo usado por Valdair José da Costa.
46

Figura 1 - Capa do livro ―A razão de uma vida‖, depoimentos


da médica Maria Aragão colhidos por Antônio Francisco

Fonte: Autora, 2017.

Os depoimentos foram registrados por ele entre os anos de 1990 e 1991. O autor expõe
no prefácio do livro que sua intenção era gravar as entrevistas que fez com Maria Aragão
sobre sua vida, carreira profissional e militância política e aprofundá-las com outras fontes
para, posteriormente, dirimir dúvidas com a médica. Porém, a morte de Maria Aragão
impossibilitou que ele desse cabo ao trabalho. Mesmo assim, achou dever publicar os
depoimentos que poderiam colaborar com pesquisas futuras.
Antônio Francisco ressalta que a autoria do livro é da própria Maria Aragão, já que
―apenas‖ gravou o material e posteriormente o transcreveu.
No livro de Antônio Francisco observamos uma Maria Aragão que narra de forma
despretensiosa sua trajetória de vida mesmo que pareça consciente da importância do seu
legado para a história política do Estado e da importância que as pessoas dão a sua vida, as
suas histórias, seu trabalho e sua presença nos meios políticos. De toda forma, o livro ―Maria
Aragão, a razão de uma vida‖, está presente em todos os trabalhos que falam desta militante.
Esta obra se configura como uma espécie de ponto de partida para as pesquisas.
Dividido em 28 capítulos, o livro traz os principais fatos da vida da médica assim como
episódios de sua militância política. O livro vem-se juntar às de obras escritas que tratam da
militância de mulheres em organizações de esquerda.
Segundo Colling (1997, p.75), a atuação das mulheres em organizações de esquerda
brasileiras era conflituosa já que
47

As mulheres assumiram a militância nas organizações de esquerda negando a sua


condição de mulher. As organizações eram espaços fundamentalmente masculinos,
o que impunha às mulheres a necessidade de se colocarem como militantes, diluindo
as relações de gênero da luta política mais geral. Os homens militantes tinham
posições diferentes porque viam as militantes também como mulheres.

A autora citada trata de mulheres militantes que atuaram na luta armada no Brasil e
resistiram à ditadura. Neste particular, a atuação política de Maria Aragão é mais longeva do
que o período da Ditadura. Ela passou toda a sua vida e encaminhou a sua profissão no
combate às desigualdades sociais e em prol do Socialismo.
Maria Aragão não assumiu a postura feminista. Contudo, por sua atuação à frente do
Partido, ela foi considerada uma mulher que fugiu das convenções sociais e dos papéis
normalmente desempenhados por mulheres na sociedade, na história e no Partido Comunista.
As mulheres normalmente estão relegadas ao papel de coadjuvantes na história oficial,
postura esta assinalada por Perrot (2017) que postula que as mulheres normalmente ocuparam,
ao longo da história, papéis no âmbito privado, sendo inclusive uma ofensa o termo ―mulher
pública‖.
Neste sentido a mulher comunista, segundo Colling (1997), era tida como desviada,
antônimo da mulher virtuosa que fica restrita ao espaço doméstico e aos afazeres do dia-a-dia.
A política neste caso fica a cargo do universo masculino.

A história fala pouco de mulheres. Elas são invisíveis como sujeitos históricos. É
preciso correr atrás de suas pistas, que são tênues. Para falar sobre elas é preciso
falar das relações de poder entre homens e mulheres. Para identificá-los como
sujeitos políticos é necessário analisar as intricadas relações de gênero, de classe, de
raça e de geração. Dentro dessa diferença, da diversidade de organização da
sociedade, o sujeito construído como corpo unitário, uniforme e homogêneo, se
multiplica em suas diferenças, suas particularidades. (COLLING, 1997, p.94).

Desta forma, a opção de vida feita por Maria Aragão rompeu com o ―destino‖ das
mulheres do período, sobretudo das mulheres negras, ao se recusarem à dedicação exclusiva à
vida privada, ao cuidado da família e passou a fazer parte da história do Partido Comunista do
Brasil e do Maranhão, assim como a sua posição de vanguarda em assumir a militância e a
luta pelo Socialismo como uma opção de vida.
Deixando de ser coadjuvantes e assumindo o papel de protagonistas, as mulheres na
Política tiveram de se constituir como militantes com voz e atitudes que precisavam ser
levadas em conta para a luta,
48

A trajetória do sujeito político feminino é marcada por práticas sociais e projetos


específicos de sociedade. O reconhecimento das mulheres como sujeitos políticos
encontra barreiras na tentativa de desconstrução porque rompe com os padrões
estabelecidos pela família e pela sociedade, que determinou códigos masculinos de
participação pública e política (COLLING, 1997, p. 95).

A história escrita por homens normalmente delega às mulheres um papel de


coadjuvantes nas narrativas. Maria Aragão nos parece então figurar como uma exceção neste
cenário: sua trajetória de vida e atuação política foi contada em três livros, uma dissertação e
uma tese, além de inúmeras homenagens, uma peça teatral, um documentário e ainda placas
comemorativas nos locais onde trabalhou, bem como na construção do Memorial e do
Instituto que são objetos deste trabalho.
Mesmo assim, parece-nos que existe uma lacuna no que diz respeito a história das
mulheres nessas organizações no Brasil, como apontam os estudos de Alves (2017, p. 1):

De uma forma geral, em se tratando da militância feminina, grande parte dos textos
memorialísticos, a maioria de autoria masculina, deu pouca visibilidade à militância
feminina e/ou às discussões feministas. Autores como Leôncio Basbaum (1976),
Ellias Chaves Neto (1977), Agildo Barata (1978), Moisés Vinhas (1982), Jacob
Gorender (1987) e João Falcão (1988) deram pouca, ou nenhuma, atenção a atuação
das mulheres no partido.

Nesses casos, as mulheres aparecem como meras figurantes ou companheiras de


nomes masculinos importantes para a história do Partido. Os trabalhos de Joffily (2005) sobre
a resistência das mulheres à ditadura e de Reis (2015), sobre a militante Derlei de Luca
trazem figuras femininas que foram importantes e que lutaram contra as atrocidades da
Ditadura Militar.
Na região Nordeste do Brasil temos como exemplo os trabalhos de Freire (2003), a
respeito das mulheres militantes no Movimento Comunista na Bahia, na década de 1930.
Quando se trata da escrita da atuação das mulheres no Partido Comunista parece haver uma
predominância de trabalhos que tratam da atuação das militantes no Sul e Sudeste, em
detrimento das que atuavam no Norte e Nordeste do país.

A história da esquerda brasileira foi, e é até hoje, escrita em torno das trajetórias
destes "grandes homens". As mulheres aparecem como meras coadjuvantes. Aos
homens cabem as decisões políticas (o mundo das ideias) e as ações práticas (o
mundo público). Às mulheres, o suporte familiar e caseiro (o mundo doméstico)
para que estes homens possam continuar realizando suas "nobres" atividades
políticas. Essa representação sobre o papel secundário (ou de apoio) das mulheres
fica evidente no discurso destas militantes sobre suas funções no interior das
organizações [...] (GOLDENBERG, s/d, p. 4).
49

Deste modo a trajetória de Maria Aragão deixa o ―lugar comum‖ associado às


mulheres e assume uma posição de destaque onde o que foi escrito a seu respeito ecoa e
parece se reconfigurar e atualizar sua trajetória de vida profissional e política como exemplo e
inspiração para as gerações futuras.
O segundo livro que trata da médica é ―Maria por Maria ou A saga da besta-fera, nos
porões do cárcere e da ditadura‖, de Moreira Neto (2015). Este texto relata a vida de Maria
Aragão utilizando a forma de perguntas e respostas. O autor faz algumas intervenções nas
falas da médica, no sentido de esclarecer alguns fatos. A pesquisa teve como objetivo a
elaboração do samba-enredo para a escola ―Favela do Samba‖14 que homenageou a médica no
ano de 1989.
Brewer apud Sá (2007), em seus estudos a respeito de memória na perspectiva da
Psicologia Social, ressalta algumas formas de abordagem e estudo desta especificidade do
campo da memória do seguinte modo:

Em termos de pesquisa empírica, as memórias pessoais são estudadas sob o rótulo


de memórias autobiográficas. Incluem-se aí as histórias de vida, que supõem um
esforço de reconstrução global e tão completo quanto possível da memória pessoal,
mas também a recuperação de episódios específicos, a qual, para distinguir das
primeiras, já foi chamada de recollective memory.(BREWER, 1999 apud SÁ, 2007,
p. 293).

Desta forma, podemos considerar as narrativas construídas a respeito da vida de Maria


Aragão, principalmente nos livros de Aragão (1992) e Moreira Neto (2015), como narrativas
pessoais ou autobiográficas onde há uma articulação da história de vida dessa militante
socialista aos grupos, lugares e acontecimentos aos quais ela estava inserida e foram
fundamentais na sua formação pessoal e social.
A médica sempre se refere à sua família, colegas de escola, amigos da faculdade,
companheiros do partido que ancoram suas lembranças e referendam aquilo que ela está
dizendo a respeito de suas experiências de vida e militância política.
A ancoragem que Maria Aragão faz de suas memórias pessoais (individuais) a grupos,
pessoas, locais e fatos históricos corroboram as assertivas de Halbwachs (1990) para o qual
nossas lembranças, por mais pessoais e subjetivas que sejam, sempre sofrem influência do
grupo. Deste modo nunca estamos sós em nossas lembranças,

Se esta análise estiver correta, o resultado para onde nos conduz permitiria talvez

14
A Sociedade Recreativa Favela do Samba é uma escola de samba em São Luís do Maranhão. Está localizada
no Bairro do Sacavém (MOREIRA NETO, 2015).
50

responder a objeção mais séria e, aliás, a mais natural a que nos expomos quando
pretendemos que só temos a capacidade de nos lembrar quando nos colocamos no
ponto de vista de um ou mais grupos e de nos situar novamente em uma ou mais
correntes de pensamento coletivo (HALBWACHS, 1990, p. 36).

O terceiro livro foi concebido em forma de reportagem. Foi lançado no ano de 2016,
pelo jornalista Emílio Azevedo e teve como título: ―Uma subversiva no fio da história‖. O
texto apresenta fatos da vida de Maria Aragão contextualizados com o cenário e figuras
políticas do estado e trata também das disputas envolvendo o legado e a memória pública da
médica.
A tese da professora Márcia Antonia Piedade Araújo: ―Maria –uma mulher e suas
paixões em busca de uma sociedade igualitária‖, apresenta uma leitura da médica por um viés
da Psicologia Social.
Desde sua morte Maria Aragão foi lembrada em muitas homenagens. Algumas
encabeçadas pelo Instituto Maria Aragão (IMA) que serão detalhadas no capítulo 3 desta
dissertação. De maneira geral houve comemorações com a passagem do centenário de seu
nascimento. Foram instaladas placas nos locais onde ela trabalhou, a realização de uma peça
teatral inspirada em sua vida, focando principalmente o período que passou na prisão.
A peça ―Besta fera‖ foi encenada pelo grupo Xama Teatro (2008). O espetáculo é um
monólogo onde a médica aparece em interrogatórios que antecederam a suas prisões. As
perguntas do interrogatório são intercaladas com a narração dos episódios da vida de Maria
Aragão (CANTARIA FILMES, 2013).
Na peça a atriz Maria Ethel encarna Maria Aragão, durante a experiência das prisões,
interrogatórios e tortura. O espetáculo foi contemplado com o Prêmio Myriam Muniz 2007 e
no Plano Estadual de Cultura. Foi apresentado na capital, São Luís, e em mais 12 municípios
do Estado, nas cidades do Rio de Janeiro, Florianópolis, Brasília e em Cuba no II Festival de
Monólogo latino americano.
O nome da peça, Besta Fera (Figura 2), relembra um fato vivido por Maria Aragão,
quando em viagem ao interior do Estado para visitar as bases do partido. O padre do local,
querendo assustar a população, disse que havia chegado à cidade uma mulher que se dizia
médica mas na verdade era a ―besta fera‖, comedora de crianças e que os fiéis não fossem
procurá-la. Ocorre que o padre acabou atiçando a curiosidade do povo que foi ao hotel onde a
médica estava para apedrejá-la, mas acabaram envolvidos com o seu discurso.
A peça é baseada no diário que a médica fez, enquanto estava presa e retrata alguns
momentos vividos na prisão, nos interrogatórios, destacando a coragem da militante nesses
51

momentos de tensão, atualmente o diário se encontra no Memorial.

Figura 2 - Reprodução do Cartaz da Peça

Fonte: Grupo Xama Teatro (2008).

Lugares onde a médica trabalhou, como o Posto de Saúde do Anil e o Hospital


Aldenora Belo, ganharam placas em sua homenagem quando da passagem do seu centenário
de nascimento (ARAÚJO, 2014). Abaixo a reprodução da placa comemorativa:

Figura 3 - Placa comemorativa ao centenário de Maria Aragão

Fonte: Freitas (2012).


52

A Escola Nacional Florestan Fernandes, ligada ao Movimento dos Trabalhadores


Rurais sem Terra, produziu, no ano de 2014, o documentário com duração de 50 minutos
apresentando a vida de Maria Aragão e depoimentos de pessoas que conviveram com ela,
como parte da programação em memória aos 50 anos da luta contra o Golpe Militar no Brasil
(Figura 4).

Figura 4 - Convite para o lançamento do documentário


―Maria Aragão e a organização popular‖.

Fonte: Redação - Agência São Luís (2014).

Ao longo deste capítulo apresentamos a vida de Maria Aragão e sua trajetória singular,
até sua entrada no partido Comunista e retorno ao Maranhão. Percebemos que, a despeito de
muitas dificuldades no início de sua vida, ela teve êxito ao terminar o curso de Medicina em
uma época em que esta profissão estava quase totalmente restrita aos filhos das classes
abastadas.
Contudo, Maria Aragão parece imbuída de uma consciência de classe que a fez
sensível aos problemas brasileiros: fome, falta de assistência na saúde, habitação, dentre
tantos outros, levando-a a uma militância de destaque no Partido Comunista. Sua história de
vida, se não passou a história oficial, foi rearticulada pela memória dos que conviveram com
ela e representada no Instituto e Memorial Maria Aragão, a qual será analisada no capítulo
seguinte.
53

3. INSTITUTO E MEMORIAL MARIA ARAGÃO: ESPAÇOS DE MEMÓRIA E


LUTA

Após a morte de Maria Aragão, em 23 de julho de 1991, formou-se entre os que


conviveram com ela a necessidade de se preservar seu legado, suas experiências e produções
corroborando com a assertiva apresentada por Halbachws (1990) de que as lembranças
precisam fixar-se para serem reconfiguradas e continuarem fazendo sentido para o grupo.
Neste capítulo, relatamos a trajetória da criação dos espaços de memória: Instituto
Maria Aragão e o complexo que forma o Memorial Maria Aragão. Para tanto, iniciamos a
seção abordando o conceito de espaços de memória, a fim de problematizarmos a trajetória de
criação e o desenvolvimento desses empreendimentos e sua história a partir de relatos de
fundadoras (es) e dos documentos aos quais tivemos acesso.

3.1. A CONSTITUIÇÃO DE ESPAÇOS E A LUTA PELA MEMÓRIA DE MARIA


ARAGÃO: A CRIAÇÃO DO IMA

Marx e Engels (1998) afirmam que as ideias dominantes, em todo o tempo e lugar, são
as ideias da classe dominante. Tal fato se estabelece na medida em que uma pequena parcela
social, proprietária dos grandes meios de produção da riqueza, portanto dos insumos e
instrumentos de produção, apropriam-se privadamente desta riqueza em detrimento da grande
maioria dos que trabalham. Desse modo, o poder da ideologia dominante se estabelece, ao
mesmo tempo que é de fundamental importância ao funcionamento das relações sociais de
exploração e dominação vigentes historicamente a produção de visões de mundo que
consolidem tais relações. A memória, nestes casos, é de grande utilidade para estes fins, na
medida que, ao se valorizarem (tornar memoráveis) determinados fatos, ideias, personagens,
criam-se amálgamas para o controle da maioria da sociedade.
Historicamente, as classes dominantes têm o poder e os recursos para o
estabelecimento de marcos físicos que fazem eco aos fatos e personagens históricos que
comungavam com os seus ideais e práticas. O estabelecimento de praças, monumentos,
placas, memoriais e etc., portavam e ainda portam seus nomes e evocam sua trajetória e fatos.
A memória coletiva acresce e enaltece as figuras e fatos que favorecem a classe dominante
principalmente nas instituições estatais,
54

A memória coletiva se expressa no âmbito de instituições, a maioria das vezes estatais, mas
também da sociedade civil, como igrejas, escolas, sociedades históricas e assim por diante.
As instituições estatais são a voz do poder. Nas instituições da sociedade civil misturam-se
as vozes dos dominantes e dos dominados, de tal sorte que se podem encontrar memórias
de lutas operárias nos sindicatos e hoje até mesmo nas universidades [...] (CASTANHO,
2007, p.16).

Todavia, a luta de classes faz com que, além das reivindicações e embates, também
sejam construídas lembranças, memórias, marcos, símbolos e espaços para a preservação do
legado das lutas dos trabalhadores, trabalhadoras e povos oprimidos.
Nesse sentido podemos destacar, dentre outras instituições ligadas à organização dos
trabalhadores, o trabalho da CUT, no sentido de preservar a memória das lutas da classe
trabalhadora no campo e na cidade, como ocorre no evento promovido por esta entidade
intitulado ―Seminários Internacionais: o Mundo dos trabalhadores e seus arquivos‖, o qual
apresenta o esforço dessa entidade em discutir os espaços de preservação da memória da luta
de classes e tornar pública a história sindical e dos movimentos populares.
Outro importante espaço de memória é Centro de Documentação do Movimento
Operário (CEMAP), situado na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (UNESP)
que guarda um importante acervo acerca das lutas de esquerda no Brasil.
Trabalharemos com o termo espaço de memória. Na categorização proposta por
Jelin (2002) a memória social seria resultado de um trabalho onde a sua reconstrução
estaria a cargo dos ―empreendedores da memória‖ 15 que se empenham em alavancar o fato
ou personalidade em questão para trazê-lo ao reconhecimento público e preservação.
Usaremos a reflexão de Jelin, em estudos a respeito da construção da memória social para
fatos históricos, o qual adota a expressão ―trabajos de construcción y formalización de las
memórias‖ (JELIN, 2002 p. 39). Todavia, é importante destacar, ainda segundo a autora, que
a representação da memória em espaços não são unívocas.

La controversia y el conflito de interpretaciones no se aquietan necesariamente una


vez construido el memorial, el museo o el monumento, con la versión del sentido del
pasado que quienes lograron su cometido impusieron o negociaron. El paso del
tempo histórico, político y cultural necesariamente implica nuevos procesos de
significacion del passado, con nuevas interpretaciones. Y entonces surgen
revisiones, cambios en las narrativas y nuevos conflictos (JELIN, 2002, p. 56).

As companheiras e companheiros de Maria Aragão, ao decidirem criar espaços para a


preservação da memória dessa militante, passam a ser ―empreendedores da memória‖ na

15
―El papel de los ―empreendedores de la memoria‖ es central em la dinâmica de los conflitos alredor de la
memoria publica‖ (JELIN, 2002, p. 51).
55

medida em que são responsáveis por alavancar um projeto que exige esforço, tempo, diálogos,
articulações para sua materialização.
Esses empreendedores lutam pelo objetivo de construção de um aparato de lembranças
que se pretende transmitir às futuras gerações, para que o fato ou a pessoa e seus ideais não
desapareçam. A consolidação dessa luta fica explícita nos objetivos do Memorial Maria
Aragão, a saber: ―preservar e servir de referencial para o estudo da vida social e política de
Maria Aragão, favorecendo o resgate e a divulgação da história das lutas populares no
Maranhão‖ (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2004, p. 3).
Segundo Celso Pereira de Sá (2015, p. 373, grifo nosso):

[...] três dimensões contribuem simultaneamente e em diferentes graus para


caracterizar um lugar de memória. A dimensão material se refere ao espaço
topográfico, monumental, arquitetural. Ou a sua condição de objeto concreto (um
quadro, um livro, etc.); a dimensão funcional, à tarefa que ele cumpre de preservar
um fato; a dimensão simbólica, aos significados que são construídos em torno dele
de acordo com valores, crenças e representações das pessoas. Em tal lugar, investido
de intenções e lembranças que remetem a outras épocas, há um sentimento de
continuidade e materialização dos acontecimentos passados. Dessa forma diz o
autor, a história é incorporada pela memória e esta reconstrói a primeira.

A partir da reflexão de Sá, esse processo de construção dos espaços de memória para
Maria Aragão se deu pelos relatos e documentos consultados, com a colocação de uma placa
na pequena Praça que foi construída em sua homenagem e onde os amigos se reuniam para
celebrar algumas datas importantes.
Conforme os estudos de Heymann (2011), a constituição de Institutos nasce da
vontade de se preservar a memória e garantir a permanência de um legado em questão. No
caso do IMA, a preservação do legado de Maria Aragão no que diz respeito à sua figura
exemplar e lutadora pelos direitos dos mais necessitados. Desta forma o IMA, se constitui em
uma experiência de preservação do legado.
Como afirmamos, o Instituto Maria Aragão e o Memorial Maria Aragão são marcos de
espaços de memória destinados a preservar e divulgar trajetória de vida de Maria Aragão. A
história do Memorial e da Praça tiveram início quando a médica ainda estava viva,

Ah essa história da placa há outras coisas interessantes. Quando fiz 79 anos, um


padre, o Padre Marcos16, me procurou com um embrulhinho e disse: Está aqui seu

16
Padre Marcos Passerini (Itália, 1941), sacerdote da congregação dos Missionários Combonianos. No Brasil
desde 1973. Brasileiro naturalizado desde 2000. Cidadão maranhense a partir de 2005. Há 22 anos residente em
Fortaleza-Ceará, depois de 15 anos de presença no Maranhão. Durante sua trajetória eclesiástica no Maranhão,
padre Marcos Passerini esteve envolvido em diversas mobilizações em torno dos problemas sociais, como
movimentos de ocupações urbanas, na articulação com o movimento estudantil, através da Pastoral da Juventude
56

presente, não fico pra festa porque vou viajar. Era uma placa de azulejo com os
dizeres ―Praça Maria Aragão‖. Completou: ―Quando lhe derem uma praça, não se
esqueça que fui o primeiro a ter essa ideia e coloque a placa lá (ARAGÃO, 1992, p.
176).

A médica continua o relato e ressalta o fato de que essa primeira placa acabou
desaparecendo de sua casa em uma das suas viagens e nunca foi encontrada. Na passagem dos
seus 80 anos, em 1990, foi colocada uma placa de bronze na Beira-Mar próximo de onde
atualmente está localizado o Memorial (ARAGÃO, 1992).
Em 1993, dois anos após sua morte, foi inaugurada a Praça Maria Aragão, ainda como
um projeto de menor visibilidade. Amigos mais próximos, visando preservar-lhe a memória,
promoveram a criação de uma pequena Praça que levaria o seu nome. Neste espaço havia um
busto onde esse grupo se reunia, principalmente no dia do nascimento da médica, para
lembrá-la (ARAÚJO, 2014). Nesse local, durante um dos encontros, o grupo decidiu criar um
Instituto que buscasse preservar a memória de Maria Aragão. Assim nasceu o IMA.

Figura 5 - Primeira Praça Maria Aragão (Na foto sem o busto que foi tirado do local)
.

Fonte: Almeida (2016).

e na defesa dos menores abandonados na cidade de São Luís. Foi expulso da Arquidiocese de São Luís em 1981,
por envolvimento com movimentos de ocupação urbana na cidade de São Luís (PORTELA, 2015).
57

Figura 6 - Primeira Praça Maria Aragão, vista panorâmica

Fonte: Almeida (2016).

O grupo de sócios fundadores era formado por 26 pessoas, dentre elas médicos,
professores universitários, militantes e artistas. Na Ata de fundação (ANEXO A) houve a
concessão de título de membros honorários aos filhos de Maria Aragão (INSTITUTO
MARIA ARAGÃO, 2005).
O Instituto Maria Aragão-IMA foi fundado em 9 de fevereiro de 2001 em cerimônia
na Ordem dos Advogados do Brasil do Maranhão (OAB-MA), tendo como sede provisória
uma sala na Sociedade Maranhense de Medicina e Cirurgia do Maranhão (SMCMA).

Figura 7 – Fundação do Instituto Maria Aragão, em 9 de fevereiro de 2001.


Na foto alguns dos membros da Diretoria.

Fonte: Instituto Maria Aragão (2001).


No seu Estatuto estão elencados os seguintes objetivos:
58

Criar e dinamizar espaços de formação de pensamento crítico em torno das relações


e dos processos sociais desenvolvidos em âmbito internacional, nacional e,
especialmente no Estado do Maranhão; Desenvolver ações e apoiar processos
sociais que defendam os direitos humanos, contribuam para a superação das
desigualdades sociais e emancipação da humanidade; Organizar acervo de dados
relacionados à história e à memória das lutas sociais e políticas no Estado do
Maranhão (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2005, p. 14).

Esses objetivos ainda não foram plenamente alcançados. Alguns espaços de formação
foram criados, como colhemos na seção IV deste trabalho; outros ainda não foram plenamente
alcançados.
O IMA se articula com algumas instituições similares que existem no país e,
referenciando a memória de lutadores do povo e/ou militantes, buscam potencializar,
principalmente ações educativas e culturais, a luta dos movimentos sociais e da sociedade
civil em favor dos seus direitos.
Em meio a inúmeras dificuldades, a entidade estabelece e começa a planejar ações a
fim de divulgar a memória de Maria Aragão e debater temas atuais. Segundo uma das
fundadoras:

Nós fazíamos as coisas, como se diz, na cara e na coragem, sem apoio, sem dinheiro
e até sem tempo pois todos nós tínhamos outras obrigações de trabalho, com a
família... mas mesmo assim queríamos realizar as formações e nos dedicávamos a
isso, por vezes nós mesmos financiávamos parte dos eventos formativos
(NASCIMENTO, 2018, s/p).

O IMA funcionou primeiramente em uma sala na Sociedade Maranhense de Medicina


e Cirurgia do Maranhão (SMCMA), no centro da cidade de São Luís e em uma sala no Bairro
no Calhau, até o ano de 2010. Atualmente, segundo informações de uma das fundadoras do
IMA, Lúcia Nascimento17 (2018), o Instituto encontra-se em um processo de reorganização,
tentando reestabelecer os contatos entre alguns membros, realizando reuniões e definido
novas ações.
Segundo o seu Estatuto, a diretoria é composta por presidente, vice-presidente,
secretário geral, secretário adjunto, tesoureiro geral e tesoureiro adjunto. A diretoria tem
mandato de 5 anos e teve até o ano de 2011 os seguintes presidentes: entre os anos de 2001-
2006 a psicanalista Francisca Ironildes Gomes Vanderlei; de 2006 a 2008 a enfermeira Elba
Gomide Mochel e de 2008 a 2011 o economista Haroldo Pires Sabóia (INSTITUTO MARIA
ARAGÃO, 2001; ARAÚJO, 2014).

17
Entrevista concedida em 5 de abril de 2018.
59

3.2. NEGOCIAÇÕES, EMBARGO E MODIFICAÇÕES: O CAMINHO PARA A


CONSTRUÇÃO DO MEMORIAL

A pequena Praça fundada em 1993 parecia não estar à altura da história de vida e
militância de Maria Aragão e, em 1997, em meio a disputas políticas o então deputado federal
Haroldo Sabóia18 apresentou ao então prefeito Jackson Lago (PDT) a construção do Memorial
e ampliação da Praça. A proposta foi prontamente apoiada pelo então prefeito. Após a
aprovação, o projeto foi apresentado, no Rio de Janeiro, ao arquiteto Oscar Niemayer (1907-
2012) por uma comissão do IMA (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2005).
Niemayer ficou entusiasmado com a ideia, já que também nutria admiração por Maria
Aragão e tinha uma alta estima sua atuação política. O projeto arquitetônico foi realizado e as
obras começaram, em 1998, mas foram embargadas pelo Instituto de Patrimônio Histórico
Artístico Nacional (IPHAN) no ano de 2001, por modificar a paisagem natural do local, que
faz parte do Centro Histórico de São Luís, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio
Cultural Mundial em 1997 (IPHAN, 2016).
O local onde está localizado o Memorial faz parte do conjunto arquitetônico conhecido
como Beira-Mar, as margens do Rio Anil, formado pelo Largo e Igreja dos Remédios e a
Praça Gonçalves Dias, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) desde 1955 (SOUZA, 2016).
Com o embargo, a equipe do arquiteto Oscar Niemayer fez algumas modificações do
projeto original: duas salas sofreram diminuição nas dimensões, a concha acústica e a pomba
mudaram de posição para não prejudicar a paisagem e a execução do projeto prosseguiu
(ARAÚJO, 2014, p. 395).
Durante a realização das atividades em comemoração aos 92 anos de Maria Aragão,
nos dia 6 a 8 de março de 2002, o IMA promoveu uma ação cultural no local onde estava
sendo construído o Memorial (que estava com as obras paradas): a produção de um painel,
com a participação de mais de 20 artistas plásticos convidados, no tapume que contornava a
Praça Maria Aragão. (INTITUTO MARIA ARAGÃO, 2002, p. 3).
No dia 25 de junho de 2004 foi inaugurado o Memorial Maria Aragão (Figura 8). As

18
Haroldo Freitas Pires de Sabóia nasceu em São Luís (MA) no dia 16 de junho de 1950.‖(...) Ao lado de antigos
militantes da resistência popular e democrática maranhense, entre os quais a médica comunista Maria José
Aragão, participou da fundação do Comitê Brasileiro pela Anistia no estado. Filiou-se ao PC do B em 1967, com
o AI-5 exilou-se em Paris em 1971, retornando em 1977. Foi filiado ao MDB depois PMDB (1982-!990), PDT
(1990-1992), PT/PPS (1992-2007), PDT (2008-2012). Atualmente é filiado ao PSOL. Ocupou cargos de
deputado federal, estadual e vereador‖ (CRUZ; CARNEIRO; MONNERAT, 2018).
60

obras foram iniciadas na gestão do prefeito Jackson Lago e terminaram na gestão do prefeito
Tadeu Palácio. A inauguração contou com centenas de pessoas e com um discurso entusiasta
do prefeito a respeito da homenageada: ‗uma mulher guerreira e humana. (INTITUTO
MARIA ARAGÃO, 2005).

Figura 8 - Mapa com a visão do Memorial para a sua implantação. Praça (1),
o Memorial (2), anfiteatro (3) e prédio de apoio (4)

Fonte: Planta do Memorial Maria Aragão (2017).

A estrutura do Memorial abrange uma Praça (1), o Memorial (2), onde estão
localizadas duas salas da administração, a sala de exposição do acervo da médica e militante
Maria Aragão, um auditório com capacidade para 50 pessoas e um depósito, o anfiteatro (3)
onde estão localizados o palco, a concha acústica, os camarins e dois banheiros e um prédio
de apoio (4), onde há um espaço que abrange um bar ou lanchonete quando ocorrerem
eventos, e mais dois banheiros.
61

Figura 9 - Vista panorâmica do Memorial Maria Aragão, ao meio a Praça. À esquerda o


anfiteatro, no fundo, ao centro, o Memorial, e à direita o prédio de apoio.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Figura 10 - Concha acústica, ao fundo Igreja Nossa senhora dos Remédios e Praça
Gonçalves Dias.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).


62

Figura 11 - Prédio de apoio.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Figura 12 – Memorial.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).


63

Figura 13 – A entrada do Memorial.

Fonte: Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Atualmente, segundo Figueiredo (2016), a Praça Maria Aragão constitui-se o maior


espaço público aberto da cidade de São Luís, onde são realizadas feiras e shows diversos.
O espaço concedido à memória de Maria Aragão configura um caso onde a preservação
da lembrança de alguém, que veio das classes dominadas, é apresentada ao grande público em
um projeto de espaço de memória.

3.3. MEMORIAL MARIA ARAGÃO: ORGANIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DO ACERVO


DA EXPOSIÇÃO

O Instituto Maria Aragão foi responsável pela articulação política e mobilização para a
continuidade das obras do Memorial. Mas, no que consiste um Memorial?

A palavra foi tomada de empréstimo ao inglês: um desses estrangeirismos que


incorporamos com dinamismo à língua portuguesa. Originalmente, nos Estados
Unidos, por exemplo, memorial indicava um patrimônio de pedra e cal, geralmente
em um espaço público destinado a emular ou enaltecer alguma figura de escol, de
impacto na história nacional, ou a recordar o marco físico e simbólico de uma
conquista, ou alguma tragédia, ou evento brutal, como os mortos na Segunda Guerra
Mundial, o Holocausto, etc. Há exemplos dessa fórmula no Brasil, como o Memorial
JK, em Brasília, ou o monumento aos soldados mortos na revolução comunista de
1935, no Rio de Janeiro. Os memoriais são, assim, na acepção de Pierre Nora,
lugares de memória, ou seja, espaços que brotam para bloquear a ação do
64

esquecimento, fixando um conceito, imortalizando o que pereceu, corporificando o


imaterial (AXT, 2012, p. 65).

Conforme podemos observar em Barcellos (1999), apesar da vasta literatura e


legislação sobre museus, o Memorial ainda carece de uma definição mais precisa. Para o
referido autor o Memorial tem a intenção clara em prestar uma homenagem e direcionar a
atenção do espectador para determinados aspectos da vida do homenageado,

Este ponto também precisa ser explorado com cuidado. Se o conceito de memorial,
em sua origem admite a via da memória institucional, fazendo-se a partir de objetos
selecionados, então estamos diante de uma definição aproximada de memorial como
lugar permanente que conserva e expõe coleções de objetos de caráter institucional
com fins culturais se quisermos apenas modificar brevemente a concepção do
Conselho Internacional de museus. No entanto, sua definição é completamente
distinta da definição dada aos museus em Santiago do Chile, em 1973, pois no caso,
não se trata de uma instituição a serviço da sociedade (sic) mas de uma instituição a
serviço de fins específicos do Estado. Isso modifica muito a Declaração de Santiago,
pois, ainda que possamos dizer que um memorial ―adquire, comunica e expõe -
como qualquer museu - para fins de estudo e educação - não se tratam dos
testemunhos em geral, mas de testemunhos específicos. Entramos portanto no
campo da ideologia (BARCELOS, 1999, p. 8).

O Memorial Maria Aragão pode ser considerado o corolário das intenções e ações de
preservação da memória de Maria Aragão. Não falamos aqui de uma preservação estática,
mas da tentativa de ressignificar a trajetória da médica e sua atuação política que sirva as
futuras gerações.
Trata-se também de uma iniciativa importante no campo de disputas da memória, onde
o que está estabelecido geralmente tem um lugar de maior destaque nas representações e
espaços de memória. Segundo o Projeto Acervo Maria Aragão,

A história e as muitas lições de vida de Maria Aragão, marcadas pela sua atuação no
universo social e político do nosso Estado garantiram a existência desse espaço
como mais uma alternativa para a população maranhense se desenvolver e participar
de atividades socioculturais enriquecedoras (INSTITUTO MARIA ARAGÃO,
2004, p. 11).

O espaço buscou preservar a memória dos que foram silenciados e que não tiveram a
chance de ver suas histórias e a história da luta de seu povo representada nos bancos
escolares, articulada em torno da história de vida e luta da medica comunista. A busca pelo
não apagamento dessa memória é parte da tentativa do IMA na concepção e montagem do
Memorial.
Depois de terminadas as obras viu-se que ali deveria haver um espaço onde fosse
contada um pouco da história de Maria Aragão, através de seus objetos pessoais, livros,
65

materiais de uso profissional. Mas não poderia ser qualquer lugar, nem os objetos escolhidos
de forma aleatória: era preciso que houvesse uma organização desse acervo e o espaço onde
os objetos ficariam expostos, e fosse pensada de maneira significativa a vida de Maria
Aragão.
O acervo que constitui a exposição permanente no Memorial foi doado pelos filhos de
Maria Aragão e organizada pelo IMA e pelo arquiteto Ricardo Furtado. O espaço é aberto de
segunda a sexta-feira, das 13h às 17h. A exposição inclui objetos pessoais, livros,
instrumentos de trabalho, discos, cartas e documentos, além de painéis contendo imagens da
médica e reprodução de algumas de suas falas.
Segundo o projeto ―Acervo Maria Aragão‘ o objetivo geral da exposição é: ―Preservar
a memória e servir de referencial para o estudo da vida social e política de Maria José
Camargo Aragão, favorecendo o resgate e a divulgação da história das lutas populares no
Maranhão‖ (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2004).
Os objetivos específicos pretendidos pelo IMA (2004, p.4), no espaço, são:

Difundir as ideias e a atuação política e social da médica e militante comunista;


Contribuir para o resgate e preservação de documentos históricos, buscando manter
viva a memória das lutas sociais e políticas do Maranhão;
Sensibilizar a comunidade, sobretudo os jovens, para o reconhecimento da sua
identidade histórica;
Favorecer a difusão dos Direitos Humanos no Estado, através de impressos,
exposição de fotografias, livros, jornais e revistas bem como a exibição de filmes;
Municiar debates sobre temas sociais, políticos, econômicos, culturais e ambientais.

Podemos observar que alguns desses objetivos, como, por exemplo, o de promover
debates, exibição de filmes e a difusão das ideias de Maria Aragão, são cumpridos nas
publicações e atividades realizadas pelo IMA, mesmo antes da concretização do acervo e
exposição do Memorial.
Podemos notar que a constituição do acervo do Memorial Maria Aragão traz
elementos de crítica ao Estado capitalista, como demonstra a própria vida da homenageada. O
espaço, que foi organizado pelo IMA, hoje é administrado pela Prefeitura de São Luís. Os 3
funcionários: coordenador, guia e responsável pela limpeza e manutenção são funcionários da
prefeitura, trazendo mais um elemento para a complexidade da categoria Memorial exposta
pelo autor em questão.
Um memorial é, por assim dizer, um local onde existe uma intenção de demarcar,
preservar e informar sobre determinada memória de uma pessoa, um fato, um grupo, um
acontecimento.
66

3.3.1. Militância, trabalho e objetos de rotina: o acervo exposto de Maria Aragão

Para viabilizar o projeto de exposição do acervo o IMA desenvolveu o trabalho em 4


fases, quais sejam: 1) Levantamento e identificação da documentação; nesta fase foi definida
a concepção do espaço, contato com pessoas de referência na vida da médica, levantamento
da documentação existente e classificação e ainda contato com os familiares para apresentar a
proposta do acervo que seria exposto (INSTTUTO MARIA ARAGÃO, 2004).
Na segunda fase, segundo IMA (2004), foi feita a aquisição e tratamento do material.
Foram recuperados os objetos que necessitavam de conservação física. Em seguida, na fase 3,
foi organizada a coleção, com a definição do layout, equipamentos, definição da estrutura
física e construção da base de dados com registro de toda a documentação exposta.
Por último, o projeto do acervo elaborado pelo IMA prevê, na fase 4, a divulgação
junto à sociedade, com a realização de um vídeo de 10 minutos sobre a vida de Maria Aragão,
folder sobre o espaço, realização de exposições, palestras e semanas culturais no local e a
disponibilização de um site na Internet a respeito à vida da médica e o espaço da exposição.
O acervo encontrado na sala de exposição do Memorial está organizado em 8 bandejas
assim intituladas: 1) Objetos pessoais; 2) Serviço de café; 3) Cárcere; 4) Culinária; 5)
Formação Política; 6) Acervo Musical; 7) Memória Pessoal e Profissional; e 8) Memória
Política. Inclui ainda 36 fotos e 4 painéis com fotografias ampliadas e textos.

Figura 14 - Vista panorâmica da sala do acervo: ao fundo a esquerda as bandejas e um


painel fotográfico, ao centro 7 painéis de aço, com textos e fotos e a direita,
no fundo, a mesa ginecológica.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).


67

Referente aos seus objetos pessoais, segundo o projeto do acervo, a intenção é


demonstrar que, adepta da simplicidade, ―Maria Aragão gostava de vestir-se bem, andar
perfumada e arrumada e possuía algumas joias, a maior parte vendida para superar
dificuldades financeiras durante suas passagens na prisão, ou ajudar o movimento social.‖
(INTITUTO MARIA ARAGÃO, 2004, p. 6). Aí encontram-se 9 objetos pertencentes à
militante, dentre relógios, caixas de música e broches. 04

Figura 15 - Parte dos objetos da bandeja 1: broches, relógio, brincos, caixinha de costura,
porta-joias, moeda da década de 1980.

Fonte: Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Referente à bandeja 2 intitulada ―Serviço de Café‖, observamos a intenção de trazer


objetos da atmosfera das casas onde a médica morou, na cidade de São Luís onde aconteciam
as reuniões políticas e as visitas informais (as ‗bocas livres‖, nos dias de quinta-feira), regados
a café e licores, hábitos cultivados por Maria Aragão. (IMA, 2004). Aqui temos louças,
xícaras, bules e bandejas utilizados no dia-a-dia e nessas ocasiões. Na bandeja 4 também são
apresentados objetos de cozinha , que Maria Aragão usava para receber os amigos.
68

Figura 16 - Parte dos objetos da bandeja 2: par de cálices, xícara e pires de prata e
conjunto de café em porcelana.

Fonte: Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Figura 17 - Parte dos objetos da bandeja 4: pilão, louça branca e azul, caneca de vidro para
chope, bombonière em louça com ramalhete, terriana verde de servir juçara e
um copo de louça anos 1950 e copos de alumínio.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Maria Aragão foi presa 5 vezes, como abordámos na seção 2 , sendo a última em
1977. Dessa fase a exposição expõe, na bandeja 3, três cartas de Maria Aragão encaminhadas
ao diretor da Penitenciária de Pedrinhas, sugerindo mudanças no sistema prisional e ainda dos
diários de prisão feitos entre os anos de 1977 e 1978.
A médica militante disse de si mesma certa vez, que no começo da militãncia, era
69

―uma agitadora nata‖, referindo-se a pouca formação política que teve antes de entrar para o
partido (ARAGÃO, 1992). Com o passar dos anos, porém, Maria Aragão mostrou-se muito
empenhada em ler e aprender sobre Política, Socialismo e Medicina. Na bandeja 5 estão
demonstrados seus esforços no estudo teórico do Socialismo ―[...] para reforçar o processo de
organização e formação política dos trabalhadores, adotando o pensamento de Lênin de que
não há movimento revolucionário sem teoria revolucionária‖ (INSTITUTO MARIA
ARAGÃO, 2004, p. 6). Estão expostos aí livros e bótons de pensadores socialistas,
movimentos políticos, sociais e candidatos.

Figura 18 - Bandeja 5: obras de marx e lênin e botons de candidatos,


movimentos políticos e sociais e pensadores socialistas.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Segundo declarava Maria Aragão, apreciava ela muito as Artes principalmente a


Música (ARAGÃO, 1992). A médica gostava de música erudita e popular e estabeleceu
amizades com compositores e intérpretes maranhenses e de outros lugares do Brasil e do
mundo (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2004).
70

Figura 19 - Bandeja 6: disco russo, Gobbi, Olga Mohana e Seleções Portugal.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Em sua atuação como , Maria Aragão sempre demonstrou seus ideias de Justiça e
Humanidade, tanto nas longas conversas que travava com suas pacientes em suas consultas
(ARAÚJO, 2014), quanto nas palestras e ações educativas que realizava nos bairros, quando
foi diretora do Posto de Saúde do Anil. Na bandeja 7, chamada de Memória pessoal e
profissional,são apresentados ao público visitante documentos como passaporte, título de
leitor, carteira de identidade, carimbos pessoais, carteira profissional, cartão de apresntação
médica. Ainda estão expostos materiais de trabalho: cuba de ágata, esterilizador, seringas,
receitas, dentre outros. Nessa bandeja estão ainda o Ato do governador aposentando a médica
compulsoriamente em 1981 e o diploma de membro efetivo da Academia Maranhense de
Medicina.
71

Figura 20 - Detalhe da bandeja 7: título de eleitor e passaporte.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Figura 21 - Bandeja 7- Diploma de membro efetivo da Academia Maranhense de


Medicina.

Fonte: Weeslem Lima (2017).

A última bandeja da exposição, intitulada ― Memória política‘ traz exemplares do


Jornal Tribuna do Povo, que foi editado, vendido e dirigido por Maria Aragão, dentre os de
72

1949 e 1959 (ARAÚJO, 2014) e exemplares da literatura brasileira.

Figura 22 - Bandeja 8: Jornal Tribuna do Povo, livros de: José Louzeiro, Pablo Neruda.
Josué de Castro, dentre outros.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

As fotos expostas no Memorial mostram o antigo Engenho Central19, atual cidade de


Pindare- Mirim, onde a médica nasceu,fotos dos pais, dos irmãos, dos filhos, formatura em
Medicina, de sua viagem a Rússia; fotos na prisão em Fortaleza e da saida do cortejo no seu
velório, em 1991, em frente da Assembleia Legislativa de São Luís, dentre outros momentos.

Figura 23 - Reprodução ampliada de duas fotos: da formatura acima e da filha Clarice


embaixo.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

19
Atualmente reformado.
73

Figura 24 - Foto da saída do corpo de Maria Aragão da Assembleia Legislativa em 23


de julho de 1991.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Na exposição do Memorial temos ainda a mesa ginecológica que a médica utilizava


em suas consultas e um banquinho usado por ela para descansar as pernas. Nos paínéis
aparecem textos sobre o memorial e sua razão de existir, os objetivos do IMA, frases de Maria
Aragão e um trecho de uma carta enviada a ela por Prestes.

Figura 25 - Frase de Maria Aragão exposta.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).


74

Figura 26 - Mesa ginecológica utilizada por Maria Aragão.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Para finalizar o material exposto a respeito da trajetória de vida e militância de Maria


Aragão, há um busto de bronze, esculpido pelo artista Sereno que encerra a marca da figura
forte e combativa que foi a médica Maria Aragão, lutadora até os últimos dias da vida,
coerente com seus ideais de uma sociedade mais justa.

Figura 27 - Busto de Maria Aragão, parte da exposição do presente no Memorial.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).


75

Segundo entrevista feita com umas das organizadoras do acervo20, ainda não existe
uma ação efetiva para a digitalização e montagem de uma página do Memorial na Internet o
que, no nosso ponto de vista, traria mais visibilidade para o acervo dentro e fora do país.
Durante as nossas visitas ao memorial tivemos a oportunidade de observar alguns
visitantes, turistas, que ficaram impressionados com o local e a história da médica mas
lamentaram terem chegado ali por acaso, já que não receberam nenhum material referente ao
Memorial.
Em que pese ter sido a primeira obra do arquiteto Oscar Niemayer no Nordeste, o
Memorial também nós dá acesso a uma bela paisagem na cidade de São Luís e nos remete a
história de uma maranhense que lutou contra os preconceitos: negra, pobre e mulher,
conseguiu estabelecer-se no cenário profissional, político e ainda se destacar na luta política
socialista em um estado historicamente governado por oligarquias.
Assim como outros espaços de memória dedicados a contar uma outra versão de fatos
e períodos históricos, o Memorial precisa estabelecer um diálogo com a comunidade a fim de
que seu acervo não se deteriore e fique anacrônico ao que se passa na sociedade. Acreditamos
que o melhor caminho para esse processo é a busca de parcerias nas Universidades, Instituto
Federal e nos movimentos sociais. O objetivo é ensejar mais pesquisas e movimento ao
acervo.
Uma etapa muito importante já foi feita: a luta travada pelos integrantes do IMA, para
montar um espaço dedicado a uma mulher, lutadora do povo. Já corresponde a um esforço
que, a despeito de algumas polêmicas e discussões, representa um viés na luta por Justiça
social, luta esta que não apresenta somente um caminho, devendo lançar mão de espaços de
memória, no caso o memorial Maria Aragão, como possiblidade de ações educativas e
culturais que busquem também a conscientização política.

3.3.2. Usos do Memorial: a Praça Maria Aragão

A Fundação Municipal de Cultura-FUNC, órgão ligado à Secretaria Municipal de


Cultura-SECULT, administra o espaço, que faz parte dos quatro equipamentos culturais da
cidade de São Luís administrado pela prefeitura. Além do Memorial e da Praça Maria Aragão,
são administrados também a Galeria Trapiche, a Biblioteca do Bairro de Fátima e o Teatro da
Cidade21.

20
Lucia Nascimento, entrevista em 5 de abril de 2018.
21
Informação colhida em entrevista com Graça Sousa, da coordenação de Patrimônio Imaterial/ FUNC , setor
responsável pela coordenação do Memorial , em 5 de abril de 2018.
76

A agenda de eventos do Memorial, mais especificamente da Praça, é definida no início


de cada ano pela Fundação Municipal de Cultura e abrange - FUNC e abrange: ―O carnaval
na Praça Maria Aragão‖, o Arraial em junho e a Feira do Livro em outubro. Ainda acontecem
eventos oriundos de demandas externas como de Igrejas, escolas ou empresas. Para Graça
Sousa, da FUNC, o ideal seria que nesses eventos externos, fosse cobrada uma taxa para a
manutenção do local, mas isso não ocorre. Ela destaca ainda que deveria a haver um diálogo
maior entre o Memorial e a comunidade no entorno, além de ações de esporte; enfim, ela
resume: ―Falta ainda para nós essa integração entre a FUNC, Secretária de Turismo e
Secretária de Esportes envolvendo a comunidade do entorno. É importante demarcar que o
Memorial não é composto apenas pelo acervo dedicado a Maria Aragão, mas é um aparato
arquitetônico onde a Praça é um equipamento cultural bastante utilizado.‖
Sendo um dos maiores espaços públicos abertos da cidade de São Luís, a praça Maria
Aragão recebe shows, feiras e eventos durante todo ano. Fazem parte dos eventos fixos: o
arraial junino e a Feira do Livro (informação verbal)22.
Os usos feitos da praça já foram alvo de controvérsias: alguns simpatizantes da médica
achavam que o uso de seu nome em local, que por vezes é usado em shows religiosos e festas
juninas, poderia subverter e alterar a imagem que a médica deveria ter para a sociedade
maranhense (ARAÚJO, 2014).
Como já pontuamos, os usos da memória não são estáticos e não pertencem somente a
determinados grupos. Assim, o processo de ressignificação da memória de Maria Aragão está
em construção, já que ela passou a nomear um dos espaços mais importantes e utilizados na
cidade. De toda sorte, cabe ao IMA assegurar a realização de atividades que tragam a essência
do que foi a trajetória de vida da homenageada.

22
Informação recolhida por meio de entrevista realizada com Ana Luzia Santos, guia do Memorial, em maio de
2017, em São Luís-MA.
77

Figura 28 - Entrada do Arraial da Praça Maria Aragão.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Figura 29 - Vista panorâmica do Arraial Maria Aragão.

Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

Feita essa exposição sobre a trajetória histórica da criação e desenvolvimento do IMA e do


Memorial Maria Aragão, no próximo capítulo analisaremos as atividades educativas ali
realizadas com o intuito de que aquele espaço de memória seja um local dinâmico e de
formação para a cidadania e os direitos humanos, conforme os objetivos elaborados pela
instituição.
78

4. SOBRE AS ATIVIDADES EDUCATIVAS, CULTURAIS E PUBLICAÇÕES DO


IMA

No que diz respeito às ações político-educativas, o IMA atuou especialmente entre os


anos de 2001-2010, com atividades onde a linguagem cinematográfica era a mais utilizada. O
Instituto buscou realizar ações de cunho educativo, abertas ao público onde eram debatidos
temas de relevância nacional, com presença de militantes, estudantes universitários,
admiradores e uma nova geração que buscava conhecer Maria Aragão.
Em meio a inúmeras dificuldades, como a falta de apoio dos órgãos públicos e
23
privados, falta de pessoal diretamente ligado para a organização dos eventos , o Instituto
teve uma atuação bastante significativa nesses anos e realizou duas semanas político-culturais.
As atividades ocorreram no Memorial, no centro Histórico e Universidade Federal do
Maranhão-UFMA. Segundo documentos do IMA, algumas atividades chegaram a ter um
público de aproximadamente 200 pessoas24.
Além da organização da exposição do Memorial, das semanas político culturais, o
IMA também tem apoiado as pesquisas acadêmicas e a produção de livros, filmes e peça
sobre a médica. Podemos identificar a presença do IMA em depoimentos e fotos e
documentos todas as obras que pesquisamos sobre a médica.
O Instituto também desenvolveu publicações com a intenção de divulgar as suas ações
e reverenciar a vida e os ideais de Maria Aragão.

4.1. AS SEMANAS POLÍTICO-CULTURAIS E OUTRAS ATIVIDADES ORGANIZADAS


PELO IMA

No ano de 2001, entre os dias 16 a 19 de outubro, o IMA promoveu a 1º Semana


político Cultural - exibição de filmes e debates, no cine Praia Grande25. O evento contou com
a presença do cineasta Silvio Tendler26 e do líder camponês Manoel da Conceição27

23
Informação colhida da entrevista com Lucia Nascimento em 04 de abril de 2018.
24
Informação recolhida da lista de presença de uma das atividades da primeira semana político cultural. Acervo
do IMA.
25
Com 120 lugares, privilegia a exibição de filmes de arte e de interesse cultural, visando a difusão da cultura na
área cinematográfica. Localizado no Centro Histórico da Cidade de São Luís-Ma (MARANHÃO, 2018).
26
Silvio Tendler (Rio de Janeiro RJ 1950). Cineasta, professor e historiador. Aproxima-se do cinema em 1965.
Os aspectos históricos e políticos com que Silvio Tendler aborda personagens e contextos nos documentários
decorrem da formação de historiador.
79

(INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2005).

Figura 30 - Folder da 1ª Semana Político Cultural: capa, agradecimentos e programação.

Fonte: Acervo do IMA (2001).

Em cada dia foi apresentado um filme seguido de debate, coordenado por um


integrante do IMA. Foram exibidos os seguintes filmes: ―Os anos JK, uma trajetória política‖,
―Josué de Castro‖, ―Jango‖, todos do cineasta Silvio Tendler. A abordagem principal dessa
primeira semana, segundo Lucia Nascimento, uma das fundadoras do IMA, foi a questão da
segurança alimentar.
No último dia da primeira semana político cultural houve a inauguração da sede
provisória do IMA, na Sociedade de Medicina e Cirurgia do Maranhão, no centro da cidade
de São Luís. Na ocasião também foi exposto o acervo do IMA, com peças que pertenceram à
médica e a maquete do Memorial Maria Aragão.
No ano de 2002, a entidade organizou o lançamento do filme: ―Marighella, retrato
falado do guerrilheiro‖, de Silvio Tendler, com a vinda da ativista política Clara Charf28, que

27
Manoel Conceição Santos nasceu em 1935 na região de Pedra Grande, no Estado do Maranhão. Fundador do
primeiro sindicato dos trabalhadores rurais em Pindaré Mirim no Estado. Lutou contra a ditadura, o latifúndio e
foi um dos fundadores do PT no Maranhão. Articulador de diversas ações contra o latifúndio em favor dos
pequenos agricultores e sem-terras, principalmente na região sul do Estado. (SANTOS, 2010).
28
Clara Charf (1925-) é militante política desde os 20 anos. Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB),
aos 21 anos, onde conheceu Carlos Marighella, seu futuro companheiro de vida e militância. (...) Ao lado dele,
viveu na clandestinidade e militou pelo comunismo durante os anos pós-Segunda Guerra Mundial e contra a
ditadura civil-militar que se instaurou em 1964. Militante feminista, Clara é até hoje filiada ao PT. Integra a
Secretaria de Mulheres do partido e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. (MEMÓRIAS DA
DITADURA, 2018).
80

realizou palestras sobre direitos das mulheres e discussões acerca o período da Ditadura.
(INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2005).

Figura 31 - Clara Charf na sede do IMA com algumas representantes do IMA, 2002.

Fonte: Acervo do IMA (2002).

Nessa atividade identificamos a tentativa de articulação do Instituto com outras


militantes e outras causas similares pelas quais Maria Aragão lutou durante toda a sua vida.
Apesar de sua militância não estar restrita ao período da Ditadura, as prisões e as perseguições
vividas pela médica nesse período a fazem também estar associada à luta contra a Ditadura
brasileira e todas as formas de perseguição política.
No evento promovido com a presença de Clara Charf colhemos a preocupação com a
discussão acerca do momento da história brasileira vivido com a Ditadura: ―Para o Instituto o
evento pretende suscitar a discussão e reflexão sobre um momento grave e recente da história
nacional, tomando como marco a vida e luta de um dos personagens que mais marcaram
aquele período trágico da vida do país.‖ (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2002, p.1)
No resumo da atividade feito pelo IMA para divulgação na imprensa é destacada a
exibição do filme sobre Marighella e a presença de Clara Charf, ―[...] lutadora incansável
pelos direitos da mulher e viúva de Carlos Marighella. Clara dentre tantas lutas vem, desde a
morte do seu companheiro, empreendendo grandes iniciativas para a recuperação da memória
de Marighella.‖ (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2002, p.1).
81

Figura 32 - Cartaz de lançamento do Filme ―Marighella, retrato falado do guerrilheiro‖.

Fonte: Acervo do IMA (2002).

Figura 33 - Folder do lançamento do filme ―Marighella, retrato falado do guerrilheiro‖.

Fonte: Acervo do IMA (2002).


82

Figura 34 - Folder do lançamento do filme ―Marighella, retrato falado do guerrilheiro‖.

Fonte: Acervo do IMA (2002).

Interessante destacar também que essa atividade, além de ocorrer na Universidade


Federal do Maranhão (UFMA), também foi levada para o Centro de Formação de Professores
do Município, destacando o caráter formativo da memória, nesse caso ligada aos eventos da
Ditadura brasileira e a construção de direitos humanos.

Figura 35 - Cartaz do lançamento do filme: ―Marighella, retrato falado do guerrilheiro‖,


no Centro de Formação de Professores do Município

Fonte: Acervo do IMA (2002).

Apresentar a trajetória de uma personagem que lutou contra a Ditadura, morto por esse
sistema nos parece uma tentativa de discussão da memória social construída a respeito desse
período. Segundo Magalhães e Almeida (2011) parece haver um controle na transmissão da
memória social. Neste sentido, a tarefa do IMA nesta atividade foi ensejar um outro olhar para
83

os professores de rede municipal de São luís a respeito da época e suscitar discussões.


No Brasil, segundo Garcia e Pereira (2014), há um desconhecimento a respeito das
lutas dos trabalhadores e da repressão sofrida durante o regime militar (1964-1988) por
aqueles nascidos nos anos 1990 e para os que viveram esse período da história do país. A
democracia no Brasil ainda está em processo de construção e disputas históricas.
Deste modo, o estabelecimento de memórias, trazendo um filme e debates a respeito
de uma figura que lutou contra a Ditadura, torna-se de fundamental importância pois,

A memória é um meio de significação social e temporal de grupos e instituições, o


que implica em reconhecer sua importância para a geração do senso comum, ou seja,
para a compreensão coletiva da sociedade sobre determinados eventos do passado.
Dessa forma, a memória joga o papel fundamental no processo de auto-
reconhecimento de um povo, ao embasar o processo de construção de sua identidade
(MARQUES; STAMPA, 2014, p.13).

No ano de 2004, o IMA atuou na reivindicação de um espaço para a exposição


permanente acerca da vida e trajetória de Maria Aragão e em maio desse mesmo ano
apresentou o Projeto do Acervo do Memorial, como iniciativa do próprio Instituto que buscou
parcerias nas empresas locais e amigos para materializar a intenção de contar um pouco da
história de vida da médica comunista. ―Ficaria sem sentido inaugurar o Memorial sem um
espaço que contasse um pouco de quem foi Maria Aragão para os visitantes‖. Lucia
Nascimento, entrevista em 5 de abril de 2018.
No ano de 2005 o IMA realizou a 2º Semana Político- Cultural, com atividades no
Memorial e em espaços do Centro Histórico de São Luís. Com o tema: ―Alimentação-direito
humano fundamental‖. Foram realizados debates sobre as políticas de segurança alimentar e
combate à fome e a exibição do filme ―Josué de Castro, cidadão do mundo, de Silvio Tendler‖
(INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2005). A tônica da segunda semana foi a segurança
alimentar e a figura de Josué de Castro, o que aproxima as questões relativas aos objetivos do
IMA, no que se refere a desenvolver ações que defendam os direitos humanos.
Em 2005 o Brasil vivia o primeiro mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva
(PT), o que representou um novo olhar para o Brasil, principalmente no que se refere à
concretização de anseios de Justiça e igualdade social. Lucia Nascimento (2018)29 lembra
deste fato ―acreditávamos que neste momento era urgente e imperativo o trabalho de
formação política do povo, a formação para a cidadania.‖.

29
Informação colhida da entrevista com Lucia Nascimento em 04 de abril de 2018.
84

Figura 36 - Folder com a Programação


da 2º Semana Político Cultural.

Fonte: Acervo do IMA (2002).

Figura 37 - Folder com a Programação da 2º Semana Político-Cultural.

Fonte: Acervo do IMA (2002).

A abertura da semana foi no Memorial Maria Aragão, com o lançamento da revista


85

celebrando seus 95 anos, além da projeção de imagens, vídeos e textos sobre a médica e visita
a sala de exposição do Memorial.
Segundo Jelin (2002), se por um lado a materialidade pode subverter a imagem e a
evocação necessária de quem é lembrado, a falta de materialidade poderá significar uma
memória fluida, restrita aos grupos diretamente ligados à pessoa ou aos fatos rememorados.
Usando essa assertiva para tratar da memória de Maria Aragão, vemos aí a necessidade em
expor elementos que remetam a sua trajetória, como forma de assegurar a divulgação de sua
vida, atividades profissionais e políticas, suscitando discussões e ações no presente.

Figura 38 - Sala de exposição do Memorial Maria Aragão, durante a


realização da 2º Semana Político-Cultural em 2005

Fonte: Acervo do IMA (2002).

Desta forma a iniciativa do IMA em expor o acervo da médica militante configura-se


uma necessidade em materializar-lhe a vida e trajetória política para além daqueles que a
conhecerem. Significa trazer uma outra referência de história de vida além daquelas
demarcadas em espaços destinados a ressaltar a história de grupos da elite.
86

Figura 39 - Visitante na sala de exposição do Memorial Maria Aragão,


durante a realização da 2º Semana Político-Cultural.

Fonte: Acervo do IMA (2002).

Figura 40 - Visitantes no acervo do Memorial durante a 2º Semana Político Pedagógica.

Fonte: Acervo do IMA (2002).


87

Figura 41 - Entrada da 2º Semana Político-Pedagógica no Memorial Maria Aragão, com os


visitantes recebendo a revista em homenagem aos 95 anos de Maria Aragão.

Fonte: Acervo do IMA (2002).

Com o intuito de divulgar a trajetória de vida e militância de Maria Aragão entre os


estudantes da rede estadual de ensino, foi realizado, em 2006, um concurso de redação com
alunos do ensino médio da rede estadual de ensino sobre a vida e a luta de Maria Aragão. Essa
experiência trouxe alunos e alunas de várias escolas para conhecerem o Memorial e
pesquisarem a história da médica.
No ano de 2008 foi exibida, no auditório do Memorial, a peça ―Besta Fera: biografia
cênica de Maria Aragão‖ (ARAÚJO, 2014).
No centenário de nascimento de Maria Aragão, no ano de 2010, aconteceu uma série
de eventos na Praça Maria Aragão: palestras, apresentações culturais, atendimentos em
bairros da periferia da cidade e inauguração de duas placas em locais onde a médica
trabalhou: no posto de saúde do Anil e no hospital Aldenora Belo (ARAÚJO, 2014).
A atuação do IMA, além das publicações e das semanas político-culturais, esteve
voltada também para o auxílio nas pesquisas a respeito da médica Maria Aragão, a guarda de
alguns documentos e objetos da médica que foram emprestados em regime de comodato pelos
seus filhos para comporem o acervo do Memorial.
Poderíamos inferir que a criação do IMA remete à articulação de três elementos: a
dinâmica da memória coletiva na busca de uma identidade social, resultando na criação de um
espaço de memória (JELIN, 2002; SÁ, 2007).
88

No que se refere a dinâmica da memória coletiva entendemos que o grupo, que se


articulou para a criação do IMA, tem, na trajetória de Maria Aragão, elementos constitutivos
que os fizeram buscar a institucionalização dessa memória. Em primeiro lugar, eram em sua
maioria ligados a amigos ou admiradores da médica, os quais, com a sua morte, viram a
necessidade de continuar a luta pelos ideais humanitários de Maria Aragão.
Segundo Jelin (2002), as memórias e as identidades não são coisas sobre as quais
pensamos mas são coisas com as quais pensamos. O grupo fundador do IMA se define pela
identificação com um símbolo (a luta e militância da médica) que buscaram quanto à
materialização de sua memória em um espaço, pretendendo que mais pessoas tenham
conhecimento de sua vida, trajetórias e ideais.
A memória construída pelo grupo do IMA corresponde ao compromisso afetivo e
político buscando a construção de uma rememoração coletiva articulada e coerente que dê
sentido ao passado e assegure sua validade no futuro (JELIN, 2002). Na busca pelas
rememorações o IMA promoveu debates, ações educativas e publicações para além de
(re)lembrar de Maria Aragão, os quais também articulassem sua luta aos problemas atuais do
povo brasileiro.
Segundo Jelin (2002), para que haja a vontade de memória, é preciso que haja a
vontade da escuta. Tratando das conjunturas políticas do Chile, por exemplo, a referida autora
analisa que, para que aja a vontade de escutar, cumpre, sejam quebrados os silêncios.
Ainda que a memória da trajetória de Maria Aragão não tenha sido silenciada, as
atividades desenvolvidas pelo IMA e o seu legado trataram de questões de suma importância
na realidade brasileira que normalmente são silenciadas como a construção da Democracia, a
evidência da fome, os direitos e as lutas das mulheres, dentre outros.
A identidade social do grupo criador do IMA foi abordada por Araújo (2014). Em seu
estudo a pesquisadora destaca as falas de fundadores do Instituto que foram acusados de usar
a imagem da médica, principalmente no que se refere ao Memorial em um espaço que talvez a
própria Maria Aragão não concordasse em estar.
Esta questão se deu em parte porque os integrantes do IMA, para conseguirem fundar
o Instituto e reivindicar a sala de exposição que ficaria no Memorial, tiveram de lançar mão
de negociações, conversas e disputas com membros do poder, no caso a prefeitura de São
Luís. O prefeito à época, Jackson Lago, do PDT, era simpatizante das causas defendidas pela
médica que tiveram no então deputado Haroldo Sabóia o articulador junto à esfera pública.
Atualmente, segundo nos informaram Lucia Nascimento e Josefa Batista, o IMA
precisa estar mais atuante no Memorial, reorganizar a parte financeira e os encontros dos
89

integrantes. A realização de novos eventos e ações educativas no Memorial, por parte do


IMA, depende desses fatores.

4.2. AS PUBLICAÇÕES DO IMA: A MEMÓRIA EM REVISTA E JORNAIS

Em fevereiro de 2000, o IMA publicou um jornal comemorativo: ―Maria Aragão-90


anos - Uma guerreira feita de ferro e flores‖. Nesta publicação de 4 páginas vemos a mesma
Maria Aragão em alguns aspectos apresentados no primeiro capítulo desse trabalho: uma
mulher forte, com alegria de viver e certa dos ideais socialistas. Logo na capa do jornal
aparece sua fala em destaque: ―Ainda faço tudo com paixão... Sim, luto muito pelo socialismo
e pela vida.‖ (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2000. p. 1).

Figura 42 - Capa do Jornal: Maria Aragão - 90 anos publicado pelo IMA.

Fonte: Acervo do IMA (2000).

Nessa primeira publicação vemos referências às diversas frentes de luta em que Maria
Aragão esteve durante sua vida. A matéria assinada pela médica e professora da UFMA,
Luciane Brito, intitulada ―Memórias revisitadas‖ destaca uma de suas características
marcantes:

A associatividade é uma característica que Maria registrou em nossas memórias.


Estávamos ligadas em três sociedades científicas: primeiro a Sociedade Brasileira de
Patologia Cervical Uterina e Colposcopia--Capítulo do Maranhão, depois
Associação Brasileira das Mulheres Médicas—secção do Maranhão (atualmente
90

Associação das Médicas do Maranhão--AMMA) e em seguida a Sociedade de


Obstetrícia e Ginecologia do Maranhão(SOGIMA). Tais instituições tinham em
comum o Clube do Embrião que era nosso ―locus‖ de discussões técnico-científicas,
culturais e recreativas (BRITO, 2000, p. 3).

Notamos nessa publicação uma forte vontade em ―eternizar‖ Maria Aragão e seu
exemplo de luta. Antônio Francisco que colheu os depoimentos de Maria Aragão na sua
primeira Biografia, assina uma matéria na publicação e as outras duas matérias são assinadas
por médicos que conviveram com a militante.
Na coluna final do jornal destacamos a referência ao IMA e a sua tarefa histórica:

Reunir profissionais, intelectuais de diferentes áreas do conhecimento, amigos


identificados com os ideais de Maria, portanto a inter-disciplinariedade, é uma das
premissas constitutivas da proposta do Instituto fundada nos ideias históricos-
políticos de emancipação da humanidade defendidas pela médica e revolucionária
maranhense, Maria José Aragão, nascida em 10 de fevereiro de 1910 (INSTITUTO
MARIA ARAGÃO, 2000, p. 4).

Identificamos nessa matéria elementos que são constituintes dos ideais do IMA e
também quando abordamos a memória no viés formativo e educacional: a
interdisciplinaridade e a questão dos direitos humanos.
Em 2002 o Instituto publicou o Jornal: ―Maria Aragão - 92 anos de rebeldia‖. A
matéria intitulada: ―Maria, um exemplo que fortalece nossa luta‖ relembra o exemplo de
Maria para a luta popular contra as desigualdades sociais. A matéria assinada por Ironildes
Vanderlei ressalta ainda que, se estivesse viva a médica estaria completando 92, e que seu
exemplo reuniu um grupo de amigos que ―[...] incorporou sua forma de pensar e seus
princípios de ação.‖ (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2002, p.3).
91

Figura 43 - Jornal em comemoração aos 92 anos de Maria.

Fonte: Acervo do IMA (2002).

A matéria citada faz referência ao lançamento da pedra fundamental do Memorial


Maria Aragão, no dia 10 de outubro, pelo prefeito Jackson Lago e afirma: ―O Memorial e o
IMA garantirão para as futuras gerações o registro e a continuidade da luta dessa
extraordinária mulher, inspirando o sonho de uma nova civilização baseada no humanismo e
na igualdade social‖ (INSTITUTO MARIA ARAGÃO, 2002, p. 2)
A memória coletiva construída em torno da figura da médica seria um vetor para
impulsionar a luta contra as opressões e a exploração do povo, e, em favor dos direitos
humanos, se une a outras iniciativas na América Latina que buscam a ativação das lutas dos
menos favorecidos, pelo mecanismo da liberação das memórias dos subalternos, do povo,
daqueles que foram contra o sistema e a ordem preestabelecida.
Em 2005, o IMA publicou a Revista: ―Maria Aragão - 95 anos. Nesta publicação
encontra-se o relato da fundação do Instituto, a lista com os sócios fundadores e sócios
efetivos, uma matéria sobre o Memorial e seu acervo, matérias sobre a primeira e a segunda
semana político culturais, a ata de fundação do IMA, fatos de sua biografia e matérias em sua
homenagem. As matérias foram assinadas por médicos, jornalistas, professores, advogada,
92

com destaque ao jornalista José Louzeiro30 e ao ex-prefeito de São Luís Jackson Lago que
escreveram sobre a médica para essa publicação.

Figura 44 - Capa da Revista comemorativa


aos 95 anos de Maria Aragão.

Fonte: Acervo do IMA (2002).

É importante destacar também que, dentre o material pesquisado, existem releases a


respeito da realização de eventos e textos que foram publicados em jornais na capital
maranhense como o Jornal Pequeno e O Imparcial, que tratam da vida de militância e
dedicação à Medicina, voltada para os mais pobres e sempre lutando contra as injustiças
sociais. Dentre as publicações há uma revista que foi produzida por amigos seus em
comemoração aos seus 79 anos, no ano de 1989.
Maria Aragão representa um ícone de luta na esquerda maranhense. A criação de
espaços de memória, que refazem sua trajetória de vida e asseguram a reconfiguração de suas
memórias, não se trata de uma tentativa de personalismo, mas de uma necessidade premente
nas sociedades modernas que têm no dever de memória uma de suas características
marcantes.

30
São Luís, 1957-Rio de Janeiro 2017. Jornalista e escritor. Seu primeiro trabalho no cinema aconteceu em
1976, como cor roteirista do filme Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, romance homônimo de JL, lançado em
1975. Os livros mais conhecidos de José Louzeiro são: Infância dos Mortos, argumento do filme Pixote; Lúcio
Flávio, o Passageiro da Agonia (título homônimo no cinema); Aracelli, Meu Amor; Em Carne Viva, lembrando
o drama de Zuzu Angel e de seu filho Stuart Angel, morto na tortura, na década de 60. (LOUZEIRO, 2018).
93

5. CONCLUSÃO

O silenciamento das memórias de militantes e das lutas do povo concorrem com o


retardamento da conquista dos direitos fundamentais de uma parcela bastante significativa da
sociedade. No caso em tela a população brasileira, parcela essa que não consegue ou é
impedida de traçar caminhos distantes daqueles da pobreza e da falta de perspectivas.
Atualmente, segundo as falas da professora Josefa Batista e da assistente social Lucia
Nascimento, fundadoras do IMA, integrantes da equipe que elaborou e executou o projeto do
Memorial e do seu acervo, o Instituto está distante do espaço. Em suas falas podemos ver
presentes questões de falta de tempo e recursos dos fundadores e direção do IMA,
especialmente a partir do ano de 2010, em estarem mais presentes e atuantes no espaço.
As entrevistas abordaram também a necessidade de uma ação de conservação do
acervo e ações que dinamizem mais o espaço da exposição. Na nossa avaliação há uma
gerência da Prefeitura nas áreas externas do Memorial, como a Concha acústica e a Praça,
mas ainda existe a necessidade de se construir uma agenda para o Memorial e ações que
valorizem e divulguem mais o acervo.
Tanto a representante da FUNC31 quanto a guia do Memorial 32
nos relataram que as
visitas de escolas, universidades e grupos são marcados pelos interessados. A guia do espaço
relatou que, no ano de 2005, houve a produção de um panfleto para a divulgação do espaço
para os turistas mas que são poucas as ações da Secretaria Municipal de Turismo para
divulgar o local, principalmente o Memorial e o acervo exposto. Outra questão é a falta de
pessoal para trabalhar no local à noite e nos fins de semana, quando acontecem os eventos na
Praça. Se houvesse funcionários nesses horários e dias o público desses eventos poderia
visitar o acervo.
Deste modo, como já apontam os estudos de Araújo (2014), o espaço: Praça Maria
Aragão é bastante conhecido e visitado mas o Memorial e o acervo da militante ainda
precisam que haja uma ação educativa mais intensa junto às comunidades do entorno, público
em geral, escolas, universidades e movimentos sociais para que possam conhecer e visitar o
acervo.
A questão da gestão da Prefeitura da cidade de São Luís também interfere na
dinamicidade do espaço. Como já abordamos, o Memorial foi inaugurado na gestão do PDT,

31
Entrevista realizada com Graça Sousa, da coordenação de Patrimônio Imaterial da FUNC em 5 de abril de
2018.
32
Ana Luzia Santos, entrevista realiza em 24 de novembro de 2017.
94

mas a dinamicidade da política faz com que outros partidos, de oposição e situação, direita ou
esquerda, ocupem cargos na Prefeitura e, conforme a orientação política, assegurem mais ou
menos recursos, Políticas Públicas e atenção ao espaço, principalmente ao Memorial e o
acervo da militante.
Entendemos que o IMA poderia ampliar seu raio de abrangência buscando parcerias
com as universidades, Instituto Federal e outras entidades da sociedade civil para continuar o
trabalho de (re)conhecimento, conscientização e divulgação da memória de Maria Aragão,
através do Memorial, o que representaria um importante viés de educação patrimonial de
cunho popular e na construção da legitimidade e reconhecimento da validade das lutas e dos
lutadores populares, frente a um processo de crescente desmantelamento da democracia e dos
direitos humanos.
Cremos que as revisões são necessárias quando se trata de instituições construídas por
pessoas com orientações e histórias de vida tão diversas. Assim, o IMA e o Memorial Maria
Aragão estão inseridos na dinâmica da história e da memória que demandam articulações no
presente a fim de assegurar a sua permanência futura.
O exemplo e a trajetória de vida não podem nem devem ser seguidos de forma literal,
no risco de cairmos no personalismo infértil. As ressonâncias da reconfiguração da memória -
enquanto categoria social-não são unívocas nem isentas de conflitos e disputas constantes.
Ainda há o risco de acharmos sempre que a representação (no espaço) não faz jus à
experiência de vida (exemplo) deixado por Maria Aragão. Contudo, os espaços de memória
podem ser potencializadores do debate político. Se fosse de outra forma, o IMA, o Memorial
e a vida de Maria Aragão não estariam presentes em inúmeros trabalhos acadêmicos, livros e
outras formas de manifestações artísticas, culturais e políticas da cidade.
Na nossa avaliação o IMA se dedicou às tarefas mais pungentes: a organização do
memorial, ações e publicações, abrindo um caminho para outras pesquisas a respeito de Maria
Aragão e o seu legado. Tal fato não representa apenas um caminho de acertos e erros, mas
uma tarefa histórica dinâmica e árdua.
Neste trabalho esforçamo-nos por apresentar aspectos da trajetória de uma militante
singular que inspirou trabalhos nas mais diversas áreas e espaços de memória a ela dedicados
e financiados pelo Poder púbico executor das políticas de estado capitalista. Nessa órbita, a
configuração de espaços de memória aparece carregada de dilemas. Contudo, acreditamos que
esses espaços podem potencializar debates e ações que ensejem contribuir para a mudança
social.
Para além da questão puramente simbólica e cultural, poderemos pensar em espaços
95

de memória como ponto de encontro e articulação política, educativa e propagadora dos


direitos humanos. Os espaços de memória também podem funcionar como repositório das
lutas populares que não podem ficar esquecidas ou silenciadas sob a falsa imagem idealizada
de um povo pacato e ordeiro, no caso o povo brasileiro, ou mais especificamente os que
vivem no Nordeste do país.
96

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101

ANEXOS

ANEXO A - ATA DE FUNDAÇÃO DO IMA. REVISTA EM COMEMORAÇÃO AOS


95 ANOS DE MRAIA ARAGÃO. ACERVO DO MEMORIAL.
102

ANEXO B- ESTATUTO DO IMA. REVISTA EM COMEMORAÇÃO AOS 95 ANOS


DE MARIA ARAGÃO. ACERVO DO MEMORIAL.

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