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CASA GRANDE E SENZALA – GILBERTO FREYRE 16/08/2017

CAPÍTULO IV

O negro estava inserido em todos os aspectos da vida espiritual, sexual e


reprodutivos da casa grande. Os senhores buscavam as pessoas negras para os
afazeres domésticos, o prazer e, para os recém-nascidos a fonte de alimento. O
negro foi fetichizado e transformado em brinquedo dos senhores de terra, muito
embora à época se apresentassem com cultura e civilização superior aos indígenas
e em relação aquele, até mesmo aos portugueses.

No começo do novo século há grande discussão no meio acadêmico sobre a


inferioridade ou não dos negros em relação aos brancos. Estudos variados
começam a jogar por terra as máximas biológicas de que os negros eram inferiores,
partindo das mais diversas premissas, desde de características adquiridas de acordo
com o ambiente externo até herdadas geneticamente, mas todas diante de uma
maior amostragem e profundidade científica descartavam a superioridade branca
pelos motivos elencados até então.

Outro fator muito em voga era a superioridade dos negros para o trabalho nas
lavouras, tentavam justifica-la pela habitualidade e pré disposição biológica
adquiridas pela ocupação da região central dos trópicos. A diversidade cultural aqui
presente vem, também, da miscigenação forçada implantada no Brasil decorrente da
importação de negros de diversas regiões e etnias africanas, inclusive alguns povos
chegavam na colônia mais alfabetizados do que os senhores das terras 1.

A miscigenação do Brasil se deu a partir de vários povos, sendo os principais o


Minas, Ardas, Angolas e Creoulos. Negros vindo de diversas regiões, com diversas
características e principalmente com preços variados - de acordo com biótipo físico
principalmente. Os portugueses não tinham preferências por determinado povo, o
tráfico era feito de acordo com a destinação que se pretendia dar após a chegada na
colônia.2

1
“É que nas senzalas da Bahia de 1835 havia talvez maior número de gente sabendo ler e escrever
do que no alto das casas-grandes. ” P. 382
2
“Bons para o trabalho no campo eram os Congos, os sombrenses e os Angola. Os da Guiné, Cabo,
Serra Leoa, maus escravos, porém, bonitos de corpo. ” P. 384 “Os negros de Guiné são excelentes,
de sorte que a maior parte são utilizados no serviço doméstico, para copeiros e etc.; os do Cabo
Verde são os melhores e mais robustos de todos e são os que mais custam aqui. ” P. 385
Gilberto Freyre à pg. 391 afirma que a colonização negra brasileira foi superior à
estadunidense, os brasileiros em contraste com estes buscaram pessoas para
colonizar e povoar as vastas terras na américa encontradas. “Vieram-lhe da África
‘donas de casa’ para seus colonos sem mulher branca; técnicos para as minas;
artífices de ferro, negros entendidos na criação de gado[...]”, de tal forma que os
negros em solo tupiniquim supriam as dificuldades dos portugueses em lidar com as
características peculiares do novo continente.

A sociedade escravocrata no Brasil era monogâmica apenas no aspecto formal, os


Europeus e não os africanos trouxeram “o erotismo, a luxúria, a depravação
sexual”3, estas características vieram junto com o povo europeu que desde a
primeira vez em solo brasileiro viu-se obrigado diante da necessidade de expansão
econômica e falta de mulheres europeias a se utilizarem das negras e das índias
para a procriação, foram características marcantes do começo da vida colonial os
costumes fluídos e a fácil aceitação a miscibilidade.

A população local era recheada de misticismo “[...] no Brasil, as duas correntes


místicas: a portuguesa, de uma lado; a africana ou a ameríndia do outro. Aquela
representada por pai e mãe brancos; esta, pela mãe-preta, pela escrava africana” 4.
Característica presente no dia-a-dia da vida colonial pode advir do fato de as novas
terras servirem de exílio para “bruxas e bruxos” indesejados em terras europeias.

Mesmo a contragosto da elite da época a cultura africana, por influência das


escravas da casa, foi absorvida pelas crianças e as expressões presentes nas bocas
africanas - tais como as inversões de pronome comuns nas senzalas 5 - ficam
explícitas ao se comparar o português falado no Brasil e o de Portugal muito por
influência dos povos africanos que domesticaram o idioma europeu de tal forma que

A força ou antes, a potencialidade da cultura brasileira parece-


nos residir toda na riqueza dos antagonismos equilibrados; o
caso dos pronomes que sirva de exemplo. Seguirmos só o

3
“Passa por ser defeito da raça africana, comunicado ao brasileiro, o erotismo, a luxúria, a depravação sexual.
Mas o que se tem apurado entre os povos negros da África, como entre os primitivos em geral [...] é maior
moderação do apetite sexual que entre os europeus. ” p. 398.
4
Gilberto Freyre, p. 409
5
“São entretanto vocábulos órfãos, sem pai nem mãe definida, que adotamos dialetos negros sem história nem
literatura[...] diga-me, faça-me, espere-me. Sem desprezarmos o modo português, criamos um novo,
inteiramente nosso, caracteristicamente brasileiro: me diga, me faça, me espere.” P. 417
chamado ‘uso português’, considerando ilegítimo o ‘uso
brasileiro’, seria absurdo. (Gilberto Freyre, p. 418)

Na colônia brasileira era comum casar as meninas ainda na infância, pois existia o
mito de que “virgindade só tem gosto quando colhida verde” 6 de tal sorte que
mulheres com vinte anos não estavam mais aptas ao casamento e dificilmente se
casariam. Esse fato refletia-se na criação das crianças, além do costume importado
de Portugal das mães não amamentarem as crianças muitas delas eram incapazes
devido o início precoce na vida sexual e reprodutiva. “Casadas, sucediam-se nelas
os partos. [...] essa multiplicação de gente se fazia à custa do sacrifício das
mulheres, verdadeiras mártires em que o esforço de gerar, consumindo primeiro a
mocidade, logo consumia a vida ”7.

A verdade, porém, é que nós é que fomos os sadistas; o


elemento ativo na corrupção da vida da família; e moleques e
mulatas o elemento passivo. Na realidade, nem o branco nem
o negro agiram por si, muito menos como raça, ou sob a ação
preponderante do clima, nas relações do sexo e de classe que
se desenvolveram entre senhores e escravos no Brasil.
Exprimiu-se nessas relações o espírito do sistema econômico
que nos dividiu, como um deus poderoso, em senhores e
escravos. Dele se deriva toda exagerada tendência para o
sadismo característica do brasileiro, nascido e criado em casa-
grande, principalmente em engenho; e a que insistentemente
temos aludidos neste ensaio. (Gilberto Freyre, p. 462)

6
Gilberto Freyre, p. 430
7
Gilberto Freyre, p. 443

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