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RESUMO
O conhecimento de variáveis e funções hidrológicas em uma dada seção fluvial, bem como de suas séries temporais
de vazões médias diárias, viabiliza o planejamento, o projeto e a operação de estruturas de aproveitamento de recursos hídri-
cos, em bacias hidrográficas monitoradas. Nas bacias desprovidas de registros sistemáticos de cota e descarga, no entanto,
faz-se necessário desenvolver metodologias que possibilitem a transferência das informações hidrológicas existentes em outras
bacias. O presente estudo propõe e avalia um método para calibração automática de um modelo chuva-vazão em bacias sem
monitoramento hidrométrico, utilizando como paradigma do processo hidrológico a curva de permanência sintética de longo
período, obtida a partir de um modelo estatístico regional. Neste contexto, as curvas de permanência de longo período consti-
tuem funções características próprias do regime hidrológico da bacia hidrográfica em estudo e são aqui usadas como instru-
mento para calibração dos parâmetros de um modelo conceitual chuva-vazão. Uma vez obtidos os parâmetros que comandam
a síntese hidrológica do modelo em questão, a simulação contínua de descargas, ao longo de um dado período de tempo,
viabiliza avaliações hidrológicas diversas, tais como a análise de freqüência de eventos raros, o balanço hídrico de reservató-
rios, os estudos de amortecimento de cheias e de disponibilidades hídricas. A metodologia aqui apresentada compõe-se basi-
camente de duas partes. Na primeira delas, é proposto um método para regionalização de curvas de permanência de longo
período, permitindo a transferência dessa função hidrológica a locais não-monitorados, desde que esses se localizem na mes-
ma região homogênea das bacias com dados. Na segunda etapa, é realizada a calibração do modelo chuva-vazão RIO
GRANDE tendo como objetivo simular as curvas de permanência sintetizadas a partir do modelo regional. Em ambas as
fases, são calculados alguns índices de desempenho, cujo objetivo é avaliar a confiabilidade proporcionada pelos procedimen-
tos envolvidos.
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Calibração de um Modelo Chuva-Vazão em Bacias sem Monitoramento Fluviométrico a partir de Curvas de Permanência Sintéticas
o regime hidrológico típico de uma dada bacia des- MÉTODOS PARA IDENTIFICAÇÃO
provida de dados fluviométricos. Em seguida, faz-se DE PARÂMETROS DE MODELOS
a verificação da viabilidade de uso dessas funções HIDROLÓGICOS CHUVA-VAZÃO
hidrológicas para calibrar os parâmetros de um EM BACIAS NÃO-MONITORADAS
modelo hidrológico conceitual contínuo de trans-
formação de chuva em vazão em intervalo diário,
considerando-as como objeto paradigma da simula- Os modelos hidrológicos chuva-vazão des-
ção, alternativamente aos hidrogramas observados, crevem a parte do ciclo hidrológico entre a precipi-
inexistentes em bacias hidrográficas sem monitora- tação e a vazão (Tucci, 1998), integrando diferentes
mento hidrométrico sistemático. As curvas de per- algoritmos descritores dos diversos processos hidro-
manência, em sua interpretação de longo período, lógicos envolvidos nessa transformação da chuva em
constituem uma ferramenta gráfica de análise que vazão: infiltração, percolação e fluxo subterrâneo,
reproduz o regime hidrológico de determinada perdas por interceptação, evaporação, evapotranspi-
bacia até a seção fluvial de referência. Ao utilizá-las ração, e armazenamento em depressões, escoamen-
como objetivo de calibração, a idéia implícita é a de tos subsuperficial e superficial.
encontrar um conjunto de parâmetros que permita Quanto à sua estrutura, os modelos hidroló-
sintetizar as vazões ordenadas ao longo de determi- gicos podem ser empíricos (“caixa-preta”), fisica-
nada amplitude, aparentemente sem o compromisso mente fundamentados, ou conceituais. Os primeiros
formal de reproduzir sua estrutura serial subjacente. são aqueles nos quais os valores simulados são ajus-
Enfatiza-se, entretanto, que durante o processo de tados aos dados observados, por meio de funções
calibração dos parâmetros que determinam a síntese que não guardam nenhuma relação com os proces-
hidrológica dada pelo modelo, a estrutura serial das sos físicos envolvidos (Tucci, 1998). Tais modelos
vazões médias diárias é resgatada de modo indireto, comumente usam séries temporais disponíveis para
uma vez que o modelo chuva-vazão as simula conti- identificar tanto a estrutura do modelo quanto os
nuamente na seqüência cronológica estabelecida parâmetros correspondentes, sem que seja necessá-
pelas séries de alturas diárias de precipitação e eva- rio nenhum conhecimento a priori a respeito do
potranspiração potencial, ao longo de determinado comportamento das bacias hidrográficas, advindo
período. Definidos os parâmetros do modelo chuva- daí o nome de “caixa-preta” dado a tais modelos
vazão, pode-se obter séries de vazões diárias simula- (Wagener et al., 2004). Os modelos fisicamente fun-
das sob cenários diversos de chuva e evapotranspira- damentados são os que se baseiam nas equações de
ção potencial, subsidiando estudos e análises hidro- conservação de massa, quantidade de movimento e
lógicas preliminares que concernem ao desenvolvi- energia, sendo os parâmetros aqueles que mais se
mento e à gestão dos recursos hídricos locais. Apesar aproximam das grandezas que governam a física do
dessa concepção geral já ter sido primeiramente sistema. Finalmente, os modelos ditos conceituais,
explorada no trabalho de Yu e Yang (2000), neste na visão de Tucci (1998, p. 23) são aqueles que “re-
artigo são introduzidas importantes inovações por lacionam características do processo, embora man-
meio do emprego de métodos de maior consistência tenham razoável empirismo nos parâmetros das
teórica nas fases de regionalização, calibração e equações envolvidas”.
avaliação. Devido aos princípios que norteiam a mon-
Com efeito, para os objetivos deste artigo, tagem de cada um dos três tipos de modelo, a extra-
faz-se aqui uma adaptação de um eficiente método polação de parâmetros de bacias monitoradas para
de regionalização de curvas de permanência, intro- locais sem monitoramento fluviométrico tem apre-
duzido por Castellarin et al. (2007), cujo produto sentado maiores possibilidades no caso dos modelos
serve de objeto para a calibração dos 13 parâmetros conceituais, com o relato de apenas alguns poucos
do modelo chuva-vazão RIO GRANDE, conceitual, exemplos para os modelos fisicamente fundamenta-
determinístico, concentrado e contínuo, conforme dos, e diversas restrições em se tratando de modelos
descrição geral de Queiroga et al. (2005), com estru- “caixa-preta” (Wagener et al., 2004). Essa foi uma
tura de balanço hídrico idêntica à do conhecido das razões para a escolha de um modelo chuva-vazão
modelo Xinanjiang (Zhao e Liu, 1995). Depois de conceitual para aplicação da metodologia proposta
abordar o conjunto de etapas metodológicas, este neste artigo.
artigo descreve sua aplicação às bacias dos rios mi- As técnicas de identificação de parâmetros
neiros Pará e Paraopeba, afluentes do Alto rio São de modelos chuva-vazão em locais desprovidos de
Francisco pela margem direita e avalia os resultados dados fluviométricos podem ser classificadas em três
obtidos.
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categorias: (1) métodos baseados na relação física, Embora a regionalização seja tradicional-
(2) regionalização ou generalização de parâmetros, mente realizada de acordo com o exposto, há méto-
e (3) procedimentos de interpolação espacial. dos alternativos, baseados em mudanças da estrutura
Os métodos que se baseiam na relação física regional, e voltados a resolver alguns impasses ob-
englobam aqueles que identificam os parâmetros servados na espacialização de parâmetros, como a
diretamente ou por meio de equações empíricas, a falta de identificabilidade dos mesmos, e a dificul-
partir de características físicas das bacias hidrográfi- dade de estabelecer os modelos regionais. Dentre
cas, geralmente representadas nesses casos por pro- esses procedimentos, destaca-se o utilizado neste
priedades mensuráveis do solo e da cobertura vege- trabalho, que se propõe a obter os parâmetros de
tal. Entretanto, tais técnicas apresentam ainda diver- um modelo chuva-vazão de relativa complexidade e
sos impasses e necessitam de melhorias (Duan et al., razoável realismo físico, tendo como meta de cali-
2006), uma vez que as informações disponíveis sobre bração reproduzir aproximadamente a curva de
os solos e sobre a vegetação se relacionam apenas permanência sintética de uma bacia não-
indireta e parcialmente aos parâmetros dos mode- monitorada, a partir das vazões simuladas. A curva
los. sintética é, portanto, o objeto de regionalização, ao
Uma alternativa para a estimação de parâ- invés dos parâmetros que comandam a transforma-
metros de modelos chuva-vazão em bacias sem mo- ção da chuva em descarga.
nitoramento fluviométrico é aquela composta pelas
diversas técnicas de interpolação espacial, que levam
em conta a distribuição espacial das amostras da MÉTODOS DE REGIONALIZAÇÃO
variável em questão. Há os métodos convencionais DE CURVAS DE PERMANÊNCIA
(ou determinísticos) de interpolação espacial, e os
abarcados pela geoestatística. Esses são mais vantajo-
sos do que aqueles, pois consideram a correlação A curva de permanência de vazões indica,
espacial entre os dados. ao longo de um período de observação, a porcenta-
Algumas pesquisas têm-se dedicado à utili- gem do tempo em que dada descarga foi igualada
zação de métodos de interpolação espacial para ou superada durante o histórico registrado em dada
estimação de parâmetros de modelos em bacias sem seção fluvial, pois mostra graficamente a relação
dados (Vandewiele e Elias, 1995; Skøien e Blöschl, entre a magnitude e a freqüência da variável em
2007). No entanto, uma das restrições que se impõe questão (Vogel e Fennessey, 1994). Sua discretização
à aplicação dessas técnicas à estimação de parâme- geralmente é feita em intervalos diários, embora
tros de modelos conceituais chuva-vazão refere-se à outras discretizações temporais possam ser adotadas.
necessidade de redes de monitoramento fluviomé- Esta curva pode ser interpretada também como o
trico de alta densidade. complemento da função acumulada de probabilida-
Há, finalmente, a regionalização ou espacia- de das vazões em certo ponto em um curso de água,
lização de parâmetros de modelos chuva-vazão, apli- caso estas sejam consideradas como variáveis aleató-
cada principalmente aos do tipo conceitual e con- rias (Castellarin et al., 2007).
centrado ou semi-distribuído (Wagener et al., 2004). As curvas de permanência podem ser cons-
A idéia básica na regionalização consiste em se cali- truídas com base em todo o período histórico dis-
brar um modelo específico (estrutura local) para ponível, recebendo o nome de curvas de permanên-
quantas bacias hidrográficas for possível, para em cia de longo termo, cuja sigla em inglês é FDC —
seguida estimar relações estatísticas regionais entre flow-duration curves. Já as curvas de permanência
os parâmetros do modelo e as características físicas anuais, ou AFDCs (annual flow-duration curves), são
das bacias (estrutura regional). Dá-se preferência às montadas para cada ano hidrológico. A escolha por
características físicas mais facilmente obtidas para as um dos tipos de curvas depende do objetivo do es-
bacias sem monitoramento, geralmente por meio de tudo em questão. No presente estudo, foram adota-
mapas temáticos. Tal é o caso da área de drenagem, das as FDCs, já que o objetivo foi a calibração de um
dos coeficientes de forma e compacidade, e do modelo chuva-vazão, tendo em vista o comporta-
comprimento e da declividade média do talvegue mento hidrológico médio de longo termo da bacia
principal. As relações estatísticas anteriormente em foco. Não há relatos na literatura sobre o uso de
mencionadas podem ser então aplicadas em bacias AFDCs para esse fim.
sem monitoramento, desde que estas tenham com- Segundo Castellarin et al. (2004b), há dois
portamento hidrológico semelhante ao das envolvi- grandes grupos de procedimentos para regionaliza-
das na estimação das equações regionais.
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ção de curvas de permanência: o dos modelos esta- • Calibração dos parâmetros do modelo RIO
tísticos de FDCs, que as considera como comple- GRANDE em locais sem dados fluviométri-
mento da função acumulada de probabilidade — cos, a partir das FDCs sintéticas obtidas pelo
FAP, e o das abordagens gráfica e paramétrica, que modelo regional proposto acima.
não fazem conexão alguma entre essas curvas e a
teoria de probabilidades. Inicialmente, procedeu-se à seleção e à aná-
No primeiro caso, é escolhida uma distribu- lise dos dados fluviométricos, pluviométricos e eva-
ição de probabilidades teórica adequada para repre- porimétricos que subsidiaram os estudos. Os primei-
sentar a FAP de certa região homogênea, para em ros foram usados para as duas etapas metodológicas,
seguida seus parâmetros serem quantificados para enquanto os outros dois tipos de informações servi-
cada bacia hidrográfica com monitoramento fluvi- ram como entrada ao modelo chuva-vazão, sendo
ométrico. Finalmente, elabora-se um modelo regio- usados apenas na segunda parte, portanto.
nal que relaciona estes parâmetros a índices físicos, Definidas as estações fluviométricas a serem
climáticos, geológicos e geomorfológicos das áreas usadas, passou-se à delimitação de regiões homogê-
de contribuição. Por sua vez, o segundo conjunto de neas quanto às curvas de permanência de longo
métodos abrange aqueles que reproduzem as FDCs termo. Para tanto, foi utilizada a medida de hetero-
por relações analíticas, sendo que os parâmetros geneidade H, proposta por Hosking e Wallis (1997).
destas compõem os modelos regionais, e os que Resumidamente, essa medida baseia-se na compara-
usam uma FDC média adimensionalizada de valida- ção da variabilidade grupal de certas características
de regional, representada graficamente, e cuja variá- estatísticas dos postos de monitoramento, no caso,
vel-índice, a ser obtida por regressão com atributos fluviométrico, com a variabilidade esperada dessas
das bacias, é geralmente a vazão média de longo mesmas características em uma região supostamente
termo. homogênea (Naghettini e Pinto, 2007). As estatísti-
Castellarin et al. (2004b) realizaram amplo cas são calculadas com base na teoria de momentos-
estudo de comparação entre os três tipos de méto- L. A medida de heterogeneidade H foi calculada em
dos supracitados, aplicando-os a diferentes bacias separado para três conjuntos de amostras distintas:
italianas. Os autores concluíram que as confiabilida- (1) descargas médias anuais, (2) vazões médias diá-
des correspondentes aos diferentes métodos eram rias máximas anuais e (3) vazões médias diárias mí-
semelhantes, após comparação de índices calculados nimas anuais. Sendo assim, admitiu-se que as des-
sobre os resíduos. Dessa forma, Castellarin et al. cargas assim selecionadas foram suficientes para
(2007) propuseram um modelo estocástico de re- caracterizar os ramos superior e inferior e a porção
produção e regionalização de FDCs e AFDCs, cujos mais central da curva de permanência, e, portanto,
resultados foram superiores àqueles avaliados no o regime hidrológico de dada bacia hidrográfica até
trabalho de 2004. Uma adaptação desse novo méto- a seção fluvial de monitoramento.
do foi utilizada no estudo relatado no presente arti- Em seguida à delimitação de regiões homo-
go. gêneas, realizou-se a homogeneização do período de
dados escolhido para elaboração do modelo regio-
nal de FDCs, a fim de eliminar o efeito da variabili-
METODOLOGIA PARA CALIBRAÇÃO dade temporal sobre as descargas. Dessa forma,
DO MODELO A PARTIR DE CURVAS algumas estações fluviométricas foram eliminadas
DE PERMANÊNCIA SINTÉTICAS por demandarem longos períodos de preenchimen-
to.
Nos postos remanescentes, foram obtidas as
A metodologia deste trabalho dividiu-se em curvas de permanência de longo termo empíricas,
duas partes principais: sendo a permanência, ou duração, definida pela
fórmula de Weibull, ou seja, m /(n + 1) , onde m
• Definição de regiões homogêneas quanto às denota a ordem de classificação decrescente de cada
curvas de permanência de longo termo uma das n vazões sob análise.
(FDCs) e elaboração de um modelo regio- O método usado para reprodução e regio-
nal que permita a síntese dessas funções hi- nalização de FDCs baseou-se no modelo estocástico
drológicas em bacias não-monitoradas, des- da vazão-índice para curvas de permanência, pro-
de que essas atendam aos critérios de ho- posto por Castellarin et al. (2004a). Em sua concep-
mogeneidade. ção, as vazões médias diárias X podem ser represen-
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tadas pelo produto de duas variáveis aleatórias inde- desses modelos probabilísticos é uma adaptação da
pendentes, quais sejam: (1) a vazão média anual, metodologia original, na qual Castellarin et al.
doravante denotada por AF, e (2) a vazão média (2007) fizeram uso da distribuição Kapa de 4 parâ-
diária adimensionalizada pela AF do ano corres- metros.
pondente, nomeada por X’. Assim, como as FDCs Após a seleção das duas distribuições que
podem ser interpretadas como o complemento da haviam proporcionado o melhor ajuste em âmbito
função acumulada de probabilidades (FAP) das regional, os seus parâmetros, estimados pelo método
vazões médias diárias, tem-se que essa é dada por: dos momentos-L (Hosking e Wallis, 1997) foram
relacionados às características físicas, morfológicas e
xz climáticas das bacias hidrográficas, por meio de
FX (x ) = P{AF ⋅ X' ≤ x} = ∫ ∫ f AF, X' (v , z )dvdz (1) equações de regressão múltipla, utilizando as infor-
Ω X' af1
mações disponíveis em todos os postos que tiveram
suas séries homogeneizadas.
sendo ΩX’ o domínio da variável aleatória X’, af1 o Em seguida, foi realizado o procedimento
limite inferior do domínio da variável AF, fAF,X’ a de validação cruzada de jack-knife, a fim de avaliar a
função densidade de probabilidades conjuntas de confiabilidade e a robustez das equações que com-
AF e X’, e v e z são argumentos de integração das puseram o modelo regional de FDCs. Essa técnica
variáveis AF e X’, respectivamente. consiste em se retirar uma estação fluviométrica da
Caso se assuma que X’ e AF sejam indepen- análise e recalcular as relações regionais novamente,
dentes, então fAF,X’ torna-se igual ao produto das e obter por meio delas os parâmetros das duas dis-
duas funções densidades marginais dessas variáveis, tribuições selecionadas, a fim de estimar a FDC sin-
e a equação 1 pode ser escrita sob a seguinte forma: tética na estação retirada. A partir daí, são calcula-
dos os índices de desempenho, cuja base é dada
xz
FX (x ) = ∫ f X' (z ) ∫ f AF (v )dvdz = ∫ f X' (z ) ⋅ F AF (x z )dz (2)
pelas diferenças entre os valores observados e os
Ω X' af1 Ω X'
estimados. Esse processo é feito sucessivamente, até
que todas as estações tenham sido contempladas.
Ressalta-se que os atributos usados em cada equação
sendo fX’ a função densidade de probabilidades
de regressão foram os mesmos definidos nas rela-
(FDP) de X’, e FAF a função acumulada de probabi-
ções obtidas quando todas as estações foram consi-
lidades (FAP) de AF.
deradas de uma só vez, anteriormente à validação
A escolha por esse método deve-se à sua
cruzada.
formulação matemática, a qual dispensa a suposição
Uma vez calculadas as FDCs sintéticas nas
de hipóteses relativas à sazonalidade e à correlação
bacias envolvidas, obtidas no procedimento de jack-
serial das vazões médias diárias, e aos resultados
knife, pôde-se calibrar o modelo RIO GRANDE ten-
promissores revelados por sua aplicação às bacias
do-as como paradigma do processo de calibração.
italianas.
Para tanto, foi preparado um programa computa-
Definido o tipo de modelo para a regionali-
cional em linguagem de programação Visual Basic.
zação de FDCs, passou-se ao estudo estatístico das
Os dados de entrada constituíram-se basicamente
séries de AF e X’ nas estações fluviométricas selecio-
por: (1) alturas diárias de chuva, em mm, e de eva-
nadas para elaboração do modelo regional, de mo-
poração obtida em tanques evaporimétricos, tam-
do que fosse possível escolher as distribuições de
bém em mm, (2) área de drenagem, em km², e es-
probabilidades adequadas para explicar essas variá-
pecificação da forma dominante da bacia hidrográ-
veis. A seleção deu-se através do cálculo de indicado-
fica, (3) parâmetros das duas distribuições de pro-
res da qualidade do ajuste das FDCs sintéticas em
babilidades escolhidas, estimados pelas equações
relação às FDCs empíricas. Para cálculo da integral
regionais de jack-knife, (4) limites inferior e superior
disposta na equação 2, e da sua função inversa de
e valores iniciais dos parâmetros do modelo RIO
quantis, foi preparado um programa computacional,
GRANDE, (5) função-objetivo, número de avalia-
de forma a viabilizar o cálculo de diversas combina-
ções da mesma, e número de permanências a serem
ções entre as distribuições de probabilidades mais
usadas no seu cálculo.
utilizadas na descrição de variáveis hidrológicas: log-
O algoritmo de otimização de parâmetros
normal de 2 parâmetros, gama e Pearson-III para
acoplado ao programa foi o DDS (da sigla em inglês
explicar a variável AF, e log-normal de 3 parâmetros,
“Dynamically Dimensioned Search”), desenvolvido por
Generalizada de Pareto (GPA), e Log-Pearson III
Tolson (2005), que o descreve resumidamente co-
para a variável X’. Ressalta-se aqui que a prescrição
mo um método estocástico e heurístico de pesquisa
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de soluções otimizadas e satisfatórias em um hiper- Energética de Minas Gerais (CEMIG). Para os postos
espaço paramétrico, cujas dimensões vão decrescen- da rede hidrométrica da ANA, os históricos de cota
do ao longo do processo de busca. e vazão foram obtidos junto à Superintendência
Regional da CPRM (Serviço Geológico do Brasil),
enquanto para a rede da CEMIG, os dados foram
DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO NAS gentilmente cedidos pelo Departamento de Plane-
BACIAS DOS RIOS PARÁ E PARAOPEBA jamento Energético daquela empresa. Os dados
foram submetidos a uma análise de consistência,
sendo que muitos resultados dos estudos de regiona-
A escolha pelas bacias contribuintes aos rios lização de variáveis e funções hidrológicas de CPRM
Pará e Paraopeba esteve condicionada à disponibili- (2001) foram aproveitados nessa avaliação.
dade de dados pluviométricos, fluviométricos e eva- Para o preparo das amostras que subsidia-
porimétricos em quantidade suficiente para permitir ram o cálculo da medida H, foram usados os postos
a aplicação e verificação do método proposto para a fluviométricos que contivessem mais de 5 anos de
regionalização de curvas de permanência de longo dados. Ao final do procedimento de definição das
termo e da calibração do modelo chuva-vazão RIO regiões homogêneas, que é iterativo e feito a partir
GRANDE a partir de FDCs sintéticas em bacias sem da adaptação de rotinas de cálculo elaboradas por
monitoramento hidrométrico sistemático. Outro Hosking e Wallis (1997), chegou-se a apenas uma
fator determinante foi a existência de inúmeros região, composta por bacias correspondentes a 17
estudos de caracterização e de regionalização de estações fluviométricas, as quais se encontram ilus-
variáveis hidrológicas e climáticas, e de descrição tradas na Figura 1.
dos aspectos geológicos, geomorfológicos, hidrogeo- Em seguida, foram compilados os seguintes
lógicos e fisiográficos da região que engloba as duas atributos físicos das bacias hidrográficas correspon-
grandes bacias eleitas. dentes: área de drenagem (km²), comprimento
De acordo com descrição de Lima (2004, p. (km) e declividade média (m/km) do curso de água
148), “a bacia do rio Pará está inserida no quadrilá- principal, o desnível total observado em seu talvegue
tero formado pelas coordenadas geográficas apro- (m), as altitudes máxima (m) e mínima (m) da ba-
ximadas de 19º10’ e 20º45’ de latitude sul e 44º15’ e cia, a densidade de drenagem (junções/km2), os
45º20’ de longitude oeste, no estado de Minas Ge- coeficientes de forma e de compacidade, a precipi-
rais”, constituindo um dos principais afluentes da tação média anual (mm) espacializada na bacia, e o
porção alta do rio São Francisco, juntamente com o coeficiente de escoamento (para este, consultar
rio Paraopeba. Sua área total é de aproximadamente Tucci, 2002, p. 86). Todos os valores dessas caracte-
12.250 km². Os principais afluentes do rio principal rísticas foram extraídos dos trabalhos de CPRM
são os rios São João e do Peixe, pela margem direita, (2001). A chuva média anual foi espacializada nas
e os rios Itapecerica, Lambari e do Picão, pela outra bacias pelo método dos polígonos de Thiessen, com
margem. base em parte dos 157 postos pluviométricos anali-
Por sua vez, a bacia do rio Paraopeba, cuja sados em um estudo anterior de consistência de
área de drenagem é 13.640 km², localiza-se na am- dados, realizado pela CPRM para a bacia do rio São
plitude de coordenadas geográficas aproximadas de Francisco.
20º51’ e 18º35’ de latitude Sul e de 45º11’ e 43º38’
de longitude oeste. Seus principais afluentes são os Regionalização de Curvas de Permanência
rios Maranhão e Betim e o ribeirão São João, pela de Longo Termo
margem direita, e os rios Camapuã, Manso e Pardo e
os ribeirões Serra Azul e Florestal, pelo lado esquer- A regionalização de curvas de permanência
do. de longo termo (FDCs) foi realizada a partir de uma
adaptação do método proposto por Castellarin et al.
Seleção e Tratamento dos Dados Fluviométricos (2004a), aplicada a algumas estações fluviométricas
e Definição de Regiões Homogêneas integrantes da região homogênea delimitada. O
tema central da referida metodologia, também váli-
Foram selecionados 34 postos fluviométricos do para o presente caso, consiste na definição de
localizados no interior das bacias dos rios Pará e distribuições de probabilidades para as duas variá-
Paraopeba, entre aqueles pertencentes às redes da veis aleatórias cujo produto representa as vazões
Agência Nacional de Águas (ANA) e da Companhia médias diárias. Na seqüência, devem ser preparadas
equações regionais que relacionem os parâmetros
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gramas obtidos na calibração: cálculo do riores que calibraram o modelo RIO GRANDE por
coeficiente de Nash-Sutcliffe, dessa vez em meio de hidrogramas observados (Queiroga, 2003;
porcentagem, da raiz quadrada da média Lima, 2004). No entanto, o mesmo não pode ser
dos erros quadráticos (RMSE), e da média dito das médias dos resíduos, maiores do que os
dos valores absolutos dos erros relativos (A- encontrados nesses trabalhos. A relação entre os
APE). volumes, por sua vez, mostra que há boa reprodução
• Comparação entre os hidrogramas observa- dos volumes de escoamento gerado nas bacias en-
dos e os calculados na calibração: obtenção volvidas. Já o valor médio regional de AAPE (média
dos mesmos índices supracitados, e do resí- dos valores absolutos dos erros relativos) aponta que
duo médio e da relação entre os volumes, o modelo chuva-vazão em questão superestima ou
retirando-se sempre da análise o primeiro subestima as vazões médias diárias em 26%, varian-
ano, relativo ao aquecimento do modelo. do entre 19,5% (rio São João em Jaguaruna e Jagua-
runa Jusante) e 38,4% (rio Paraopeba em São Brás
do Suaçui Montante).
A Figura 8 apresenta os hidrogramas cali-
brados e observados na mesma estação fluviométrica
de Velho da Taipa, também objeto de ilustração da
Figura 7.
Os resíduos (Qcal — Qobs) também foram ana-
lisados, por meio da montagem de gráficos de sua
evolução temporal, nos quais se notou, na maioria
dos casos, a flutuação dos erros em torno de zero,
indicando a ausência de viés causado pelos parâme-
tros calibrados. Em algumas estações, verificou-se a
tendência de superestimar as vazões de estiagem,
sobretudo no ano 1996-1997, como ocorreu no rio
Pará em Ponte do Vilela (40130001-2) e no rio Pa-
raopeba em Porto do Mesquita (40865001). Tam-
Figura 7 — Ajuste da FDC calibrada em relação à FDC
bém foram observados erros maiores no período
sintética usada na calibração e à FDC empírica, no rio
chuvoso, comportamento esperado tendo em vista a
Pará em Velho da Taipa (40330000).
variabilidade intra-anual típica da região estudada. A
Figura 9 mostra esse comportamento na mesma
estação fluviométrica mostrada nas duas figuras
Os coeficientes de Nash obtidos, quando se
anteriores.
comparam as FDCs sintéticas às calibradas, situam-se
todos entre 90% de 100%, apontando qualidade
satisfatória para a calibração tendo tais curvas como
paradigma. Tais resultados são até mesmo superio-
res aos encontrados quando se utilizam hidrogramas
observados no processo de calibração (Queiroga,
2003; Lima, 2004), ressalvando-se que, nesse caso,
são eles próprios objeto de comparação. A Figura 7
exemplifica o ajuste entre as referidas FDCs no caso
de uma estação fluviométrica. Também foi colocada
a FDC empírica do período de outubro de 1992 a
setembro de 1998, a título de comparação.
No caso dos hidrogramas, observou-se que
em média para a região homogênea definida, o
modelo RIO GRANDE é capaz de explicar quase
60% da variância natural observada nas séries de
vazões médias diárias naturais, atingindo até mesmo
Figura 8 — Hidrogramas observados e calibrados no rio
84% no rio Paraopeba em Porto do Mesquita
Pará em Velho da Taipa (40330000).
(40865001). Os valores individuais do critério de
Nash são comparáveis aos obtidos em estudos ante-
153
Calibração de um Modelo Chuva-Vazão em Bacias sem Monitoramento Fluviométrico a partir de Curvas de Permanência Sintéticas
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RBRH – Revista Brasileira de Recursos Hídricos Volume 15 n.2 Abr/Jun 2010, 143-156
do rio Pará e do seu afluente rio São João. Nas áreas DUAN, Q.; SCHAAKE, J.; ANDREASSIAN, V. Model Parame-
contribuintes ao rio Paraopeba, os índices aponta- ter Estimation Experiment (MOPEX): An overview of
ram desempenho variável. science strategy and major results from the second
Em alguns postos, observou-se maior difi- and third workshops. Journal of Hydrology, vol. 320,
culdade do modelo em reproduzir as vazões de esti- p. 3–17, 2006.
agem, em relação às descargas de maior magnitude. KRASOVSKAIA, I.; GOTTSCHALK, L.; LEBLOIS, E.; PACHE-
Embora a pesquisa aqui descrita revele re- CO, A. Regionalization of Flow Duration Curves. In:
sultados promissores para a predição de vazões em Climate Variability and Change – Hydrological Im-
bacias com pouco ou nenhum monitoramento flu- pacts. Proceedings of the Fifth FRIEND World Con-
viométrico, recomenda-se que a metodologia seja ference, Havana, Cuba. IAHS Publication, v. 308, p.
testada em um conjunto mais amplo e complexo de 105-110, 2006.
bacias, de maior amplitude de escalas e de caracte- HOSKING, J. R. M. e WALLIS, J. R Regional Frequency Anal-
rísticas climáticas e geomorfológicas, na busca de ysis - An Approach Based on L-Moments, Cambridge
respostas a questões importantes para a generaliza- University Press, Cambridge, 228 p., 1997.
ção do método, tais como a aqui reportada sobre a LIMA, A. A. Metodologia Integrada para Determinação da
dificuldade de simular estiagens severas. Enchente de Projeto de Estruturas Hidráulicas por
meio de Séries Sintéticas de Precipitação e Modelos
Chuva-Vazão. Dissertação de Mestrado, Programa
AGRADECIMENTOS de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente
e Recursos Hídricos – UFMG, Belo Horizonte, 316
p., 2004.
Os autores agradecem à CPRM — Compa- QUEIROGA, Y. G. A. Estudo e Modelagem dos Erros de Si-
nhia de Pesquisa de Recursos Minerais, e à CEMIG — mulação Hidrológica e sua Assimilação na Previsão
Companhia Energética de Minas Gerais, pelo forne- de Vazões de Curto Prazo – O Caso da Bacia do Rio
cimento dos dados aqui usados, à CAPES, pela bolsa Grande na UHE Camargos. Dissertação de Mestra-
de mestrado de V. B. Pinheiro, e à FAPEMIG (PPM- do, Programa de Pós Graduação em Saneamento,
00158-09) e ao CNPq (301133/2009-3) pelos auxí- Meio Ambiente e Recursos Hídricos - UFMG, Belo
lios concedidos. Finalmente, os autores agradecem Horizonte, 348 p., 2003.
aos dois revisores anônimos, pelos seus pertinentes QUEIROGA, Y. G. A.; NAGHETTINI, M. C.; NASCIMENTO, N.
comentários e valiosas sugestões. O. Avaliação de um método de assimilação de erros
nas previsões de vazões de curto prazo afluentes ao
reservatório da UHE Camargos. Revista Brasileira de
REFERÊNCIAS Recursos Hídricos, v. 10, n. 3, p. 63-74, 2005.
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Key-words: Regionalization of long-term flow duration
curves, calibration of rainfall-runoff models.
Calibration Of A Rainfall-Runoff Model In Un-
gauged Basins Using Long-term Flow Duration
Curves
ABSTRACT
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