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iii. localizar 23
iv. pontilhismo 33
v. a cavernona 36
__sítio 37
__programa 40
__partido arquitetônico 43
__detalhes construtivos 63
bibliografias 68
p (1) Transarquitetônica (vista panorâmica),
Henrique Oliveira, 2014, Museu de Arte Contem-
porânea, São Paulo - Brasil
foto: Everton Ballardin
14
i. raiar das cavernas
15
atacaram 3 jovens gays à golpes com tudos da Violência Homofóbica no Brasil, publicado
de lâmpadas flourescentes na Avenida pela Secretaria de Direitos Humanos da
Paulista. Felizmente os jovens sobreviveram, Presidência da República (SDH) em 2013.
mas o crime explicita que a violência limita
Em São Paulo, a única pesquisa
a vivência da cidade por essas pessoas. Não
que se tem conhecimento sobre a situação
só a física mas a de caráter psicológico e
habitacional das pessoas LGBTs foi realizada
discriminatório. Para os LGBTs, uma parte
pela Prefeitura Municipal de São Paulo
da constituição de suas cavernas se dá pela
(PMSP) junto a Fundação Instituto de
busca de proteção de um mundo hostil.
Pesquisas Econômicas (FIPE), em 2015. O
Mas a hostilidade não está presente estudo levanta que até 10% das pessoas em
somente no espaço público das cidades, situação de rua se identificam como LGBT
propagando-se em diversos outros âmbitos. e estão suscetíveis a uma situação mais
Em um outro estudo realizado em 2016 precária do que a população heterossexual –
pela Secretaria de Educação da Associação como maior mendicância, prostituição, uso
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais e de drogas ilícitas, proibição de frequentar
Transexuais (ABGLBT, 2016), entre 1016 espaços públicos, agressão verbal e física.
alunos, mostra que 73% dos que não se Enquanto que, de acordo com a ONU, nos
declaram heterossexuais já foram agredidos Estados Unidos há cerca de 500 mil jovens
verbalmente nas escolas. Agressões sem-teto; sendo que 40% se identificam
físicas alcançaram 36% de vítimas. sendo um LGBT. Muitas vezes, essas pessoas
foram expulsas de casas por questões morais
Em outro estudo, conduzidos pela
ou se viram obrigadas a sair por não inclusão.
Comissão da Diversidade Sexual da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), afirma que Tais dados trazem à luz problemas
o país concentra 82% da evasão escolar de enfrentados pelo grupo e a urgência de
travestis e transexuais. Nesses equipamentos, projetos que contemplem suas necessidades
até pela arquitetura a hostilidade se expressa: de proteção e acolham essas pessoas.
a ausência de banheiros unissexuais rompe Felizmente, há, em contrapartida, diversos
com o acolhimento dessas pessoas. Aliás, projetos em andamento que percorrem
o estudo realizado pela ABGLBT(2016) os âmbitos educacional, habitacional
afirma que os espaços que essas pessoas e profissionalizante que podem ser
tem maior medo de estar são os banheiros, exemplificados com as iniciativas de ONGs,
seguido pelas aulas de educação física. O como a Casa1 (São Paulo) ou o Aly Forney
espaço através da arquitetura tem poder Center (Nova York), que abrigam jovens
de acolher ou fragmentar as pessoas. LGBTs sem moradia. Através da Prefeitura
Municipal de São Paulo, o programa de
Além da evasão escolar somada
Reinserção Social Transcidadania, em que
ao preconceito no mercado de trabalho
se promove a recuperação de travestis e
resultam que 90% das transexuais estão
transexuais pelo oferecimento de atividades
desempregadas, segundo a pesquisa da
escolares e preparação para o mercado
ANTRA Brasil (Associação Nacional de
de trabalho. Também o projeto Voz e
Travestis e Transsexuais Brasil). Assim, a
Cozinha, numa parceria com a Organização
transfobia faz com que esse grupo acabe
Internacional do Trabalho (OIT), a chef
tendo como única opção de sobrevivência a
Paola Carrosella junto com o Ministério
prostituição de rua, de acordo com o Relatório
Público do Trabalho e outros agentes, que
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criaram um curso profissionalizante em
gastronomia, especialmente para travestis e
transexuais, proporcionando a capacitação
delas ao mercado gastronômico, além de
todo compartilhamento multicultural.
Tais possibilidades a esses problemas
ajudam a refletir no campo da arquitetura
e urbanismo, numa possível conexão
interdisciplinar, permitindo uma melhor
integração entre os próprios projetos e
maior entendimento e construção para os
grupos LGBTs dentro do espaço urbano,
consequentemente, uma perspectiva
da própria construção das cidades.
Assim, o presente trabalho propõe,
em um primeiro momento, em Desejos e
Heterogeneidades, entender esse conjunto
de cavernas urbanas a partir do desejo por
e em as cidades com toda sua diversidade,
visto não como um conjunto de fragmentos,
mas como um sistema de trocas e busca
pelas identidades em meio a redes urbanas.
Então, em Localizar, tenta
responder como os grupos LGBTs
contribuíram e se sujeitaram, enquanto
agentes urbanos, na construção da
cidade e sua relação com outros agentes.
Em Pontilhismo, analisa-se projetos
que contribuem para o entendimento
da dinâmica das cavernas urbanas dos
[grupos] LGBTs, além dos projetos em
contrapartida às violências citados acima.
Tais análises se dão também como
embasamento para o partido arquitetônico
que é apresentado posteriormente,
em A Cavernona, com a proposta de
uma arquitetura possível ao amparo
atual dos grupos LGBTs, prestando-
se para reflexão sobre suas dinâmicas.
17
p (3) Brazil, Keith Haring, 1989 – tela em acrílico e esmalte, 182.88 x 182.88 centímetros
18
ii. desejos e heterogeneidades
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para que no ponto em que ela desapa- a sede da economia monetária” (SIMMEL,
recera não lhe restasse escapatória. 1902, apud. VELHO,1973: p. 13) e exige que
Os recém-chegados não com- o cidadão paute suas dinâmicas através da
preendiam o que atraía essas pessoas a racionalização de si próprio. Sem ela, sem a
Zobeide, uma cidade feia, uma armadi- mais estrita pontualidade nos compromissos
lha. (CALVINO, 1990, p.45) e serviços, toda a estrutura [urbana] se
romperia e cairia num caos inextrincável
(SIMMEL,1902), onde o próprio homem
Nossas cidades são como Zobeide: é transformado em trabalho, como um
uma constante construção na busca pela re- número que indifere da sua individualidade.
alização dos desejos de seus cidadãos. Muda [A metrópole] é provida quase que
uma coisa aqui, refaz outra lá, entram em inteiramente pela produção para o
conflitos entre suas próprias mudanças pelo mercado, isto é, para compradores
sonho do encontro com suas musas fugiti- inteiramente desconhecidos, que nunca
vas. Talvez, se pudéssemos ver a planta de entram pessoalmente no campo de
Zobeide ela mais se pareceria com a pintura visão propriamente dito do produtor.
de Keith Haring, um labirinto em movimen- Através dessa anonimidade, os
to com diferentes corpos em um empurram- interesses de cada parte adquirem um
-se, encontram-se, perdem-se, colidem-se, caráter impiedosamente prosaico; e os
sobrepõem-se – uma possível transa que egoísmos econômicos intelectualmente
faz do espaço uma dança desritmificada. calculistas de ambas as partes não
(...) a cidade é “investida” por uma precisam temer qualquer falha devida
ordem dupla de “desejos” desejamos a aos imponderáveis das relações pessoais.
cidade como “seio”, como “mãe” e, em (SIMMEL, 1902, apud. VELHO,1973: p.14)
simultâneo, como “máquina”, como
“instrumento” ; queremo-la “éthos”, no Com isso, as grandes cidades se
sentido original de morada e residência constituem de um excesso de informação
e, ao mesmo tempo queremo-la um e um multiculturalismo tão grande
meio complexo de funções; pedimo-las que o homem naturalmente acaba
segurança e “paz” e, concomitantemente, que por gerar uma autopreservação
pretendemos dela grandes eficiência, dos próprios efeitos da cidade.
eficácia e mobilidade. A cidade vive Cria-se uma “reserva” de estímulo
sujeita a questões contraditórias. Querer mental, chamada por Simmel de efeito
ultrapassar esta contraditoriedade é má blasé. “A pessoa resiste a ser nivelada
utopia. É necessário, ao invés, dar-lhe e uniformizada por um mecanismo
forma. A cidade, na sua história, é a perene sociotecnológico” (SIMMEL, 1902, apud.
experiência de dar forma à contradição, VELHO,1973: p.11). Numa perspectiva geral,
ao conflito.” (CACCIARI, 2010, p. 07) afasta-se e ignora o que não lhe interessa e
A cidade é dicotomia. Desejamos desconhece. Por isso, aliás, estereotipa-se
a dinâmica urbana e vivemos nela pelo os homens metropolitanos como “frios e
encontro e a partilha da vida com o outro. desalmados” que faz muitas vezes com que
Concomitantemente, vivemos submetidos eles não conheçam seus próprios vizinhos.
ao que é comum a todos e que nos ignora Mas na metrópole não importa
enquanto indivíduo: “a metrópole sempre foi quem seja seu vizinho. As relações do
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cidadão metropolitano não são limitadas Podemos então olhar os espaços
a suas proximidades físicas. Quebra-se urbanos não como um território
os limites da topografia e estabelece-se as fechado, mas como um sistema de redes:
redes e os circuitos (MAGNANI, 2002).
As grandes cidades certamente são
(...) nós moramos em territórios cuja importantes para análise e reflexão, não
métrica já não tem qualquer sentido apenas porque integram o chamado
espacial, mas quando muito unicamente sistema mundial e são decisivas no
temporal. Fazemos todas as nossas fluxo globalizado e na destinação dos
contas em base ao tempo, não ao espaço; capitais, mas também porque concentram
já ninguém pergunta a que distância fica serviços, oferecem oportunidades de
determinada cidade, mas quanto tempo trabalho, produzem comportamentos,
demora a chegar lá. (CACCIARI, 2010, p. 56) determinam estilos de vida – e não
apenas aqueles compatíveis com o
Os círculos sociais agora metrificados
circuito dos usuários “solventes”, do
pelo tempo e não mais no espaço contíguo, que
grande capital, freqüentadores da rede
tem seu controle social enfraquecido. O que
hoteleira, de gastronomia e de lazer
proporciona ao cidadão uma maior liberdade
que seguem padrões internacionais.
individual, pois círculos sociais fechados,
com maior delimitação, como por exemplo A presença de migrantes, visitantes,
pequenos grupos ou como a dinâmica da moradores temporários e de minorias; de
pólis grega, o controle social é grande e obriga segmentos diferenciados com relação à
o indivíduo a adquirir uma individualidade orientação sexual, identificação étnica ou
sujeita ao coletivo, à própria pólis. regional, preferências culturais e crenças;
de grupos articulados em torno de opções
Já,
políticas e estratégias de ação contestatórias
“homem metropolitano é ‘livre’ em um ou propositivas e de segmentos marcados
sentido espiritualizado, em contrates com pela exclusão – toda essa diversidade
a pequenez e preconceitos que atrofiam o leva a pensar não na fragmentação de
homem de cidade pequena.Pois a reserva e um multiculturalismo atomizado, mas
indiferença recíprocas e as condições de vida na possibilidade de sistemas de trocas
intelectual [racional] de grandes círculos de outra escala, com parceiros até então
nunca são sentidas mais fortemente pelo impensáveis, permitindo arranjos,
indivíduo, no impacto que causam em sua iniciativas e experiências de diferentes
independência, do que na multidão mais matizes. (MAGNANI, 2002, p. 15)
concentrada na grande cidade. (SIMMEL,
Para Magnani, ao acompanharmos um
1902, apud.VELHO,1973: p. 20).
indivíduo dentro de seu cotidiano, produziríamos
A metrópole submete o homem a uma um mapa de deslocamentos pontuados por
racionalização de si mesmo, mas permite contatos significativos entre variados contextos:
a ele uma maior liberdade a construção de do trabalho, práticas religiosas, de lazer
seus desejos, pela ausência de controle e etc. “(...) capaz de apreender os padrões de
a anonimidade. De antemão, já se supõe comportamento, não de indivíduos atomizados,
aqui dois porquês das [pessoas] LGBTs mas dos múltiplos, variados e heterogêneos
compor especificamente o fenômeno urbano conjuntos de atores sociais cuja vida cotidiana
mesmo com os preconceitos e violências transcorre na paisagem da cidade e depende de
motivadas por uma determinada moral.
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seus equipamentos.” (MAGNANI, 2002, p. 17) imprevisibilidade da vida”. (MENDES, 2018)
A partir do contexto metropolitano,
tal como as reservas anunciadas por Simmel,
Magnani dedica-se a entender como se
dão os relacionamentos no espaço urbano.
as grandes metrópoles contemporâneas
não podem ser vistas simplesmente
como cidades que cresceram demais
e desordenadamente, potencializando
fatores de desagregação. Elas também
propiciaram a criação de novos
padrões de troca e de espaços para a
sociabilidade e para os rituais da vida
pública. (MAGNANI, 2002, p. 26)
22
p
iii. localizar
25
p
Paulo. Aspectos de sua atividade social grandes fluxos da vida metropolitana,
(costumes, hábitos, ‘apelidos’, ‘gíria’, possibilita tanto o anonimato como também
de 1938-39. O estudo apresentou que os o consumo das atividades de caráter
principais centros de reuniões se localizavam especificamente urbano que proporcionam o
nas áreas centrais, especificamente no encontro entre pessoas.
Parque Anhangabaú, próximo à Avenida
Na década de 1960, com a
São João, e no Largo do Paissandu.
região da República consolidada como
No fim da década de 1950, José centralidade. De acordo com Silva (1958):
Fábio Barbosa da Silva, considerado
A região principal que tem sobrevivido,
o primeiro estudioso da cidade de São
por muito tempo, como ponto de encontro
Paulo de caráter não repressivo sobre os
de grande parte do grupo homossexual
grupos LGBTs, realizou sua dissertação
de São Paulo, pode ser caracterizada por
de mestrado sobre o tema e os localizou:
um grande T, formado pela confluência
Não é difícil perceber as razões da das Avenidas São João e Ipiranga, tendo
concentração dos homossexuais nessa como pontos cardeais os cinemas Oásis,
área. Segundo pensamos, o sistema de ArtPalácio e início da Rua São Luiz (...)
classificação de áreas urbanas utilizado Praça da República, do Largo do Arouche,
por Burgess (1925), em linhas gerais, do Largo Paissandu, da Praça Ramos de
encontra-se aplicação em São Paulo. Azevedo e dos cinemas e bares citados.
Podemos delimitar de maneira geral as Estações de ônibus intermunicipais,
áreas concêntricas (de desorganização, estações de estrada de ferro e quartéis.
habitação e industrial); apenas elas (SILVA,1958 apud GREEN,2005: p. 73)
passam em nossa cidade por uma série
Os LGBTs estavam camuflados no
de fracionamentos e superposições.
mundo do ócio, convergido com outros
(SILVA,1958 apud GREEN,2005: p. 74)
grupos, desde boêmios, cinéfilos, artistas de
Os encontros de LGBTs são situados teatros até a prostituição. Ao mesmo tempo,
em uma área que - em consequência dos como no caso de encontro em banheiros e
terminais de ônibus, expressavam-se a partir
da fluidez e anonimato do ir e vir pela cidade.
Ainda não existia a Galeria Metrópole,
mas no lugar onde ela está agora já
existiam dois bares frequentados por
pessoas homossexuais, Barbazul e Arpege.
O Barbazul era mais refinado, pessoas
mais convencionais, de terno e gravata,
legenda
e o Arpege era mais boteco, não tinha
pontos das possíveis localizações
mesinhas como o Barbazul, era um bar de
delimitação do Largo do Arouche
balcão. Continuando pela Rua São Luís,
onde agora é a Praça Dom José Gaspar,
ainda não tinha calçadão, mas já estavam
outros dois bares gays: O Cremeirie (que
t (5) carta com os possíveis pontos de encontro das
pessoas LGBTs em São Paulo, em meados da década de ainda existe) e o Pari Bar, que desapareceu
1960
base: recorte do Município de São Paulo: levantamento por volta de 1983” (...). Tinha casas de
aerofotográfico , VASP/CRUZEIRO do Sul, 1954.
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chás como a Vienense, que ainda existe, Galerias Comerciais. Consequentemente, os
na Barão de Itapetininga, frequentada por encontros das LGBTs também se adaptaram
casais, no começo da noite, final da tarde. a essa nova forma de viver a cidade.
Havia também marginalia; São Paulo
A começar do carro: “até então
já era uma cidade grande. O ponto dos
a paquera era sobretudo caminhante. A
michês era no cinema Itapira, do lado do
paquera motorizada no circuito (onde
Jeca, se estendendo pela Avenida São João
agora é o calçadão) que apodava-se
até a galeria do cinema Lira. Havia então
“Autorama”, aparece só nos anos 70.
uma postura de distinção entre as pessoas,
Até então era uma badalação incrível,
na paquera. (PERLONGHER,1987: p.73)
mas a pé, nas imediações da Galeria
Meados da década de 1960 e 1970, Metrópole”. (PERLONGHER, 1987: p.78)
novos processos urbanos marcaram uma
Segundo, em meados de 1970-80,
nova etapa na construção da cidade. Flávio
outros processos complexos interferiram na
Villaça descreve o deslocamento do centro
produção da cidade. A ditadura militar, e de
econômico movido pelas elites para a Avenida
combo a grande repressão e violência vinda
Paulista, que se seguiu pelo vetor sudoeste.
do próprio Estado, escancarada pós o AI.5,
Um fator marcante é que houve um grande
em 1968, declinou mais ainda o homem
incentivo à indústria dos automóveis. Outro
público. Os espaços de encontro dos grupos
fator, a limitação da circulação de carros na
LGBTs que estavam concentrados na Região
região da República e Centro Histórico com a
da República – a Av. São João, Ipiranga,
execução dos grandes calçadões. O centro se
o Largo da Paissandu, Arouche e a Praça
torna menos atrativo ao consumo daqueles
Dom Gaspar – sofrem uma pulverização
que almejavam e podiam ter um novo estilo
e deslocamento, primeiro para a Praça
de vida onde seu meio se dava pelo carro.
Roossevelt, depois para a região dos bairros
Mas, o centro também receberia as primeiras
Jardins, seguindo também o vetor sudoeste.
linhas de metrô e grandes terminais de
ônibus, o que permitiu sua popularização. Ao mesmo tempo, ganha
popularidade um novo tipo de local de
Se antes havia como desejo o uso
encontro: tal como a caixa fechada que
comercial na cidade através da tipologia das
são os shoppings, fervilham as boates.
Galerias Comerciais, que eram integradas ao
espaço público, no final de 1960, surge uma (...) a extensão do circuito da paquera
nova tipologia, os shoppings centers, como gay aos Jardins vai se dar muito depois,
marco a inauguração do Shopping Iguatemi – já no final dos anos 70, com a expansão
projetado para ser acessado por automóveis. das boates. Uma das primeiras a sair do
Os shoppings são hoje uma tipologia de microcentro e ir para a Augusta foi a Saloon.
comércio que rompe a cidade, são como uma As boates foram uma grande novidade
caixa fechada, muitas vezes alheia ao espaço da época. Já no final dos anos 60 (1968
público. Isso, entre outros fatores - como a ou 1969) lembro de uma, na Ladeira da
instalação de viadutos rasgando a cidade Memória, chamada Nighting... No início, a
e seus espaços públicos - desencadeiam o capa cultural, os “entendidos” e o pessoal
declínio do homem público, como intitula do teatro, fizeram uma grande resistência
Richard Sennet. Os circuitos para vivenciar às boates, à música rock, ao Roberto Carlos.
o ócio, antes a pé, integrados às calçadas, Eles transavam jazz e bossa nova e curtiam
entram em decadência, assim como as lugares para ouvir música. Era a elite versus
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o populacho. (PERLONGHER, 1987: p.81) uma entrada do Oscar, e todo mundo
ficou mortificado com aquilo, porque você
A tipologia das boates nos
não queria estar ali no meio do Jardins
ajuda a entender parte do modo de vida
e um holofote... Você sendo focalizado,
dos grupos LGBTs da época e como se
entrando numa boate gay? Acabou
passa a definir a dicotomia entre “público”
a boate em uma semana, não durou
e o “privado”, o “secreto” e o “exposto”
quase nada. (em FRANÇA, 2006: p. 35)
e a busca de suas cavernas. Esse tipo de
comércio, fechado em si, funciona de forma Contudo, o descolamento de uma
desconexa da cidade e possibilita discrição parcela do grupo LGBTs, também seguindo
de quem está lá dentro, protegidos de um o vetor sudoeste, fez com que o centro
mundo externo, com uma ambiência interna - do “populacho” –, ficasse conhecido
específica (luz, som, cheiro e espacialidade como um local de constante violência,
projetados para passar uma nova atmosfera criminalidade e por LGBTs de classe média
para quem frequenta). Em entrevista a e baixa. A região da Augusta com o Jardins,
França(2006), um frequentador descreve: restrita para aqueles com maior poder
aquisitivo e de fácil acesso por automóveis.
Durante toda a época se mantém uma
Na hora em que aquilo se abriu, era
diferença de classe muito clara; todos
uma boate pequena e era tudo de veludo
esses locais: Nestor Pestana, Largo do
vermelho, as paredes, e era pequeno e
Arouche, eram curtidos por pessoal da
amontoado de gente, um monte de homens
classe média. Continuava o tempo todo
lindos, todos perfumados, bonitos, bem
existindo o foco mais pobre, mais lúmpen,
vestidos, era uma espécie de esconderijo da
da Avenida Ipiranga e São João e a Praça
burguesia gay. Quando eu achei finalmente
da República(...). Agora, vejamos o que
[o bar], entrei e aí foi um ‘abre-te sésamo’,
acontece com a massa dos gays. Saem da
né? Porque eu entrei nesse lugar e eu
Galeria Metrópole, fugindo da polícia, e vão
descobri que tinha centenas de pessoas
parar na Nestor Pestana. Daí vem uma nova
como eu. (em FRANÇA, 2006: p. 34)
perseguição policial, e então confluem para
Em uma outra entrevista para o Largo do Arouche e expandem-se pela
também França (2006), e em contraponto, Vieira de Carvalho. Esse processo teve seu
narra-se uma boate que resolve fugir da apogeu no final dos anos 70, 1978 e 1979,
tipologia padrão e as consequências disso: justo antes das blitz do Richetti, que foram
Ainda nos anos 1980, você tinha que em 1980. (PERLONGHER, 1987: p. 82)
entrar discretamente no lugar (...) teve Essa segregação de caráter econômico
uma boate que na noite de inauguração, com o deslocamento e a pulverização dos
eles tiveram a infeliz ideia de colocar um espaços revelam também a violência – além
holofote, acho que foi do outro lado da da policial – da própria elite das LGBTs,
rua, e conforme as pessoas iam chegando fazendo com que os espaços centrais fossem
na boate, eles focalizavam a pessoa com vistos com estranhamento e se distanciassem
aquele holofote, que te acompanhava até deles. Isso revela as fragmentações
a entrada da boate. Isso matou a boate. dentro do próprio grupo. Também, com
Na noite de inauguração, eles cometeram o isolamento das próprias pessoas LGBTs
esse erro fundamental, de achar que as - em um primeiro momento - dentro do
pessoas queriam ser iluminadas como
29
p
(6) São Paulo, junho de 1980: em torno de quinhentas pessoas se manifestaram na primeira passeata organizada por grupos de direitos LGBT, em protesto a repressão policial
a travestis, prostitutas e homossexuais, no centro da cidade.
Acervo: J.S. TREVISAN.
Reprodução: Marcos Vilas Boas
Ressalta também o panorâma global da época pelo início do movimento da “saída do armário” com a Revolução Sexual. A “blitz do Richetti” foi um conjunto de operações
da polícia, à mandato do Delegado José Wilson Richetti, extremamente violenta que tinha como intuito esfacelar a existências de LGBTs na região central, com apreensão e
tortura de LGBTs mesmo dentro de espaços privados, bares e boates.
30
espaço urbano, demonstra o que psicanalista boates com “dark room”, saunas, cinemas,
Christian Dunker chama de “estratégias de motéis. Também ofertas de serviços
vida”. Talvez, para evitar os desprazeres da direcionados aos grupos LGBTs locais:
vida e os conflitos entre as diferenças, as lojas de roupas, clinicas estéticas e etc.
pessoas se isolam como um refúgio para
O Centro Antigo aparentemente absorve
um mundo próprio. Ora por sobrevivência
uma camada da população homossexual
de um mundo hostil, ora por uma “ilusão
menos valorizada pelos padrões
de uma realidade esteticamente orientada”.
globalizados de estética, consumo e
Quase todas elas [estratégias de vida] estilo de vida homossexual: congrega
estão condensadas em nossa parábola do homens mais velhos, gordos e peludos,
condomínio fechado: associação entre a lésbicas “masculinizadas”, michês,
conquista da natureza e a comunidade travestis e homossexuais considerados
orgânica, refúgio em um mundo próprio, afeminados. Também se caracteriza pelo
sentimento de que se usufrui de uma menor poder aquisitivo do seu público,
experiência que é acessível para poucos, o que se pode aferir facilmente diante
ilusão de uma realidade esteticamente dos menores preços cobrados pelas
casas noturnas. (FRANÇA, 2006: p.48)
orientada, sentimento de ruptura
intencional com o “mundo comum”, Na mancha Paulista-Jardins,
e finalmente, a anestesia induzida há, de acordo com França (2006), “pelo
pela intoxicação. Em tais condições a menos 21 bares e boates destinados ao
possibilidade de sonhar e as ilusões público homossexual com mesmos padrões
disponíveis à consciência tornam- de consumo a áreas como Itaim Bibi,
se perigosamente próximas de sua Pinheiros e Vila Madalena”. Com focos
realização efetiva. (DUNKER, 2011: p.03) de concentração na Alamedas Jaú, Tietê,
Av. Rebouças, Rua Augusta e Frei Caneca.
A partir disso, surge uma distinção
Há maior presença de bares ao público
de manchas dentro do circuito das LGBTs.
feminino e mais próximos aos bares de
Para além da segregação econômica, França
frequência masculina, em comparação
(2006) diferencia também esses dois
com o centro. O “eixo Jardins-Paulista não
territórios, dentro do mesmo circuito, por
abriga cinemas de ‘pegação’ e os poucos sex
outros fatores: no Centro Antigo, de acordo
shops da região têm procurado acessar uma
com a autora, há uma diversidade maior
clientela sofisticada, por vezes promovendo
dentro do próprio grupo LGBT e, como já
performances de temática fetichista em
descrito por Silva (1958) e Perlongher(1987),
festas periódicas voltadas para um público
também há a convergência com outros grupos
gay mais elitizado.” FRANÇA(2006). Há
classificados dentro das marginalidades
poucos pontos de prostituição e os existentes
(como a prostituição). Dentro do grupo
são relativamente isolados da mancha.
existe maior amplitude em faixa etária
e diferentes tribos compondo o mesmo A mancha que se situa no eixo Paulista-
grupo (como “os ursos”, “caminhoneiras”, Jardins talvez seja a melhor representação
“drags queen”, transexuais, “bicha/bofe”, desta imagem globalizada de “cultura gay”,
“afeminadas” e etc). Da mesma forma que colada a uma série de outros significados
há uma maior variedade de serviços sexuais que se atribui a essa região da cidade.
e oferta de espaços destinados ao sexo: (...) As regiões de entroncamento desses
31
p
fluxos seriam, então a própria expressão suas unidades e atrair o público que
do sistema global, gerando espaços que se identifica e que possa comprá-las.
excluem expressões não conformes a esta
As elites fundamentam sua
configuração espacial e simbólica. Esta
intervenção pela necessidade de higienização
“mancha” carrega consigo características
do centro. A própria Prefeitura de São
da onda maior de expansão do “mercado
Paulo, em 2017, apresentou um projeto
GLS” nos anos 90, pautada pela busca
urbano encomendado pela Secovi-SP
e conformação de um público alvo
que se intitula “revitalização”. Mas, ora,
mais alinhado com os padrões do ‘gay
o centro não estava abandonado, sem
globalizado’. (FRANÇA, 2006: p.49)
vida, nem está. A própria mancha LGBT
Hoje, há novos processos na da República exemplifica isso.
construção do espaço urbano. As elites que
Assim, questiona-se como os novos
abandonaram as regiões centrais, voltam
processos urbanos acolherão os grupos que
a fazer parte significativa na produção do
hoje compõem a mancha LGBT da República
centro. As grandes potencialidades da região
e permitirão a convivência entre todos esses
com toda sua infraestrutura e propensão a
agentes urbanos, considerando que dentro
habitação, torna o espaço atrativo para uma
dos próprios grupos LGBTs há uma exclusão
“cidade-lazer” como alega Lipovetsky(2016):
de expressões não conformes à configuração
“comércios, bares descolados, às flagships
stores, dos restaurantes às concept stores, do “gay globalizado”.
das galerias comerciais às lojas de luxo(...)
o mundo hipermoderno é da estética
mercantil e do comércio consumista que
invade o espaço urbano e arquitetônico.”
Em paralelo, “o mercado GLS”
tem se fortalecido e outros agentes do
mercado também têm se apropriado
do fortalecimento do “gay globalizado”.
Puccinelli(2017) descreve que o lançamento
de novos empreendimentos no centro
de São Paulo se apropriam da ideia de
diversidade e modernidade para valorizar
legenda
33
iv. pontilhismo
O Pontilhismo buscou uma
associação das artes com a ciência, baseados
nos estudos do químico Michel Chevreul
(1786-1889), pela busca do entendimento
de como funciona a visão humana. Um
sistema de pontos isolados quando reunidos
criam, quando visto em outra perspectiva, as
manchas, que por sua vez compõe um corpo,
um objeto ou o que o artista quiser representar.
Acredita-se que essa visão sistêmica
seja necessária para o entendimento da
cidade e a criação da arquitetura. Sua
concepção por si já é sistemática e engloba
uma enorme conjuntura: o programa,
circulações, ventilação, iluminação,
hidráulica, elétrica e toda atmosfera do
edifício. Além, o pensamento sistêmico
permite que construímos não um edifício
fechado em si, mas um espaço que
dialoga com seu entorno. Seja pela forma,
t (11) recorde de A Sunday on La Grande Jatte, 1884,
pela possibilidades de relações com
Georges Seurat, França
Disponível em:/www.artic.edu/
outros programas e etc. Por isso, numa
35
tentativa de entender aqui o pensamento existentes nos territórios inseridos. Os
sistêmico, observa-se alguns casos. programas se complementam por diferentes
edifícios espalhados na cidade mas próximos
Primeiro, como um sistema diferente
um ao outro. Estabelecendo ao estudante
do circuito do grupo LGBTs, há o circuito
uma relação com o espaço público como um
hospitalar: o Hospital Central da Santa
intervalo dentro do próprio CEU. Onde se cria
Casa de Misericórdia em São Paulo ocupa
uma hibridização, para além dos diferentes
uma grande quadra notável e histórica
edifícios, com o território ao qual estão
no bairro da Santa Cecília. A quadra se
inseridos possibilitando viver o trajeto pela
comporta como âncora e, no seu entorno,
cidade como parte também do programa.
florescem variados serviços complementares
a ela: farmácias, clínicas, laboratórios e De forma parecida, em São Paulo, a
etc. Com um circuito hospitalar para além ONG Casa1, localizada no Bixiga, consiste
da própria quadra notável, faz com que os em dois edifícios: o Galpão Cultural, em que
usuários possam vivenciar aquele espaço abriga atividades culturais, como a relização
externo que cotidianamente se cruzam de diferentes oficinas (de aulas de línguas,
com outros usuários. É interessante que atividades corporais, cursos preparatórios,
a própria quadra é pública e permite o eventos e uma pequena biblioteca) que por
cruzamento de pessoas com diferentes sua vez é âncora ao primeiro edifício, a Casa
finalidades não só no meio externo, mas das Acolhidas, que acolhe jovens LGBTS. O
também dentro da própria Santa Casa. fluxo gerado pelas moradoras da Casa das
Acolhidas para o Galpão Casa1 desenvolvem
O Parc de la Villette, em Paris,
a relação com a vizinhança e proporciona a
projetado por Bernard Tschumi, em 1982,
hibridização do território. Um dos programas
estabelece um sistema de três camadas
do Galpão é a Casa Aberta às Crianças,
sobrepostas para a sua materialização:
que por meio de atividades educacionais,
pontos, linhas e a superfície. A camada de
atende crianças moradoras dos cortiços
pontos dimensiona o espaço e se comporta
do Bixiga e lhes proporciona educação não
como referência de localização aos usuários.
só pelos canais educativos tradicionais,
Repetindo a natureza entre eles, estabelece
mas também pelo encontro com outras
uma ordem do homem sobre ela. As linhas
pessoas, promovendo a diversidade cultural.
são os caminhos principais que demarcam
o grande ambiente do solo, elas se cruzam
e direcionam os usuários aos diferentes
pontos da estrutura como também ao
espaço urbano do entorno imediato ao
parque. A superfície é livre, permitindo
diferentes usos pelos usuários. Os pontos
com os outros grandes edifícios projetados
por Tschumi compõem um grande edifício
descontínuo, mas em uma estrutura única.
Como outro caso, há os CEUs
(Centro Educacional Unificado) criados
pela Prefeitura de São Paulo que consistem
em programas educacionais e culturais
36
p (12) axiometria explodida do projeto do Parc de la Villette,
Bernard Tschumi, 1982
Disponível em: http://www.tschumi.com
v. a cavernona
A CAVERNONA
38
sítio
Todo o circuito LGBT permite uma A coleta feita com apenas vinte
vasta escolha de um sítio que possa sediar pessoas, servindo apenas como amostragem,
a proposta arquitetônica. Poderia-se, dada levantou os seguintes dados: a faixa etária dos
toda condição da metrópole de civitas augens frequentadores varia de 19 a 45, com média de
(CACCIARI,2010), escolher um local fora 30,5 anos; 60% das pessoas se identificavam
do circuito mas que possibilitasse o trajeto como sendo homossexuais, 25% como
do grupo expandindo o próprio circuito. bissexuais e 15% como heterossexuais; 75%
Entretanto, pauta-se na possibilidade de se identificavam com o gênero masculino,
fornecer maior identificação espacial pelo 5% feminino, 15% como transexual
grupo, rica em equipamentos dirigido às feminino, 5% como outros. Em ofícios,
LGBTs: o entorno do Largo do Arouche. 5% são desempregados, 10% estudantes e
O Largo pertence ao patrimônio 75% empregados (profissões variadas: de
histórico das LGBTs. Foi palco da primeira médicos, vendedores de roupa, consultor
manisfestação pela luta dos seus direitos, empresarial, farmaceuticos etc.). Quanto ao
palco de conflitos que podem ser expressos local de residência: 25% residiam no centro,
pelas blitz de Richetti e outros, é palco os outros 75% em bairros de outras zonas e
diário do encontro de inúmeros indivíduos até da Grande São Paulo. No que respeita à
de diferentes localidades que se identificam mobilidade, os entrevistados informaram
como uma pessoa LGBT ou simpatizantes ter chegado ao Largo utilizando transporte
com o grupo. público (70%), transporte privado (10%) ou
Em uma das análises sobre o espaço, a pé (20%). Nesse sentido, cabe frisar que
foi realizado uma pequena coleta de dados região conta com uma vasta infraestrutura
no Largo para confirmar a afirmação do urbana intermodal com fácil acesso: metro
imaginário popular sobre a origem dos e terminais de ônibus, ciclovias e calçadas
frequentadores. amplas.
39
Caracteriza-se também como uma Assim, o mapeamento buscou por
área rica na expressão das heterogeneidades três lotes ociosos, sem uso definidos
para além das próprias LGBTs: o sítio abriga ou por usos deficientes ao Largo.
uma vasta coleção de monumentos urbanos, Também a área, por estar dentro do perímetro
como a escultura Depois do Banho de Victor da Operação Urbana Centro (OPC), permite
Brecheret (1894-1955). O entorno abriga a que os lotes possam ter maior flexibilidade,
maior oferta de equipamentos direcionados como coeficiente de aproveitamento (CA) e
aos grupos LGBT da cidade, como destacado etc.
na cartografia (8). Também conta com oferta Determinou-se 5 lotes possíveis.
de comércio e serviços que atendem ao Como podem ser vistos a seguir.
público geral. De início descartou o lote 1. Imagina-
Hoje, o Largo do Arouche compõe se que seja apropriado ali uma possível
o cenário da discursada “revitalização”, faz extensão do Largo do Arouche com conexão
ao largo vizinho, o Largo da Santa Cecília,
parte das áreas do projeto encomendado pela
onde poderia se estabelecer uma grande
Secovi-SP, em 2017, que não teve nenhuma área de lazer urbana e talvez também uma
discussão popular (apenas uma apresentação conexão vertical com o Parque Minhocão.
do mesmo numa parceria da Prefeitura com Além disso, seu vizinho, em atual
os arquitetos autores da requalificação do
Largo¹).
O Largo pode mesmo ser diferente.
lote 01 (descartado)
Este trabalho considerou diretrizes que
Área: 1.083,40 m²
poderiam ser aplicadas: do alargamento das
CA máximo: 4.333,6 m²
calçadas para melhor fluidez peatonal e união
CA máximo (OPC): 6.500,4 m²
da quadras que compõem o Largo (já que
Perímetro de fachada com a rua: 95,93 m
hoje são fragmentadas pelo sistema viário
e geram uma desproporcional ocupação
Localiza-se na Av. Duque de Caixias.
pelos usuários - a parte alta do Largo muito Atualmente é um posto de gasolina e pelo
seu uso ser muito abaixo do coeficiente de
ocupada, mas as intermediárias e a baixa aproveitamento permitido, o caracterizou
como ocioso.
não são).Faltam iluminação e instalação de Hoje em seu entorno há uma construção
habitacional, além de estar próximo ao
banheiros públicos. A própria Galeria das Minhocão.
1 - Requalificação do Largo do Arouche: projeto encomendado em 2017 pelo prefeito João Dória ao estúdio franco-brasileiro
Triptyque Architecture.
40
construção, tem todas as suas janelas construtivas no projeto de ambos edifícios.
voltadas ao respectivo lote, o que, por O 2 se assemelha ao 3 e 5 por conter
respeito, exige, que se houver algum tipo de uma empena cega em um de seus limites,
edificação, que ela seja térrea. mas é o terreno mais irregular entre todos e
Dentre os outros, o 4 era interessante está ao lado de um dos únicos espaços não
por ter o um grande perímetro da fachada verticalizados do Largo.
e estar no centro do Largo. Mas descartou- Também no lote 2 a presença da
se o lote 4 para compor a “tríade”, mesmo empena cega vizinha garante a aplicação de
sendo um lote privilegiado. Seu coefiente soluções projetuais parecidsa com as dos
de aproveitamento possibilita um nível de outros lotes. Escolhe-lo também possibilita
densidade que nos afastaria do programa que o usuário, ao usar mais de um edifício,
previsto no partido arquitetônico desta obrigatoriamente cruzará o Largo do
proposta. Arouche.
O 3 e o 5 eram muito similares: Portanto, determinou os lotes 2,3 e 5 como
média de 10 m de perímetro da fachada e locais de intervenção.
30 m de profundidade, ambos delimitados
por empenas cegas. Com a similaridade
entre eles vislumbrou-se a possibilidade de
empregar as mesmas soluções estruturais e
Área: 725,74 m²
Área: 377, 25 m
CA máximo: 1 451, 48 m²
CA máximo: 754, 50 m²
CA máximo (OPC): 4.354,44 m²
CA máximo (OPC): 2.263,5 m²
Perímetro de fachada com a rua: 22,86m
Perímetro de fachada com a rua:
11,12m
lote 05 (escolhido)
Área: 315.86 m²
3
Perímetro de fachada com a rua: 10.19m
1
Localiza-se na parte baixa do Largo do 2
Arouche.
Atualmente é um pequeno motel,
também com seu uso muito abaixo do
coeficiente de aproveitamento atual
permitido.Único local considerado
para a intervenção localizado no Baixo 5
Arouche, também o mais próximo ao 4
Minhocão.
41
programa
42
o1. oficina cultural
47
t ilustração da área
de descompressão 01
49
t ilustração da área
de descompressão 02 - vista de outro pavimento
51
o2. espaço dzi croquettes
53
t ilustração da Praça Balcão vista do primeiro nível.
Momento de exibição de um filme. Filme: Flores Raras,
2013
55
t ilustração ao detalhe construtivo do vazio da área de
exposição. Ao fundo: vista parcial do vitral de tons azuis.
57
o3. casarão das acolhidas
59
t ilustração do térreo com vista para a escada sobre o
espelho d’água e o vitral de cores quentes
61
t ilustração ao detalhe construtivo da janela do tipo
camarão de policarbonato. Vista do pavimento 03.
63
64
detalhes construtivos
65
p (13) Museu da Moda de Belo Horizonte (MUMO), Belo Horizonte, 2016, acervo pessoal
66
conclui-se com o belo
67
proporcionam ao sugerir a ideia de retorno de arquitetura que almejou intervalos
ao claustro materno (PEREIRA, 2010) ao invés de espaços fechados em si.
como revelação de nossas fragilidades. Busquei também que os edifícios
Acredito que o belo nos retira do traduzissem ao máximo de liberdade
mundo comum e nos conduz a outras espacial, para que os usuários pudessem
dimensões mesmo que temporariamente. preenchê-los e modificá-los para
Ou melhor dizendo, nos transpõe-nos para melhor satisfação de seus desejos, pois
outras atmosferas (ZUMTHOR, 2009). seriam constantes, tal como com os
A atmosfera sentida é singular habitantes de Zobeide, de Italo Calvino.
a cada um. Mesmo assim, nós, no Afinal, se nossas cidades e
campo da arquitetura, almejamos a arquiteturas são figuradas na labiríntica
captura das mais belas atmosferas e Zobeide é porque nossa vida também o é,
tentamos partilhá-las. Talvez porque, um reflexo.
no fundo, temos muito em semelhanças.
Atmosfera é o fenômeno da
arquitetura. Pode-se encontrar na
composição material, no som, nos novas perspectivas
aromas, na térmica, no movimento e ação
das pessoas, na tensão entre o externo
e interno, no acolhimento e na luz.
Também é a estruturação
de nossos anseios, nossos kalóns...
Kalón significava: ‘vê como está
construído forte’, ‘vê como está hirto’,
‘vê como está bem erradicado’. Algo
que se formou, desenvolveu e construiu
de maneira perfeita e, por isso, pode
durar. (...) Para que possa emergir uma
beleza nesta acepção seria necessário
que os nossos edifícios exprimissem
plenamente a nossa vida e as suas
razões, caso contrário, a beleza torna-
se uma coisa incapturável e indefinível.
(CACCIARI, 2010: p.75)
68
novas perspectivas
69
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imagens
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