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ESCOLA DE MÚSICA E BELAS ARTES DO PARANÁ

Daniel Vargas Coelho

O RITMO NO ESTUDO PERCUSSIVO Nº 2 DE ARTHUR KAMPELA

Curitiba

2012
2

Daniel Vargas Coelho

O RITMO NO ESTUDO PERCUSSIVO Nº 2 DE ARTHUR KAMPELA

Relatório de conclusão do projeto de


Iniciação Científica da EMBAP como
bolsista da Fundação Araucária de apoio ao
desenvolvimento científico e tecnológico do
Paraná – 2011/2012.

Orientador: Prof. Dr . Orlando Fraga

Curitiba

2012
3

Dedicado a minha mãezinha Zenaide Vargas.

À memória do meu Tio João Inácio da Silva (Pião Pedro Bó).

“As pessoas não morrem, ficam encantadas”

(Guimarães Rosa).
4

AGRADECIMENTOS

A Deus por sempre guiar meus passos!

Aos meus pais, Zenaide Vargas Coelho e José Eustáquio Coelho por todo
amor.

Aos meus irmãos Eduardo e Fabrício.

A toda a minha família, sobretudo a Tia Bilia e Tia Celeida pelo eterno
incentivo.

A Tatiane Figueiredo (a Lindinha do coração), por todo carinho e paciência.

Aos meus amigos de infância, Rominh’, Paulinh’, Juninh’, Diego, Gleissinh’ e


Dona Eni e família, pela grande amizade.

Ao Fábio Adour, por todos os anos de ensinamento! Serei eternamente grato!

Ao meu professor e orientador, Orlando Fraga, por toda ajuda e paciência.

A Fundação Araucária por financiar esta pesquisa.

Aos meus amigos, Frederico Natalino, Luiz Bandeira de Mello, Só Adão, Mayke
Moreira, Fernandão Augusto, Lilian Rocha, Tatiana Duarte, Samantha Mitter,
Bastião Nolasco, (trio Tocantins: Deco, Dudu e Eliasar Teixeira), João Carlos
Bandeira dos Santos, Gabriel, e sobretudo ao Julio Lopes por toda a força e
pela Viola (ainda pago você).

Ao Osiel e Palestina Oliveira.

In memorian aos meus cães, Barão, Pretinho e Zé Geraldo.

Aos Monges Tabajara e Maria do Carmo.

Ao compositor Arthur Kampela, por toda ajuda!

A todos os professores e colegas da Escola de Música e Belas do Paraná


(EMBAP), sobretudo ao Cainã Rocha por toda a ajuda.

A Fundação Casa dos Estudantes Universitários do Paraná (CEU).


5

Novamente a minha Mãezinha do coração, por todo o apoio moral e financeiro.

Aos meus amigos Rodrigo Leite Souza Enoque, Eric Moreira e Eliasar Junior
por sempre estarem ao meu lado nos momentos mais difíceis.

Perdoem-me se esqueci de alguém!!

In memorian de A Tia Nívea Vargas, Tia Nísia Vargas, ao meu Tio João Inácio
da Silva, Manezinh’, Aninha e Luiza Helena Corteletti Caetano, pois “As
pessoas não morrem, ficam encantadas”
6

EPÍGRAFE

“Desde isso, porém, veio chegando, saco bem mal-cheio às costas e


roupinha brim amarelo de paletó e calça, um camarada muito
comprido, magrelo, com cara de sandeu-custoso mesmo se acertar
alguma idéia de donde, que calcanhar-do-Judas, um sujeito
sambanga assim pudesse ter sido produzido. O pateló era tão grande
que não acabava, abotoados tantos botões, mas a calça chegava só,
estritinha, pela meia canela. Os pés também alpercatas floreadas, de
sola do sertão. Ao que, com tudo isso, defeitos, é, das pernas ao
pescoço, se alceava em três curvas, como devia de ser uma cobra
em pé. Viu um banco vazio, e confiou o corpo as nádegas. Não
cumprimentara ninguém. Mas todo se ria, fechava nunca a boca. É o
Catraz (...........). Esse Catraz - um sujeito que nunca viu bonde...-
mas imaginava muitas invenções, e movia tábuas a serrote e martelo,
para coisas de engenhosa fábrica.-‘O automóvel, hem, Catraz?’-‘Uxe,
me falta é uma tinta p’ra mor de pintar...Mais, por oras, ele só anda
na descida, na subida e no plaino ainda não é capaz de se rodar...’-‘E
o carróço que avôa, sê Ziquia?’-‘Vai ver, um dia, inda apronto...’ Era
para ele se sentar nesse, na boléia: carecia de pegar duas dúzias de
urubús, prendia as juntas deles adiente; então, levantava um pedaço
de carniça, na ponta duma vara desgraçada de comprida: os urubus
voavam sempre atrás, em tal guisa, o trem subia viajando no ar...”

(Guimarães Rosa, 1908-1967. O recado do Morro)


7

RESUMO

A presente pesquisa discute aspectos relacionados à intricada escrita rítmica


na obra Estudo Percussivo nº 2 do compositor brasileiro Arthur Kampela. Na
obra, Kampela utiliza quiálteras em níveis de sobreposição. Para classifica-las
será utilizada a seguinte qualificação: quiáltera primária, secundária, terciária e
quaternária. Será demonstrado como o intérprete ou compositor pode se
utilizar de uma ferramenta matemática para auxiliar na decodificação das
quiálteras. Também será explanado, de forma abreviada, como o compositor
Brian Ferneyhough utiliza os “compassos irracionais” em seu Quarteto de
Cordas nº 3, apontando a partir de então para como o compositor brasileiro
utiliza no Estudo Percussivo nº 2, não obstante com o nome de “compassos
não-integrais”. Será demonstrado como calcular as quiálteras dos “compassos
não-integrais” e para finalizar, será discutido o termo empregado por Kampela
“Escultura Rítmica”.

Palavras-chave: Nova Complexidade, Ritmos Complexos, Música de


Vanguarda, Composição e Performance.
8

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Transformação de quatro semicolcheias em quiáltera de cinco

Figura 2. Transformação das últimas duas semicolcheias em uma tercina

Figura 3. Transformação das duas primeiras semicolcheias em uma tercina

Figura 4. Transformação das quatro primeiras semicolcheias em duas tercinas

Figura 5. Quiáltera de seis dentro da quiáltera de cinco

Figura 6. Quiáltera terciária (5:4)

Figura 7. Quiáltera terciária (5:4)

Figura 8. Quiáltera terciária (3:2)

Figura 9. Quiáltera quaternária (3:2)

Figura 10. Brian Ferneyhough, quiáltera primária (5:4)

Figura 11. Brian Ferneyhough, Quarteto de Cordas nº 3, quiáltera secundária


(3:2)

Figura 12. Brian Ferneyhough, Quarteto de Cordas nº 3, quiáltera terciária (5)

Figura 13. Brian Ferneyhough, Quarteto de Cordas nº 3, quiáltera quaternária


(3)

Figura 14. Estudo Percussivo nº 2, quiáltera primária

Figura 15. Estudo Percussivo nº 2, quiáltera secundária

Figura 16. Estudo Percussivo nº 2, quiáltera terciária

Figura 17. Estudo Percussivo nº 2, quiáltera quaternária

Figura 18. Semínima transformada em uma quiáltera (5:4)

Figura 19. Semínima da quiáltera (5:4)

Figura 20. Novo valor metronômico da semínima da quiáltera (5:4)


9

Figura 21. Quiálteras primárias (8:5) e (7:3)

Figura 22. Compasso 2/4

Figura 23. Mudança de velocidade

Figura 24. Mudança de velocidade

Figura 25. Cálculo para quiáltera secundária

Figura 26. Quiáltera secundária (5:3)

Figura 27. Quiáltera terciária (3)

Figura 28. Quiáltera quaternária (3)

Figura 29. “Compassos irracionais” em Ferneyhough

Figura 30. Semibreve dividida em dez partes

Figura 31. Dois décimos da quiáltera (10:8)

Figura 32. “Compasso irracional” 2/10

Figura 33. “Compasso não integral”

Figura 34. “Compasso não-integral” em Arthur Kampela

Figura 35. “Compasso não-integral” em Arthur Kampela

Figura 36. “Compasso não-integral” em Arthur Kampela

Figura 37. “Compasso não-integral” em Arthur Kampela

Figura 38. “Compasso não-integral” em Arthur Kampela

Figura 39. “Compasso não-integral” em Arthur Kampela

Figura 40. Semínima da quiáltera (11:8)

Figura 41. Quiáltera secundária na parte não integral

Figura 42. Percussion Study IV (EXOSKELETON)

Figura 43. Percussion Study IV, quiáltera (7:6) “eliminada”


10

Figura 44. Escultura rítmica

Figura 45. Escultura rítmica

Figura 46. Escultura rítmica

Figura 47. Estrutura rítmica

Figura 48. Figuras rítmicas

Figura 49. Figuras rítmicas em novas velocidades

Figura 50. Estudo Percussivo nº 2, c.18

Figura 51. c.18, quiálteras “eliminadas”

Figura 52. Novas velocidades metronômicas


11

SUMÁRIO

INTRODUÇÂO...............................................................................................12

CAPÍTULO I...................................................................................................14

1.1 A escrita de quiálteras dentro de quiálteras........................................14

1.2 A escrita de quiálteras sobrepostas em Brian Ferneyhough..............17

1.3 As quiálteras no Estudo Percussivo nº 2.............................................21

CAPÍTULO II...................................................................................................23

2.1. Cálculo da mudança de velocidade....................................................23

2.2. Quiáltera primária...............................................................................25

2.3. Quiáltera secundária..........................................................................28

2.4. Quiáltera terciária...............................................................................29

2.5. Quiáltera quaternária..........................................................................31

CAPÍTULO III..................................................................................................32

3.1. Compassos irracionais........................................................................32

3.2. Compassos não integrais....................................................................34

3.3. Cálculo dos compassos não integrais.................................................37

3.4. Cálculo da quiáltera secundária na parte não integral........................38

CAPÍTULO IV..................................................................................................40

4.1. A escultura rítmica..............................................................................40

CONCLUSÃO..................................................................................................46

REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA....................................................................47
12

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa discute aspectos relacionados à intricada escrita


rítmica na obra Estudo Percussivo nº 2 do compositor brasileiro Arthur
Kampela. Em 1990 Kampela inicia a série Estudos Percussivos para
Violão/Violonista. Nesta série, o compositor potencializa as possibilidades
técnicas do instrumento ao fundir o caráter tradicional de manipulação do violão
com ruídos, segundo Cury a “Extended Technique1 e a Tapping Technique2
são utilizadas na produção de sons com grande variedade tímbrica” (CURY,
2006, p.21). Também são produzidos efeitos utilizando-se lápis, colher,
sussurros com a voz, viola (de orquestra) e cello-tocados como violão, afinação
micro tonal e estruturas rítmicas complexas.

O foco deste trabalho é uma breve reflexão a respeito das estruturas


rítmicas complexas, tais como as quiálteras sobrepostas e conforme a
denominação do próprio compositor, “compassos não-integrais” (KAMPELA,
1999, p.191-192). Estas duas ferramentas composicionais são utilizadas
extensivamente ao decorrer da obra. Desde já, fica claro que não será
abordado em momento algum, aspectos relacionados a problemática da
Extended Technique e Tapping Technique, como técnicas composicionais
empregadas em outros Estudos Percussivos da série e obras do compositor,
como a modulação micrométrica. Para um melhor esclarecimento a respeito
das Extended Techniques, referir à bula anexa a partitura dos Estudos
Percussivos I e II 3, nela o compositor demonstra de forma detalhada como o
violonista deve executar as percussões no corpo do instrumento e
principalmente como elas devem fundir com as técnicas tradicionais do violão.

Há um artigo no qual Kampela explana sua filosofia a respeito das


Extended Techniques, “A Knife All Blade: Deciding the Side Not to Take”.4 Na

1
Técnica estendida.
2
Técnica percussiva.
3
Estas duas obras quando são executas juntas recebem o nome de Danças Percussivas I e II.
Há uma edição do próprio compositor que possui uma detalhada bula que explica
detalhadamente como o intérprete deve executar os efeitos percussivos.
4
A Knife All Blade: Deciding the Side Not to Take. Current Musicology, New York, n°. 67- 68,
p.167-193, Fall-winter 1999.
13

dissertação de mestrado de Fernando Cury, o autor discorre a respeito das


técnicas estendidas presentes no Estudo Percussivo nº 1, que são válidas para
as outras obras da série, mesmo quando se trata dos Estudos Percussivos
para viola e cello.5

O Estudo Percussivo nº 2 é a segunda obra da série e data de 1993. Em


um panorama superficial, é possível argumentar que ela pode ser estruturada
em três grandes seções. A primeira inicia com uma colher que realiza um
glissando ascendente. Em seguida há uma textura de massa sonora,
basicamente construída a partir de um intervalo de segunda menor, (sol #, lá
natural) e finaliza com uma tambora. A secunda seção será o foco da pesquisa,
nela está inserido o problema rítmico, ou seja, as quiálteras sobrepostas e os
“compassos não-integrais”. Já na terceira seção, há um trecho de massa
sonora produzido por notas abafadas com a mão esquerda, seguida da
utilização de um lápis. Após este trecho, uma colher é utilizada para simular
uma guitarra elétrica conectada a um pedal de wah-wah.6 Para finalizar, o
violonista realiza um glissando “descendente” com a colher produzindo um
gesto semelhante ao do início da obra.

O presente trabalho enfocará a segunda seção, composta pelas


quiálteras e pelos “compassos não-integrais”. Não se pretende de forma
alguma abordar toda a problemática inerente às estruturas rítmicas complexas,
limitando-nos à apenas alguns conceitos e exemplos.

No capítulo I, será demonstrado o princípio das quiálteras sobrepostas


nos quatro níveis de sobreposição. Em seguida, será demonstrado como estas
estruturas estão presente no Quarteto de Cordas nº 3 do compositor britânico
Brian Ferneyhough.7 Para finalizar, será demonstrado como as estruturas estão
presente no Estudo Percussivo nº 2.

5
O Estudo Percussivo nº 4 é para Viola de orquestra tocada por um violonista, o nº 5, também
para Viola executada por um violonista mais sons eletrônicos, já o nº 7 é para Cello executado
por um violonista.
6
Os efeitos das notas abafadas, a parte do lápis e o wah-wah produzido pela colher são
elucidados na bula anexa a partitura.
7
Coventry, 1943.
14

No capítulo II, será explicado como o intérprete ou o compositor pode se


utilizar de uma ferramenta matemática para auxiliar na decodificação das
quiálteras.

No capítulo III, será elucidado de forma abreviada, como o compositor


Brian Ferneyhough utiliza os “compassos irracionais” em seu Quarteto de
Cordas nº 3. Em seguida, discutiremos como o compositor brasileiro utiliza um
pensamento similar que ele denomina “compassos não-integrais”. Alem do
nome, Kampela também utiliza uma notação dispare daquela de Ferneyhough.
Em seguida, será demonstrado como aplicar o cálculo da mudança de
velocidade nos “compassos não-integrais”.

No capítulo IV, será discutido um termo cunhado por Kampela,


“Escultura Rítmica”. Veremos como ele pode auxiliar tanto o intérprete quanto o
compositor na decodificação e na criação das estruturas rítmicas. Para
explanar este termo, partiremos de um exemplo do Percussion Stydy IV
(Exoskeleton), para então desenvolvermos o conceito na obra pesquisada.

CAPÍTULO I

1.1 A escrita de quiálteras dentro de quiálteras

Neste primeiro momento do trabalho, serão demonstrados alguns


exemplos da escrita “complexa” de quiálteras dentro de quiálteras.

Primeiro, será explanado o conceito das quiálteras sobrepostas, serão


demonstrados exemplos de quiálteras nos níveis primário, secundário, terciário
e quaternário. Em seguida, será possível observar como estas estruturas são
manipuladas por Ferneyhough.8 O objetivo, neste primeiro momento, é apenas

8
Brian Ferneyhough (Coventry – 1943). Uma investigação acerca de sua obra, seus
pressupostos teóricos e seus procedimentos composicionais, deverá apontar em que sentido
este autor é atualmente reconhecido como o principal promotor de uma “nova complexidade”.
(KOZU, 2003, P. 6).
“A designação ‘New Complexity’, formulada por Richard Toop em meados da década de 80
para se referir aos compositores da chamada “Escola Britânica” (Brian Ferneyhough, James
Dillon, Chris Dench, Michael Finnissy e Richard Barrett), pode ser considerada apenas como
15

elucidar determinados exemplos e possibilidades da escrita de quiálteras


sobrepostas.Em seguida, nos concentraremos em como estas estruturas são
manuseadas por Kampela no Estudo Percussivo nº 2.

De acordo com o Ex. 1 adiante, quatro semicolcheias foram


transformadas em uma quiáltera de cinco (5:4).

Ex. 1- Transformação de quatro semicolcheias em quiáltera de cinco

No Ex. 2 adiante, há uma quiáltera (5:4) e as duas últimas semicolcheias


desta estrutura foram transformadas em uma quiáltera (3:2). Quando há
somente uma quiáltera sobreposta, como neste exemplo, será designado nível
primário a estrutura (5:4) e nível secundário a estrutura (3:2).

Estrutura secundária

Ex. 2 - Transformação das últimas duas semicolcheias em uma tercina

No Ex. 3, as duas primeiras semicolcheias da quiáltera primária (5:4)


foram transformadas em uma tercina (3:2).

Ex. 3 - Transformação das duas primeiras semicolcheias em uma tercina

No Ex. 4, as quatro primeiras semicolcheias da estrutura (5:4) foram


transformadas em duas tercinas (3:2).

Ex. 4 - Transformação das quatro primeiras semicolcheias em duas tercinas

um rótulo de ‘conveniência jornalística’ em contraposição explícita ao New Simplicity e ao New


Romanticism”. (KOZU, 2003, P. 34).
16

Ex. 5 - Quiáltera de seis dentro da quiáltera de cinco

Observe que o Ex. 4 é similar ao Ex. 4, no mais, apenas escreve-se uma


quiáltera de seis (6:4), ao contrário de duas quiálteras de três (3:2).

A forma de grafia escrita é uma opção particular de cada compositor.


Em certos episódios, a escolha pode indicar um fraseado ou mesmo uma
estrutura rítmica peculiar.

Para construir outro subgrupo (estrutura terciária), basta seguir o


raciocínio demonstrado anteriormente. No Ex. 6, há uma quiáltera primária
(6:4), uma secundária (5:4) e uma terciária (5:4). As quatro últimas
semicolcheias da quiáltera secundária (5:4) foram transformadas em uma
quiáltera no terceiro nível de complexidade (5:4).

Estrutura terciária

Ex. 6 - Quiáltera terciária (5:4)

No Ex. 7, as quatro primeiras semicolcheias da quiáltera secundária


(6:4) foram transformadas em uma quiáltera no terceiro nível de complexidade
(5:4).
17

Estrutura terciária

Ex. 7 - Quiáltera terciária (5:4)

No Ex. 8, há uma estrutura primária (6:4), uma secundária (5:4) e uma


terciária (3:2). As duas últimas semicolcheias da quiáltera (5:4) foram
transformadas em uma tercina (3:2).

Estrutura terciária

Ex. 8 - Quiáltera terciária (3:2)

No Ex. 9, há uma estrutura com quatro níveis de complexidade, quiáltera


quaternária, (3:2).

Estrutura quaternária

Ex. 9 - Quiáltera quaternária (3:2)

É possível alcançar inúmeros resultados de quiálteras sobrepostas com


este mesmo raciocínio, não obstante a proposta do trabalho é a de introduzir os
princípios deste mecanismo composicional.

Em seguida será elucidado como esta técnica está presente no Quarteto


de cordas nº 3 de Brian Ferneyhough.
18

1.2 A escrita de quiálteras sobrepostas e Brian Ferneyhough

Após demonstrar o princípio das quiálteras nos níveis primário,


secundário, terciário e quaternário. Vamos demonstrar como esta ferramenta
composicional está presente na música de Brian Ferneyhough.9 Será possível
observar como as quiálteras estão presentes em seu Quarteto de Cordas nº 3.
Vale ressaltar que não entraremos em discussões a respeito da intricada
escrita de Ferneyhough, como da estética da “Escola da Nova
10
Complexidade”.

Para alguns teóricos, intérpretes e compositores, a escrita rítmica do


compositor britânico é apenas conceitual, impossível de ser realizada e
também alcançada do ponto de vista da percepção. No trecho adiante o
compositor francês Pierre Boulez argumenta a este respeito.

Temos, por exemplo, a figura de sete no lugar de cinco; no interior


dos sete, opta-se, por exemplo, por cinco no lugar de quatro e como
ainda sobram três valores, escreve-se então sete no lugar três. Ora, é
evidente que não podemos pensar em redes de relações dessa
espécie! É algo simplesmente impossível, pois não se pode mais que
uma relação de cada vez: você pensa em uma relação de sete no
lugar de cinco, após o que não é possível fazer mais nada! A solução
desse tipo de problema- aliás, bem mais simples-, visando a um
resultado semelhante, é, pois, pensar em uma mudança de
velocidade. (Apud, MENEZES, 2006, p.217)

Em Bosseur, observa-se semelhante crítica à de Boulez.

Podemos então observar num grande número de partituras escritas a


partir dos anos 80, incluindo na corrente da ‘Nova Complexidade’,
uma tendência a tornar um ‘fetiche’ o fenômeno da notação, até fazer
da precisão e da acumulação de detalhes inscritos, um verdadeiro
critério de valores e de rigores, simultaneamente estético e moral.
Quanto mais a escrita se revela minuciosa, mais o compositor parece
em condição de impor suas exigências de criador, e sua função deve
ser levada a sério. Assegurar-se o máximo que possível de um
domínio sobre o material sonoro, tendo a ajuda eventual das novas
tecnologias, tornou-se um das palavras de ordem da vanguarda e ela
é clara que os modos de notação atuais para este efeito refletem
perfeitamente um tal estado de espírito (BOSSEUR, 2005, p.84).

Em contrapartida, há músicos que são adeptos a poética e ao conceito


de performance em Ferneyhough.

9
Arthur Kampela é diretamente influenciado pela estética de Ferneyhough, além de ter sido
seu aluno de composição.
10
Ver BOROS, J.; TOOP, R. The Collected Writings of Brian Ferneyhough. Amsterdam:
Harwood Academic Publishers, 1995.
19

Suas partituras abarcam, ao mesmo tempo, as indicações das ações


instrumentais e os ‘traços das identidades gestuais’. Em algumas de
suas obras o intérprete raramente pode dar conta de forma integral
de todos os detalhes de execução: a ele é incumbida a tarefa de
realizar uma ‘escavação das preocupações formais das obras’
(COURTOR, 2009, p. 64) e não apenas decodificar sonora e
sistematicamente as informações escritas. Além disso, sua função
também é traçar um percurso pessoal, a partir da escolha dos
caminhos possíveis dentro de suas peças, nos quais pode ora
evidenciar, ora ocultar certos elementos (Apud, Castellani, 2010,
p.71).

Atente-se para como o compositor manipula os ritmos em seu Quarteto


de Cordas nº 3. O Ex. 10 adiante é referente ao segundo movimento, c.90.
Observa-se no primeiro violino, círculo em amarelo, a quiáltera primária (10:6).
É possível raciocinar que em um compasso 3/16 há três semicolcheias, ou seis
fusas que neste caso foram transformadas em uma quiáltera primária (10:6), ou
seja, são dez fusas no tempo de seis fusas.

Quiáltera primária

Ex. 10 - Brian Ferneyhough, quiáltera primária (5:4)

O Ex. 11 a seguir é referente ao c.19 do segundo movimento do


Quarteto de Cordas nº 3. Observa-se no primeiro violino uma quiáltera primária
(5:4) e dentro desta há uma quiáltera secundária (3:2), círculo em vermelho.
20

Quiáltera secundária (3:2)

Ex. 11 - Brian Ferneyhough, Quarteto de Cordas nº 3, quiáltera secundária (3:2)

Atente-se para o Ex. 12 adiante, c.1, segundo movimento do Quarteto de


Cordas nº 3. Nele encontram-se modelos de quiálteras em nível terciário,
(circulo verde). Observe o signo de compasso 4/8: Ferneyhough o transforma
em uma extensa quiáltera primária (5:4), são cinco colcheias no lugar de quatro
colcheias; em seguida, há uma quiáltera secundária (11:8), onze fusas no lugar
de oito fusas e por fim, encontra-se a quiáltera terciária (5), círculo verde.

Quiáltera terciária

Ex. 12 - Brian Ferneyhough, Quarteto de Cordas nº 3, quiáltera terciária (5)


21

No Ex. 13 adiante, c.2, segundo movimento do Quarteto de Cordas nº 3,


há um modelo de quiáltera no quarto nível de complexidade. Em primeiro
plano, encontra-se uma quiáltera primária (6:5), na segunda parte do compasso
há uma quiáltera secundária (7:4) e dentro desta há uma quiáltera terciária (6),
por fim, dentro desta, circulo em azul, está à quiáltera no quarto nível de
complexidade, (3).

Ex. 13 - Brian Ferneyhough, Quarteto de Cordas nº 3, quiáltera quaternária (3)

1.3 As quiálteras no Estudo Percussivo nº 2 de Arthur Kampela

O Ex. 14 a seguir é referente ao c.9, página 7, do Estudo Percussivo n º 2. No


primeiro tempo do compasso (5/4) há uma quiáltera primária (7:4), círculo em
amarelo. Uma semínima foi transformada em uma quiáltera primária (7:4), são
sete semicolcheias no tempo de quatro semicolcheias.

Ex. 14 - Estudo Percussivo nº 2, quiáltera primária

No Ex. 15, c.21, encontra-se uma estrutura no segundo nível de


complexidade (3). Observe que há uma extensa quiáltera primária (29:28). Um
compasso 7/8 comporta 28 fusas, não obstante, ele foi transformado em uma
estrutura primária (29:28). Atente-se para a estrutura em segundo nível (3),
22

círculo em vermelho. Kampela utiliza a segunda e a terceira fusas de (29:28)


para transforma-las em uma tercina (3).

Ex. 15 - Estudo Percussivo nº 2, quiáltera secundária

No c.39, Ex. 16, há uma quiáltera em terceiro nível (4:3), círculo em


verde. Temos um compasso 2/4 e no primeiro tempo há uma quiáltera primária
(11:8), onze fusas no tempo de 8 fusas. Na segunda parte do compasso, há
outra quiáltera primária (11:8). Dentro desta há uma quiáltera em segundo nível
(4:3), três semicolcheias, ou seis fusas de (11:8) foram transformadas na
estrutura secundária (4:3). Por fim, as três últimas semicolcheias desta
estrutura (4:3) são transformadas na quiáltera terciária (4:3). Analise a figura
adiante.

Ex. 16 - Estudo Percussivo nº 2, quiáltera terciária

Já no c.36, encontra-se o único exemplo de quiáltera no quarto nível de


toda a obra (3), círculo em azul. Em primeiro nível, há uma quiáltera primária
(8:5), oito colcheias no tempo de cinco colcheias, dentro desta há uma quiáltera
em segundo nível (7:2), quatro colcheias da quiáltera (8:5) foram transformadas
nesta estrutura. Nela, é preciso mudar, na representação matemática, o
algarismo 2 pelo 4, pois são sete colcheias no tempo de quatro colcheias. Em
seguida, há uma quiáltera no terceiro nível (5:2), cinco colcheias no tempo de
quatro colcheias, para esta quiáltera vale o mesmo que para a anterior, ou seja,
é preciso alterar o algarismo 2 pelo 4 e para finalizar, encontra-se a estrutura
quaternária (3), as duas últimas colcheias da quiáltera terciária (5:2) foram
23

transformas na estrutura em quarto nível (3), atente-se para a figura a seguir.

Ex. 17 - Estudo Percussivo nº 2, quiáltera quaternária

CAPÍTULO II

“A beleza da vida não está no início nem no fim e sim na travessia”

(Guimarães Rosa, 1908-1967. Grande Sertão: Veredas)

2.1 Cálculo da mudança de velocidade

Nesta parte do trabalho será demonstrada uma ferramenta matemática


que pode auxiliar o intérprete no momento do estudo da obra e aos
compositores que desejem trabalhar com estruturas rítmicas complexas. Para
elucidar esta ferramenta matemática, é utilizada como suporte a tese de
doutorado de Graziela Bortz “O ritmo na música de Brian Ferneyhough, Michael
Finnisy e Arthur Kampela: um guia para intérpretes”.11 Também, a tese de
doutorado de Arthur Kampela “Modulação micrométrica: uma nova orientação
sobre ritmos complexos”.12

11
BORTZ, G. Rhythm in the Music of Brian Ferneyhough, Michael Finnissy, and Arthur
Kampela: A Guide for Performers. 115 p. Tese (Doutorado em Música) - Graduate School and
University Center of CUNY, New York, 2003.
12
KAMPELA, A. Micro-Metric Modulation: New Directions in the Theory of Complex Rhythms.
106 p. Tese (Doutorado em Música) – Graduate School of Artes and Sciences, Columbia
University, New York, 1998.
24

No princípio do trabalho, foi demonstrado o princípio da sobreposição de


quiálteras e como elas são utilizadas por Ferneyhough e Kampela. Com os
cálculos, o raciocínio será semelhante, primeiramente demonstra-se o conceito,
em seguida como aplica-los ao Estudo Percussivo nº 2.

Um dos objetivos dos cálculos é descobrir o novo valor metronômico da


semínima de cada quiáltera. No Ex. 18, uma semínima foi transformada em
uma quiáltera primária (5:4) e toda esta estrutura é executada em uma
velocidade de 70 MM. Vale ressaltar que utilizamos 70 MM, pois no início da
página 6, do Estudo Percussivo nº 2, seção que inicia as quiálteras, há uma
indicação de velocidade da semínima, esta é igual a 69 MM ou mais. Optou-se
em arredondar o valor para 70 MM.

= 70 MM

Ex. 18 - Semínima transformada em uma quiáltera (5:4)

O próximo passo é descobrir qual o novo valor metronômico da


semínima da quiáltera primária (5:4). Para encontrar este valor é necessário
realizar a operação: valor da semínima inicial da obra 70 MM, multiplicado por
5 e dividido por 4: 70 MM x 5 ÷ 4 = 87, 5 MM.13 Neste caso, opta-se por
arredondar para 88 MM, atente-se para figura adiante.

= 87, 5 MM ou 88 MM

Ex. 19 - Semínima da quiáltera (5:4)

De acordo com o cálculo, a semínima da quiáltera (5:4) será executada


na velocidade de 87, 5 MM, ou 88 MM. Observe que ocorreu uma pequena
“aceleração” em relação a velocidade anterior 70 MM, pois uma semínima não
quiálterada possui a velocidade de 70 MM, já a velocidade da semínima da
quiáltera (5:4) é de 87, 5 MM.

13
Se o intérprete possuir um metrônomo fracionado, fica a critério o valor de 87, 5 MM ou 88
MM.
25

70 MM x 5÷4 = 87, 5 MM 87, 5 MM

Ex. 20 - Novo valor metronômico da semínima da quiáltera (5:4)

2.2 Quiáltera primária

A seguir será demonstrado como aplicar o cálculo da mudança de


velocidade no Estudo Percussivo nº 2. Inicialmente será utilizado o c. 2, página
seis. Observe o exemplo a seguir:

Ex. 21 - Quiálteras primárias (8:5) e (7:3)


Conforme o raciocínio da mudança de velocidade da semínima, será
demonstrado como se calcula a semínima das quiálteras primárias (8:5) e (7:3).
Primeiro compreende-se o compasso, em seguida como funciona as quiálteras.

Da mesma forma, o papel da barra de compasso tende, em certos


casos, a encontrar sua função de simples ponto de referência para a
leitura, sem necessariamente indicar referências definidas entre
tempos fortes e tempos fracos. (BOSSEUR, 2005, p. 66)

Neste trecho há um “espaço” (compasso) que comporta oito


semicolcheias, divido em duas partes. Na primeira, há cinco colcheias,
quiáltera (8:5) e na segunda, há três colcheias (7:3). A primeira estrutura (8:5)
significa que são oito semicolcheias no tempo de cinco semicolcheias e a
segunda, que são sete fusas no tempo de três colcheias, completando assim
todo o compasso, 2/4, observe o Ex. 22 a seguir.
26
A B

Ex. 22 - Compasso 2/4

Nesta figura, há um compasso 2/4, antes da transformação das


quiálteras. Atente-se para o fato que ele está dividido em duas partes, parte (A)
com cinco semicolcheias e (B) com três semicolcheias (seis fusas), com a
semínima equivalente a 70 MM.

Ao aplicar o cálculo da mudança de velocidade, a nova velocidade


metronômica das semínimas da parte (A) (8:5) e parte (B) (7:3) será:

Parte A

70 MM x 8 ÷ 5 = 112 MM

Parte B:

70 MM x 7 ÷ 6 = 81, 66666666666667 MM

De acordo com os cálculos, para a quiáltera (8:5) a semínima equivale a


112 MM e para a quiáltera (7:3) a semínima equivale a 81, 66666666666667
MM. Caso o intérprete não possua um metrônomo fracionado, é possível
arredondar o valor para 82 MM.

Para o cálculo (B), é indispensável alterar o algarismo 6 pelo 3, (7:3),


sete fusas no lugar de três semicolcheias para (7:6), sete fusas no tempo de
seis fusas. É necessário realizar esta conversão para fins matemáticos, da
mesma forma como igualamos as unidades de medida: metro = metro, minuto
= minuto, Newton = Newton e, neste caso, semínima = semínima, semicolcheia
14
= semicolcheia e fusa = fusa. Os novos valores da semínima das estruturas
(8:5) e (7:6) respectivamente, estão acima de cada uma das quiálteras. Se
necessário, o intérprete pode escrevê-los na partitura para sistematizar o
estudo. Observe o Ex. 23 a seguir.

14
Ver: BORTZ, G. Modulação micrométrica na música de Arthur Kampela. Per Musi, Belo
Horizonte, nº13, p.85-99, Jan/Jun. 2006.
27
a b

= 112 MM = 81,66666666666667 MM

Ex. 23 - Mudança de velocidade

Há distintas possibilidades de se calcular as estruturas rítmicas, o


intérprete pode construir sua própria trajetória e trazer as estruturas rítmicas a
tona. Observe o Ex. 24 adiante, nele há dois “pulsos”, “batidas”. “Pulso” (a)
equivalente a uma semínima mais uma semicolcheia (8:5) e (b) uma colcheia
mais uma semicolcheia (7:6).15

a b

= 56 MM = 93,333...... MM

Ex. 24 - Mudança de velocidade

A seguir encontram-se os cálculos para as partes (a) e (b) do Ex. 24,


observe-os.

Parte a:

70 MM x 4 ÷ 5 = 56 MM

Parte b:

70 MM x 4 ÷ 3 = 93, 333............. MM

O procedimento matemático é similar, apenas foi alterado os algarismos


da esquerda pelo algarismo 4. O intérprete pode eleger a operação que lhe for
mais conveniente. Atenção para o cálculo referente a parte (b), os algarismos 4
e 3 direcionam-se a semicolcheia.

A principal característica da quiáltera é promover um tipo de


acessório de velocidade. Uma espécie repentina de mudança de

15
Para uma melhor compreensão dos cálculos ver, BORTZ, tese de doutorado capítulo 4.
28

perspectiva do nível neutro (primário) em relação ao referencial


16
metronômico”. (KAMPELA, 1998, p.10).

2.3 Quiáltera secundária

Nos tópicos a seguir, será demonstrado como se calcular o valor da


semínima das quiálteras secundárias, terciárias e quaternárias. A
demonstração adiante se refere ao cálculo da estrutura secundária.
Primeiramente calcula-se o valor da semínima da estrutura primária (5:4),
conforme segue:

70 MM x 5 ÷ 4 = 87, 5 MM

Ex. 25 - Cálculo para quiáltera secundária

Em seguida, para descobrir a velocidade da semínima da estrutura


secundária (6:4), partimos do valor encontrado 87.5 MM e realizamos similar
operação, conforme adiante.

87.5 MM x 6 ÷ 4 = 131, 25 MM

De acordo com a operação, o valor da semínima da quiáltera (6:4), ou


seja, quatro semicolcheias desta estrutura são executadas na velocidade de
131, 25 MM, ou 131 MM.

Este procedimento pode ser aplicado em toda a obra. Vamos nos dirigir
ao c.9, Ex. 26 a seguir. Nele há um compasso 5/4, a setas indicam aonde se
encontram os tempos, cinco ao todo. No primeiro tempo há uma quiáltera
primária (7:4), no segundo há uma semínima não quiálterada, no terceiro
tempo, em sua primeira parte há uma colcheia não quiálterada, já na segunda
parte há uma quiáltera primária (3). No quarto tempo há uma quiáltera primária
(5:4) e dentro desta há duas quiálteras secundárias (5) e (3). Por fim, encontra-

16
The main characteristic of a ratio is to promote a kind of speed enhancement. A sudden shift
in perspective from the neutral or metronomic level of rhythmic reference.(tradução minha)
29

se quinto e último tempo, o qual será o foco. Nele há uma quiáltera primária
(5:4) e duas secundárias (3) e (5:3). Atente-se para esta última estrutura
secundária (5:3), círculo em vermelho.

Ex. 26 - Quiáltera secundária (5:3)

Primeiro calcula-se a semínima da quiáltera primária (5:4), conforme a


operação a seguir:
70 MM x 5 ÷ 4 = 87, 5 MM

Após isso, calcula-se a quiáltera secundária (5:3), círculo em vermelho,


conforme o cálculo adiante:

87. 5 MM x 5 ÷ 3 = 145, 8333333333333 MM

De acordo com a operação, a semínima da quiáltera secundária (5:3)


será equivalente a 145,8333333333333 MM ou 146 MM. Ou seja, quatro
semicolcheias desta estrutura serão executadas na velocidade de 146 MM.

É possível utilizar o cálculo para saber em qual velocidade toda a


quiáltera (5:3) será executada, observe adiante:

87. 5 MM x 4 ÷ 3 = 116, 6666666666667 MM

Conforme a operação, a estrutura secundária será executada na


velocidade de 116, 6666666666667 MM, ou 117 MM.

2.4 Quiáltera terciária

A partir do exemplo adiante, será demonstrado o cálculo para descobrir


a nova velocidade da semínima no terceiro nível de sobreposição.
30

Primeiramente, é indispensável decodificar o compasso (7/8), ele foi


“transformado” em uma extensa quiáltera primária (9:7), ou seja, são nove
colcheias no tempo de sete colcheias. Observe que incluso a estrutura (9:7), há
cinco quiálteras secundárias, quatro (5:4) e uma (3:2). Dentro das quiálteras
secundárias 1, 3 e 4, em cada uma delas, há uma quiáltera no terceiro nível
(3). O próximo passo é encontrar o valor da semínima da quiáltera (3). Por
passos, é necessário encontrar os valores das quiálteras primárias e
secundárias.

Quiáltera primária (9:7):

70 MM x 9 ÷ 7 = 90 MM

De acordo com a operação, o valor da semínima da estrutura (9:7) é de


90 MM.

Quiáltera secundária (5:4).

90 MM x 5 ÷ 4 = 112, 5 MM

De acordo com a operação, o valor da semínima da estrutura (5:4) é de


112, 5 MM.17

Quiáltera terciária (3).

112, 5 MM x 3 ÷ 2 = 168, 75 MM

Conforme o cálculo, o valor da semínima da estrutura (3) é equivalente a


168, 75 MM, ou 169 MM. Atente-se para o Ex. 27 adiante.

17
Vale ressaltar que é aconselhável arredondar o valor somente quando for o valor final. Neste
caso, 112, 5 MM, é o resultado da quiáltera primária, que será utilizado para encontrarmos o
valor da terciária, por isso mantêm valor fracionado.
31

Ex. 27 - Quiáltera terciária (3)

2.5 Quiáltera quaternária

O c.36 possui o único exemplo de quiáltera no quarto nível de


complexidade da obra. Esta figura já foi elucidada no Ex. 17, razão pela qual
iremos direto aos cálculos. Por etapas, é necessário encontrar os valores das
quiálteras primárias e secundárias.

Quiáltera primária (8:5).

70 MM x 8 ÷5 = 112 MM

A semínima da estrutura (8:5) é equivalente a 112 MM.

Quiáltera secundária (7:2).

112 MM x 7 ÷ 4 = 196 MM

De acordo com a operação, a semínima da estrutura (7:2) é equivalente


a 196 MM. Vale lembrar que por uma questão matemática, é necessário alterar
o algarismo 2 pelo 4.

Quiáltera terciária (5:2).

196 MM x 5 ÷ 2 = 245 MM

De acordo com a operação, a semínima da estrutura (5:2) é equivalente


a 245 MM, para este episódio a troca de algarismos também é válida.

Quiáltera quaternária (3).


32

Para a última quiáltera (3), basta o intérprete refletir que ela deve ser
executada na velocidade de 245 MM.

Ex. 28 - Quiáltera quaternária (3)

CAPÍTULO III

3.1 “Compassos irracionais”

Este último tópico reflete a respeito de um mecanismo composicional


que Kampela utiliza de forma extensiva na obra. Compreende-lo é de extrema
importância para o intérprete, caso contrário torna-se inviável a execução
rítmica da peça.

Similar ao que Ferneyhough denomina de “compassos irracionais”, o


compositor brasileiro utiliza, segundo sua própria definição, os “compassos
não-integrais”. (KAMPELA,1999,p.191-192). Vejamos como Ferneyhough
manuseia-os em seu Quarteto de Cordas nº 3 (Ex. 29 adiante), apontando a
partir de então para o Estudo Percussivo nº 2. Leia a explanação do compositor
britânico a este respeito. Esta explicação está na bula anexa a partitura do
Quarteto de Cordas nº 3.

Além da cocheia convencional ou da semicolcheia básica (5/8, 11/16


etc), dos “compassos irracionais”, tais como 2/10, 1/12 ou 3/24 que
são usados nas páginas 25-28. Estes compassos são derivados pelo
mesmo princípio que os convencionais, isto é, como divisões da
semibreve: assim, 2/10 significa um compasso composto de dois
tempos, cada um é igual a um décimo de uma semibreve. Os
"compassos irracionais" estão, pois em relação a quintina ou tercina
para o medidor convencional e são proporcionalmente mais rápidos.
Enquanto o tempo global da obra pode, em certa medida, ser
33

considerado como uma questão de escolha, as relações entre as


velocidades dentro devem ser estritamente observadas e as
alterações do medidor, interpretado de forma precisa. Marcações de
18
metrônomo sempre se aplicam aos valores normais.

No Ex. 29 adiante, há três modelos de “compassos irracionais”,


compassos 87, 89 e 91, respectivamente, 4/12, 3/10 e 2/12. É preciso
compreender que este raciocínio é baseado na fração da quiáltera, o
compositor utiliza apenas uma parte desta. Por exemplo, o “compasso
irracional” 2/10, significa que a semibreve foi divida em dez partes iguais, neste
caso em dez colcheias, sendo que normalmente ela é dividida em oito
colcheias. Segundo Bortz, este raciocínio “deriva do pensamento de Cowell na
divisão da semibreve em diferentes subdivisões”. (BORTZ, 2003, p.2). Atente-
se a seguir para uma melhor ilustração a respeito do “compasso irracional”
2/10.

Ex. 29 – “Compassos irracionais” em Ferneyhough

18
In addition to conventional quaver – or semiquaver-based metres (5/8, 11/16 e etc.),
“irrational” time-signatures such 2/10, 1/12 or 3/24 are used on pages 25-28. These metres are
derived by the same principle as conventional ones, that is, as divisions on the semibreve: thus
2/10 signifies a bar composed of two beats, each of which is equal to one tenth of a semibreve.
The “irrational” metres stand therefore in either quintuplet or triplet relationship to the
conventional metre and are proportionately faster. While the overall tempo of the work may to
some extent be regarded as a matter of choice, relationships between the tempi within must be
strictly observed, and metre changes interpreted precisely. Metronome markings always apply
to normal quaver values.
34

Neste modelo, a semibreve foi divida em dez partes iguais (10:8). O


compasso 4/4, que possui oito colcheias, foi transformado em uma larga
quiáltera primária (10:8).

Ex. 30 - Semibreve dividida em dez partes


Quando Ferneyhough indica o compasso 2/10, significa que ele utiliza
somente dois décimos desta quiáltera (10:8), como a seguir.

2/10
Ex. 31 - Dois décimos da quiáltera (10:8)
Observe que há uma quiáltera (10:8) com seus 2/10 circulados, as duas
primeiras colcheias da estrutura.

Ex. 32 – “Compasso irracional” 2/10


Por fim, encontra-se o compasso 2/10, Ex. 32. Em alguns casos,
Ferneyhough deixa estas estruturas ainda mais complexas ao utilizar outras
quiálteras dentro do “compasso irracional”. O raciocínio é similar a
sobreposição de quiálteras, uma vez que a própria estrutura 2/10 é já um
compasso quiálterado.

Atente-se para o Ex. 29 anterior, c.87, primeiro violino. Além do


“compasso irracional” 4/12 há duas quiálteras, (3:2) sobreposta a outra
quiáltera (3:2). É importante instruir-se a respeito deste procedimento
composicional para nos dirigirmos à obra de Kampela.
35

3.2 “Compassos não-integrais”

O compositor Brasileiro utiliza um raciocínio similar, não obstante com


uma notação diferente.19 Atente-se para a definição do compositor em relação
ao termo “compassos não-integrais”, em seguida observe como eles estão
presentes no Estudo Percussivo nº 2, Ex. 33 adiante.

Eu prefiro o uso da palavra “não integral” em vez de “irracional” para


definir os tipos de métricas de materiais que são expressos através
de números fracionários e que não podem ser expressos como um
número inteiro de razão, tais como (5:4), fração expressa como 4/5,
(30:16) = 16/30, (07:05) = 5:7, etc, a seguir há uma breve definição de
número não-integral.

Chamamos z de número inteiro, se for de (.... -2, -1, 0, 1, 2, 3, 4, ......).


Nota: Inteiros são números naturais, negativos ou números naturais,
ou 0.

Chamamos x de número racional se ele pode ser expresso: x = p / q,


onde p, q são números inteiros. Exemplos de números irracionais são
1/2, 3 (= 3/1), -5, 1/3, 11111111111111 .... (= 1/9), etc.

Chamamos y de irracional se ele não pode ser expresso como um


quociente de dois números inteiros. Exemplos: pi = 3. 14159265 .....;
e = 2. 71.828 .....; a raiz quadrada de 2 = 1. 414213562 .....; etc.

Números racionais vêm em duas variedades: a) Integral (3 ou 6), ou


b), não integral (5/6 ou 7/9).

Por conseguinte, um número não inteiro racional é um número x


racional que não pode ser expresso como um número inteiro. Nós
20
também chamamos esses números de fracionários. (KAMPELA,
1999, pg.191,192).

19
Em outras obras do mesmo período, Kampela também utiliza os compassos não integrais,
como em Phalanges para Harpa solo. No Percussion Study IV (EXOSKELETON) de 2003, ele
utiliza os “compassos não-integrais”, não obstante com uma notação diferente. No c.2 da obra
encontram-se o compasso 3/5, com esta notação.
20
I prefer the use of the word "non-integral" instead of "irrational" to define the types of metric
materials that are expressed through fractional numbers and cannot be expressed as an
integer-ratios such as (5:4), expressed fractionally as 4/5, (30:16) = 16/30, (7:5) = 5:7, etc.
Below, a short definition of non-integral numbers.
1.1 We call z an integer if it is one of (....-2, -1, 0, 1, 2, 3, 4, ......). Note: Integers are either
natural numbers, negatives or natural numbers, or 0.
1.2 We call x a rational number if it can be expressed as x = p/q where p and q are integers.
Examples of irrational numbers are 1/2, 3 (= 3/1), -5, 1/3, 11111111111111.... (= 1/9), etc.
1.3 We call y irrational if it cannot be expressed as a quotient of two integers. Examples: pi = 3.
14159265.....; e = 2. 71828.....; the square root of 2 = 1. 414213562.....; etc.
1.4 Rational numbers come in two varieties: a) Integral (e.g., 3 or 6), or b) Non-integral (e.g.,
5/6 or 7/9).
1.5 Therefore, a non-integral rational number is a rational number x that cannot be expressed
as an integer. We also call such numbers fractional. (tradução minha)
36

Ex. 33 – “Compasso não-integral”

O Ex. 33 anterior é referente ao c.1 da obra em questão, observe que há


uma espécie de “compasso misto”, a primeira parte corresponde ao 1/4 e a
segunda ao “compasso não-integral”, representado pelo símbolo a seguir: O
Ex. 34 ilustra como é a grafia que Kampela utiliza para os “compassos não-
integrais”. Este símbolo denota que são dois quintos de uma quiáltera de cinco,
observe a figura adiante.

Ex. 34 – “Compasso não-integral” em Arthur Kampela

O raciocínio é similar ao de Brian Ferneyhough, atente-se que no Ex. 35


são 2/5 da estrutura (5:4), ou seja, são duas semicolcheias desta quintina (5:4).
Ao compreender esta figura, é possível retornar ao Ex. 33, c.1 da obra.

2/5 x =

Ex. 35 – “Compasso não-integral” em Arthur Kampela

Ressalve-se que o compasso é constituído por duas partes, a primeira


pelo 1/4 que é representado pela quiáltera (5:4), cinco semicolcheias no tempo
de quatro semicolcheias. Já a segunda parte é representada pelo 2/5 de (5:4)
que são as duas semicolcheias da quiáltera (5:4). Em Ferneyhough ele seria
37

equivalente a 1/10.21 Observe que há uma pausa de colcheia logo após a


estrutura (5:4), esta pausa representa os 2/5 de (5:4). No Ex. 36 adiante, parte
quadriculada, a pausa representa o “compasso não-integral” com seu
respectivo símbolo ao lado.

Ex. 36 – “Compasso não-integral” em Arthur Kampela

Observe o Ex. 37 adiante: nele há um “compasso misto”, 3/4 mais 9/11


de (11:8), onze fusas no tempo de oito fusas. Ele é composto por duas partes,
na primeira há duas quiálteras primárias (3:2), três semínimas no tempo de
duas semínimas e (7:4), sete semicolcheias no tempo de quatro semicolcheias.
Na segunda parte está o “compasso não-integral” 9/11, que é uma quiáltera de
onze fusas no tempo de oito fusas, não obstante, somente nove destas fusas
estão no compasso.

Compasso não-integral

Ex. 37 – “Compasso não-integral” em Arthur Kampela

21
Ver BORTZ, 2003, p.65
38

Da mesma forma como foi demonstrado o cálculo para nova velocidade


metronômica da semínima das quiálteras, neste ponto é importante elucidar o
cálculo para a nova velocidade da semínima dos “compassos não-integrais”.22

3.3 Cálculo dos “compassos não-integrais”

Neste tópico será demonstrado como realizar o cálculo para os


“compassos não-integrais”. Vale advertir que os “compassos irracionais” e os
“compassos não-integrais” são estruturas quiálteradas, que por natureza já
possuem sua velocidade metronômica modificada em relação ao “pulso”
referencial. A ferramenta matemática pode auxiliar o intérprete a decodificar e
executar as estruturas. Para iniciar vamos nos dirigir ao c.1 da obra, Ex. 38
adiante. Vamos calcular a nova velocidade metronômica da semínima do
“compasso não-integral” 2/5. Para isso é necessário efetuar semelhante cálculo
para a quiáltera primária (5:4).

70 MM x 5 ÷ 4 = 87,5 MM.

A partir desta operação, pondera-se que o “compasso não-integral” 2/5


(pausa de cocheia) será “executado” em um tempo de 175 MM.

Ex. 38 – “Compasso não-integral” em Arthur Kampela

No Ex. 39 adiante, há um compasso 9/11 da quiáltera (11:8), onze fusas


no tempo de oito fusas. Será calculada a nova velocidade metronômica da
semínima deste compasso.

70 MM x 11 ÷ 8 = 96, 25 MM.

22
Ver BORTZ tese de doutorado, página 65: Capítulo 4 – Estratégia 3: encontrando a nova
velocidade metronômica nos compassos irracionais. Chapter 4 – Strategy 3: Finding New
Metronome Markings in Irrational Meters.
39

Compasso não-integral

Ex. 39 – “Compasso não-integral” em Arthur Kampela

A semínima da quiáltera (11:8), “compasso não-integral”, será executada


na velocidade de 96, 25 MM, ou 97 MM.

= 96,25 MM

Ex. 40 - Semínima da quiáltera (11:8)

3.4 Cálculo para a quiáltera secundária na parte não integral

De forma similar a Ferneyhough, Kampela utiliza quiálteras sobrepostas


nos “compassos não-integrais”. Conforme o raciocínio da mudança de
velocidade, é possível calcular a semínima destas estruturas. Observe o Ex. 41
adiante. Nele há um compasso constituído por duas seções, a primeira pelo
2/4, representado pela quiáltera primária (14:2), são 14 colcheias no tempo de
8 cocheias. Já na segunda parte está o 6/7, são seis semicolcheias da quiáltera
primária (7:4), o compositor transforma estas seis semicolcheias em uma
quiáltera secundária (7:6). Atente-se para o cálculo desta estrutura.

A: cálculo para a quiáltera primária (7:4).

70 MM x 7 ÷ 4= 122, 5 MM

B: cálculo para a quiáltera secundária (7:4)

122,5 MM x 7 ÷ 6 = 142, 9166666666667 MM.


40

Parte não integral com quiáltera


sobreposta.

Ex. 41 - Quiáltera secundária na parte não integral

Observe que o raciocínio é o mesmo demonstrado no cálculo para as


quiálteras. Basta refletirmos que o “compasso não-integral” é uma quiáltera no
primeiro nível de complexidade, não obstante, incompleta, fracionada. Em
seguida calculam-se normalmente os níveis primário, secundário, terciário e
quaternário.

CAPÍTULO IV

O escultor diz que não pode fazer uma estátua sem fazer, ao mesmo
tempo, um número infinito de desenhos, devido ao número infinito de
perfis, que são dimensões contínuas. Respondemos que este número
infinito pode ser reduzido a duas meias figuras, uma da vista posterior
e outra da anterior. Se estas duas metades estiverem bem
proporcionadas, ambas constituirão a figura em pleno relevo, e se
todas as suas partes tiverem o relevo adequado, elas
corresponderão, por si mesmas e sem qualquer trabalho posterior, ao
número infinito de perfis que o escultor afirma precisar desenhar.

(Leonardo da Vinci [1452-1519]).

4.1 A escultura rítmica

Durante o II Festival internacional SESC de música, na cidade de


Pelotas, na classe de composição ministrada por Arthur Kampela e Santiago
Quintans, em algum momento informal, executei um trecho do Percussion
Study IV (EXOSKELETON) para o compositor Arthur Kampela. Referindo-se a
41

um fragmento específico, ele disse: é preciso esculpir melhor o ritmo, o mais


importante deste trecho é a escultura rítmica”.23 É importante ressalvar que o
compositor já havia colocado este termo em uma conversa informal, quando
preparava o Estudo Percussivo nº 2.24 Nesta última parte do trabalho, será
discutido o termo “Escultura rítmica”.

Atente-se para o trecho no qual Kampela apontou a “Escultura Rítmica”,


ele é referente ao c.4 do Percussion Study nº IV (EXOSKELETON), para viola
de orquestra executada por um violonista. Analise a figura: nela há uma
quiáltera primária (7:6) e dentro desta há uma secundária (3:2).

Ex. 42 - Percussion Study IV (EXOSKELETON)

O objetivo é trazer à superfície a estrutura no seu estágio mais simples,


trazer a tona o que está “oculto”. Para isto é necessário “eliminar” a quiáltera
primária (7:6), atente-se para figura adiante.

Ex. 43 - Percussion Study IV, quiáltera (7:6) “eliminada”

Ao “eliminar” a quiáltera (7:6), podemos visualiza melhor a figura rítmica.


Ainda é possível simplifica-la para fim de estudo, como demonstra a ilustração
adiante:

Ex. 44 - Estrutura rítmica

Observe que a figura é demasiadamente singela; primeiro há um grupo


de duas semicolcheias, um segundo grupo composto por uma quiáltera (3:2) e

23
Depoimento pessoal de Arthur Kampela.
24
Ver VARGAS, 2012, p.177.
42

por fim uma semicolcheia. É possível estudar a figura em uma velocidade


confortável. Em seguida, é preciso contextualiza-la na obra e na sua real
velocidade metronômica. Para tal, calcula-se a velocidade da semínima da
quiáltera primária (7:6).25

60 MM x 7 ÷ 6 = 70 MM

A semínima da quiáltera primária (7:6) é equivalente a 70 MM.

É possível estender este raciocínio para o Estudo Percussivo nº 2.


Comecemos com o c.17, figura adiante; nele encontra-se um modelo de
escultura rítmica:

Compasso não integral

. Ex. 45 - Escultura rítmica

O foco deste modelo será a quiáltera (3:2). Atente-se que dentro dela há
três tempos, cada um com uma figura rítmica dispare. No primeiro há duas
colcheias, no segundo uma quiáltera secundária (5:4) e no terceiro uma
quiáltera secundária (6:4). Observe o Ex. 46 adiante:

Ex. 46 - Escultura rítmica

Observe que foi extraída uma parte do Ex. 45, a quiáltera primária (7:4)
e a parte “não-integral” 9/11. O próximo passo é “cancelar” a quiáltera primária

25
Vale ressaltar que o andamento referencial do Percussion Study IV (EXOSKELETON) é 60
MM para a semínima, razão pela qual é utilizado na operação.
43

(3:2). Observe que o Ex. 46 se transformou um compasso 3/4, como demonstra


a figura 47. O intérprete pode praticar cada uma delas de forma isolada para
depois contextualizá-las.

Ex. 47 - Escultura rítmica

Basicamente, ocorreu uma espécie de “acelerando” escrito de forma


“precisa”. Quando a estrutura estiver internalizada, o intérprete precisa
contextualiza-la na sua nova velocidade metronômica. Neste caso é necessário
calcular a velocidade da semínima da quiáltera primária (6:4), como segue:

70 MM x 6 ÷ 4= 105 MM.

De acordo com a operação, a semínima da quiáltera primária (6:4) é


equivalente a 105 MM.

A) duas B) quiáltera 5:4 C) quiáltera 6:4

semicolcheias

Ex. 48 - Figuras rítmicas


Ao raciocinar a estrutura de forma isolada, o violonista poderá praticá-la
em qualquer velocidade, internalizando-a, para em seguida contextualizá-la na
velocidade encontrada, 105 MM. É quase que um processo de “subtração”, o
intérprete precisa ir ao encontro da estrutura e decodificá-la.

A) duas B) quiáltera 5:4 C) quiáltera 6:4


semicolcheias

105 MM 105 MM 105 MM

Ex. 49 - Figuras rítmicas em novas velocidades


44

Além de manusear a ferramenta matemática, é preciso que o intérprete


tenha uma visão panorâmica, trabalhando, modelando e esculpindo por
quantos ângulos ele alcançar. Em diversas ocasiões encontraremos figuras
rítmicas “simples”, em sua essência. Não obstante, o que as tornam
demasiadamente complexas, em muitos casos, são as sobreposições de
quiálteras.

“Eliminar” as quiálteras e realizar um exame cuidadoso de cada


escultura rítmica, pode ser importante para intérprete tanto no momento do
estudo, quanto no momento da performance. Visto que é impossível controlar
as mudanças de velocidade ao decorrer da performance. Pois múltiplos fatores
irão influenciar o instrumentista durante a performance como a adrenalina, o
teatro, o público, a pressão atmosférica, suas alegrias, tristezas entre outros.
Segundo Bortz, “a alta precisão da notação oferece ao próprio compositor um
grau de ‘controle’ que é apenas aparente do ponto de vista da realização no
momento da performance” .(BORTZ, 2006, p.85). No mais, é possível nos
guiarmos pelas Esculturas Rítmicas, neste caso esculpindo-as
cuidadosamente.

Ex. 50 - Estudo Percussivo nº 2, c.18

Finalmente, iremos trabalhar nas três primeiras quiálteras primárias


(5:3), (10:8) e (8:5) do Ex. 50 anterior. Elas são relativamente simples em sua
construção primordial, se “eliminarmos” as quiálteras e pormenorizá-las, a
explanação ficará clara. Atente-se para as figuras a seguir:

A) quiáltera 5:3 B) quiáltera 10:8 C) quiáltera 8:5

Ex. 51 - c.18, quiálteras “eliminadas”


45

Na parte (A) encontra-se uma figura tradicional, uma colcheia e duas


semicolcheias, em seguida há uma pausa de semicolcheia, no contexto da
obra, o violonista pode interpretá-la como uma curta respiração. Na figura (B),
há um grande grupo de dez fusas, ou dois grupos de cinco fusas cada um. A
Escultura rítmica pode ser multifacetada, o aspecto que ela irá tomar, depende
do perfil melódico que cada intérprete observar. Neste caso, acredita-se que é
possível raciocinar em dois grupos melódicos de cinco fusas cada um. Já na
parte (C), encontra-se um conjunto de seis semicolcheias e uma fusa, esta
última, pode ser interpretada como uma semicolcheia acentuada e em
staccato, visto que há na partitura estas indicações.

Após decodificar as figuras e dar um sentido rítmico-melódico para a


estrutura como um todo, o intérprete deve contextualiza-la em suas respectivas
velocidades metronômicas, calculando a velocidade das quiálteras primárias
(5:3), (10:8) e (8:5). Os valores de cada uma respectivamente serão:
116,6666666666667 MM, 87,5 MM e 112 MM.

A) quiáltera 5:3 B) quiáltera 10:8 C) quiáltera 8:5

116,6666666666667 MM 87,5 MM 112 MM

Ex. 52 - Novas velocidades metronômicas

O intérprete pode estender este raciocínio para toda a obra, como para
os outros Percussion Study da série. Vimos que a peça em questão possui
uma escrita complexa; no entanto, o ritmo pode ser maleável, plástico,
modelado e esculpido. De acordo com SCHICK (1994, p.133), é preciso aceitar
que a imprecisão rítmica faz parte do processo de aprendizagem e da
performance. O que nos guia durante uma audição, ou uma performance, é a
nossa intuição e ouvidos, ou seja, nosso lado humano-musical. A nossa
intuição que deve conduzir a travessia durante o processo de aprendizagem,
mesmo em obras que possuam ritmos complexos. “De acordo com Henry
46

Cowell, qualquer quiáltera em três níveis pode ser reproduzida, se praticarmos


de forma devota quinze minutos por dia, por cinco meses”. (FELLER, pg. 6).26

CONCLUSÃO

“A falta de inteligibilidade gera uma série de perturbações no espírito,


emudecendo-nos diante do incompreensível ou encorajando-nos a
buscar novas formas de compreensão, de comunicação. Talvez esta
seja a principal característica de uma obra complexa: uma obra que
se renova constantemente por meios ainda não explorados,
inesperados e desconhecidos. Neste sentido, “complexidade” é
sinônimo de “música nova” — ou como preferem outros: música que
não é música, música que não comunica nada (música que nem cura,
nem dá prazer, nem vende)”.

(Fernando Kozu, A complexidade em Brian Ferneyhough)

Um dos principais objetivos dessa pesquisa foi elucidar de forma


reduzida o conceito rítmico na obra Estudo Percussivo nº 2 do compositor
brasileiro Arthur Kampela. Limitamos-nos a um panorama, visto que estes
podem ser inúmeros dentro da obra. Contextualizamos o pensamento rítmico,
tanto no que diz respeito às quiálteras sobrepostas, quanto do pensamento dos
“compassos irracionais” na poética do compositor britânico Brian Ferneyhough.

Elucidamos como ele utiliza estes dois procedimentos composicionais


em seu Quarteto de Cordas nº 3. Em seguida, foi demonstramos similar
raciocínio manuseado por Kampela no Estudo Percussivo nº 2. Também foi
demonstrado como o intérprete e, também o compositor podem se utilizar da
ferramenta matemática, aquele para auxiliar no momento de estudo e este para
criar sistemas composicionais baseando-se nos cálculos matemáticos.

Para finalizar o trabalho, abordamos de forma sucinta o termo utilizado


por Kampela “Escultura Rítmica”. Discutimos como ele pode ser visto na obra
através de uma visão particular, visto que cada intérprete ou compositor pode
construir sua própria travessia, modelando e esculpindo o ritmo de acordo com
sua perspectiva.

26
“According to Henry Cowell, any three-level nested tuplet could be accurately produced if a
performer would simply devote fifteen minutes a day, for five months to such matters” .
http://www.opusklassiek.nl/componisten/ferneyhough_feller.pdf, acessado em 15/07/2012.
47

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