Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
História Do Vitalismo PDF
História Do Vitalismo PDF
O Vitalismo Homeopático ao
Longo da História da Medicina
Homeopathic Vitalism along the History of Medicine
m
Unitermos: História da medicina, Homeopatia, Filosofia homeopática, Energia
vital,Vitalismo.
natureza mesmo que encontra o caminho; se qualidades; pneûma; quinta essentia ou éter),
bem que ignorante e não instruída, faz aquilo Aristóteles exerceu grande influência em Platão
que é apropriado.”6,7 e, conseqüentemente, na fisiologia aristoteliana.
Entende-se que essa physis hipocrática ou Para Aristóteles, esse pnêuma, quinta essentia ou
força natural de cura seja o poder fisiológico «éter» equiparava-se à physis, vis medicatrix ou
que governa as funções orgânicas. Por ser força vital hipocrática, atribuindo-lhe um
instintiva, irracional e inconsciente, não é capaz importante papel “na vida do organismo, como
de solucionar todos os problemas orgânicos, causa da saúde e da enfermidade.”5
necessitando, em muitos casos, receber a Na sua concepção antropológica, Aristóteles
orientação inteligente do médico.8,9 diferenciava a “alma” em três formas (material,
Também designada por “calor inato”, a sensível e pneumática), apresentando cinco
força vital é abundante nos jovens e escassa nos «qualidades» (nutritiva ou vegetativa, sensitiva,
idosos, estando relacionada às forças de cupitiva ou concupisciva, motiva e intelectiva).
manutenção (aquecimento) e crescimento. Localizava a alma no coração, equivocadamente
Assim sendo, a reação vital nos jovens, segundo Entralgo, ao contrário dos médicos de
observada por meio da febre, é mais intensa do Cós, que a localizavam no cérebro.5
que nas pessoas de mais idade. Analogamente à Aristóteles distinguia a força vital (pnêuma,
concepção hindu, a alimentação é vista como éter, quinta essentia) da alma, esta última
uma fonte produtora de energia vital (prâna) correspondendo às propriedades emocionais e
para o indivíduo.6 intelectuais da individualidade, enquanto a
Como outra entidade distinta, diferente da primeira apresenta a característica de manter a
força vital ou physis, Hipócrates cita a “alma” ou vitalidade e a saúde do corpo físico, de uma
“psyché.”, relacionando-a aos aspectos forma instintiva e irracional. No entanto, ele
intelectivo, afetivo e estimativo da atribui à alma nutritiva (vegetativa) propriedades
individualidade humana.1,5 semelhantes ao pnêuma, misturando termos
conceitualmente distintos.
Medicina Siciliana - Aristóteles
Medicina Empírica - Erasistrato
Embora não tenha seguido a carreira da
Medicina, Aristóteles (384-322 a.C.) Como principal expoente e fundador da
desenvolveu inúmeros estudos relacionados a medicina empírica, destaca-se Erasistrato (310 a
esta área, e apresentou uma teoria sobre a 250 a.C.), discípulo da escola grega de Cnido,
imaterialidade humana distinta daquela proposta que abandonou as teorias humorais e destacou-
por Hipócrates, que influenciou diversos se no estudo da Fisiologia, Patologia e
filósofos de diferentes épocas. Anatomia. Atento aos princípios hipocráticos,
Filho do médico Nicómano de Estagiara, dedicou-se à pesquisa baseada na observação
Aristóteles entrou para a Academia com pessoal dos fenômenos, tornando-se um
dezessete anos, destacando-se no estudo de investigador hábil, livre de preconceitos e avesso
temas médicos (Fisiologia, Biologia, Zoologia e a qualquer dogmatismo doutrinário.7 Dessa
Anatomia). Segundo Entralgo5, o médico forma, Erasistrato considerava a força vital
siciliano Filistão de Locros, com sua “doutrina hipocrática ou pneûma “uma espécie de espírito
da natureza” (teoria dos quatro elementos e vital, ligeiro, que enchia as veias”, aproximando-
Adquiriu grande reputação como médico, naturais com fins terapêuticos; e, por fim, o
sendo chamado, em 1527, para ocupar a cadeira Amor, qualidade fundamental para a formação
de docente na Universidade da Basiléia, com de um bom médico.
apenas 34 anos de idade. Posteriormente, Quanto ao fundamento do amor na prática
dedicou-se ao ensino público em Colmar médica, Paracelso defendia-o como um grande
(1528), Nurember (1529), Saint-Gall (1531), instrumento terapêutico, estimulador da força
Pfeffer (1535), Augsburgo (1536) e Villach vital, “que operava por meio da fé”.8
(1538), exercendo essa atividade por mais de Em relação à vis medicatrix hipocrática ou
dez anos. força vital homeopática, seguindo a postura
Paracelso considerava que as doenças são hipocrática, Paracelso a considerava de extrema
conseqüência de cinco entidades diretoras, importância na manutenção da saúde, sendo
moderadoras e reguladoras do nosso corpo: função do médico protegê-la ou reforçá-la,
1) entidade astral (ens astrale), isto é, as auxiliando as forças curativas da natureza no seu
influências astrais e as condições do ambiente e trabalho de preservação e regeneração da
da atmosfera; 2) entidade dos venenos (ens integridade física. Segundo os estudiosos de
veneni), representada pelas impurezas e todas as suas obras, agrupadas em “A chave da
coisas contrárias à constituição humana; Alquimia”, Paracelso empregava o termo
3) entidade natural (ens naturae), que múmia (a própria essência do homem) com o
compreende as causas herdadas e todas as significado de força vital.
influências hereditárias; 4) entidade dos espíritos No “Livro das Entidades”, Paracelso aborda
(ens spirituale), englobando as doenças psíquicas mais detalhadamente o “princípio M”,
ou mentais, causadas por uma imaginação considerado como múmia ou princípio vital,
doentia e uma vontade mal dirigida; 5) entidade entidade imaterial, que forma com o corpo
de Deus (ens Dei), que representa a Lei de Causa físico uma unidade substancial, conservando e
e Efeito, pela qual sofremos as conseqüências das mantendo a vida orgânica. Em outras partes da
más ações que praticamos em vidas passadas; são obra, diferencia-o dos demais princípios
as doenças provenientes da Lei do Karma. superiores e invisíveis do homem, batizados por
Segundo Paracelso, a verdadeira Medicina ele de “entidade astral”, “alma” e “espírito”.
deveria apoiar-se em quatro pilares: a Quanto à entidade astral (corpo sidéreo),
Astronomia, na qual situava o homem como um considerada por outras filosofias como “corpo
microcosmo dentro do macrocosmo do astral” ou “corpo dos desejos”, Paracelso a
Universo, dependendo o entendimento do relaciona ao caráter e ao temperamento humano
homem da compreensão do funcionamento do (boas e más atitudes). Sendo influenciada pelos
Cosmos (por exemplo, os órgãos humanos astros, a entidade astral possui ascendência sobre
encontravam sua correspondência nos astros: o “princípio M” ou força vital, podendo
coração/Sol; cérebro/Lua; baço/Saturno; contaminá-lo e, por conseguinte, causar doenças
vesícula biliar/Marte; rins/Vênus; ao corpo físico (entidade astral ê princípio M ê
pulmões/Mercúrio; fígado/Júpiter); a Ciência corpo físico).
Natural, na qual buscava as explicações para as Em relação ao espírito ou entidade
doenças humanas e sua terapêutica; a Química, espiritual (ens spirituale), que tem no corpo
que facultava a preparação de substâncias físico sua morada temporária e seu veículo de
manifestação, Paracelso lhe atribui uma forma, Marcelo Malpighi difundiu a teoria de Harvey e
uma vida de relações e um plano de ação utilizou-se do microscópio para estudar
próprios, independentemente do plano físico- sistematicamente a anatomia, observando as
material. Os espíritos são regidos pela estruturas internas dos órgãos.
vontade, pelo querer (desejos, sentimentos), Mas foi com Thomas Sydenham (1624-
enquanto a alma é regida pela razão 1689 d.C.) que ocorreu uma revolução no
(pensamentos). O corpo físico pode adoecer tratamento das enfermidades. Soldado das
em consqüência de causas espirituais, tropas de Cromwell, Sydenham graduou-se
podendo um espírito ser ferido por outro, em medicina com quarenta anos,
sofrendo assim “lesões espirituais”. reformulando, posteriormente, a concepção
Segundo Hartmann11, o modelo galênica vigente quanto ao tratamento das
antropológico de Paracelso assemelha-se à doenças. Na “observação dos fenômenos
concepção septenária do modelo hindu: o naturais das diferentes enfermidades” (filosofia
Corpus, ou corpo elemental do homem naturalista), isenta de preconceitos, embasou
(Limbus); a Mumia, ou corpo etéreo, ou o sua teoria terapêutica.8
veículo da vida (Evestrum); o Archaeus, a Considerado um fiel seguidor dos
essência da vida, o Spiritus Mundi na natureza e ensinamentos hipocráticos, atribuiu-se a ele o
o Spiritus Vitae no homem; o Corpo Sidéreo, que título de “Hipócrates britânico.” Sydenham
se compõe das influências das estrelas; o Adech, fundamentava sua prática terapêutica na
o homem interno ou corpo mental, feito da concepção vitalista, procurando, por meio das
carne de Adão; o Aluech, o corpo espiritual, práticas higieno-dietéticas, manter a força vital
feito da carne de Cristo, chamado também “o equilibrada. Opunha-se ao princípio dos
homem do novo Olimpo”; e o Spiritus, “o contrários e à utilização de medicamentos
espírito universal.” combinados, prescrevendo substâncias simples.8
Utilizando substâncias simples, como não
Medicina Pós-renascentista - Sydenham
poderia deixar de ser, pôde observar mais
Apesar das inúmeras iniciativas científicas do claramente os efeitos individuais e verdadeiros
século XVII, a Medicina pouco evoluiu, pois os provocados pelas drogas, formulando a teoria de
médicos continuavam ligados a um modelo que os sintomas de um paciente não são efeitos
galênico decadente: junto à prática médica de sua enfermidade, senão da luta de seu corpo
propriamente dita, misturavam-se feitiçaria, para superar esta enfermidade (crisis hipocrática).
astrologia e religião; prescreviam-se as mais Reforçando o preceito hipocrático de força
absurdas substâncias como esterco, urina, etc. vital, em que a vis medicatrix se esforça em
Nessa época de progresso científico,Van expulsar os agentes agressores para manter o
Leuwenhoek aperfeiçoou o microscópio com equilíbrio orgânico, adianta o conceito de
lentes polidas; Sertorius inventou o termômetro doença como reação vital, difundido mais tarde
clínico;William Harvey postulou sua teoria pela Homeopatia.8,12
sobre a circulação sangüínea (De Motu Cordis),
Iatroquímicos
contrariando a antiga concepção de que o
sangue era produzido e eliminado diariamente, Conseqüentemente às divisões religiosas que
ao invés de circular no organismo. Juntamente, ocorriam no seio da Igreja nessa época, sua
influência sobre a sociedade diminuiu. Com isso tratamento também deveria ser químico,
abrandou-se o autoritarismo dogmático que a dirigido ao órgão afetado em questão.8
religião impunha sobre o meio científico,
Georg Ernst Stahl
exemplificado na Medicina pela utilização do
Com uma concepção vitalista diferente da
sistema galênico como forma de divulgação dos
maioria dos iatroquímicos que seguiam o
conceitos teológicos de saúde e doença.
modelo hipocrático, surge a “escola animista” de
Assim, os médicos, manifestando sua
Georg Ernst Stahl (1660-1734 d.C.), que
insatisfação pelas teorias tradicionais, passaram a
substituiu a vis medicatrix naturae hipocrática pela
buscar alternativas para o modelo vigente, com
alma, atribuindo a esta a função de manutenção
base na teoria dos humores e na terapêutica,
da saúde orgânica. Assim como van Helmont,
segundo o princípio dos contrários. Daí
Stahl defendeu o princípio dos semelhantes,
surgiram novos “sistemas de medicina”, cada
afirmando que a aplicação de contrários e
qual com seu mestre e discípulos, que
outros remédios clássicos, como a sangria,
defendiam suas hipóteses fervorosamente. Como
deveriam ser evitados. Profundo conhecedor da
já era de se prever, suas argumentações
Química, criou a teoria do flogisto, que seria
assemelhavam-se aos antigos dogmáticos,
um fluido relacionado à combustão (phlogistós =
empíricos e metódicos.
fluido inflamado).8
Dividiram-se basicamente em dois grupos:
iatroquímicos e iatrofísicos. A maioria dos Albrecht von Haller
grupos iatroquímicos era vitalista, defendendo a Considerado o “gênio presidencial da
existência de uma força vital como Medicina do século XVIII” e notável
mantenedora da saúde no organismo físico. Já os fisiologista, von Haller (1708-1777 d.C.)
iatrofísicos, mais materialistas, acreditavam na caracterizava a força vital como uma
supremacia das forças físicas e químicas sobre o irritabilidade, uma capacidade do corpo de
princípio vital imaterial. reagir a estímulos.8
meio da boa vontade, e utilizado para patologia vitalista clássica, Claude Bernard, seu
equilibrar os excessos ou deficiências da contemporâneo, formulava uma teoria que iria
energia vital humana. proporcionar a base científica aos antigos
humoralismo e vitalismo. Fundamentando os
Medicina do século XIX
mecanismos vitais como processos que visam
Nessa época, juntamente com a manter a homeostase orgânica, Bernard atribui
fundamentação do vitalismo homeopático por aos mesmos a faculdade de reagir a perturbações
Samuel Hahnemann, surgem teorias contrárias externas comuns, conservando o estado de
dentro da Fisiologia, Patologia e Anatomia, que saúde. Quando esse equilíbrio vital é rompido, o
embasariam as causas das enfermidades num organismo adoece e, nesse exato momento, o
substrato orgânico, criticando a patologia ideal é procurar intervir com medidas que o
humoral e o modelo vitalista até façam retornar ao estado primordial. Nessas
então vigentes.13 definições, encontra-se o pensamento vitalista
Um dos primeiros expoentes da patologia de Hipócrates e Hahnemann.8
celular foi Giovanni Morgagni que, ao final do Posteriormente a Hahnemann, que em 1796
século XVIII, publicou a obra “Tratado sobre os já fundamentava a experimentação no homem
fundamentos e causas das enfermidades”, são com valorização dos fenômenos psíquicos –
argumentando que as doenças eram entidades primeiro método científico para se estudar a
relativas a órgãos específicos do corpo e que os enfermidade experimentalmente induzida e
sintomas eram reflexo de alterações específicas controlada –, Claude Bernard frisou a
nesses mesmos órgãos.8 importância da relação entre fisiologia e
No início do século XIX, Xavier Bichat, características psicológicas.8
vitalista por formação, passou a estudar os
Medicina Homeopática - Hahnemann
órgãos e tecidos do corpo, fundamentando as
bases da Histologia e da Histopatologia. Bichat Para a Homeopatia, a causa das doenças
concluiu que não eram os órgãos que adoeciam repousa no desequilíbrio do princípio vital.
e sim os seus tecidos, podendo estar a maior Assim sendo, o tratamento homeopático visa a
parte do órgão sadia e apenas um de seus reequilibrar essa distonia vital, que trará o
tecidos enfermo para que ocorresse a doença. retorno da saúde a todo o organismo.2,3,12
Aproveitando-se da teoria histológica de Apesar da concepção vitalista homeopática
Bichat e do microscópio de Leuwenhoek, quem ampliar a compreensão do binômio “doente-
inaugurou, realmente, a patologia celular foi doença”, situando a gênese das enfermidades
Theodor Scwann, na década de 1830, sendo como uma entidade imaterial e dinâmica, com
seguido por Rudolf Virchow, que a elaborou e ascendência sobre o organismo material, os
fundamentou no enunciado “não existem diversos significados atribuídos à força ou
enfermidades gerais; desde agora princípio vital podem causar confusões
reconheceremos, unicamente, enfermidades de doutrinárias importantes, deturpando o ideal de
órgãos e células.” Essa foi a base para a Medicina cura homeopático.
do século XX.8 Ao longo de sua obra, Hahnemann
Enquanto Rudolf Virchow trabalhava em descreve fielmente sua concepção vitalista.
sua patologia celular, na tentativa de anular a Discorre sobre a vis medicatrix hipocrática,
considerada pela escola tradicional como a substancial entre o corpo e a alma do modelo
incomparável arte de curar, fiel imitação do aristotélico-tomista), que é reforçada no décimo
mais elevado objetivo do médico, a grande quinto parágrafo da mesma obra.
natureza em si e por si. Identifica a vis Na obra de Hahnemann, observa-se a noção
medicatrix com a força vital, instintiva, de uma força imaterial, incorpórea, invisível,
irracional, irrefletida, sujeita às leis orgânicas do sem qualquer ligação com o modelo
nosso corpo, mantendo as condições do materialista-mecanicista, reagindo com forças
organismo em equilíbrio desde que o mesmo semelhantes, seja no contágio morboso, seja na
esteja saudável e causando transtornos atuação das potências medicamentosas. O termo
revolucionários, quando a saúde é perturbada. espiritual (geistartig) demonstra a imaterialidade
Reiterando a identidade entre a vis (de tipo não-material) em questão, não
medicatrix naturae e a força vital, Hahnemann denotando qualquer sentido metafísico nas
compara várias vezes a natureza bruta e referidas citações, conforme mencionado na
instintiva com a força vital sujeita unicamente às tradução do “Organon da arte de curar”,
leis orgânicas e incapaz de agir segundo a razão realizado pelo Instituto Homeopático François
e a reflexão, diferenciando, nitidamente, a força Lamasson (IHFL).12
vital desprovida de razão do espírito inteligente. Difundindo a noção de uma força vital
Por meio de inúmeras citações nos textos de semelhante a outras formas de energia
Hahnemann, verifica-se que a força vital atualmente conhecidas pela Física, Hahnemann
instintiva e automática possui a propriedade de tece comparações com o magnetismo, a
manter o organismo em equilíbrio, desde que eletricidade, o eletromagnetismo, o galvanismo,
impere o estado de saúde, não conseguindo o etc. O mesmo se aplica ao magnetismo animal
mesmo quando dele se afasta. Nessas tentativas ou mesmerismo, no qual a força vital se difunde
de conservar a vida em equilíbrio, por não do mesmerizador para o doente, passando de
possuir o atributo da inteligência e reagir um para o outro, e sendo contida por
automaticamente, causa sérios danos ao corpo. substâncias isolantes, chegando a comparar sua
O organismo físico, sem a força vital, é incapaz atuação com a dos medicamentos
de qualquer sensação ou atividade, não homeopáticos, apesar de agirem de um modo
possuindo nem mesmo a capacidade de auto- distinto destes.
conservação, levando à morte e à decomposição. Toda doença natural ocorre pela perturbação
A distinção entre o princípio vital da força vital imaterial que anima o corpo
(vitalidade) e o princípio inteligente ou espírito físico, por meio de influências dinâmicas
(força intelectual) é nítida desde o início de suas morbosas de mesmo caráter. Para Hahnemann,
obras, permanecendo até a sexta edição do existia uma espécie de contágio imaterial para
Organon. Hahnemann diferencia claramente a que isso ocorresse, ficando clara esta concepção
unidade entre o corpo físico e a força vital ao explicar como os miasmas tomam conta do
(vitalidade do corpo organizado) do espírito organismo vivo por meio das terminações
racional que o dirige (força intelectual que atua nervosas, conforme será demonstrado adiante.
dentro dele). No décimo parágrafo do Organon, Essa distonia vital manifesta-se aos sentidos por
deixa explícita a unidade substancial entre corpo meio da totalidade sintomática, objetivo a ser
físico e força vital (e não a idéia de composto
perseguido por todo homeopata que busque a para a unidade entre o corpo físico e a força
verdadeira cura das enfermidades. vital, como um substrato material-energético
Na cura das doenças pelo medicamento por onde a força vital é influenciada e por meio
homeopático realiza-se o confronto da força do qual reage.
vital desequilibrada com a energia Observa-se a analogia dos termos alma e
medicamentosa de tipo semelhante, mas um espírito utilizados por Hahnemann de maneira
pouco mais forte, promovendo com isso uma indistinta. Quanto à mente, sede da vida
reação vital do organismo contra o distúrbio psíquica, Hahnemann a considerava órgão
morboso que lhe é próprio, mas mental e psíquico, órgão da mais alta hierarquia,
imperceptível. A força vital irracional, que quase não-material, invisivelmente sutil, com
tem como função manter o organismo em uma unidade própria, mas em relação direta
harmonia apenas no estado de saúde, não com os órgãos físicos e a alma. Esses órgãos
possui discernimento para perceber um superiores sofrem a influência das emoções e
desequilíbrio que se incorporou no estado de dos medicamentos homeopáticos que despertem
doença. Pela analogia qualitativa da força vital e essas mesmas emoções na experimentação no
orgânica com a energia do medicamento indivíduo sadio.
homeopático, obtida por meio do processo de A influência das excitações emocionais e
dinamização, no qual se libera a energia psíquicas na saúde do homem é comparável a
interna de qualquer substância da natureza, qualquer outra afecção dinâmica que possa
pode-se dizer que a força vital apresenta atingi-lo, seguindo as mesmas regras dessas.
caráter semelhante à energia contida nestas. Nessa interação entre o corpo e a mente, a força
Contrapondo-se à força vital bruta, instintiva vital funciona como elo, sendo exaurida ou
e automática, mantenedora da vida, abandonada incrementada ao organismo, com o excesso de
a si mesma nas doenças, agindo única e atividade mental ou a prática saudável de
exclusivamente sobre as leis orgânicas do corpo, exercícios musculares, respectivamente.
incapaz de agir segundo a razão e a reflexão, A mente, entidade distinta da unidade
tem-se a grandeza do espírito humano, físico-vital, devido ao seu nível hierárquico
manifestada por meio do intelecto, da livre superior, atua sobre o princípio vital
reflexão e do raciocínio. O princípio inteligente desequilibrando-o, desde que seja afetada pelas
tem como “morada” o organismo vivo, noxas psico-emocionais. Pode-se pensar numa
constituído pela unidade entre o corpo físico e unidade mental, diretamente relacionada à
a força vital, dele se utilizando para sua evolução entidade superior humana (espírito ou alma),
e seu aperfeiçoamento, em busca dos altos fins que abarca as manifestações psíquicas e
de sua existência. emocionais do ser, possuindo ascendência e
Fazendo uma analogia ao Prâna dos hindus interagindo com a força vital e o corpo físico.
que, por meio da respiração e dos exercícios Em vista do exposto, pela diferenciação
corporais (Yoga) restabelece o equilíbrio, entre a unidade mental e a unidade orgânica,
relaciona a vitalidade ao sangue, ao éter e aos deverão existir outras formas de se buscar o
nervos. As fibras nervosas têm relação com a equilíbrio dinâmico da saúde, atuando em
força vital, estando elas aptas a desempenhar o níveis superiores da entidade humana, que
papel de propagar qualquer influência dinâmica
não seja somente por meio dos para embasar suas teorias sobre a natureza
medicamentos homeopáticos. imaterial humana, distanciando-se das demais
O caminho da moral é visto como o mais entidades superiores aceitas por diversas
elevado objeto da vida, capaz de aproximar o correntes filosóficas.
homem do Criador por meio de sensações que A força vital hipocrática ou vis medicatrix
asseguram a sua felicidade, de ações que exaltam naturae (poder natural de cura), considerada o
a sua dignidade, de conhecimentos que abraçam poder fisiológico que governa as funções
o Universo, exercitados pelo sopro divino ou orgânicas, era, por definição, irracional,
espírito racional na busca de sua evolução e destituída de inteligência, comandando o
crescimento interior. organismo por reações automáticas e instintivas,
Desde o início de suas obras, Hahnemann podendo causar sérias perturbações ao mesmo
critica os excessos de especulações que não quando abandonada à própria sorte. Atribui-se
auxiliem a prática de curar o doente. Mantendo ao poder inteligente ou alma o termo psyché.
sua postura prática e experimental, habilidade Aristóteles denomina a força vital com os
que permitiu à Homeopatia permanecer termos pnêuma, aethér ou quinta essentia. Divide a
atuante até os dias de hoje, ele afirma com uma “alma humana” em três formas (material,
proposição incontestável que é preciso sensível e pneumática), apresentando cinco
renunciar a todas as discussões ontológicas “qualidades” (nutritiva ou vegetativa, sensitiva,
acerca da enfermidade, objeto para sempre cupitiva, motiva e intelectiva); confunde
enigmático. Frisando ser a Homeopatia um conceitos distintos atribuindo propriedades
método terapêutico com fundamentos simples semelhantes ao pnêuma e à alma vegetativa.
e claros, Hahnemann garante não haver Com os árabes, observa-se uma divisão dos
necessidade de perder-se em discussões veículos de manifestação humana muito
metafísicas e escolásticas sobre a impenetrável semelhante às concepções orientais: jism
causa primária das enfermidades. (corpo físico), ruh (corpo vital), nafs (corpo
Se acreditar que a força vital representa uma astral), aql (corpo mental), sirr (corpo causal) e
energia primordial presente em todos os seres, qalb (Espírito).
envolvendo todas as unidades celulares, Em Paracelso, encontram-se importantes
propiciando que o fenômeno da vida e da saúde referências sobre as demais entidades imateriais
se façam presentes, ter-se-á uma idéia do que humanas (entidade astral, entidade espiritual,
representa a concepção vitalista de Hahnemann. etc.), além da força vital (mumia) e do princípio
Sob esse enfoque, o medicamento homeopático vital (archeus).
irá atuar nessa unidade substancial entre o corpo Claude Bernard e Cannon aproximam o
físico e o princípio vital, nesse binômio “matéria- princípio vital homeopático da conceituação
energia”, promovendo a homeostase orgânica e o fisiológica moderna, atribuindo-lhe, assim como
equilíbrio “neuro-imuno-endócrino-metabólico” Hahnemann, o papel de manter a homeostase
do indivíduo. orgânica (sistema integrativo homeostático).
O entendimento da força vital hipocrática
C ONCLUSÕES
(vis medicatrix naturae) é de fundamental
A Medicina fixou-se ao conceito de força importância para se entender a concepção
vital, diretamente relacionada ao corpo físico, vitalista da Homeopatia, que se estrutura em