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Teoria do crime: elementos sobre a teoria naturalista (causalismo clássico)

Luís Armando Pereira Lima

Análise de alguns aspectos científicos, sob o enfoque da teoria do delito, da Teoria Naturalista (ou
Causalismo Clássico).

Antes da formação do conceito de delito pelo Causalismo Clássico, “o direito comum conheceu
somente a distinção entre imputatio facti e imputatio juris” (BITENCOURT; CONDE, 2004). Já no
século XVII, Samuel Pufendorf capitaneou a chamada “Teoria da Imputação”, que considera a
imputação como critério fundamental para a distinção do que é (e o que não é) atribuível ao autor
do fato e, portanto, lhe sujeita a uma pena. Daí a noção do “imputável”.

Na concepção de Pufendorf, a imputatio facti representa a atribuição de um fato a quem o comete,


enquanto a imputatio juris é a atribuição, ao fato, de suas consequências jurídicas.

Seguem na lição os autores:

Como afirmava Welzel, “a dogmática do Direito Penal tentou compreender, primeiro (desde 1884),
o conceito do injusto, partindo da distinção: objetivo-subjetivo. Ao injusto deviam pertencer,
exclusivamente, os caracteres externos objetivos da ação, enquanto que os elementos anímicos
subjetivos deviam constituir a culpabilidade”.

Na verdade, a distinção entre injusto e imputação do fato (Stubel) começou a ser esboçada na
primeira metade do século XIX, seguindo-se uma classificação tripartida (ação, antijuridicidade e
culpabilidade), realizada por Luden, que, posteriormente, como se sabe, foi sistematizada por Von
Liszt e Beling, com a inclusão, por este último, da tipicidade. No entanto, num primeiro momento,
antijuridicidade e culpabilidade confundiam-se em um conceito superior de imputação, sustentada
por Puffendorf, com a finalidade de distinguir o fato, como obra humana, do puro acaso
(BITENCOURT; CONDE, 2004).

Com efeito, a partir de um contexto de exaltação das ciências naturais, consubstanciado no


Positivismo Científico, nos momentos finais do século XIX, surge o esboço da Teoria Naturalista
(TOLEDO, 2001, p. 93):

Esta corrente [...] reflete, como facilmente se observa, a influência das ideias positivistas,
dominantes em fins do século XIX, que empreendiam transplantar para a área das ciências
humanas (psicologia, história, direito etc.) os métodos e as leis das ciências da natureza, cujos
resultados jamais cessaram de deslumbrar o homem. Essa concepção e respectiva orientação
metodológica deram como subproduto, na área penal, o que Welzel denomina o sistema clássico
de Liszt-Beling-Radbruch, responsável pela divisão da ação humana em dois segmentos distintos:
de um lado, o “querer interno” do agente; de outro, o “processo causal” visível, isto é, a conduta
corporal do agente e o seu “efeito” ou resultado.

Os juristas Franz Von Liszt e Ernst Von Beling abandonaram a Teoria da Imputação de Pufendorf
e se valeram do conceito de “antijuridicidade objetiva” elaborado por Ihering, no campo do Direito
Civil (do qual era apartado o conceito de culpabilidade), para formar uma categoria jurídica distinta.
Beling, extraindo da antijuridicidade o conceito de tipicidade, pôs este elemento como
intermediário entre a ação e a ilicitude. Estava formado, pois, o conceito analítico de crime do
Causalismo Clássico.

Segundo a lição de Prado (2010, p. 93) no tocante ao pensamento positivista-científico em que se


pauta a Teoria Naturalista, “todos os fatos, inclusive as ações e omissões humanas, estão
subordinados às leis da natureza, conhecidas através da observação e da experimentação”.
Jakobs (2003, p. 51) expõe que os teóricos do Causalismo Clássico, com fulcro nas ciências
naturais, propuseram inovadora estrutura acerca do conceito de “ação”, dentro da teoria do delito:

Parece uma curiosidade que sejam elementos precisamente deste conceito de ação, ainda que
transferidos a uma concepção global orientada pelas ciências da natureza ou inclusive pela
mecânica, os que se encontram de novo no conceito de ação de V. Liszt e sua escola: ação é a
causa de consequências (especialmente de lesões de bens jurídicos) por um ato voluntário com
conteúdo qualquer; tampouco aqui se dá importância ao conteúdo da vontade. Por isso se fala do
conceito causal de ação (com o que se quer dizer na realidade: um conceito de ação determinado
pela causalidade).

Consoante Toledo (2001, p. 93), Von Liszt e Beling, sob a égide do positivismo, ao efetuarem a
sistematização sobredita, instituíram o conceito de ação como “a ação humana geradora de
processo mecânico, regido pelas leis da causalidade”.

Na definição do próprio Von Liszt (1899, p. 193):

Acção é pois o facto que repousa sobre a vontade humana, a mudança do mundo exterior referivel
à vontade do homem. Sem acto de vontade não ha acção, não ha injusto, não ha crime: cogitationis
poenam nemo patitur. Mas tambem não ha acção, não ha injusto, não ha crime sem uma mudança
operada no mundo exterior, sem um resultado (sic).

O autor prossegue, demonstrando os elementos componentes da ação:

Destarte são dados os dois elementos, de que se compõe a idéa de acção e portanto a de crime:
acto de vontade e resultado. A estes dois elementos deve acrescer a relação necessaria, para que
elles formem um todo, a referencia do resultado ao acto (sic) (VON LISZT, 1899, p. 193).

O Causalismo Clássico considera a conduta humana comissiva ou omissiva como ponto de partida
para a elaboração de um sistema jurídica penal gerador dos requisitos do crime. Empregando o
método naturalístico, a teoria de Von Liszt define a conduta humana relevante para o Direito Penal
como o movimento corporal voluntário causador de uma modificação no mundo físico (exterior).

A conduta humana é conceito absolutamente naturalístico para a teoria (movimento corporal


voluntário). Tem sentido de causa e efeito, ao considerar o movimento corporal voluntário que
“causa” modificação no mundo exterior. Por tal motivo a teoria é denominada “causal”.

Nessa direção, Von Liszt (1899, p. 193) demonstra as duas formas de mudança do mundo pela
vontade humana:

Em dois casos referimos a mudança do mundo exterior à vontade humana: 1.° quando a mudança
foi causada voluntariamente; 2.° quando voluntariamente não foi impedida. A commissão e a
omissão são as duas formas fundamentaes da acção (sic).

E o autor prossegue, asseverando que a “mudança do mundo exterior, causada ou não impedida,
denominamos resultado da comissão ou omissão”. Ou seja: o conceito do resultado, para a Teoria
Naturalista, se confunde com a própria mudança no mundo exterior.

Assim, como se pode facilmente deduzir, o Causalismo Clássico trata o resultado apenas em
sentido naturalístico, sendo compreendido como uma modificação do mundo físico. O vínculo entre
a ação e o resultado é verificado também apenas naturalisticamente, não sendo possível atribuir
qualquer juízo valorativo ao nexo entre conduta e resultado.
De modo geral, percebe-se a existência de um senso exacerbado de formalismo na construção das
categorias jurídico-penais que constituem o conceito analítico causal clássico de crime. Leciona
Prado (2010, p. 93) sobre o assunto:

Na concepção positivista essencialmente naturalista reside o fundamento epistemológico da teoria


causal-naturalista da ação e do conceito clássico de delito. A conduta humana é entendida como o
movimento corporal voluntário que causa uma modificação no mundo exterior. É apenas um
processo causal, composto de manifestação da vontade, resultado e nexo causal. A tipicidade é
descrição tão-somente objetivista da conduta. A ilicitude se apresenta como pura contrariedade à
ordem jurídica e a culpabilidade como relação psicológica, subjetiva, entre o agente e o resultado.

Sendo o resultado apenas naturalístico, há certamente o problema de se explicar, na doutrina do


Causalismo Clássico, os (atualmente) classificados “crimes formais” e “de mera conduta”, eis que
nestes, para configuração do delito, não há necessidade – ou por vezes, possibilidade – de
mudança do mundo físico exterior ao agente.

O conceito de voluntariedade da ação humana (conforme descrito por Von Liszt) abrange a
vontade, mas não a finalidade, que está no dolo, contido na culpabilidade. Trata-se do
movimento corporal praticado de modo livre, sem coação física.

O agente tem que estar em estado de consciência da realidade, ou seja, não pode estar
sonâmbulo, hipnotizado, etc. Tais estados alterados de consciência da realidade (sonambulismo,
hipnose) implicam em ausência de conduta por parte do agente.

A voluntariedade na commissão ou na omissão, não quer dizer livre arbítrio no sentido metaphysico,
mas isenção de coacção mechanica ou psychophysica. Não se dá acção por parte daquelle que,
em um ataque de convulsão, damnifica objectos alheios ou que, em razão de uma syncope, não
pôde cumprir o seu dever; não se dá acção por parte de quem é coagido pelo poder physico de
outrem a fazer ou deixar de fazer alguma cousa (sic) (VON LISZT, 1899, p. 197).

O tipo penal – tatbestand –, elemento jurídico essencial à caracterização do delito, sob o conceito
da “tipicidade” (resultante do trabalho de Beling), constituía, na Teoria Naturalista, mera descrição
do aspecto externo da conduta (TOLEDO, 2001).

Outrossim, o conceito clássico de delito efetuava separação conceitual, no interior do injusto, da


tipicidade em relação à antijuridicidade.

[...] Ernst Von Beling enunciou, em 1906, sua teoria do tipo penal, onde distinguia, dentro do injusto
objetivo, a tipicidade da antijuridicidade. Deste modo, a proibição era a de causar o resultado típico,
e antijuridicidade era o choque da causação deste resultado com a ordem jurídica, que se
comprovava com a ausência de qualquer permissão para causar o resultado (ZAFFARONI;
PIERANGELI, 2006, p. 341).

Nesse jaez, foi proposta a seguinte conceituação, consoante expõem Zaffaroni e Pierangeli (2006,
p. 342):

[...] o delito passou a ser definido como conduta típica, antijurídica e culpável (alguns, como Giulio
Battaglini e Basileu Garcia, seguiram conservando a punibilidade):

1. Conduta, entendida como uma vontade exteriorizada de maneira a por em marcha a causalidade.

2. Tipicidade, entendida como proibição da causação de um resultado.

3. Antijuridicidade, entendida como contradição entre a causação do resultado e a ordem jurídica.


4. Culpabilidade, entendida como relação psicológica entre a conduta e o resultado, em forma de
dolo ou culpa.

Bitencourt (2010, p. 250) assevera que, apesar de haver inferências doutrinárias desde Deciano
(1551), Bohemero (1732) e Carmignani (1833), apenas mediante a teorização de Beling o conceito
analítico de crime foi consolidado como ação típica, antijurídica e culpável (conceito com
aceitação doutrinária predominante até os dias atuais).

Na concepção de Beling, o tipo penal é composto apenas de elementos objetivos descritivos da


realidade. O tipo penal, portanto, é puramente objetivo. Em decorrência disso, no Causalismo
Clássico todos os tipos penais são considerados objetivos e neutros, não admitindo juízo de valor.
Ausente toda e qualquer análise axiológica, tem-se, na Teoria Naturalista, uma tipicidade formal.
Para a formulação do juízo positivo de tipicidade, destarte, basta o enquadramento formal do fato
ao tipo.

Bitencourt e Conde (2004, p. 17) explicam a ausência de juízo axiológico, na formulação do conceito
clássico de delito:

O conceito clássico de delito foi produto do pensamento jurídico característico do positivismo


científico, que afastava completamente qualquer contribuição das valorações filosóficas,
psicológicas e sociológicas. Essa orientação, que pretendeu resolver todos os problemas jurídicos
nos limites exclusivos do Direito positivo e de sua interpretação, deu um tratamento
exageradamente formal ao comportamento humano que seria definido como delituoso. Assim, a
ação, concebida de forma puramente naturalística, estruturava-se com um tipo objetivo-descritivo,
a antijuridicidade era puramente objetivo-normativa e a culpabilidade, por sua vez, apresentava-se
subjetivo-descritiva.

Vale dizer que o conceito causal clássico de crime é deficiente ao explicar a relevância jurídico-
penal da omissão. A omissão não é naturalística, e sim, jurídica. O ordenamento exige que a pessoa
haja, e ela não o faz. A omissão é inércia, e importa justamente na ausência de movimento corporal.
Para Greco (2010b, p. 144):

A concepção clássica recebeu inúmeras críticas no que diz respeito ao conceito de ação por ela
proposto, puramente natural, uma vez que, embora conseguisse explicar a ação em sentido estrito,
não conseguia solucionar o problema da omissão.

Em um crime omissivo, não há de se mencionar nexo de causalidade, que só existe no plano físico,
naturalístico. Há apenas um nexo de imputação, que se situa no plano jurídico. O nexo de
imputação representa o vínculo da omissão com o resultado do crime. Com isso, imputa-se o
resultado lesivo à omissão do autor.

No sistema causal clássico, a tipicidade não tem vínculo com a antijuridicidade. Ou seja:
elaborado o juízo positivo de tipicidade, não há qualquer implicação com o juízo de ilicitude, pois
as duas categorias jurídico-penais exercem funções distintas e autônomas dentro do sistema
jurídico-penal.

A tipicidade serve para dizer que o fato tem enquadramento na lei. Por sua vez, a
antijuridicidade serve para dizer que o fato típico é proibido.

Na Teoria Naturalista, com efeito, a antijuridicidade é formal, tal como a tipicidade, ou seja: ao
não permitir um juízo axiológico, a antijuridicidade consiste no exame puramente objetivo a respeito
da existência ou não de causa excludente de ilicitude prevista em lei. Assim, presente uma
excludente de ilicitude, o fato, apesar de típico, é lícito; ausente qualquer causa de justificação, o
fato, além de típico é proibido pelo ordenamento jurídico (VON LISZT, 1899).
Por conseguinte, tem-se que a análise da ilicitude, tal como a análise da tipicidade, é feita objetiva
e formalmente. Assim, havendo excludente na lei, não é ilícito. Não havendo causa justificante, o
fato é ilícito.

Todavia, ainda assim, a antijuridicidade é considerada “a categoria axiológica do sistema causalista


clássico”. Isto porque, na análise de ser ou não proibido o fato, há a valoração do fato em abstrato,
através da eleição de critérios pelo legislador, quando da elaboração da lei. O valor (ou desvalor)
da ação é decorrente da lei. Desta forma, o juízo de valor é feito antes da ocorrência do fato, pelo
legislador, na criação da norma. Mas não há realização de juízo axiológico pelo aplicador da norma
(VON LISZT, 1899).

A culpabilidade, na Teoria Naturalista, consiste no vínculo psíquico entre o agente e o fato por
ele realizado. É a parte anímica do delito. Retrata a parte subjetiva do crime, enquanto o injusto,
composto pela tipicidade e antijuridicidade, exprime a parte objetiva do crime (caracteriza a conduta
penalmente proibida). Explica Bitencourt (2010, p. 246):

Von Liszt e Beling elaboraram o conceito clássico de delito, representado por um movimento
corporal (ação), produzindo uma modificação no mundo exterior (resultado). Uma estrutura simples,
clara e também didática, fundamentava-se num conceito de ação eminentemente naturalístico, que
vinculava a conduta ao resultado através do nexo de causalidade. Essa concepção clássica do
delito mantinha em partes absolutamente distintas o aspecto objetivo, representado pela tipicidade
e antijuridicidade, e o aspecto subjetivo, representado pela culpabilidade. Aliás, como afirmava
Welzel, na 2ª edição do Tratado de Liszt (1884), foi desenvolvida pela primeira vez, claramente, a
separação entre a antijuridicidade e a culpabilidade, de acordo com os critérios objetivos e
subjetivos.

Tendo em vista toda a parte subjetiva do conceito de crime (a imputabilidade, o dolo e a culpa)
estar inserta na culpabilidade, esta é considerada puramente psicológica. É a chamada Teoria
Psicológica da Culpabilidade.

O conceito de imputabilidade, para o Causalismo Clássico, consiste na capacidade biopsicológica


que o autor deve possuir quando da realização do fato, para compreender o caráter ilícito do fato,
e se determinar conforme o entendimento que possuía. Trata-se de um pressuposto da
culpabilidade, ao passo que dolo e culpa são espécies da mesma.

O dolo, para o Causalismo Clássico, consiste na vontade de realização dos elementos do tipo e na
finalidade obtenção de um resultado, tendo o agente consciência sobre a ilicitude do fato.

Nas palavras do próprio Von Liszt (1899, p. 270):

O resultado é, antes de tudo, imputável, quando o acto é doloso, isto é, quando o agente o pratica,
apezar de prever o resultado. Dolo é, pois, a representação da importancia do acto voluntário como
causa (representação da causalidade).

Consequentemente a idéa do dolo comprehende:

1.° — A representação do acto voluntário mesmo, quando este corresponde á idéa de um crime
determinado, quer sob a sua forma ordinária, quer sob uma forma mais grave;

2.° — A previsão do resultado, quando este é necessário para a idéa do crime;

3.° — A representação de que o resultado será effeito do acto voluntário, e este causa do resultado,
portanto a representação da causalidade mesma. É por ahi que o dolo se distingue do desejo. Este
suppõe a representação de mudanças futuras, mas não a representação da relação causal entre a
acção presentemente emprehendida e taes mudanças (sic).
E prossegue, acerca da Teoria da Representação:

Segundo a theoria da representação, o dolo consiste na representação do resultado e da relação


de causalidade entre este e o acto voluntário. Querido é somente o acto (a resolução e o movimento
muscular); desejado e intencionado pôde ser o resultado. A intenção designa o fim que o agente
visa, o motivo que determina a sua resolução, e por consequência é elemento distincto do dolo.

Na ciência penal moderna, o dolo, como descrito no Causalismo Clássico, é o chamado “dolo
normativo”, que significa a vontade final e consciência da ilicitude.

Von Liszt (1899, p. 287), referindo-se à lição de Binding, diz que “o dolo caracterisa-se como volição
de uma acção, apezar da representada contradição com a norma, sob que incide; é, pois, o dolus
malus dos Romanos” (sic). Refere-se, pois, ao dolo normativo, que os romanos chamavam de “dolo
mau” (dolus malus), no qual o agente quis praticar o ato, mesmo sabendo que era proibido.

O conceito de culpa na Teoria Naturalista, por Von Liszt (1899, p. 290):

Culpa é o não-conhecimento, contrario dever, da importancia da acção ou da omissão com a causa.


Contraria ao dever e a ausência de conhecimento, quando o agente o podia e devia obter. Acção
culposa é consequentemente a causação ou não-impedimento, por acto voluntário, de um resultado
que não foi previsto, mas que podia se-lo.

Assim a idéa de culpa suppõe dois requisitos:

1.° falta de precaução por occasião do acto voluntário, isto é, despreso do cuidado que a ordem
jurídica impõe e que se faz mister conforme as circumstancias dadas. A medida do cuidado
determina-se segundo a natureza objectiva da acção emprehendida, e não segundo o caracter
particular do agente. A não applicaçao da attenção, o não preenchimento do dever apresenta-se
como falta da vontade.

2.° falta de previsão, isto é, deve ser possível ao agente prever o resultado como efeito do
movimento corpóreo, ainda que somente nos seus contornos geraes. Na apreciação desta questão
cumpre tomar por base as faculdades mentaes, a maior ou menor penetração do agente. A medida
é aqui subjectiva, especial. O que está em causa é a capacidade mental do individuo. Si ella é
afirmada, a falta de previsão apresenta-se como falta da inteligência (sic).

Dessa forma, o autor conclui que “a culpa assenta, pois, sobre um erro concernente à importância
do ato voluntário como causa ou não impedimento do resultado. Nisto é que a culpa se distingue
do dolo” (VON LISZT, 1899, p. 292).

Pode-se concluir, por todo o exposto, que o injusto (conceito constituído pelo fato típico e ilicitude),
para o Causalismo Clássico, é objetivo-causal, enquanto a culpabilidade é puramente psicológica,
ao ser constituída pela imputabilidade, pelo dolo e pela culpa.

REFERÊNCIAS

AMAYA, José De la Mata, et al. Teoría del delito. Republica Dominicana: Escuela Nacional de la
Judicatura, 2007.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Edipro, 1993.

BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 15.ed. São Paulo: Saraiva,
2010.

______; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. História do direito penal. São Paulo: Malheiros, 2005.

GRECO, Rogério. Código penal: comentado. 4. ed. Niterói: Impetus, 2010.

______. Curso de direito penal: parte geral. 12. ed. Niterói: Impetus, 2010.

JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

MEZGER, Edmund. Derecho penal. Buenos Aires: Editorial Bibliografica Argentina, 1958.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial. 9. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. 3 v.

ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

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TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2001.

VON LISZT, Franz. Direito penal alemão. Rio de Janeiro: F. Briguiet & C. Editores. 1899.

WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

ZAFFARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 6.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, 1 v.

Teoria finalista da ação

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Teoria finalista da ação é uma teoria de Direito Penal que estuda o crime como atividade humana.
Como principal nome e considerado criador pode-se citar o alemão Hans Welzel, que a formulou
na Alemanha na Década de 1930 [1].

A teoria

A teoria finalista da ação contrapõe-se à teoria causalista da ação,[2] também chamada teoria causal
ou teoria clássica da ação. A principal diferença repousa no fato de que a teoria causalista considera
que, para que uma conduta configure uma infração penal, basta que preencha os requisitos a
seguir, em ordem de importância:

• a conduta do agente
• o nexo causal
• o resultado
• tipicidade da conduta
• a ilicitude
• a culpabilidade
• a imputabilidade do agente
• a exigibilidade de conduta diversa
• o dolo ou a culpa.
Segundo essa teoria, deve-se analisar todos os elementos anteriormente citados, ficando por último
aquilo que é menos importante: verificar se o agente agiu com dolo ou culpa. Isto ocorreu pois Liszt,
autor da teoria causal da ação, queria dar cientificidade à sua teoria, e o dolo é subjetivo, intrínseco
a consciência do agente que praticou a conduta, e não se tem como provar qual foi o pensamento
do agente no momento em que praticou a conduta. Ela se fixa no resultado, o qual gera
necessariamente uma responsabilização.[1]

Segundo a teoria finalista da ação, a infração penal só se constitui com conduta tipificada,
antijurídica e culpável. A culpabilidade é pressuposto elementar sem o qual não se configura a
infração[1] , como na teoria causal, a única diferença é que na teoria finalista da ação considera-se
inicialmente a consciência do agente, o que ele pensou no momento de praticar a conduta, se
houve ou não intenção, e na teoria causal considera-se isto em última análise, pois não há como
provar o pensamento do agente, e isto efetivamente diminui o caráter científico da Teoria. A conduta
é composta de ação/omissão somada ao Dolo perseguido pelo autor, ou à culpa em que ele tenha
incorrido por não observar dever objetivo de cuidado. Antes da proposição dessa teoria, a Teoria
Clássica, adotada até a reforma do Código Penal de 1984 no Brasil, considerava elementos da
conduta apenas a ação/omissão e o resultado.

A grande novidade que a teoria finalista da ação de Welzel trouxe para o Direito Penal foi a
existência de duas tipicidades: a objetiva e a subjetiva. A intenção do agente, sua motivação
subjetiva, foi enumerada por Welzel como fase interna da conduta. Interna pois é estruturada no
âmbito da mente do ser humano, na sua razão. Assim, após a teoria finalista da ação, passou-se a
analisar um crime tanto subjetivamente em seus motivos quanto objetivamente em seus fatos,
sendo visto como um todo unitário tanto a fase interna quanto externa[1].

Graças à teoria finalista da ação, um crime pode ser objetivamente típico e subjetivamente atípico,
como no caso do erro de tipo. Outro desdobramento da teoria finalista é que, caso haja um Erro
sobre a pessoa, quando se objetivou praticar a infração contra determinada pessoa, mas se atingiu
a terceiro diverso do pretendido. Obedecendo à teoria finalista, ele deve ser punido pelo crime
objetivado subjetivamente. Ainda é possível que a conduta seja subjetivamente típica mas
objetivamente atípica, como no caso do crime impossível [1].

Por fim, a teoria finalista da ação, permite a análise dos elementos essenciais da culpabilidade,
sem os quais não se configura a culpabilidade, nem tampouco a infração penal, ficando o agente
isento de punição [3]:

• imputabilidade
• potencial conhecimento da ilicitude
• exigibilidade de conduta diversa,

No que toca aos crimes culposos a teoria finalista aplica-se integralmente. No caso, por exemplo,
de alguém que dirige em excesso de velocidade e, em consequência, atropela e mata uma criança,
não se analisa apenas se houve o fato típico (matar alguém), e se foi ilícito (a lei declara como
crime matar alguém). Verificam-se as motivações e objetivos subjetivos do agente, questionando-
se, por exemplo, se o resultado foi quisto, ou qual era a finalidade do agente ao praticar a conduta.

A coação física, desde que absoluta (irresistível), elimina o próprio movimento corpóreo, e não a
vontade. Esta só pode ser atingida pela coação moral. Assim, sendo absoluta a coação moral, de
tal forma se encontra viciada a vontade que determina o movimento corpóreo, que se afirma a
exclusão da ação, pela anulação da vontade; sem vontade, não há ação.

Referências
A teoria finalista da ação. Por César Peres. JusBrasil.
O sistema clássico da teoria do delito - a análise da teoria causal-naturalista da ação e da
teoria psicológica da culpabilidade. Por Vanderson Roberto Vieira e José Carlos de Oliveira
Robaldo. Âmbito Jurídico

3. Teoria do crime em síntese. Por Gecivaldo Vasconcelos Ferreira. Jus Brasil

Bibliografia

• CAMARGO, Beatriz Corrêa. "O finalismo no Direito Penal brasileiro: uma abordagem crítica
da ciência jurídico-penal no Brasil". In: Direito Penal na pós-modernidade: escritos em
homenagem a Antonio Luis Chaves Camargo. São Paulo: Quartier Latin, 2015.
• CAPEZ, Fernando: Curso de direito penal, volume 1: parte geral (arts. 1º a 120) - 12ª edição,
de acordo com a Lei n.11.466/2007. - São Paulo: Saraiva, 2008.
• FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Parte penal. 12. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 1990.
• QUEIROZ, Paulo. Direito Penal, volume 1: parte geral - 7ª ed. (completamente revista e
ampliada). - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
• PRADO, Luiz Regis. "Curso de Direito Penal: Parte Geral". Sao Paulo: RT, 2009.
• WELZEL, Hans. "El nuevo sistema del derecho penal. Uma introducción a la doctrina de la
acción finalista". Trad. De José Cerezo Mir. Barcelona: Ariel, 1965.

TEORIA SOCIAL DA AÇÃO

A Teoria Social da Ação (Jescheck, Wessels), também denominada de dupla valoração do dolo e
da culpa, visou corrigir as falhas da Teoria Finalista da Ação.

O professor Eberhard Schmidit, discípulo de Liszt, foi o primeiro a buscar uma linha intermediária
entre causalismo e finalismo[1] ao dizer que a ação deveria ser vista como "conduta arbitrária para
o mundo social externo" e "interessa ao Direito Penal apenas o sentido social da ação" [2], mas a
teoria propriamente dita foi desenvolvida pelos professores Jescheck e Wessels.

Para essa teoria do Direito Penal, a conduta humana é descrita da seguinte forma; ação:
comportamento humano socialmente relevante dominado ou dominável pela vontade,
Culpabilidade: adota-se a teoria complexa normativa psicológica da culpabilidade, ou seja, a
culpabilidade consiste na reprovabilidade do fato em atenção à desaprovada atitude interna
manifestada pelo agente.

Analisa-se se o sujeito produziu um ato socialmente permitido, ou socialmente proibido.

Tem como fundamento a análise de ato em subsunção à aceitação ou reprovação social.

Se o ato for considerado aceito, a conduta é lícita, se não, é uma conduta ilícita. O problema, como
se pode notar, é que tal concepção imiscui no conceito de ação a ilicitude, de tal forma que confunde
a valoração da ação com o próprio conceito de ação.

Há discussão sobre a aceitação da teoria que, embora rechaçada, deu debatível contribuição
relevante ao direito no tocante ao princípio da adequação social.

Debatível pois não há consenso na doutrina se este princípio se remete à teoria social da ação ou
à teoria finalista, pois foi primeiramente proposta por Welzel, criador desta. O que olvidam os
autores é que Welzel é um Tesla para o Direito Penal e, após criar a teoria finalista, experienciou
os horrores da segunda guerra e revisitou sua própria obra ajustando-a às barbáries que vivenciou.
Como bem explica o professor Fernando Capez[3], sobre Welzel: O direito penal não pode ser o
direito penal de biblioteca, tem que estar fincado os pés no contexto social, dentro da época e suas
influencias. Como está o fato tipico (subsunção + culpa) é desumano, utilitário e pode ser o direito
dos nazistas. Em 1943 o ministro da justiça Hans Frank de Hitler condenado à morte em Nuremberg
baixou um decreto: mulher alemã que pratica aborto = crime com pena grave, mulheres
estrangeiras que praticarem aborto = fato irrelevante para o direito penal. O direito podia tudo, não
existia controle prévio, crime é o que a lei diz e não existem estruturas lógico objetivas, logo faço o
que quiser e o direito penal é utilitário e não tem vínculo social. Assim Welzel emendou o que é fato
típico: subsunção formal + dolo natural ou culpa + relevância social.

Se o fato não produzir dano socialmente relevante não é típico.

ex: bigamia, jogar num cassino online...

não há consenso na doutrina se este princípio se remete à teoria social da ação ou aos trabalhos
de WesselNo outro lado do debate diversos outros autores, e.g.: Victor E. R. Gonçalves aduz "a
teoria social da ação... sustenta que a conduta não pode ser considerada típica no caso concreto
quando socialmente aceita", por outro lado "O princípio da adequação social é endereçado ao
legislador para que não considere criminosas condutas socialmente tidas como normais. Em caso
de eventual aprovação de lei em desacordo com tal princípio, deverá ela ser declara
inconstitucional". O próprio autor, contudo, conclui: "O STF sempre que apreciou o tema,
reconheceu que cabe ao legislador decidir se uma conduta é ou não socialmente adequada e, em
tais casos, decidiu pela constitucionalidade da norma penal"[4]. Neste sentido, entra em contradição:
se o princípio é aceito para afastar a tipicidade de certas condutas (furar orelha para brinco,
tatuagem, extração de sangue, etc), ele é aplicável à conduta e não ao legislador, mantendo-se o
tipo penal ilibado de vício ao mesmo tempo que a conduta perfaz-se atípica.

Assim, não é correto descartar de pronto a importância da referida teoria, dado que importante
princípio constitucional implícito remonta a ela.

Teoria da Imputação Objetiva

A teoria da imputação objetiva surge no mundo jurídico partir da doutrina de Roxin, pois este, passa
a fundamentar os estudos da estrutura criminal analisando os aspectos políticos do crime.

Para alguns doutrinadores a teoria da imputação objetiva consiste na fusão entre a teoria causal,
finalista e a teoria da adequação social, em contrapartida, há o entendimento de que esta é uma
teoria nova e revolucionária que conceitua que no âmbito do fato típico, deve-se atribuir ao agente
apenas responsabilidade penal, não levando em consideração o dolo do agente, pois este, é
requisito subjetivo e deve ser analisado somente no que tange a imputação subjetiva.

Esta teoria determina que não há imputação objetiva quando o risco criado é permitido, devendo o
agente responder penalmente apenas se ele criou ou incrementou um risco proibido relevante.

1 . Conceito

Tipo penal, na definição de Eugênio Raúl Zaffaroni, é um instrumento lega, logicamente e


sistematizado, necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a
individualização de condutas humanas penalmente relevantes.
Cabe ao tipo penal descrever a conduta que se deseja proibir ou impor, sob ameaça de sanção.

Para que se conheça o alcance da proibição ou imposição, necessário que se faz que ele contenha
elementos de natureza objetiva.

Tais elementos de natureza objetiva descrevem a ação e seu objeto e quando necessário, o
resultando, a pessoa do autor, circunstâncias externas ao fato. o sujeito passivo etc.

A Teoria da Imputação objetiva surgiu na Alemanha, havendo seus primeiros conceitos partido de
Hegel, com posterior revisão por Richard Hõnig em 1930. Retomada, desenvolvida e aperfeiçoada
na década de 1970 por Claus Roxin, que lhe deus novos contornos atuais, tem esta teoria por
finalidade resolver os problemas não solucionados pelos causalismo e finalismo, por intermédio de
uma nova metodologia de análise e delimitação ao alcance do tipo objetivo.

O STF aceita a dimensão material da tipicidade TCD e a sistematização das teorias de Roxin

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO. MORTE POR


AFOGAMENTO NA PISCINA. COMISSÃO DE FORMATURA. INÉPCIA DA DENÚNCIA.
ACUSAÇÃO GENÉRICA. AUSÊNCIA DE PREVISIBILIDADE, DE NEXO DE CAUSALIDADE E DA
CRIAÇÃO DE UM RISCO NÃO PERMITIDO. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.

1. Afirmar na denúncia que “a vítima foi jogada dentro da piscina por seus colegas, assim como
tantos outros que estavam presentes, ocasionando seu óbito” não atende satisfatoriamente aos
requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, uma vez que, segundo o referido dispositivo
legal, “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas
circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a
classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

Mesmo que se admita certo abrandamento no tocante ao rigor da individualização das condutas,
quando se trata de delito de autoria coletiva, não existe respaldo jurisprudencial para uma acusação
genérica, que impeça o exercício da ampla defesa, por não demonstrar qual a conduta tida por
delituosa, considerando que nenhum dos membros da referida comissão foi apontado na peça
acusatória como sendo pessoa que jogou a vítima na piscina.

Por outro lado, narrando a denúncia que a vítima afogou-se em virtude da ingestão de substâncias
psicotrópicas, o que caracteriza uma autocolocação em risco, excludente da responsabilidade
criminal, ausente o nexo causal.

Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta dos acusados e a
morte da vítima, à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação
pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não-ocorrente, na hipótese, porquanto é
inviável exigir de uma Comissão de Formatura um rigor na fiscalização das substâncias ingeridas
por todos os participantes de uma festa.

Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta a doutrina que vigora o princípio da confiança,
as pessoas se comportarão em conformidade com o direito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima
veio a afogar-se, segundo a denúncia, em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas,
comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões esperados, afastando, assim, a
responsabilidade dos pacientes, diante da inexistência de previsibilidade do resultado, acarretando
a atipicidade da conduta.

Ordem concedida para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta, em razão da ausência de
previsibilidade, de nexo de causalidade e de criação de um risco não permitido, em relação a todos
os denunciados, por força do disposto no art. 580 do Código de Processo Penal.
1.2. Contribuições acerca da Teoria por Günther Jakobs

A teoria de Jakobs se estrutura por conta dos contatos que temos com outras pessoas, sem os
quais não e possível viver em sociedade e mais, apresenta como necessários também ao convívio
em sociedade os contatos anônimos, ou seja, aqueles contatos dos quais você não sabe com quem
ira se relacionar.

Os contatos sociais em regra são formados por duas pessoas que em determinado momento
venham a se relacionar, por conta destes contatos em algumas situações uma das partes que se
relaciona sai lesada, surgindo, então o problema: a quem imputar a responsabilidade pelo resultado
danoso? A parte não lesada? A parte lesada? Ou, quando possível, a terceiro?

Para responder a estas perguntas Jakobs encontra a solução analisando o papel que cada
indivíduo desempenha na sociedade, isto e, além de sermos seres com constantes contatos
sociais, pois deles dependem a estrutura sociedade, temos também um papel a desempenhar
perante esta.

A solução para as indagações feitas é analisar se alguém violou ou não seu papel, se agiu de
acordo com ele ou fora de seus limites. Se o agente agiu dentro das limitações de seu papel, a este
nada se imputa, atribuindo o resultado ao mero acaso, classificando-o como fatalidade ou acidente.

Entretanto, se o agente age fora de suas limitações, ou ainda, age dentro de suas limitações,
porém, omitindo-se algumas partes que integram o ato, imputa-se o resultado a ele. No tocante aos
papéis que ocupamos socialmente, vale observar que são eles quem ditam os nossos limites e
deveres, assim existem os papéis que exigem conhecimentos especiais (como o próprio autor diz,
são filhos da técnica) e os papéis que são apenas casuais, que não são desempenhados com
habitualidade, não exigindo, desta forma conhecimentos específicos sobre o tema, diferente do que
acontece nos primeiros.

Assim sendo, Jakobs leva em consideração quatro elementos para responder as questões: a quem
imputar a responsabilidade pelo resultado danoso? A parte não lesada? A parte lesada? Ou,
quando possível, a terceiro?

Os elementos são:

A) Risco Permitido;

B) Princípio da Confiança;

C) Proibição de Regresso;

D) Competência ou Capacidade da Vítima.

A. Risco Permitido: o risco permitido varia de uma sociedade para outra, sendo um processo de
formação histórica, visto que é a história que concede o perfil as sociedades, portanto para que se
chegue ao socialmente adequado – o risco permitido – de uma sociedade é necessário levar em
consideração a sua história e processo de formação, pois “como regra geral o socialmente
adequado precede ao Direito; sua legitimação se obtém do fato de que constitui uma parte da
configuração social que deve ser preservada”, assim sendo, a “permissão de um risco, não fica
legitimado pela referência ao Direito, mas que se legitima de maneira histórica, é dizer, por sua
própria evolução. O direito termina por definir o esboço do socialmente adequado e o perfila”.

Não é viável que se proíba qualquer tipo de exposição de risco, pois, desta maneira tornaria
impossível os contatos sociais, tendo em vista que para se utilizarmos de bens jurídicos devemos
por em perigo outros bens, desta forma o risco permitido não se apresenta de forma alguma
contraditória co a proteção de bens jurídicos assim sendo, “se o agente se comportar dentro do seu
papel social, se enquadrando nos limites aceitos pela sociedade, mesmo que sua conduta implique
em lesão ou perigo de lesão, vedar-se-á a imputação objetiva, pela inexistência de violação ao
papel social, atribuindo-se o resultado ao acaso]”.

Portanto, risco permitido é aquele que a sociedade aceita como válido por ter em sua essência a
condição de manter os contatos sociais e, por conseguinte, a vida em sociedade.

B. Princípio da Confiança: se o indivíduo agiu dentro do seu papel, ele confiará que o próximo
também o fará, pois, não é possível que se controle a toda hora e todo momento as ações dos
demais, ou que a toda hora se desconfie que os demais não irão cumprir com seu papel social de
forma correta, pois, desta forma a divisão do trabalho seria impossível. Um exemplo bem ilustrativo
deste ponto é dado pelo próprio Jakobs, na situação em que o freguês de um mercado ao pagar
deva desconfiar se o dono do mercado irá usar o dinheiro de forma lícita ou ilícita. Não faz parte do
papel do freguês controlar o que o proprietário irá ou não fazer com o dinheiro, seu papel é somente
pagar o que deve.

C. Proibição de Regresso: quando se estabelece uma relação com outro indivíduo cumprindo
com nosso papel social, pelo princípio da confiança, não se deve desconfiar do que o agente
pretende com àquela relação. Assim sendo, mesmo que da relação estabelecida uma das partes
se utiliza para cometer um ilícito, aquele que agiu dentro e conforme de seu papel social de nada
poderá ser responsabilizado, mesmo que fosse possível evitar o resultado ilícito, pois, o resultado
poderá ser obtido de outra forma pelo indivíduo de má-fé.

Exposto isto temos que nenhuma sociedade pode ficar sem estabelecer este princípio, visto isto
preleciona Jakobs que uma sociedade que necessita de constantes contatos sociais com o fim de
prestações de serviços em massa, dotando de comportamentos invariavelmente considerados, não
pode renunciar a este princípio.

D. Competência ou capacidade da vítima: o contato social

estabelecido nem sempre é só de competência do autor, por vezes a vítima também tem
responsabilidade no acontecido. Aqui, se encontram duas possibilidades:

I. O próprio comportamento da vítima resulta o resultado lesivo, portanto, fundamentando a


imputação da lesão para ela; e

II. Pode ser que o resultado lesivo aconteça por obra do destino, por um infortúnio, sendo assim, a
consequência lesiva deverá ser atribuída ao mero acaso.

Neste princípio estudaremos dois pontos: a posição da vítima e as ações a próprio risco.

D1. A posição da vítima: é quando a vítima sabe dos resultados de sua ação, inclusive os
resultados lesivos que poderão sobrevir sobre ela, mas mesmo assim, pratica o ato. O resultado
decorrente desta ação, deverá, portanto, ser atribuído ao infortúnio.

“Um comportamento do agente, do qual se saiba que decorrerão lesões, segue conforme seu papel
na medida em que a vítima não tenha direito a que não se produza o resultado lesivo”.

D2. As ações de próprio risco: não se encontram palavras melhores para explicar tais situações
do que as de STIVANELLO: “As ações a próprio risco representam as hipóteses cuja explicação
deixa de ser a fatalidade decorrente da posição da vítima, passando a ser uma lesão ao dever de
auto-proteção desta ou o seu próprio consentimento como ato voluntário.
No que se refere à lesão ao dever de auto-proteção, a vítima não pode assumir um contato social
arriscado sem aceitar como fruto de seu comportamento as conseqüências que conforme um
prognóstico objetivo são previsíveis... Quanto ao consentimento da vítima, estando presentes os
requisitos para que este seja admitido como válido, também afastará a imputação ao agente.
Naturalmente, para que se possa admitir como válido tal consentimento deverá o mesmo dizer
respeito a bens disponíveis”.

2 . Jurisprudência

CPG

Nº 71003606803

2012/Crime

“Nem todos os fatos, porém, são juridicamente relevantes, embora existam determinadas normas
que as regulem. As regras sociais, por si só, não chegam a pertencer ao mundo jurídico. Dessa
forma, uma norma social se apresenta como insuficiente para que um fato possa ser juridicamente
relevante. Aqui, bem jurídico é aquele tutelado pela lei penal”.

Seguindo tal enfoque, e sem aprofundar demasiadamente o tema, é forçoso convir, também na
esteira dos nossos tribunais superiores, que tal teoria ainda não foi recepcionada pelo direito penal
pátrio e que a tipicidade de determinada conduta deve ser aferida pela vigência da legislação penal.

Veja-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

CRIMINAL. RESP. DELITO DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE PENAL. DELITO CULPOSO.


RISCO PERMITIDO. NÃO OCORRÊNCIA. IMPUTABILIDADE OBJETIVA. MATÉRIA FÁTICO-
PROBATÓRIA. SÚMULA 07/STJ. INCIDÊNCIA. PENA PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. AUSÊNCIA
DE CORRESPONDÊNCIA COM A PENA SUBSTITUÍDA. RECURSO PARCIALMENTE
CONHECIDO E DESPROVIDO. I. De acordo com a Teoria Geral da Imputação Objetiva o resultado
não pode ser imputado ao agente quando decorrer da prática de um risco permitido ou de uma
ação que visa a diminuir um risco não permitido; o risco permitido não realize o resultado concreto;
e o resultado se encontre fora da esfera de proteção da norma. II. O risco permitido deve ser
verificado dentro das regras do ordenamento social, para o qual existe uma carga de tolerância
genérica. É o risco inerente ao convívio social e, portanto, tolerável. (...). V. O fato de transitar às
3 horas da madrugada e em via deserta não pode servir de justificativa à atuação do agente
em desconformidade com a legislação de trânsito. Isto não é risco permitido, mas atuação
proibida. (...). IX. Recurso parcialmente conhecido e desprovido. (REsp 822.517/DF, Rel. Ministro
GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 12/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 697).

Destarte, não tendo a teoria invocada sido recepcionada pelo nosso ordenamento jurídico e
devidamente comprado a conduta típica e penalmente relevante do réu que, dirigindo sem
habilitação, gerou perigo de dano à segurança viária ao se envolver em acidente de trânsito para o
qual concorreu com culpa, impositiva a confirmação da sentença condenatória da lavra do Dr. Gildo
A. Meneghello Jr., por seus próprios e jurídicos fundamentos.

VOTO, pois, no sentido de NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO para o fim de manter a sentença
condenatória.

Dr. Edson Jorge Cechet (REVISOR) - De acordo com o (a) Relator (a).

Dr. Fabio Vieira Heerdt - De acordo com o (a) Relator (a).

Processo:
AP 1837920117070007 PE 0000183-79.2011.7.07.0007

Relator (a):

Cleonilson Nicácio Silva

Julgamento:

25/04/2013

Publicação:

09/05/2013 Vol: Veículo: DJE

APELAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA.


PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA PELA IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO DE
CIVIL POR CONSELHO JULGADOR FORMADO POR MILITARES E PELA OCORRÊNCIA DE
MUTATIO LIBELLI REJEITADAS POR UNANIMIDADE. CONCURSO MATERIAL NÃO
EVIDENCIADO. PRESENÇA DOS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO CRIME
CONTINUADO. NEGADO PROVIMENTO AO APELO. UNANIMIDADE.

A Constituição Federal atribuiu ao legislador ordinário a competência para dispor sobre o


funcionamento da Justiça Militar da União. Em decorrência, a Lei nº8.457/92, ao definir a formação
dos Conselhos Julgadores, em seu art. 16, estabeleceu a sua composição com militares de carreira,
nomeando-os Juízes Militares, atendendo ao comando insculpido no art. 122 da Constituição
Federal. A Lei nº 8.457/92, naquilo que diz respeito à formação dos Conselhos Julgadores em
primeira instância, converge com a vontade do legislador constituinte insculpida no parágrafo único
do art. 124, restando inequívoca a sua legitimidade para processamento e julgamento de crimes
militares cometidos por civis. A alínea a do artigo 437 do CPPM, que versa sobre a emendatio libelli,
impõe como requisito essencial e intransponível para a sua aplicação a comprovação de que os
fatos arrolados na inicial acusatória permaneceram inalterados. O sistema jurídico pátrio exige a
correlação entre os fatos descritos pela acusação e aqueles considerados pelo juiz na sentença
para a prolação de um veredicto de condenação, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais
do contraditório e da ampla defesa. Consoante o entendimento consubstanciado nas Decisões dos
Pretórios, o acusado defende-se dos fatos e não da imputação. Para a caracterização da forma
continuada da prática de crimes, embora o Código Penal Militar tenha adotado a teoria objetiva, a
doutrina e a jurisprudência castrense entendem ser necessária a conjugação dos elementos de
ordem objetiva e subjetiva (teoria objetivo-subjetiva), sendo imprescindível, nesse caso, o requisito
subjetivo da "unidade de desígnios".

Bibliografia

RECO FILHO, Vicente. Imputação objetiva: O que é isso? Disponível na Internet:


www.ibccrim.org.br, acesso em 21/05/2004.

JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no Direito Penal, Trad. André Callegari, RT, São Paulo,
2000.

JESUS, Damásio E. Imputação objetiva, São Paulo, Saraiva, 2a. ed, 2000.

__________________. Direito Penal, São Paulo, Saraiva, 23a. Ed, 2003.

KÖSTER, Mariana Sacher de, La evolución del tipo subjetivo, Buenos Aires, Ad-Hoc, 1998.
MESQUITA JR., Sídio Rosa de. Pequeno Passeio sobre a Imputação objetiva. Disponível na
Internet: www.direitovirtual.com.br, acesso em 19/08/2004.

WELZEL,HANS, Direito Penal, Trad.Dr. Afonso Celso Resende, Campinas, Ed. Romana, 1a.
Edição, 2003.

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