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AULA 1 – UMA LONGA INTRODUÇÃO AO SEGUNDO

REINADO
1. Introdução
Falar de Segundo Reinado no Brasil é falar, antes de qualquer outra coisa, seguindo a linha
historiográfica de Fernand Braudel, de um objeto de longa duração, ou seja, sobre um tema que
orbita dentro do legado brasileiro, e de sua gênese, inclusive a política. É também, portanto,
falar de uma história que possui as suas continuidades, uma vez que, por exemplo, falar algo
bem óbvio como Dom Pedro II é filho de Dom Pedro I, apresenta que no próprio ambiente
familiar, em seus próprios cromossomos, há uma ideia objetiva de continuidade.
Entre os dois momentos de Primeiro e Segundo Reinado há o período regencial, que nas
palavras de Joaquim Nabuco foi o embrião do governo posterior, e seguindo o pensamento de
João Camilo de Oliveira Torres, a estrutura política que deu a manutenção necessária para que
o Segundo Reinando tivesse os êxitos que lhe são devidos. Quando se fala que lhe são devidos,
fala-se do ponto de vista contemporâneo, ou seja, do sujeito que analisa o passado e que deve,
a partir da análise escorada na boa historiografia, ou seja, no bom acesso às fontes, reconhecer
os méritos do objeto que analisa, assim como apresentar as suas mazelas.

1.1. Objetivo
O objetivo deste curso é apresentar de forma cristalina a história do Brasil no Segundo
Reinado, escorando-se em fontes da boa historiografia. Serão reconhecidos, portanto, méritos
e deméritos de pessoas cujo simples pronunciamento do nome causa reações antecipadas. Por
exemplo, Sérgio Buarque de Holanda é muitas vezes repelido tão somente por seu nome. Apesar
de ser possível discordar de muitos de seus escritos, há também méritos em sua obra, como a
justeza de sua descrição biográfica do tipo político de Dom Pedro II, em especial seu caráter
após a Guerra do Paraguai, onde acentua-se sua maturidade política. O essencial do bom
historiador é saber dialogar até com os mais antipáticos à sua pessoa, sempre escorado na boa
dialética.
Também é objetivo resgatar notáveis que descreveram o Segundo Reinado, não apenas
contemporâneos como José Murilo de Carvalho, Hélio Viana, Heitor Lira, Pedro Calmon, entre
outros que escreveram biografias ou tratados sobre o próprio período, mas outros historiadores
que orbitam o próprio objeto analítico estudado.
Kátia Mattoso em seu trabalho sobre escravos – Ser escravo no Brasil –, é alguém que
escreveu sobre um tema que tocou especificamente o Segundo Reinado. Quando se trata de
escravidão não é possível isolar um período da história, ou seja, no mínimo, inclui-se o Período
Colonial, o Primeiro Reinado, o Período Regencial e o Segundo Reinado. Portanto,
historiadores como a citada que orbitam o objeto de estudo – o Segundo Reinado –, que o tratam
de maneira muitas vezes indireta, serão trabalhados neste curso de caráter preambular.
O objetivo do curso não é discutir bem ou mal o legado português do Brasil. Ainda que se
pretenda abordá-lo – o que é inescapável, uma vez que falar de Segundo Reinado é falar de
uma tradição Bragança – o objeto central não será este; também não será tratado como se iniciou
a escravidão nas terras brasileiras, no entanto será um tema abordado já como um elemento de
continuidade.

2. Continuidade
Quando é dito continuidade é necessário trazer ao debate dois pesquisadores distintos entre
si, a saber: José Ortega y Gasset e Jacques Le Goff.
Ortega y Gasset trabalhou com uma ideia muito cara a muitos pesquisadores brasileiros,
como Afrânio Coutinho, de que a partir do momento em que o europeu e o indígena se
encontraram houve ali um fato novo, em outras palavras, um novo ambiente. Porém, este que é
um sinal objetivo de ruptura, dentro da história do Brasil tem uma característica de
continuidade. Por exemplo, a língua falada é o português, explicitando-se, portanto, o próprio
elemento de legado, que antecede inclusive a própria ideia de Brasil.
Então, quando se fala em continuidade histórica e também de um fato novo, ou seja, um
momento de força arrebatadora de um instante definitivo, como o próprio descobrimento do
Brasil, é falado sim sobre um novo momento da história do mundo, porém, que irá inaugurar
momentos que lhe são pares, em outras palavras, continuidades, heranças.
Aprende-se na escola os períodos a partir de divisões que, na maior parte das vezes, se
tratam de divisões políticas: o Período Colonial, seguindo-se a este a Era Joanina, a
Independência do Brasil, o Período Regencial, e por fim o Segundo Reinado. Estas rupturas
têm a característica do elemento objetivo que é o político. Há essa ideia de ruptura, no entanto,
ao olhar para o elemento do padroado há acontecimentos que acentuam não um fato novo dentro
da história, mas uma continuidade. Outro exemplo é a língua portuguesa. Ainda que, em 1824,
com a Constituição Imperial, haja uma clara ruptura jurídica, continua-se este processo de
civilização, ambiente este que até hoje não foi concluído. Faz-se inclusive um adendo aos
próprios fatos contemporâneos de que o Brasil ainda não é um país com saneamento básico
pleno, por exemplo. Então, encontra-se o país, enquanto sociedade, numa marcha de processo
de civilização, em seu sentido não só substantivo, mas também adjetivo.

3. Padroado
Ao observar a ideia de padroado encontra-se uma herança do próprio Estado português,
uma concessão que fundamenta todo o princípio do chamado Brasil colônia, ou semicolônia,
ou ainda Brasil-Português – há uma série de definições sobre isto.
Dentro desse processo de civilização escorada numa tradição de padroado, houve a
dependência que este teve de uma herança, ou seja, uma continuidade e, mais do que isso, o
legado dado. Ao olhar a tradição portuguesa e focar em, por exemplo, Dom Afonso Henriques
e Dom José, observa-se dois homens distintos, que exerceram a sua política de maneiras
diferentes; ambos tiveram as mesmas concessões, ainda que com temporalidades, obviamente,
distintas, mas ainda assim fala-se do padroado que exige certa linha moral perene. No entanto,
dentro da história do Brasil o padroado no Período Colonial chegará a uma falência, e isto fará
com que surjam embriões que no futuro desencadearão nas chamadas Reformas Pombalinas.
4. Jesuítas
Ainda sobre o padroado: por que as Reformas Pombalinas atacaram muito mais os jesuítas
do que qualquer outra ordem? Ora, porque eles, dentro desta situação de um padroado que tem
na sua gênese política a dependência que a fé católica seja mantida dentro daquele ambiente
familiar – uma herança –, possuíam a característica, especialmente nos contextos de século
XVII e XVIII, de representar o chamado ultramontanismo, pois seu fundo de obediência
concentrava-se em Roma, no Papa. O padroado, por sua vez, no momento em que começou a
entrar em decadência, especificava qual o tipo de Estado e qual o tipo de ordem serviria a ele.
Ainda que com abusos e com erros que devem ser analisados especificamente, o legado
histórico e historiográfico – há distinção entre os dois – dos jesuítas é um legado de martírio.
Não se pode esquecer que o Brasil possui o seu solo irrigado pelo suor de Anchieta; é algo
inescapável e mesmo que se odeie os jesuítas, não é possível negar a justa referência a esta
ordem sem faltar com a verdade. Referência esta, deixa-se clarividente, ainda apenas do ponto
de vista histórico.
Anchieta foi um homem manco, com limitações físicas e que muito caminhou para alcançar
seus objetivos; do ponto de vista de dedicação, fez um esforço inquestionável, e olhar ainda
para ele sob o ponto de vista de reverência seria mais apropriado por tudo o que ele fez. E mais:
se olhar para ele enquanto biografia, empreendimento humano, labor espiritual em busca da
santidade, domínio da língua, dedicação intelectual, etc., esta admiração se amplia.

5. Declínio do padroado e as Reformas Pombalinas


Jacques Le Goff apresenta a ideia de que a história pode ser dividida, mas se vê que no
Brasil há uma continuidade, ou seja, nem sempre pode dividir-se a sua história. Exemplo disso
foi o padroado supracitado, mas também poderia ser a escravidão, a língua portuguesa, entre
outros.
No padroado, portanto, há uma falência enquanto sistema, porque, como já dito, exige uma
dedicação futura por parte do Imperador. Na história de Portugal há Dom Afonso Henriques e
Dom José, que são dois extremos para demonstrar que o padroado tem em si um caráter de
limitação, pois pode servir ao Estado, ou seja, pode deixar a Igreja refém deste. A partir do
momento em que o rei e/ou imperador paga o clero, este passa a ser muitas vezes dentro de um
ambiente que macula o sentido de padroado, um burocrata. É importante lembrar junto a tudo
isso, ao falar de padroado no Brasil, que é por causa da necessidade colonial que ele se justifica.
Acontece que durante os trezentos e oito anos de desenvolvimento civilizacional a partir
de Cabral, o padroado chegará a uma falência, e haverá ordens brigando entre si. Então, neste
sentido de serviço a uma nação, os jesuítas rebelaram-se sempre como soldados de Roma. Por
esta razão, no caso brasileiro, o ultramontanismo é um conceito fundamental para que se
entenda a queda do Segundo Reinado, uma vez que esta terá como um de seus maiores motivos
a Questão Religiosa, desencadeada justamente por este conceito. É preciso colocar tudo dentro
de uma certa ideia de continuidade para que se possa pensar Dom Vital, e também o Syllabus
de Pio IX como respostas a uma decadência de um sistema que foi embrionário dentro do
processo civilizacional.
Para maior fixação: ocorre a falência do padroado, porque há uma dependência, uma ideia
de continuidade que nem sempre foi aplicada; os jesuítas desenvolvem aqui um Estado dentro
do Estado, usando a linguagem pombalina. Se eram ou não um Estado dentro do Estado, o fato
é que tinham independência, não dependiam mais do padroado nem de Portugal, tinham as
reduções e a possibilidade de desenvolver-se. Dentro desse desenvolvimento acontecem as
chamadas Reformas Pombalinas, que trouxeram problemas no que toca os índios – causando
certa dispersão no ambiente indígena –, legitimam o português como língua oficial, e ainda
trazem outra consequência: o esvaziamento de um processo que estava intimamente ligado ao
desenvolvimento brasileiro de solo humano.
Ou seja, com Pombal há uma ruptura com aquele suor que irrigou o solo do Brasil, que é o
de Anchieta. Obviamente, nem todos os jesuítas eram Anchieta, tendo em visto que certas
reduções, por exemplo, exploraram a mão de obra escrava. No entanto, outras serão, ao
contrário, acolhedoras, desenvolvendo um processo de resposta a esta escravidão, que é a
grande mazela civilizacional dentro da história do Brasil.
O padroado tem então a sua falência e Pombal é a personificação dela. Além disto, no
Segundo Reinado, o padroado que não foi concedido diretamente pela Santa Sé. Uma coisa é o
processo marítimo de Portugal, outra é este Estado que nasceu e pediu à Santa Sé para ter ainda
a burocracia de uma Igreja do Estado. Percebe-se a diferença: a primeira foi uma concessão, e
num segundo momento houve uma permissão. Ainda que estas palavras soem como sinônimos
nem sempre têm o mesmo significado.
O legado de um primeiro imperador foi pedir e foi desenvolver meios para que o país
continuasse confessional. Quando Dom Vital e Dom Macedo Costa vão de encontro com as
políticas de Segundo Reinado, com as políticas de um padroado à brasileira, com uma
burocracia de Estado, com uma confessionalidade que tornava o catolicismo no Brasil quase
que um anglicanismo às avessas, continuaram, bem ou mal, esta mesma briga que nasce nos
princípios do século XVIII entre ultramontanos e católicos de Estado.
Então, a história pode ser sim dividida. Dependendo do recorte, pode-se dividi-la a partir
dos momentos políticos, como aprende-se na escola. Porém, quando se olha para o específico,
observa-se também um caráter de continuidade. Por isso que se tem o padroado, pois há um
elemento que liga a história do Brasil desde a Colônia até o Segundo Reinado – ou até mesmo
aos tempos contemporâneos. Por exemplo: a teologia da libertação foi disseminada dentro dos
ambientes inacianos. Há uma consequência ou não desse processo de ruptura pombalina, de
ruptura dentro da Santa Sé, enfim, de todos esses problemas que os jesuítas vivenciaram
enquanto ordem dentro do recorte analisado? É evidente que sim.
No caso do Brasil, há uma situação em que o Segundo Reinado está intimamente ligado ao
sentido de Colônia, não só no contexto de padroado, mas também no de escravidão, dentre
outros problemas. Nisto se observa o caráter continuo da história brasileira.

6. Conclusão
Foram apresentados: o sentido de Ortega y Gasset, ou seja, o contato civilizacional em
suma provocou um fato novo, portanto, houve uma nova história; e a linha de Jacques Le Goff
sobre se a história pode ser recortada, dividida. Estes dois momentos foram mostrados para
evidenciar que não se questiona o fato novo, porque ele é evidente. E no que envolve a história
do Brasil, ocorrem sim fatos novos, como por exemplo a Constituição de 1824, mas que estão
intimamente ligados a elementos que os antecedem.
Então, a história do Segundo Reinado tem por característica um passado muitas vezes
explícito de forma óbvia, como já dito acima: Dom Pedro II, filho de Dom Pedro I, que encarna
uma ideia de continuação. E da mesma forma acontece com o objeto de estudo enquanto
período. Além disso, este tem uma marca, uma fonte material que o define, e esta foi a já citada
Constituição outorgada.

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