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Índice
1. Artigo Correlato
1.1 Definição de crime organizado e a convenção de Palermo
2. Jurisprudência Correlata
2.1 STJ – HC 77771 / SP
2.2 STJ – HC 41885 / RJ
3. Assista!!!
3.1 Gravação telefônica ou ambiental
4. Leia!!!
4.1 Crime organizado: que se entende por isso depois da Lei n. 10.217, de 11.04.01?
5. Simulados
1. ARTIGO CORRELATO
Autor: Luiz Flávio Gomes; Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri. Mestre
em Direito Penal pela USP. Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Co-coordenador dos cursos de
pós-graduação da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a
1998) e Advogado (1999 a 2001).
Até hoje não temos, no Brasil, uma lei que defina (texto legal explicativo) o conceito (a ideia) de crime
organizado. Há uma corrente doutrinária que vem procurando se valer, para isso, da definição dada
pela Convenção de Palermo (sobre criminalidade transnacional), que é a seguinte: " (...) grupo
estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o
propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de
obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material".
2. Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98, que não requer nenhum crime
antecedente específico para efeito da configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que
seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei n.º 9.034/95, com
a redação dada pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.° 231, de 29 de maio de 2003,
que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada
pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004. Precedente".
1º) a definição de crime organizado contida na Convenção de Palermo é muito ampla, genérica, e viola
a garantia da taxatividade (ou de certeza), que é uma das garantias emanadas do princípio da
legalidade;
2º) a definição dada, caso seja superada a primeira censura acima exposta, vale para nossas relações
com o direito internacional, não com o direito interno; de outro lado, é da essência dessa definição a
natureza transnacional do delito (logo, delito interno, ainda que organizado, não se encaixa nessa
definição). Note-se que a Convenção exige "(...) grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente
há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações
graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício
econômico ou outro benefício material". Todas as infrações enunciadas na Convenção versam sobre a
criminalidade transnacional. Logo, não é qualquer criminalidade organizada que se encaixa nessa
definição. Sem a singularidade da transnacionalidade não há que se falar em adequação típica, do
ponto de vista formal;
3º) definições dadas pelas convenções ou tratados internacionais jamais valem para reger nossas
relações com o Direito penal interno em razão da exigência do princípio da democracia (ou garantia da
lex populi).
Vejamos: quando se trata das relações do indivíduo com organismos internacionais (com o Tribunal
Penal Internacional, v.g.), os tratados e convenções constituem as diretas fontes desse Direito penal,
ou seja, eles definem os crimes e as penas. É o que foi feito, por exemplo, no Tratado de Roma (que
criou o TPI). Nele acham-se contemplados os crimes internacionais (crimes de guerra, contra a
humanidade etc.) e suas respectivas sanções penais. Como se trata de um ius puniendi que pertence
ao TPI (organismo supranacional), a única fonte (direta) desse Direito penal só pode mesmo ser um
Tratado internacional. Quem produz esse específico Direito penal são os Estados soberanos que
subscrevem e ratificam o respectivo tratado.
Cuidando-se do Direito penal interno (relações do indivíduo com o ius puniendi do Estado brasileiro)
tais tratados e convenções não podem servir de fonte do Direito penal incriminador, ou seja, nenhum
documento internacional, em matéria de definição de crimes e penas, pode ser fonte normativa direta
válida para o Direito interno brasileiro. O Tratado de Palermo (que definiu o crime organizado
transnacional), por exemplo, não possui valor normativo suficiente para delimitar internamente o
conceito de organização criminosa (até hoje inexistente no nosso país).
Fundamento: o que acaba de ser dito fundamenta-se no seguinte: quem tem poder para celebrar
tratados e convenções é o Presidente da República (Poder Executivo) (CF, art. 84, VIII), mas sua
vontade (unilateral) não produz nenhum efeito jurídico enquanto o Congresso Nacional não aprovar
(referendar) definitivamente o documento internacional (CF, art. 49, I). O Parlamento brasileiro, de
qualquer modo, não pode alterar o conteúdo daquilo que foi subscrito pelo Presidente da República
(em outras palavras: não pode alterar o conteúdo do Tratado ou da Convenção). O que resulta
aprovado, por decreto legislativo, não é fruto ou expressão das discussões parlamentares, que não
contam com poderes para alterar o conteúdo do que foi celebrado pelo Presidente da República. Uma
vez referendado o Tratado, cabe ao Presidente do Senado Federal a promulgação do texto (CF, art.
57, § 5º), que será publicado no Diário Oficial. Mas isso não significa que o Tratado já possua
Notas
Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 2. ed., São Paulo: RT, 2007,
p. 291 e ss.
Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12957
2. JURISPRUDÊNCIA CORRELATA
HABEAS CORPUS
Relator: Ministra LAURITA VAZ
Órgão Julgador: QUINTA TURMA
Julgamento: 22/09/2008
Ementa: HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. INCISO VII DO ART. 1.º DA LEI N.º 9.613/98.
APLICABILIDADE. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONVENÇÃO DE PALERMO APROVADA PELO DECRETO
LEGISLATIVO N.º 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E PROMULGADA PELO DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE
MARÇO DE 2004. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS
SUFICIENTES PARA A PERSECUÇÃO PENAL. 1. Hipótese em que a denúncia descreve a existência de
organização criminosa que se valia da estrutura de entidade religiosa e empresas vinculadas, para
arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante variadas fraudes – mormente estelionatos –,
desviando os numerários oferecidos para determinadas finalidades ligadas à Igreja em proveito
próprio e de terceiros, além de pretensamente lucrar na condução das diversas empresas citadas,
algumas por meio de “testas-de-ferro”, desvirtuando suas atividades eminentemente assistenciais,
aplicando seguidos golpes. 2. Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98,
que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de
lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada
no art. 1.º da Lei n.º 9.034/95, com a redação dada pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto
Legislativo n.° 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o
Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004.
Precedente. 3. O recebimento da denúncia, que se traduz em mera admissibilidade da acusação
diante da existência de sérios indícios de autoria e materialidade, mostra-se adequado, inexistindo a
alegada inépcia, porquanto preenchidos todos seus pressupostos legais. 4. Nesta fase inaugural da
persecução criminal, não é exigível, tampouco viável dentro do nosso sistema processual penal, a
demonstração cabal de provas contundentes pela acusação. Esse grau de certeza é reservado para a
prolação do juízo de mérito. Este sim deve estar calcado em bases sólidas, para eventual condenação.
5. Mostra-se, portanto, prematuro e temerário o acolhimento do pedido da defesa de trancamento da
ação penal, de maneira sumária, retirando do Estado, de antemão, o direito e, sobretudo, o dever de
investigar e processar, quando há elementos mínimos necessários para a persecução criminal. 6.
Ordem denegada.
HABEAS CORPUS
Relator: Ministro PAULO MEDINA
Órgão Julgador: SEXTA TURMA
Julgamento: 18/08/2005
3. ASSISTA!!!
Fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090409114825522
4. LEIA !!!
4.1 CRIME ORGANIZADO: QUE SE ENTENDE POR ISSO DEPOIS DA LEI N. 10.217, DE 11.04.01?
A única lei que regia o crime organizado no Brasil, até pouco tempo, era a de n. 9.034/95. Em abril de
2001 ingressou no nosso ordenamento jurídico um novo texto legislativo (Lei 10.217/01), que modificou
os artigos 1º e 2º. A partir dessa lei, são três fenômenos absolutamente distintos: a quadrilha ou bando,
as associações criminosas e as organizações criminosas. As duas primeiras já estão conceituadas no
nosso Direito. Ninguém sabe o que é organização criminosa. Logo, grande parte da Lei 9.034/95 perdeu
eficácia.
QUESTIONÁRIO
7. Qual é hoje o âmbito de incidência da 9.034/95? Que se entende por quadrilha ou bando ou associação
criminosa "de qualquer tipo"?
9. Que se entende por ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou
associações criminosas?
A única lei que regia o crime organizado no Brasil, até pouco tempo, era a de n. 9.034/95. Em abril de
2001 ingressou no nosso ordenamento jurídico um novo texto legislativo (Lei 10.217/01), que modificou
os artigos 1º e 2º do diploma legal acima citado, além de contemplar dois novos institutos investigativos:
interceptação ambiental e infiltração policial.
Nosso legislador, sem ter a mínima idéia dos (geralmente nefastos) efeitos colaterais de toda sua (intensa
e confusa) produção legislativa, talvez jamais tenha imaginado que, com o novo texto legal, como
veremos logo a seguir, estaria eliminando a eficácia de inúmeros dispositivos legais contidos na Lei
9.034/95.
Dentre eles (arts. 2º, II, 4º, 5º, 6º, 7º e 10º) acha-se o art. 7º, que proíbe a liberdade provisória "aos
agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa".
Na esteira desse último diploma legal (que, doravante, já não poderá ter aplicação), a jurisprudência
vinha decidindo:
STJ - HABEAS CORPUS Nº 15.305 - RS (2000/0138747-2) (DJU 13.08.01, SEÇÃO 1, P. 288, J. 06.03.01)
EMENTA
2. Caracterizada a intensa e efetiva participação dos agentes na organização criminosa - tendo-os como
responsáveis pelo transporte de mercadorias que ingressavam no território nacional sem a devida
fiscalização da autoridade competente, valendo-se de informações privilegiadas e, em contraprestação,
oferecendo vantagem indevida a agentes públicos -, há de se preservá-los sob custódia preventiva.
3. A real possibilidade de fuga para o exterior em face da existência de vultoso fluxo financeiro dos
agentes no Uruguai constitui óbice à concessão de liberdade provisória, tendo em vista a garantia da
aplicação da lei penal. Nessa hipótese, presta-se confiabilidade ao juízo da causa, máxime porque,
presidindo a ação penal, tem-se-no como órgão mais sensível às vicissitudes do processo.
4. Não será concedida fiança quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão
preventiva (artigo 324, inciso IV, do Código de Processo Penal). 5. Não correm os prazos se há força
maior ou obstáculo judicial oposto pela parte contrária (artigo 798, parágrafo 4º, do Código de Processo
Penal).
6. "Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa."
(Súmula do STJ, Enunciado nº 64).
7. Ordem denegada.
Com o advento da Lei 10.217/01 e tendo em vista o princípio da legalidade estrita, impõe-se aos juízes e
tribunais, que vinham dando certa efetividade a muitos dos dispositivos legais contemplados na Lei
9.034/95, revisarem seu anterior posicionamento em relação aos vários dispositivos legais mencionados.
Mais precisamente, todos que têm como base comum as organizações criminosas.
Todos perderam eficácia, após a referida lei, porque não se sabe (e tampouco agora existe qualquer
margem para uma possível interpretação construtiva), no ordenamento jurídico brasileiro, o que se
entende por organização criminosa. Vejamos:
A Lei 9.034/95, que dispõe "sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de
ações praticadas por organizações criminosas", não definiu o que se deve compreender por "organizações
criminosas". Foi feita para cuidar desse assunto, mas juridicamente continuamos sem saber do que se
trata.
Dir-se-ia que ficou por conta do intérprete e do juiz a tarefa de descobrir o real âmbito de incidência da
lei. Ocorre que definições como as que estão em destaque (crime organizado, organização criminosa)
constituem tarefa exclusiva do legislador, por força do princípio da legalidade (ou da reserva legal). E
nada mais inseguro que deixar sob a responsabilidade de cada juiz a incumbência de dar a moldura do
tipo penal. O princípio da anterioridade da lei criminal (não há crime sem lei anterior que o defina) obriga
que a lei (clara e inequívoca) delimite o âmbito do proibido previamente (leia-se: antes do cometimento
do fato). Sem lei prévia é impossível a incidência de qualquer medida restritiva dos direitos e liberdades
fundamentais.
Gimbernat Ordeig, em seu livro Conceito e método da ciência do Direito penal (trad. de J.C. Pagliuca; ver.
de L.F.Gomes, São Paulo: RT, 2002, no prelo) bem salienta o fundamento do princípio da legalidade: "fato
é que a comunidade, para proteger interesses jurídicos de suma importância, pode restringir a liberdade
do indivíduo; porém, esta intervenção é de uma transcendência tal que o cidadão pode exigir que lhe
digam, com clareza, quais são os comportamentos motivadores de uma reação estatal tão radical; pode
exigir que lhe seja garantido que não sucederá, de uma hora para outra, encontrar-se
Em suma: é caso de perda de eficácia jurídica (por não sabermos o que se entende por organização
criminosa), não de revogação ou derrogação (perda de vigência). Parece muito útil aqui recordar alguns
conceitos: vigência, vigor, validade, eficácia jurídica, eficácia social e legitimidade da lei.
Vigência significa a existência (formal) de uma norma em determinada época, que é posta no mundo
jurídico para regular (com pretensão de obrigatoriedade) relações sociais aqui e agora (hic et nunc); vigor
é a qualidade do preceito normativo que revela sua força vinculante, ainda que a norma perca sua
vigência (muitas vezes, apesar da parda da vigência de uma lei, ela continua em vigor, leia-se, continua
produzindo efeitos para fatos ocorridos antes da revogação); validade consiste na coerência (vertical) da
lei com a Constituição; eficácia jurídica vem a ser a qualidade da lei vigente de produzir efeitos jurídicos
concretos e imediatos (o que pressupõe preenchidas todas as condições técnicas de aplicação); eficácia
social relaciona-se com o fato de se saber se os destinatários estão se motivando (se ajustando) aos
comandos normativos do texto legal; legitimidade diz respeito à correspondência do texto legal com os
fundamentos éticos e axiológicos de cada momento histórico[1].
Reitere-se: todos os textos legais que fazem referência à organização criminosa não contam com eficácia
jurídica, leia-se, não produzem efeitos jurídicos concretos e imediatos (não podem ser aplicados) porque
não preenchidas todas as condições técnicas de sua aplicação. No dia em que o legislador revelar
(juridicamente) o conteúdo desse conceito vago e poroso, tais dispositivos legais voltam a ter (ou terão)
eficácia jurídica plena.
Por ora continuam vigentes, mas não podem ser aplicados porque não são auto-executáveis (self-
executing; self-enforcing; self-acting), leia-se, ostentam eficácia jurídica limitada ou restrita ou contida
(são normas, em outras palavras, não auto-executáveis - not self-executing; not self-enforcing; not self-
acting).
Com base na redação original do artigo art. 1º da Lei 9.034/95 ("Esta Lei define e regula meios de prova
e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando")
chegamos a sustentar que, numa interpretação construtiva (mas bastante questionável, como
reconhecíamos), o correto âmbito de incidência da lei em destaque estaria constituído pelas organizações
criminosas, de cuja composição fariam parte os dados típicos do delito previsto no art. 288 do CP
(quadrilha ou bando, que era mencionado no art. 1º primitivo) mais alguns requisitos extras
(organização, planejamento, hierarquia do grupo etc.) (cf. Gomes, Luiz Flávio e Cervini, Raúl, Crime
organizado, 2ª ed., São Paulo: RT, 1997, p. 89 e ss.).
Com a edição da Lei 10.217, de 11.04.01 (DOU de 12.04.01), o cenário é completamente diverso. A
interpretação que acaba de ser referida perdeu toda sua sustentação normativa, porque agora a lei nova
distingue com clareza insuspeitável a quadrilha ou bando das associações criminosas assim como das
organizações criminosas (são três coisas distintas).
O Art. 1º citado, com efeito, passou a ter a seguinte redação: "Esta Lei define e regula meios de prova e
procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou
bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo".
Observe-se que antes a lei só mencionava "crime resultante de ações de quadrilha ou bando"; agora fala
em "ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer
tipo".
O texto anterior permitia, no mínimo, tríplice interpretação: (a) a lei só vale para crime resultante de
quadrilha ou bando; (b) a lei vale para o delito de quadrilha ou bando mais o crime daí resultante
(concurso material); [2] (c) a lei só vale para crime resultante de organização criminosa (que não se
confunde com o art. 288) (era a nossa interpretação, como já enfatizamos).
Como se percebe, com o advento da Lei 10.217/01, estão perfeitamente delineados três conteúdos
diversos: organização criminosa (que está enunciada na lei, mas não tipificada no nosso ordenamento
jurídico), associação criminosa (ex.: Lei de Tóxicos, art. 14; art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º: associação
para prática de genocídio) e quadrilha ou bando (CP, art. 288).
Quadrilha ou bando sabemos o que é (CP, art. 288); associações criminosas (ex.: Lei de Tóxicos, art. 14;
art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º) sabemos o que é. Agora, que se entende por organização criminosa?
O conceito de organização, entre nós, é vago, totalmente aberto, absolutamente poroso. Considerando-se
que (diferentemente do que ocorria antes) o legislador não ofereceu nem sequer a descrição típica
mínima do fenômeno, só nos resta concluir que, nesse ponto, a lei (9.034/95) passou a ser letra morta.
Organização criminosa, portanto, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, é uma alma (uma enunciação
abstrata) em busca de um corpo (de um conteúdo normativo, que atenda o princípio da legalidade).
Se as leis do crime organizado no Brasil (Lei 9.034/95 e Lei 10.217/01), que existem para definir o que se
entende por organização criminosa, não nos explicam o que é isso, não cabe outra conclusão: desde
12.04.01 perderam eficácia todos os dispositivos legais fundados nesse conceito que ninguém sabe
(juridicamente) o que é. São eles: arts. 2º, inc. II (flagrante prorrogado), 4º (organização da polícia
judiciária), 5º (identificação criminal), 6º (delação premiada), 7º (proibição de liberdade provisória) e 10º
(progressão de regime) da Lei 9.034/95, que só se aplicam para as (por ora, indecifráveis) "organizações
criminosas".
É caso de perda de eficácia (por não sabermos o que se entende por organização criminosa), não de
revogação (perda de vigência). No dia em que o legislador revelar o conteúdo desse conceito vago, tais
dispositivos legais voltarão a ter eficácia. Por ora continuam vigentes, mas não podem ser aplicados.
Diante do que foi exposto até aqui indaga-se: hoje, que devemos entender por crime organizado no
Brasil?
(a) a quadrilha ou bando (288), que claramente (com a Lei 10.217/01) recebeu o rótulo de crime
organizado, embora seja fenômeno completamente distinto do verdadeiro crime organizado;
(b) as associações criminosas já tipificadas no nosso ordenamento jurídico (art. 14 da Lei de Tóxicos, art.
2º da Lei 2.889/56 v.g.) assim como todas as que porventura vierem a sê-lo e
(c) todos os ilícitos delas decorrentes ("delas" significa: da quadrilha ou bando assim como das
associações criminosas definidas em lei).
(b) os "grupos" criminosos referidos por exemplo na Lei 10.409/02 (pela mesma razão);
(c) o concurso de pessoas (os requisitos da estabilidade e permanência levam à conclusão de que
associação criminosa ou quadrilha ou bando jamais podem ser confundidos com o mero concurso de
pessoas (que é sempre eventual e momentâneo).
A Lei 9.034/95 tem cunho predominantemente processual. Enfocada como lei processual, não seria o caso
de se admitir interpretação extensiva ou aplicação analógica (CPP, art. 3º), estendendo-se o conceito de
quadrilha ou bando ou mesmo associação para as organizações criminosas ?
A resposta é negativa. O disposto no art. 3º do CPP só é válido para leis de conteúdo genuinamente
processual. Onde o CPP fala em denúncia pode-se também ler queixa; onde fala de prazo para
oferecimento da primeira pode-se estender para a segunda etc.
A lei processual deixa de ter caráter cristalinamente processual, dentre outras, em duas hipóteses: (a)
quando reflete diretamente no ius libertatis (lei que versa sobre regime de cumprimento de pena, sobre
fiança, liberdade provisória sem fiança etc.); (b) quando sua eficácia é dependente de um conceito de
Direito penal: é o que se passa justamente com todos os dispositivos legais da Lei 9.034/95 que fazem
expressa referência às organizações criminosas. São leis processuais (em geral), mas ao se referirem
explicitamente às organizações criminosas deixam de ter eficácia, por ora, por falta de um conteúdo
normativo para esse conceito.
Ler organização criminosa onde está escrito associação criminosa ou quadrilha ou bando seria uma
hipótese clara de analogia (contra o réu), não de interpretação analógica. Sobre a diferença entre elas
Gimbernat Ordeig (Conceito e método da ciência do Direito penal, trad. de J.C.Pagliuca, revisão de
L.F.Gomes, São Paulo: RT, 2002, no prelo) proclama:
"É perfeitamente possível distinguir aplicação analógica e analogia. E a delimitação entre ambas se
efetua, efetivamente, quando se pensa no 'sentido literal possível'. A interpretação analógica trata de
determinar o que diz o Direito penal em relação a uma questão duvidosa quando recorre à comparação de
outras figuras delituosas ou instituições penais similares. A interpretação analógica pode estender (como
o caso do conceito 'moradia' do art. 490 (hoje art. 202) ou a restringir (como no caso de roubo com
homicídio) o comportamento punível. Mas, tanto restringindo como estendendo, deve manter-se sempre
dentro do marco do 'sentido literal possível'. Assim sendo, este tipo de interpretação não viola o princípio
da legalidade.
A analogia (proibida), ao contrário, viola dito princípio: pois, também sobre a base da comparação de
figuras penais similares, chega-se a um resultado que excede os limites impostos pela letra da lei".
Outro caminho possível para se admitir a presença no nosso direito do conceito de organização criminosa
seria o do direito internacional. Sabemos que recentemente (final do ano 2000) dezenas de países
(incluindo o Brasil) assinaram a Convenção da ONU sobre Delinqüência Organizada Transnacional (cf. o
seu teor no site www.ibccrim.com.br). É verdade que o art. 2º da Convenção (cf. anexo) procura definir o
que se entende por crime organizado (mais de três pessoas, estabilidade, intenção de cometer crime
graves, intuito econômico). Crime grave é o punido com pena igual ou superior a quatro anos (no
máximo); a organização é transnacional quando envolve mais de um país (art. 3º) etc.
Mas há obstáculos intransponíveis para se admitir essa via integradora: (a) a Convenção da ONU ainda
não foi ratificada pelo Congresso brasileiro, portanto, não conta com existência jurídica no Brasil; (b) ela
cuida exclusivamente da organização criminosa transnacional (nada disciplinando sobre as nacionais).
Em conclusão:
(a) impossível aplicar, por ora, todos os dispositivos legais contidos na Lei 9.034/95 que foram idealizados
para terem incidência em relação às organizações criminosas (arts. 2º, II, 4º, 5º, 6º, 7º e 10º);
(b) os demais dispositivos da Lei 9.034/95 continuam vigentes e com eficácia, podendo ser aplicados sem
nenhum problema.
O texto legal novo (art. 1º) diz mais: quadrilha ou bando ou associação criminosa de qualquer tipo. Que é
isso? Associação mafiosa ou não, violenta ou fraudulenta. Recorde-se que dentre tantas tipologias
mencionadas pela literatura especializada, merecem destaque: (a) há o crime organizado
predominantemente violento (roubo de cargas, v.g.), (b) há o crime organizado predominantemente
fraudulento (macrodelinqüência econômica, p.ex.) e (c) há também o crime organizado mafioso (máfia,
camorra etc.). Não importa o tipo de quadrilha ou bando ou de associação criminosa (já contemplada na
lei). Todas constituem objeto de incidência do novo art. 1º da Lei 9.034/95.
De outra parte, antes a lei falava em crime resultante de quadrilha ou bando; agora em "ilícitos". Indaga-
se: aplica-se então também para as contravenções penais? Não, porque a quadrilha ou bando só existe
para a prática de "crimes" (CP, art. 288); o art. 14 da Lei de Tóxicos só existe para o cometimento dos
crimes previstos nos arts. 12 e 13; o art. 2º da Lei 2.889/56 só existe para a prática de genocídio. Se um
dia criarem um tipo penal de associação para a prática de contravenções, sim. Por ora, não vale a lei para
as contravenções penais.
9. Que se entende por ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou
associações criminosas?
Isso significa, segundo nosso juízo, que o art. 1º da Lei 9.034/95 aplica-se tanto para a própria quadrilha
ou bando (até porque, o primeiro delito que decorre da ação praticada por quadrilha ou bando é o descrito
no art. 288 do CP), como para ilícitos decorrentes dela; aplica-se para as associações criminosas (art. 14,
v.g.), assim como delitos decorrentes dela. Ex.: tráfico de entorpecentes.
Exemplo: ao delito de tráfico de entorpecentes, portanto, considerado isoladamente, não se aplica a Lei
9.034/95 (cf. neste site o artigo Nova lei de tóxicosI); se decorrente de associação (art. 14) sim. Ao delito
de roubo não se aplica a citada lei; se se trata de roubo decorrente de quadrilha ou bando sim.
Considere-se ademais que a lei cuida de ilícitos decorrentes de "ações" praticadas por quadrilha ou bando
etc.; "ações", não de omissões.
No nosso ordenamento jurídico, em conclusão, o crime organizado [agora entendido como (a) quadrilha
ou bando, (b) associações criminosas definidas em lei e (c) ilícitos delas decorrentes] constitui um
particularismo jurídico (Sgubbi), isto é, conta com um estatuto jurídico próprio (específico ou ad hoc).
Permite meios de prova e de investigação próprios.
(a) a todos os crimes que acabam de ser mencionados (que entram, como vimos, no conceito de crime
organizado) poderemos, in thesi, aplicar: o art. 2º, inc. III (acesso a dados bancários, fiscais etc.), inc. IV
(interceptação ambiental), inc. V (infiltração policial), o art. 3º (juiz inquisidor, que o STF incorretamente
afirmou ser constitucional) e o art. 8º (prazo da instrução). Quanto ao art. 9º (proibição de apelar em
liberdade), em nosso entendimento, há que se ressaltar sua absoluta inconstitucionalidade:
(b) perderam eficácia (por se referirem exclusivamente às organizações criminosas, que ninguém sabe o
que é) os arts. 2º, II, 4º, 5º, 6º, 7º e 10º.
A conclusão "a" supra encontra apoio na redação atual do Art. 2º, que diz: "Em qualquer fase de [da]
persecução penal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de
investigação e formação de provas".
De notar-se que antes o art. 2º somente se aplicava para "ação praticada por organizações criminosas";
agora houve supressão dessa parte. Por isso é que o art. 2º, incisos III, IV e V têm aplicação imediata.
No caput do art. 2º o legislador eliminou a referência que fazia às organizações criminosas. Não a
proscreveu, entretanto, nos outros artigos (2º, II, 4º, 5º etc.).
O art. 2º, por isso mesmo, aplica-se para o que se entende (hoje) por crime organizado [(a) quadrilha ou
bando; (b) associações criminosas já tipificadas em lei; (c) crimes decorrentes delas], mas evidentemente
não incide nas organizações criminosas (por falta de definição legal).
A ciência criminológica, de qualquer modo, já conta com incontáveis estudos sobre as organizações
criminosas. Dentre tantas outras, são apontadas como suas características marcantes: hierarquia
estrutural, planejamento empresarial, claro objetivo de lucros, uso de meios tecnológicos avançados,
recrutamento de pessoas, divisão funcional de atividades, conexão estrutural ou funcional com o poder
público e/ou com o poder político, oferta de prestações sociais, divisão territorial das atividades, alto
poder de intimidação, alta capacitação para a fraude, conexão local, regional, nacional ou internacional
com outras organizações etc.
Ao legislador incumbe a tarefa urgente de definir, em lei, o que devemos entender por ela (aliás, no
"pacote" da segurança anunciado ontem, 29.01.02, pelo Governo, inclui-se um projeto para definir o que
se entende por crime organizado e organização criminosa). Enquanto isso não ocorrer, como vimos, boa
parte da Lei 9.034/95 passou a ser letra morta. A não ser que algum magistrado venha a usurpar a tarefa
do legislador e diga do que se trata. Mas até onde vão os limites da Constituição vigente, não se
vislumbra a mínima possibilidade de qualquer juiz desempenhar esse anômalo papel.
Fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20041008101145566
5. SIMULADOS
5.1 Com relação às ações praticadas por organizações criminosas, assinale a opção correta segundo a
legislação que rege a matéria.
5.2 A respeito do crime organizado e com base na legislação respectiva, assinale a opção correta.
5.3 Considerando a Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional, julgue os
seguintes itens.
I Grupo criminoso organizado é conceituado como o grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente
há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves
ou enunciadas na convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico
ou outro benefício material.
II A infração será considerada de caráter transnacional se for cometida em um só Estado, mas envolver a
participação de grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado.
III Os Estados-partes que aderiram à convenção cumprirão as obrigações dela decorrentes com respeito
aos princípios da igualdade soberana e da integridade territorial dos Estados, bem como da não ingerência
nos assuntos internos dos demais.
GABARITO:
5.1 – D
5.2 – B
5.3 – E