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Pausa para um café IV:

Sobre a ignorância sutil de um povo

Se alguma mudança social profunda precisa ocorrer no Brasil, com certeza ela não iniciarà
no Sul, menos ainda em Santa Catarina, e de modo algum em Joaçaba. Sim, alguns lugares
nasceram para ser coadjuvantes, ou mesmo para ficar na sombra da história. Na atual conjuntura de
nosso Brasil, Caetés, nos confins do Pernambuco, tornou-se uma cidade muito mais importante do
que nossos pequenos paraísos sulistas de ordem e bom-senso.
De fato, diante dos resultados do primeiro turno em Santa Catarina e Joaçaba, passei a me
interrogar se não estamos ainda numa época colonialista. Certamente, votação marcada por uma
tendência tão expressiva de dois partidos de centro-direita faria pensar em curral eleitoral se se
tratasse do Nordeste. Mas como se trata dos rincões esclarecidos do Sul, temos o vício
interpretativo de pensar que se trata de esclarecimento.
Ora pois, por que isso seria menos ilusão do que o voto de famintos querendo manter uma
bolsa família? Por que essa tendência amplamente conservadora seria menos vítima de alienação e
de manipulação política? Claro, tendemos a pensar que somente os pobres e ignorantes é que são
manipulados, simplesmente por que a manipulação que lhes atinge é mais grosseira e visível. E
também por que enquanto nos saciamos com a crença nos currais eleitorais do Norte e Nordeste,
não nos damos ao trabalho de interrogar nossas próprias crenças.
A mim parece que o resultado dessas eleições mostra de maneira clara o potencial de
cegueira do povo catarinense, o quanto este povo está preocupado com seu mundinho de bem estar
social; o quanto esta gente se contenta com a manutenção dos seus confortos adquiridos. Não há
nada de errado nisso, por certo, mas o problema é que nossos confortos foram construídos
historicamente sobre a desigualdade social; e sobre as desigualdades regionais, em se pensando no
macro contexto brasileiro.
Chegou o tempo, todavia, em que o Brasil não pode mais avançar sobre estas bases, pois
que elas são no fim das contas contra-producentes e acabam por produzir deficiências no
funcionamento do sistema. Apesar dos milhares de pesares, a alternância de poder que tivemos oito
anos atrás alavancou o necessário processo de re-equilíbrio social. Isso, porém, é um investimento
de longo prazo, a ser contabilizado nas gerações futuras. Nosso imediatismo, nossa sede de bem-
estar e de conforto, em geral esquece de inserir o equilíbrio social como um elemento chave do
futuro de nosso país. Não! Ficamos, como diz o poeta Thiago de Mello, bordando de ouro nosso
umbigo engelhado.
E duvido muito que, salvo exceções, alguém com sua vida ganha e casa na praia esteja
sofrendo por um miserável com dez filhos e que mal tem dinheiro para botar comida na mesa uma
vez por dia. Típicos exemplares da alienação conservadora, tendemos a naturalizar tais situações,
como se fossem obra de uma natureza vagabunda, ou do despreparo intelectual que leva o sujeito a
fazer tantos filhos face a uma situação precária, ou – supra-sumo da hipocrisia – culpa de um
regime coronelista que teria interesse em manter a população ignorante. E esse interesse existe de
fato... Só que nós, os sulistas agraciados pela natureza, cuidamos com muito zelo para não ver nisso
tudo nossa própria parcela de responsabilidade; e menos ainda o quanto somos nós, muitas vezes, os
ignorantes da história.
Caetés, mesmo pobre, tornou-se mais importante do que nossas cidades esbanjando IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano), pois que nosso IDH de país rico não serve para nada senão
realimentar nossas riquezas, enquanto que da pobre Caetés pôde surgir um representante da
inteligência sutil do povo, inteligência essa que sente na pele o quanto nossa atual estrutura social é
insustentável. Não se trata aqui de fazer elogio de uma personalidade. Personalidades tornam-se
inevitavelmente falsas ou artificiais, ou ambos. Cabe notar, entretanto, que mais vale investir numa
tal inteligência sutil do que nos repetidos representantes da ignorância, os quais insistimos em
recolocar nas esferas de poder incessantemente (que o digam as urnas!).
Com efeito, se uma revolução social estiver sendo gestada em nosso Brasil, ela não terá
sua origem em Santa Catarina, e tenho cá minhas suspeitas de que o catarinense se uniria antes aos
legalistas que aos farrapos...

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