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ITAN 1

O SEGREDO
DAS FOLHAS
Ruydo Carmo
Póvoas 2

C
ontam os mais velhos
que, na criação do
mundo, Olorum en-
tregou o segredo do
uso das ervas e plantas a Ossáin,
o orixá das folhas. Ossáin guar-
dou o segredo muito bem guar-
dado numa cabaça e pendurou
numa árvore bem alta. A árvo-
re ficava bem defronte à porta de
[1] História do sistema oracular sua casa. Pois bem: quem preci-
jeje-nagô, preservada nas sasse de qualquer remédio ou co-
comunidades de terreiro.
[2] Babalorixá do Ilê Axé Ijexá, mo saber preparar alguma comi-
Itabuna, BA. da de folha ia até Ossáin. Mas

[40] Revista KÀWÉ, Ilhéus, n. 3, 2009, p. 40-42.


tinha de esperar ser atendido e podia atender mais tarde e que
pagar pelo conhecimento. Os Todo mundo sabe: ela entrasse na fila. Todo mun-
orixás e os humanos passaram do sabe: bole com quem não
a depender da vontade de Os- bole com quem não conhece e veja o que te aconte-
sáin. Somente ele sabia do se- ce. Pois bem: Iansã olhou aque-
gredo das folhas e como fa- conhece e veja o que la fila interminável, viu a árvo-
zer uso das plantas. Na porta re enorme e bem alta na porta
de Ossáin, tinha sempre aque- te acontece. de Ossáin e a cabaça do segre-
le bolo de gente, num eterno do pendurada lá, na galha mais
empurra-empurra. De longe, dor terrível. E logo quem: o ca- alta. Desesperada, Iansã foi to-
se ouvia o alarido. Muitos até çula, pelo qual ela morria de mada pela fúria e soltou de si o
protestavam de canto de boca, amores. Iansã correu até a ca- efurufu lelé, o grande vendaval
mas tudo terminava ficando as- sa de Ossáin, em busca de uma que arrasa tudo.
sim mesmo. planta para curar o filho. Che- Não ficou árvore em pé. A
Um dia, um dos nove filhos gando lá, disseram a ela que Os- cabaça do segredo caiu, se espa-
de Iansã foi acometido de uma sáin estava muito ocupado, só tifou e as folhas todas foram es-

Foto: Angelo Pinto

Revista KÀWÉ, Ilhéus, n. 3, 2009, p. 40-42. [41]


palhadas pelo mundo. Quando
Ossáin ouviu o barulho da des-
A partir desse dia, quem en-
trasse na casa de Oxum ficava O que ele viu foi o
truição, largou suas ocupações
e veio saber do que se tratava.
maravilhado com tanta plan-
ta enfeitando tudo. E a pessoa
grande redemoinho
O que ele viu foi o grande re-
demoinho de folhas pelos ares.
que não estivesse bem, só de
olhar aquela maravilha, ficava
de folhas pelos ares.
Aí, Ossáin gritou em desespero:
“Ewe o! Ewe o!”, que quer dizer
logo melhor. Obaluaiê passou a
ensinar a preparar comida com
Aí, Ossáin gritou em
“Folhas, oh, folhas!”
Então, todos os orixás vie-
raízes a quem estivesse com fo-
me. Nanã passou a distribuir
desespero: “Ewe o!
ram saber do que se tratava. E chás curativos com quem pre- Ewe o!”, que quer
quando viram aquela confusão cisasse. Omolu passou a curar
toda, não se fizeram de roga- as mazelas do corpo e da al- dizer “Folhas, oh,
dos: todos correram para apa- ma com as plantas medicinais.
nhar as folhas no meio do ven- Quem recorresse a Oxóssi fi- folhas!”
daval. Então, Oxalá, o Pai da cava sabendo como se alimen-
Paz, sentenciou: “Cada orixá tar com folhas. E Ossáin con-
vai ficar sendo patrono das fo- tinuou sabendo o segredo do
lhas que conseguir ajuntar. Mas tratamento. Mas a enorme fila
em primeiro lugar, se organi- na porta da casa dele não exis-
zem.” Aí, Iansã pegou as folhas tia mais. Pois é: a cada um, o
que queria, abrandou sua natu- que é seu.
reza e o vento se acalmou. Foi
uma maravilha! Oxum, a mãe
da beleza, tinha juntado as fo-
lhas para enfeitar a vida. Obalu-
aiê ficou com as raízes que ser-
vem de alimento para susten-
tar os humanos. Nanã, a mais
velha das mais-velhas, guardou
todas as folhas que servem pa-
ra fazer chá. Iemanjá, a mãe do
oceano, ficou com as folhas do
mar. Omolu, o pai da pobreza,
guardou as folhas para curar.
Oxóssi, o grande providencia-
dor dos alimentos, segurou as
folhas que são comestíveis.

[42] Revista KÀWÉ, Ilhéus, n. 3, 2009, p. 40-42.

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