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REINADO
1. Introdução
Como mencionado, ao melhor estilo Brás Cubas, será exposto o defunto, ou seja, o
Segundo Império. É chamado assim não apenas no que envolve a distância temporal e também
o campo objetivo da própria política, mas por ser um Brasil que não existe mais em vários
aspectos. Para que isso fique mais claro, serão elencados fatos que sublinham aquilo que
compõe a boa historiografia, e depois será salientado ainda alguns méritos do período, para que
então sejam descritos os fatos – já listados – que fundamentaram a substituição política que
aconteceu em 1889.
Com a densa exposição feita desde a primeira aula, é possível familiarizar-se com o objeto
de estudo, e agora os fatos que fundamentaram a queda de um período da história do Brasil que
foi o de maior estabilidade – e o de melhor valor político –, podem ser melhor compreendidos.
Por que esse período era bom e o que ocorreu para a sua queda? Quando acontece esse tipo de
indagação, normalmente a explicação se dá em uma linha um tanto quanto maniqueísta, que
fundamenta princípios de historiadores reacionários. Este é aquele que tem uma visão
idealizada sobre o passado e que constrói sua narrativa buscando necessariamente torná-lo um
objeto de devoção no presente.
O elogio ao Segundo Reinado não se dá de maneira ortodoxa, e é feito sem disfarce. O que
é feito neste trabalho é a descrição dos fatos que compõem o ambiente histórico brasileiro, e
que lamentavelmente está em profunda decadência. Bernardo Pereira de Vasconcelos,
Bonifácio e outros foram listados e foi salientado o desejo patriótico deles. A busca por um
ideal patriótico era algo quase geral nos constitucionalistas “clássicos”. Ao olhar para os dias
atuais, nota-se que isso é algo que não se vê mais.
2. Formação do Estado
João Camilo de Oliveira Torres, nessa ideia do maniqueísmo, apresenta uma definição que
o coloca como uma extensão do messianismo político. Este se explica de uma maneira um tanto
quanto simples: antes de existir sociedade civil, primeiro surgiu o Estado. Neste, com Dom João
III, começou a haver o empreendimento colonial de fato, o que não quer dizer que antes dele o
Brasil estava abandonado e não provocava interesse. Ao contrário, o país despertou o interesse
português desde o primeiro ato de contato de Cabral até o último suspiro da presença
portuguesa, no sentido de o Brasil ser de seu próprio Reino.
Acontece que a constituição do Estado foi anterior a própria presença civil de uma
sociedade que se entendia ou portuguesa ou embrionariamente brasileira: primeiro houve a
presença jurídica para que depois houvesse a presença social. O mesmo fato ocorreu em 1824.
Ainda que a Constituição tenha tido um caráter popular, uma vez que o Dia do Fico, dentro das
proporções da época, foi desenvolvido com ampla participação popular, aquela é anterior à
construção de um povo brasileiro. Este tem o seu ápice de fato, ou ainda o seu elemento
constitutivo na Guerra do Paraguai, onde pessoas de diferentes regiões dialogam e defendem
juntas a mesma bandeira.
Primeiro houve um Estado em seus mais variados níveis políticos. Uma vez que este tinha
uma relação íntima, a partir do padroado, com todo o financiamento régio onde, no caso
brasileiro – ou seja, com a independência –, muitas vezes o clero fazia parte da corporação
burocrática pura e simples, houve um Estado que também tutelava a espiritualidade. Nesse
sentido, há uma construção messiânica e inclusive a gestão espiritual era cuidada pelo governo.
E tudo isso é importante para que se entenda o desenvolvimento político do Brasil e junto
a isso suas falhas e lacunas, para que a posteriori, questões como a Questão Religiosa, a
ascensão do positivismo e outros aspectos que culminarão na derrocada monárquica brasileira
sejam melhores compreendidos.
3. O maniqueísmo historiográfico
O maniqueísmo historiográfico deve ser sempre enfrentado a partir das próprias fontes e
documentos, mas existe algo que hoje é sonegado dentro do ambiente do ensino de história,
que, no entanto, é válido apresentá-lo. O Padre Julio Maria disse uma frase que é inspiradora
não apenas para historiadores, mas para todos os homens e toda a sociedade, porque aqueles
colaboram com a construção de um edifício. Dentro dessa alegoria, ele apresentou o seguinte:
“a História é um edifício onde a vontade do homem pode impor a decoração, mas não
determinar as linhas gerais, prescritas por leis imutáveis. É certo que a história não é
a crônica, nem a gazeta: é a harmonia do verdadeiro, do belo e do bom; é uma ciência
que ligando o presente ao passado como o efeito à causa, e os meios ao fim, transporta
para a ordem eterna do universo as leis que regem o mundo moral”. CARNEIRO,
Padre Julio Maria de Moraes, O Catolicismo no Brasil, pag. 24, Ed. Agir, Rio de
Janeiro, 1950.
4. Brasil sacral
Os católicos têm uma responsabilidade enquanto os fatos que construíram o solo brasileiro.
Nesse sentido, o Brasil foi sempre sacral, inclusive antes de sua existência no Ocidente. Antes
de existir o Brasil político, o país já era sacral, não só porque já estava no plano da eternidade,
mas também porque o país foi a resposta, dentro das medidas, a um contexto europeu e mundial
problemáticos.
Dentro dessas linhas, é preciso entender que a construção messiânica de Estado não
invalida, apenas descreve, o envolvimento católico e sacral que compõem a história brasileira
desde o primeiro momento. Para ilustrar: na Igreja do Pátio do Colégio, em São Paulo, o marco
zero de fundação da cidade e um dos pontos mais importantes do Brasil, é possível ver mais do
que o espaço inaciano. A partir do momento que existe uma Igreja dentro dessa estrutura de
Colégio, começa a ser desenvolvido pouco a pouco, em um certo raio, conceitos fundamentais
para o desenvolvimento social. A história do Brasil está acompanhada não só de uma inspiração
sacral, mas também de uma “presença” geográfica do espaço Católico.
E quando se fala em presença e “presença” geográfica é justamente para que não fique um
tanto quanto sinônimo o termo repetido, referindo-se a um legado pura e simplesmente material.
A presença católica no Brasil nunca se restringiu a um conceito arquitetônico. Por exemplo:
independente dos fatos, padres participavam das conversas e dos debates, de maneira virtuosa
ou não etc. Ou seja, a presença católica não é apenas material, mas também imaterial, dentro de
toda a história brasileira.
Era um imperador que trabalhava inegavelmente, tinha popularidade e que quando passava
nas ruas cariocas provocava quase que uma comoção urbana. Em algumas cidades,
principalmente se forem do interior, caso Dom Pedro II tenha passado por lá, ainda é possível
observar na maior parte dos casos, a preservação da memória do fato. Por exemplo: Triunfo,
cidade importante durante as estratégias militares da Guerra do Paraguai, preserva todo o legado
memorial da presença física da Família Real, principalmente de Dom Pedro II e do Conde D’eu.
É importante que se acompanhe esse desenvolvimento: primeiro, a construção de um
Estado, que tem como objeto definidor a sua sacralidade e o fato de ser anterior à construção
de um povo. Essa construção não é a de tipos humanos ideias, mas aquela no seu sentido
orgânico. Dentro desse desenvolver-se, em 1822 o Brasil torna-se independente e há em Dom
Pedro II o ponto alto – que se explica por seu empenho e pela popularidade construída – da
presença monárquica e de todo esse desenvolvimento.
Aristides Lobo descreve que o povo assistiu a proclamação republicana bestializado,
porque Dom Pedro II era popular. No entanto, esse adjetivo não é sinônimo de perfeição; ele
era popular, muito bem quisto, mas tinha um comportamento um tanto quanto imprudente,
descrito por Sérgio Buarque em sua obra Capítulos da história do Império:
“se é certo que sempre foi incansável no trabalho e no movimento, dominava-o de
outro lado a ideia fatalista de que todas as coisas haveriam de resolver-se a seu tempo,
convindo em tais condições evitar qualquer afoiteza”.
Neste trecho é possível observar um Dom Pedro II prudente, porém com uma prudência
que em muitos momentos tendeu mais à omissão que à atuação. Ao olhar para sua vida,
observam-se exemplos no seu convívio e na sua tolerância com homens que iriam derrubá-lo,
com teorias que iriam fundamentar isso, além da sua leitura um tanto quanto problemática de
seu entendimento de coroa etc. Joaquim Nabuco quando descreve a Questão Religiosa em sua
obra Um Estadista do Império, diz que Dom Pedro II apresentava uma intolerância e esta dava-
se por causa de seu próprio título, ou seja, havia um ali orgulho humano.
Quando se avalia tipos humanos, e por isso é importante sempre se recordar da ideia
maniqueísta, o historiador e a reflexão histórica não são uma espécie de tribunal. Faz-se
necessário descrever os fatos com a precisão mais avançada que se consegue alcançar a partir
de pesquisas. Este estudioso não é um juiz e dessa forma, ao descrever esses tipos humanos,
chegar-se-á a mesma conclusão de Nabuco, que quando descreve a postura do imperador na
Questão Religiosa, faz isso a partir de uma compreensão humana, mas não estabelece um denso
juízo implícito em seu texto. Ao emitir um juízo, ele deve estar explícito, e não estar posto a
partir de uma correção de fontes ou de uma anulação de fato histórico.
O Padre Julio Maria de Moraes Carneiro, por exemplo, em sua obra O Catolicismo no
Brasil, aborda de maneira precária e até parcial a história da escravidão no Brasil. A sua
descrição sobre o período colonial é muito boa, estilisticamente falando, porém, o triste legado
escravocrata é parcamente abordado. No entanto, é uma boa obra sob o ponto de vista
apologético, ainda que não cumpra uma defesa católica dentro dos períodos ímpares que o
Brasil viveu na história de suas turbulências.
6. Conclusão
Já foi visto, até aqui, um pouco da construção do Estado brasileiro, e com isso pode-se
entender que houve homens preocupados com o Brasil e tinham ideias patrióticos: Gilberto
Freyre, por exemplo, diz que Nabuco representa um tipo humano, o que é desacreditado
atualmente no sentido de que possa existir ou ter existido. O texto de Alencar atesta um século
XIX idealizado de uma maneira afetiva, porém isso não isenta o comportamento omisso e
imprudente de Dom Pedro II, que será o arco dos próximos capítulos.