Você está na página 1de 2

Estética e Política.

https://www.facebook.com/marcus.quintaes/posts/1780819595263153

Nós todos sabemos muito sobre protestos, marchas, direito a voto, oportunidade para todos e
ação afirmativa[1]. Também sabemos muito sobre como se envolver, e este envolvimento de
um modo geral leva, depois de alguns meses ou uns poucos anos, à exaustão, ao
descontentamento amargurado. Alguma coisa psicológica está faltando. No entanto todos nós
sabemos muito sobre terapia, sobre o auto desenvolvimento, crescimento, fortalecimento,
auto estima, e que isto também leva, depois de um tempo, à exaustão ou no mínimo, ao
desencanto.

Parece não conexão bastante às verdadeiras aflições, às injustiças reais e ao verdadeiro


empobrecimento e a vitimização experimentados no cenário político. Assim, como juntar a
política e a terapia? Como realizar o ativismo psicológico? E o que é um ativista psicológico?

Eu tenho uma proposta para responder a esta pergunta hoje, e eu a chamo a "resposta
estética".

A resposta ética, você conhece. Injustiça, opressão, corrupção -- nós as vemos e reagimos
contra elas. O que é que os grevistas dizem em suas placas e cartazes? "Desleal"-- desleal para
com os trabalhadores; para com as mulheres; para com as minorias. Mas alguma vez eles
disseram "Feio"? Alguma vez nós protestamos e fizemos greve porque os nossos locais de
trabalho eram insultantes, repulsivos ou apenas feios? De nossos shoppings e centros
comerciais? Dos prédios dos hospitais e da decoração dos edifícios públicos? Dos materiais
com que trabalhamos, a iluminação à qual temos que nos submeter , as estações de trabalho
às quais somos confinados, as salas de leitura a que temos que aturar? No entanto estas
opressões estéticas afetam o nosso sentimento corporal, nosso bem-estar emocional, e
devemos nos defender de suas influências -- do desespero e da exaustão que produzem.
Ambientes feios nos levam a reprimir nossas reações e a repressão é exaustiva -- isto é uma
das primeiras idéias de Freud, que a repressão consome um bocado de energia.

Nós negamos nossas respostas estéticas ao fecharmos nossos sentidos, nossas percepções, e
nós nos anestesiamos a nós mesmos com música em alto volume em nossos ouvidos, com
Advil e Xanax, com pílulas para dormir e cafeína, e Prozac, com álcool com cubos de gelo antes
de cada refeição para anestesiarmos as nossas línguas, uma vez que já não sabemos mesmo o
que estamos comendo, e altas dosagens de açúcar e de sal. Quem pode chegar ao fim de um
dia com os sentidos totalmente despertos e alertas? É uma carga muito grande de muito lixo
que entra. Feiúra demais.

Nossas respostas estéticas chegam como um ultrage, como repulsa, como insulto, se não um
ataque. Uma irritabilidade exacerbada; momentos súbitos de ódio incontrolável -- nos
Correios; sendo obrigado a esperar no telefone; aguardando nas filas; presos no tráfego; com o
traste que você comprou. E a raiva aparece como loucura.

A psicoterapia não leva estas frustrações estéticas em consideração. Exemplo: Eu sou um


paciente, e estou a caminho do meu terapeuta em Boston. Dirijo umas cinqüenta milhas até
chegar na auto-estrada. Estou no meu modesto automóvel Hyundai, e levo uma fechada de
um imenso caminhão de dezoito rodas, que passa rosnando. Tráfego denso, pista esburacada,
obstáculos pontiagudos de metal, bloqueios na estrada -- ao tempo em que descubro onde
estacionar e chego à minha sessão, sou uma ruína. "Conte-me sobre isso," diz o terapeuta. Eu
começo com as ameaças, os odores fumacentos, a feiúra, o caos, e o medo sobre o qual ele
pergunta "Do que ele lhe faz lembrar?" E logo deixamos a estrada, deixamos os caminhões,
deixamos a atualidade, e achamos que a ansiedade nervosa está dentro de mim. Minha
relação com meu pai, representada pelos grandes caminhões. E meu ego frágil, fino e delicado,
representado por meu Hyundai. Talvez os motoristas de caminhão tenham cacetes maiores.
Os caminhão não são totalmente sem poder[2]. Meu baixo amor próprio, minha submissão tão
rápida à vitimização -- e eu estou sendo analisado. E analisando a mim mesmo, e descobrindo
todos estes problemas em mim.

Todos os problemas do mundo exterior, e aquele que na verdade me perturbou, podem ser o
início de uma ação política sobre o pedágio nas estradas e a movimentação rodoviária de carga
por longa distancia, os contratos alimentícios entre os supermercados e os plantadores da
Califórnia, e a mão de obra barata de imigrantes oprimidos às custas de fornecedores locais,
de corrupção, de limites de velocidades-- tudo isto é interrompido em seu nascedouro pela
internalização das emoções aos meus problemas interiores.

James Hillman

Você também pode gostar