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Resumo
De modo geral, a pesquisa de desenvolvimento é uma modalidade de investigação que gera um produto (por
exemplo, um material didático, etc.) para dar conta de um problema à medida que se investiga questões relativas
à sua produção e/ou utilização na sociedade. Este tipo de pesquisa tem chamado a atenção de pesquisadores da
Educação e da Educação Matemática. Por esta razão, neste artigo, o propósito foi discutir uma argumentação pela
adoção da pesquisa de desenvolvimento. Para alcançar o objetivo, apresentamos um entendimento teórico sobre
essa abordagem metodológica e relatamos um projeto inspirado na pesquisa de desenvolvimento, a partir do qual
apontamos algumas de suas potencialidades.
Abstract
Generally, design research is an inquiry modality that develop a product (eg, didactic material, etc.) to approach a
problem as investigating issues related to its production and/or use in society. This type of research has drawn the
attention of researchers in Education and Mathematics Education. For this reason, in this paper the purpose was to
discuss an argument for the adoption of design research. To achieve the aim, we present a theoretical understanding
for this research approach and report a project inspired by design research, from which we point out some of its
potentialities.
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Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (Secadi) pelo apoio ao projeto intitulado “A aprendizagem dos professores de matemática
com materiais curriculares educativos” (Edital nº 038/2010/CAPES/INEP), do qual o presente artigo é um produto.
Igualmente, agradecemos a todos os participantes desse projeto, cujos nomes estão listados no ambiente
www.educacaomatematica.ufba.br.
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Doutor em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),
campus de Rio Claro. Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), atuando
como docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFBA e do Programa de Pós-
Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da UFBA/UEFS. E-mail: jonei.cerqueira@ufba.br.
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Doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pela
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal
da Bahia (UFBA), atuando como docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e
História das Ciências da UFBA/UEFS. E-mail: ampo@ufba.br
inma.sites.ufms.br/ppgedumat/
seer.ufms.br/index.php/pedmat
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Introdução
gestores, professores, legisladores, etc. Para eles, o propósito do campo científico somente pode
ser alcançado com o próprio avanço das práticas de educar matematicamente as pessoas. Assim,
corroborando com esse argumento posto pelos autores, sustentamos a necessidade de que esta
modalidade de pesquisa deve ser valorizada, inspirando projetos que combinem
delineamento/desenvolvimento com a compreensão científica.
Foi justamente este interesse que nos levou à uma aproximação com essa abordagem
metodológica, culminando com a realização de um projeto inspirado na pesquisa de
desenvolvimento. O projeto foi conduzido no âmbito do Programa Observatório da Educação
(OBEDUC) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em
parceria com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)
e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi). O
objetivo do projeto foi o delineamento e desenvolvimento de materiais para subsidiar
professores que ensinam Matemática interessados em adotar propostas de mudanças
pedagógicas, bem como investigar os processos de produção e os usos desses materiais. O grupo
envolvido no desenvolvimento dos materiais era composto por pesquisadores, professores da
educação básica e estudantes da graduação e pós-graduação, o qual se autodenominou como
Observatório da Educação da Matemática na Bahia (OEM-BA).
A partir dessa nossa experiência, propomo-nos, neste artigo, discutir uma
argumentação sobre a adoção da pesquisa de desenvolvimento na Educação Matemática. Para
isso, retomaremos o debate na literatura sobre o assunto, explicitaremos o projeto conduzido
com o OEM-BA e identificaremos três potencialidades da pesquisa de desenvolvimento. O
título do presente artigo, formulado em termos de por quê, é especulativo e sugere que
colocaremos em discussão a argumentação pela adoção dessa modalidade metodológica de
investigação. Como Garnica (2004), entendemos a abordagem metodológica como a busca
“[...] por um método julgado eficaz, adequado e consistente com nossas propostas de
investigação, mas trata-se – além disso – de explicitar as concepções que a ele
subjazem, exercitando continuamente a testagem dos limites desses métodos e de seus
pressupostos teórico-filosóficos, avaliando seus resultados e tomando públicas suas
conquistas e embaraços, no desejo de ultrapassá-los (p. 85).
Assim, trata-se do propósito de, uma vez identificado o problema, gerar uma
intervenção que deve ser materializada por meio de algum tipo de produto educacional. Este
passa pelo processo de análise e refinamento, de modo que, ao fim da investigação, possa ser
utilizado por outras pessoas em outros contextos. Neste ponto, podemos identificar uma
diferença crucial em relação à pesquisa-ação. Enquanto que a pesquisa de desenvolvimento
compreende a intervenção em termos da geração do produto educacional a ser disseminado para
um público mais amplo, a pesquisa-ação não possui tal delimitação. Nesta, a intervenção não
precisa se materializar necessariamente em um produto educacional e visa uma repercussão
mais limitada ao grupo social envolvido na pesquisa (TRIPP, 2005).
Portanto, um dos resultados esperados da pesquisa de desenvolvimento é a
disponibilização do produto para uma população mais ampla do que aquela envolvida na sua
geração. Por isso, esta modalidade possui uma vocação para a mudança educacional, o
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Foge ao escopo do artigo conceituar e discutir os conceitos de saberes teóricos e saberes docentes. Apenas
tomemos o primeiro como aqueles baseados em conceitos teóricos validados e circulantes na comunidade
científica, enquanto o segundo, conforme Tardif (2002), refere-se ao “saber plural, formado de diversos saberes
provenientes das instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana” (p.54).
Perspectivas da Educação Matemática – UFMS – v. 8, número temático – 2015
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Idealmente, o número de ciclos e uso do produto educacional para uma larga população
deve ser limitado pela saturação, ou seja, a coleta de dados precisa oferecer subsídios suficientes
que justifique sua finalização. Entretanto, considerando os limites de tempo para a execução da
pesquisa, nem sempre podemos esperar o ponto de saturação. Na literatura, há diversos estudos
que são restritos a um ou poucos ciclos como os próprios estudos de Poloni e Costa (2012) e
Healy, Fernades e Frant (2013) que mencionamos nesse artigo. Para viabilizar a pesquisa de
desenvolvimento, investigadores precisam buscar um equilíbrio entre tempo disponível para a
execução da investigação e a necessidade de dados/análises suficientes para o refinamento do
produto educacional. Em nossa própria experiência, enfrentamos este desafio, pois, para a
condução do projeto que descreveremos a seguir, tivemos que atentar ao tempo disponibilizado
para sua execução pela agência financiadora.
(filmagens das aulas, coleta dos registros dos estudantes, etc.) e discussão com o Grupão, foi
gerado o entendimento E3 e o desenvolvimento do protótipo 3 do material curricular para o
aluno (A3) e do protótipo 1 do material curricular educativo para o professor (P1). Estes foram
submetidos à apreciação crítica e revisão pelo Grupão, gerando um entendimento E4 e
resultando nas versões finais A4 e P2 a serem socializadas para uma ampla população.
Esquematicamente, podemos dizer que o trabalho do OEM-BA seguiu este fluxo:
A3 A
E1 → A1 → E2 → A2 → E3 → { → E4 → { 4 .
P1 P2
Observemos que a fase ciclos iterativos de testagem e refinamento na prática ocorreu
em quatro ciclos com o material curricular para o aluno e dois com o material curricular
educativo para o professor. O número limitado de ciclos ocorreu devido ao limite de tempo
para a execução da pesquisa pela agência financiadora.
O Grupão discutiu e definiu como seria a estrutura do produto final, ou seja, o material
de apoio a outros professores, o que, em termos simbólicos está representado por P2. Com o
propósito de retratar o saber-fazer de um professor, definiu-se que cada material curricular
educativo deveria ter os seguintes componentes: tarefa para o estudante (representado pela
versão A4), planejamento, tarefa comentada para o(a) professor(a), solução do(a) professor(a),
narrativa, vídeos de trechos das aulas e registros dos estudantes. Os materiais foram
socializados na Internet em um ambiente virtual (www.educacaomatematica.ufba.br) e são
registrados como recursos educacionais abertos (PRETTO, ROSSINI, SANTANA, 2012), ou
seja, estão abertos para uso, compartilhamento e edição (Figura 3). Também, no ambiente, há
espaço para que professores visitantes compartilhem suas experiências com os materiais.
Assim, o produto do trabalho do Grupão está disponibilizado para uma população ampla, como
previsto na pesquisa de desenvolvimento.
distante do que predomina nos contextos escolares. Porém, mantendo o entendimento teórico,
o grupo buscou produzir uma tarefa para os estudantes que oferecesse espaço para a realização
de explorações matemáticas. Assim, os saberes docentes e teóricos acabam por se nutrir
mutuamente, já que a solução do impasse precisa se nutrir de ambos. Como sugere o Design-
based Research Collective (2003), o desenvolvimento em colaboração com os professores
permite que o produto educacional seja reconhecido em termos de viabilidade. Parece-nos claro
que isto ocorre devido à consideração dos saberes docentes e dos sabres científicos em todas as
fases de delineamento e desenvolvimento do produto educacional.
Considerações finais
Neste ponto, podemos retornar à interrogação apresentada no título: por que a pesquisa
de desenvolvimento na Educação Matemática? Não tínhamos o propósito de apresentar como
resposta definitiva, mas apresentar alguns argumentos que nos convenceram a engajarmos
nessa modalidade de investigação, bem como nossa própria experiência com ela.
Autores têm sublinhado a articulação entre a pesquisa e a geração de produtos a serem
utilizados na abordagem dos problemas educacionais como o argumento central da pesquisa de
desenvolvimento (ANDERSON, SHATTUCK, 2012; LESH, SRIRAMAN, 2010). Esta
característica responde às críticas do distanciamento entre a pesquisa educacional, as práticas
escolares e o desenvolvimento de produtos educacionais. Como sabemos, tradicionalmente,
esses contextos possuem pouca comunicação. Schoenfeld (2009) argumenta que a pesquisa de
desenvolvimento estabelece uma “ponte” entre duas culturas distintas: a da pesquisa e a do
desenvolvimento. Por usa vez, Cobb (2000) e Cobb et al. (2003) assinalam a colaboração de
pesquisadores e professores no delineamento e desenvolvimento de produtos educacionais
como forma de torná-los viáveis. A partir da experiência que tivemos no OEM-BA, parece-nos
claro que houve o estabelecimento de “pontes” entre as três culturas mencionadas acima: da
pesquisa, do desenvolvimento e da prática escolar.
Além disso, podemos agregar o argumento de que a pesquisa de desenvolvimento
propicia crescimento profissional-científico para todos os participantes da equipe de
desenvolvimento, sejam professores, pesquisadores ou outros participantes. Todos aqueles
envolvidos no grupo de desenvolvimento precisam coordenar saberes relativos ao campo da
pesquisa, às práticas pedagógicas e ao desenvolvimento de produtos educacionais, o que parece
gerar um reexame crítico de seus engajamentos nesses campos. Esse crescimento profissional-
científico acontece à medida que os participantes do grupo mobilizam e ressignificam diferentes
saberes na produção do produto educacional.
Por suas potencialidades, parece-nos que a comunidade brasileira de pesquisadores em
Educação Matemática deve dirigir mais atenção para a pesquisa de desenvolvimento. Como se
pode notar, a partir da literatura citada no presente artigo, essa modalidade de investigação já
possui espaço consolidado na comunidade internacional de pesquisadores em Educação e
Educação Matemática. A nosso ver, é também necessário que brasileiros participem desse
debate metodológico.
Não se trata de corroborar a posição de Lesh e Sriraman (2010), que sustenta a redução
do campo científico da Educação Matemática a uma ciência de desenvolvimento. Se assim
procedêssemos, reduziríamos a diversidade de epistemologias e abordagens metodológicos, o
que enriquece qualquer campo científico. Ainda que não sustentemos a redução da Educação
Matemática à pesquisa de desenvolvimento, salientamos a necessidade de mais atenção de
pesquisadores para esta modalidade. Este artigo foi uma convite à comunidade brasileira para
conhecer e explorar este caminho, dentre os muitos disponíveis.
Referências
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