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Desenvolvimento endógeno: O caso do município de Santa Rita do Sapucaí

Resumo

Este artigo apresenta o caso de Santa Rita do Sapucaí na perspectiva do


desenvolvimento endógeno. A cidade mineira transformou sua economia
predominantemente agrícola em polo tecnológico. Além disso, tem se tornado referência
na realização de eventos de cultura e tecnologia através do programa “Cidade Criativa,
Cidade Feliz”. Da cultura do café com leite ao modelo de Cidade Criativa, apresenta-se a
contextualização histórica que permite justificar o percurso de desenvolvimento da cidade,
que perpassa pela instalação do arranjo produtivo local. Na sequência demonstra-se
alguns indicadores socioeconômicos, e na terceira parte, o programa Cidade Criativa e a
nova proposta de desenvolvimento local.

Palavras-chave: arranjo produtivo local, desenvolvimento regional, desenvolvimento


endógeno, cidades criativas

Área temática: Políticas Públicas

Autor: Maria Márcia de Faria Almeida


UNIFEI – Universidade Federal de Itajubá
Mestranda em Desenvolvimento Tecnologias e Sociedade

Co-autor: Marcelo Ferreira de Sousa


UNIFEI – Universidade Federal de Itajubá
Mestrando em Desenvolvimento Tecnologias e Sociedade
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Introdução
Ao estudar as teorias do desenvolvimento, fazemos um percurso histórico desde as
primeiras décadas do século XIX, mais especificamente até 1960/1970, onde as teorias do
desenvolvimento eram ancoradas exclusivamente no crescimento econômico, passando pelo
processo de industrialização mais fortemente impulsionado no Brasil a partir de 1950. A partir
de 1970, observa-se que já há uma associação das dimensões sociais como componentes do
desenvolvimento, a própria inclusão do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) como
indicador socioeconômico já representa uma evidência deste novo cenário.
Mais recentemente, a partir de 1990, o tema tem se voltado para as questões regionais
e locais, acompanhado de um movimento político de descentralização das políticas públicas,
delegando mais responsabilidades aos Estados e Municípios. Este conceito do
desenvolvimento local então passa a ser foco de diversos estudos tanto na academia quanto
nos órgãos governamentais de apoio à elaboração de políticas públicas, recebendo também o
termo de desenvolvimento endógeno.
Nesta primeira etapa do artigo pretende-se provocar uma breve reflexão teórica sobre
esses conceitos de desenvolvimento regional, local e endógeno, bem como as controvérsias
que existem tanto na academia quanto na sua aplicação como resultado de políticas públicas.
Na sequência apresenta-se o APL (arranjo produtivo local) selecionado para o estudo de caso:
Vale da Eletrônica de Santa Rita do Sapucaí, MG, no qual se destaca o panorama da
localidade com indicadores socioeconômicos demonstrando a evolução dos índices com a
presença do arranjo produtivo, e em especial da Prefeitura Municipal como impulsionadora da
aglomeração. Na última etapa o foco será para o movimento mais recente que vem sendo
organizado desde 2013 na mesma localidade, o programa denominado “Cidade Criativa”.
A discussão em torno do conceito de desenvolvimento local traz à tona os processos
de aglomerações de empresas, Martins et al (2010) faz inclusive tal questionamento em uma
de suas pesquisas: a discussão do desenvolvimento local obrigatoriamente faz suscitar o
estudo das articulações dos atores no ambiente de clusters? O que de fato se percebe, é que no
Brasil as experiências que retratam as políticas públicas de estímulo ao desenvolvimento
regional e local, se encontram concentradas nos chamados APL´s.
Posto desta forma, o tema do desenvolvimento regional tem representado um
paradigma para os estudos sobre desenvolvimento nas últimas décadas, não havendo muito
consenso teórico nem metodológico no emprego dos termos. Assim como também não há
consenso metodológico na classificação de um APL, o que pode ser o pano de fundo das
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principais críticas ao modelo, visto que um conceito onde se permite muita flexibilidade de
enquadramento, o seu uso pode ser facilmente enviesado para qualquer finalidade que se
deseja.
O termo APL (arranjo produtivo local) passou a ser utilizado no Brasil a partir de
1990, abrangendo uma diversidade de fenômenos relacionados à aglomeração de empresas,
porém com algumas características bem definidas, entre elas o fator similaridade e forte
integração ou inter-relacionamento entre os participantes. Porter (1989) também se refere a
aglomeração geográfica e setorial de empresas, porém utilizando-se do termo “cluster”.
Através de uma análise histórica da formação do APL na cidade de Santa Rita do
Sapucaí, consegue-se identificar o quanto os atores locais investiram no objetivo de um
desenvolvimento endógeno para o município. E continuam nesta busca até os dias atuais,
através de novos projetos como o “Cidade Criativa”, que vem representando esta busca pelas
vias da comunicação e da cultura, envolvendo a cada ano, mais áreas do conhecimento.

Porque estudar o Vale da Eletrônica como um modelo de desenvolvimento?


A escolha da cidade se dá em virtude de sua construção histórica que vai de
economia do café com leite a polo tecnológico. Santa Rita do Sapucaí é uma cidade com
pouco mais de quarenta e dois mil habitantes e está localizada no sul de Minas Gerais e é
reconhecida nacionalmente como o Vale da Eletrônica. De origem econômica rural, ao
longo de sua história a cidade se desenvolveu como polo tecnológico, sobretudo a partir da
criação da primeira escola técnica de eletrônica em nível de ensino médio da América
Latina, fundada em 1959, e que foi responsável pelo desenvolvimento local atraindo
estudantes de todas as regiões do país, onde muitos se estabeleceram na cidade após os
estudos e desenvolveram seu parque industrial tecnológico que hoje conta com mais de 150
empresas. Em 1965 também foi fundado na cidade, o INATEL (Instituto Nacional de
Telecomunicações), centro de excelência no ensino e pesquisa em engenharia com ênfase
em telecomunicações. Mais tarde, em 1971, foi fundada a FAI (Faculdade de Administração
e Informática), que compõe juntamente com INATEL e Escola Técnica de Eletrônica, as
instituições de ensino que apoiam a formação não somente de mão de obra para as indústrias
do APL, mas principalmente de gestores e empresários empreendedores.

Atualmente a cidade é conhecida também por seus festivais de tecnologia e cultura


que atraem estudantes, espectadores, pesquisadores, empresários e empresas de todo o país a
fim de dialogar sobre desenvolvimento e tecnologia.
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Além disso, no ano de 2009, houve uma reunião de várias instituições da cidade, em
parceria com a Faculdade de Administração e Informática - FAI, onde formaram o BIDI
(Bureau de Informação, Desenvolvimento e Inovação do APL Eletroeletrônico de Santa Rita
do Sapucaí), financiado pela FAPEMIG, onde se desenvolveu o Planejamento Estratégico
do APL (Arranjo Produtivo Local Eletrônico de Santa Rita do Sapucaí), e que servirá de
ponto de partida para esse breve estudo que se realiza, bem como, o programa ‘Cidade
Criativa, Cidade Feliz’ realizado pelo poder público local e que oferta inúmeras atividades
de interlocução entre poder público, iniciativa privada e sociedade civil, a partir de um
conjunto de eventos que em 2019 vai para sua sétima edição.
Como é possível observar, a cidade oferece um cenário muito rico para este estudo,
com a presença constante de parcerias e interações entre os diversos atores que compões este
ecossistema. O objetivo do artigo passa a ser a busca de situações que evidenciem as
características anteriormente levantadas em relação ao desenvolvimento endógeno.

Teorias do desenvolvimento local


A concepção de desenvolvimento local nasce da problematização entre
desenvolvimento exógeno e o endógeno. O primeiro é representado pelas teorias do
desenvolvimento regional de origens Keynesianas, enquanto o segundo se constitui em
paradigma recente do desenvolvimento, onde existe um protagonismo dos territórios locais
que estimulam processos de mudança social de caráter endógeno (FILHO, 2001; NIEDERLE
et al, 2016)
Navarro (2001) apud Niederle et al (2016), afirma que o surgimento da noção de
desenvolvimento local resulta de duas transformações importantes: emergência e
multiplicação das organizações sociais e a descentralização de decisões do Estado para os
atores locais recriarem a gestão dos recursos públicos.
Barquero apud Olival (2009), distingue duas dimensões no desenvolvimento regional
endógeno: sendo que a primeira dimensão é a econômica e relacionada a forma como a
sociedade empresarial local se organiza de forma a potencializar seus fatores produtivos, e a
segunda dimensão é portanto de origem sociocultural, onde os valores e as instituições locais
são a própria base do desenvolvimento.
Em complemento às contribuições de Barquero, Amaral Filho (2001) considera que
“um aspecto desse modelo está associado ao perfil e à estrutura do sistema produtivo local, ou
seja, a um sistema com coerência interna, aderência ao local e sintonia com o movimento
mundial dos fatores”.
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Por uma outra perspectiva, o desenvolvimento local também apresenta vários


significados, ao passo que inclui outras dimensões no conceito de desenvolvimento: estimula
o exercício da cidadania, oportuniza a interação entre os cidadãos, recupera a iniciativa e a
autonomia na gestão do bem público. (MARTINS, et al 2010)
Oliveira (2016) traz a noção de desenvolvimento trabalhada pelo ONU: satisfação de
um conjunto de requisitos de bem-estar e qualidade de vida, acrescentando com grande peso e
importância, a cidadania.
Bellingieri (2017), apresenta através de seus estudos uma revisão bibliográfica das
principais teorias do desenvolvimento endógeno, a saber:
a) Nova teoria do crescimento (representada por Krugman, 1992): onde as aglomerações
econômicas são explicadas por fundamentos macroeconômicos.
b) Teoria dos Distritos Industriais (principal representante Marshall, 1982): aglomerados
de empresas estreitamente ligadas de forma horizontal.
c) Teoria do Ambiente Inovador (representada por Schumpeter, 1890): diz respeito a
uma característica que objetiva contribuir para a sobrevivência dos distritos
industriais.
d) Teoria dos Clusters (representada por Porter, 1993): diz respeito as vantagens
competitivas da economia das aglomerações.
e) Teoria do capital social (representada por Durston, 2000): se fundamenta nas relações
sociais, valores éticos, capacidade de interação e confiança entre os indivíduos de uma
sociedade.
f) Teoria da Indústria Criativa (representada por Reis, 2017): envolve a capacidade de
aliar a criatividade de seus habitantes e empresas, singularidades culturais e
econômicas, em um movimento sinérgico capaz de transformar a estrutura
socioeconômica.
Pode se observar pelas teorias descritas acima, que a maioria delas (distritos
industriais, clusters, ambiente inovador e indústria criativa) está intrinsicamente ligada ao
objeto de estudo (Vale da Eletrônica) tanto na sua história de formação quanto na histórica
recente, o que será explorado ao longo deste texto.
As controvérsias e críticas às políticas do desenvolvimento endógeno, surgem em
algumas direções, sendo uma delas em relação à aplicação de determinada teoria, sem
considerar as particularidades do contexto em que se pretende implementá-la, o que seria
equivalente a uniformizar ou padronizar os instrumentos, em um movimento de
universalização das realidades, o que está longe de ser verdadeiro. A segunda crítica, diz
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respeito à compreensão dos distintos papéis de cada um dos atores sociais. E a terceira, a
necessidade de comunicação do local com o global. E por último, a implementação de
políticas pelos governos que reduzem o desenvolvimento econômico local e regional à
simples promoção de clusters (MEYER, 2001; BALTHELT, 2005; MARTINS, 2010)

Origens históricas e indicadores do Vale da Eletrônica


O APL do Vale da Eletrônica, como é conhecido o aglomerado de empresas do ramo
de eletroeletrônicos existente na cidade de Santa Rita do Sapucaí, tem como data magna em
sua história o ano de 1985, quando o então Prefeito Municipal Paulo Frederico de Toledo,
obstinado a promover a industrialização do município, recorreu a uma renomada agência de
publicidade na capital paulista para confeccionar um material a ser distribuído em uma Feira
da Indústria Eletroeletrônica no Anhembi, em São Paulo. De acordo com Carneiro (2015), o
material continha o seguinte título: “Venha para Santa Rita do Sapucaí, o Vale da Eletrônica”.
Sendo este o primeiro momento em que o slogan do Vale da Eletrônica foi associado ao
município de Santa Rita do Sapucaí. O anúncio representou um convite para as empresas do
setor de eletroeletrônicos se aproveitarem do ambiente das instituições de ensino técnico e
superior, bem como dos incentivos financeiros que poderiam ser ofertados pela Prefeitura do
Município. O título entusiasmou bastante o referido Prefeito, que pessoalmente teria se
encarregado de visitar a Feira e divulgar o material no evento na cidade de São Paulo.
No dia seguinte à distribuição do material sobre o Vale da Eletrônica no evento na
capital paulista, a Prefeitura Municipal de Santa Rita do Sapucaí recebeu muitas ligações de
todo Brasil, solicitando informações sobre a cidade e, portanto, sobre o “Vale da Eletrônica”
(CARNEIRO, 2015).
Abaixo um depoimento de um empresário presente nos primeiros anos do polo
industrial, Pedro Koscak, que aborda a implementação do projeto em Santa Rita do Sapucaí:
“O rótulo do Vale da Eletrônica, foi uma das coisas mais importantes que a cidade já
criou. Por trás dele existe um projeto. Tais projetos são enxergados pelos órgãos de
fomento ou pelo estado como algo promissor. Desta forma, os investimentos não
vão para uma iniciativa isolada, mas para o “Vale da Eletrônica”. Sob esse ponto de
vista, fica bom para quem investe e melhor ainda para quem consegue usufruir. Com
isso, conseguimos dar passos largos no crescimento da cidade. Nesse período, a
população não cresceu muito, mas a qualidade de vida tornou-se cada vez melhor.”
(CARNEIRO, 2015, p.76).

O que se pretende demonstrar neste artigo é como a atividade industrial promoveu


mudanças na economia deste município. Através de iniciativas do poder público local e de
órgãos representativos da sociedade (Sindicatos, Associação de Moradores, instituições de
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ensino), houve o direcionamento de esforços e investimentos financeiros para a formação


deste arranjo produtivo local. E de forma a ancorar a caracterização de um desenvolvimento
endógeno na localidade, pretende-se apresentar alguns indicadores mais recentes do
município que permitam demonstrar a ocorrência de melhorias nos principais indicadores
socioeconômicos e, portanto, o desenvolvimento da localidade apoiado nas atividades deste
aglomerado de empresas, confirmando sua influência na economia local. Não há a intenção de
caracterizar com profundidade este modelo de desenvolvimento, visto um artigo não ser
suficiente para uma abordagem desta natureza.
Como contra ponto às teorias desenvolvimentistas, faz-se necessário trazer a reflexão
sobre a relação do processo de industrialização e o desenvolvimento, à luz de Sachs (2002) e
Arrighi (1997): o desenvolvimento sustentável seria compatível com o jogo sem restrições das
forças de mercado? Industrialização pode ser considerada sinônimo de desenvolvimento? Ou
seja, é preciso questionar se este modelo de desenvolvimento que preconiza atrair indústrias
para determinadas regiões, além de atender às necessidades de mercado, se é planejado com a
inserção da sociedade, se há preocupação com as condições ambientais e sociais, isto é, se há
busca deste conceito mais amplo de desenvolvimento que extrapola a dimensão econômica.
Ignacy Sachs, aborda o conceito de sustentabilidade em suas diversas dimensões,
enfatizando a necessidade e preponderância de seu viés social: “a sustentabilidade social vem
na frente, por se destacar como a própria finalidade do desenvolvimento”.(SACHS, 2002)
Souza (2000) destaca em sua tese a geração de emprego e renda para as famílias
locais, ainda no início do processo de formação do APL:

[...]o polo tecnológico de Santa Rita do Sapucaí contava em 1988, com


aproximadamente 54 empresas, das quais 24 eram do setor de eletrônica, gerando
emprego e renda para as famílias locais. Os prognósticos pessimistas do final dos
anos 70, que previam para o futuro da cidade a condição de dormitório para os
trabalhadores de indústrias de cidades vizinhas, estavam contrariados.(SOUZA,2000
p.75)

Destaca-se ainda que no histórico de formação do Vale da Eletrônica, há uma


característica sempre presente, a sinergia entre os atores participantes. Esta característica da
sinergia e forte integração entre os participantes, pode ser observada em vários momentos
desta história: inicialmente na criação da primeira escola técnica de eletrônica, posteriormente
na organização da representatividade das empresas, em um primeiro momento através da
Associação das Indústrias em 1984, e posteriormente em 1986, através do SINDVEL
(Sindicato das Indústrias de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e Similares do Vale da
Eletrônica), o qual exerce a função de governança corporativa do APL, e responsável pelo
planejamento de atividades que integram as empresas em seus objetivos, principalmente
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comerciais e de expansão. E mais recentemente, em 2009, na formação do BIDI, onde


também houve um agrupamento de entidades e pessoas, que sinergicamente, se propuseram a
discutir ações de planejamento para os próximos anos de atuação do APL.
De acordo com informações do SINDVEL, até 2018 o APL contava com a
participação de 153 empresas, que faturavam cerca R$ 2,2 bilhões anualmente. Sendo que
44% destas empresas possuíam faturamento inferior a R$ 200 mil anual, 90% eram
consideradas microempresas e 8% empresas de pequeno porte. Embora com grande
concentração de pequenas empresas, o APL exporta seus produtos para 41 países
(PEREIRA,2013).
Conforme dados do BIDI, a composição das empresas do APL, em 2007 era:
Tabela 01 – Composição das empresas do APL por ramo de atividade
Segmento das Empresas %
Telecomunicações 21,95
Eletroeletrônica 18,29
Segurança 12,20
Automação 10,97
Tecnologia de Informação 10,97
Outros 8,54
Matéria Prima 7,32
Eletromecânica 6,10
Informática 3,66
Fonte: Adaptado IEL , 2007

Percebe-se claramente a concentração de empresas do ramo de Eletroeletrônicos e


Telecomunicações, salientando que muitas delas atuam em diversos ramos simultaneamente.
Tabela 02 – Evolução dos números do APL
No. Empresas Faturamento Empregos
Data ( em unidades ) ( em milhões ) ( mil )
Década 80 17 2 400
Década 90 47 250 2.500
2000-2005 67 400 3.800
2006 73 500 4.800
2007 107 780 7.200
2008 141 1.000 8.600
2009 141 1.100 9.500
2010 142 1.100 9.780
2011 150 1.500 9.600
2012 150 2.200 10.000
2013 153 2.500 10.000
2014 153 3.000 14.000
Fonte: Adaptado de Carneiro ( 2015,p. 198 )

Em seguida, demonstram-se alguns indicadores de desenvolvimento do município, em


suas principais áreas (Economia, Educação, Saúde e Saneamento Básico), através das
informações divulgadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), relativo
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aos anos de 2010 a 2015. Opta-se por demonstrar comparativamente a outras duas
importantes cidades vizinhas, Itajubá e Pouso Alegre, que embora apresentem populações de
2,5 a 04 vezes maiores, respectivamente, entende-se que sejam boas referências em termos de
infraestrutura urbana e porte dos seus distritos industriais.
Santa Rita do Sapucaí pertence a uma microrregião formada por outros 14 municípios,
a saber: São Gonçalo do Sapucaí, Pedralva, Cachoeira de Minas, Conceição dos Ouros,
Careaçu, Heliodora, Silvianópolis, São Sebastião da Bela Vista, Turvolândia, Natércia, São
José do Alegre, Cordislândia, Conceição das Pedras e São João da Mata. A comparação dos
indicadores com os municípios classificados geograficamente na denominada microrregião,
também serão apresentados, porém entende-se como mais coerente a comparabilidade com os
municípios de Itajubá e Pouso Alegre, pelo fato do foco das análises estar no desenvolvimento
proporcionado pelo APL, interessando as similaridades dos parques industriais destes
municípios.

Tabela 03 - Indicadores socioeconômicos do município (comparativo com municípios vizinhos)


Indicadores Data Ref. Santa Rita Itajubá Pouso Alegre
População 2010 37754 90658 130615
População estimada 2017 2017 42324 97000 147137
Pessoal ocupado 2015 13561 29218 53582
% pessoal ocupado 2015 36% 32% 41%
Nº Empresas 2015 1533 3432 5420
Salário médio 2015 2,5 2,9 2,5
PIB per capita 2015 34.459,00 28.270,00 45.564,00
% popul. rend.nom. até 1/2 s.m. 2010 29,10% 33,20% 29,00%
IDH 2010 0,721 0,787 0,774
Mortalidade infantil 2014 11,43 8,51 12,18
Taxa escolarização - 6-14 a 2010 98,00% 98,10% 98,20%
IDEB anos iniciais 2015 6,4 6,5 6,2
IDEB anos finais 2015 4,9 4,8 4,9
Esgotamento sanitário 2010 86,70% 90,50% 92,00%
Arborização 2010 52,10% 50,10% 61,50%
Urbanização de vias 2010 14,10% 40,30% 29,60%
Fonte: IBGE ( 2015 )

Tabela 04 - Indicadores socioeconômicos do município (comparativo com municípios da microrregião)


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Indicadores Data Ref. Santa Rita São Gonçalo Pedralva


População 2010 37.754 23.906 11.467
População estimada 2017 2017 42.324 25.517 11.570
Pessoal ocupado 2015 13.561 4.506 1.125
% pessoal ocupado 2015 36% 19% 10%
Nº Empresas 2015 1533 579 244
Salário médio 2015 2,5 1,8 1,8
PIB per capita 2015 34.459,00 22.033,00 10.670,00
% popul. rend.nom. até 1/2 s.m. 2010 29,10% 33,90% 39,80%
IDH 2010 0,721 0,715 0,675
Mortalidade infantil 2014 11,43 2,86 7,58
Taxa escolarização - 6-14 a 2010 98,00% 98,80% 98,50%
IDEB anos iniciais 2015 6,4 6,1 6,2
IDEB anos finais 2015 4,9 5 5,3
Esgotamento sanitário 2010 86,70% 86,00% 50,00%
Arborização 2010 52,10% 25,70% 47,90%
Urbanização de vias 2010 14,10% 41,40% 56,00%
Fonte: IBGE ( 2015 )

Especificamente em relação à geração de empregos, opta-se por comparar a


movimentação nos postos de trabalho do município nos anos de crise, especificamente 2015 e
2016, novamente comparando com as cidades vizinhas de Itajubá e Pouso Alegre.
Tabela 05 - Empregos formais dos municípios

Município 2015 2016 Var.abs. Var.%


Santa Rita do Sapucaí 12.891 12.545 - 346 -2,68%
Pouso Alegre 24.574 23.888 - 686 -2,79%
Itajubá 47.567 45.618 - 1.949 -4,10%
Fonte: RAIS ( 2015,2016)

Far-se-á um recorte do setor industrial nos três municípios, para que se possa observar
se o município de Santa Rita do Sapucaí apresenta alguma diferença de comportamento do
aglomerado de indústrias, nos momentos de recessão econômica, em função da concentração
do seu ramo de atividade:

Tabela 06 - Empregos formais (somente do setor indústria de transformação)


Município 2015 2016 Var.abs. Var.%
Santa Rita do Sapucaí 6.538 5.965 - 573 -8,76%
Pouso Alegre 12.512 11.147 - 1.365 -10,91%
Itajubá 8.017 7.642 - 375 -4,68%
Fonte: RAIS ( 2015,2016)

Verifica-se que não há grande discrepância de Santa Rita do Sapucaí em relação aos
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demais municípios, ou seja, todos apresentam redução do número de postos de trabalho no


geral, assim como no setor industrial, nestes dois anos.
Na sequência apresenta-se a evolução de alguns indicadores, ao longo de três décadas
distintas, o que permite demonstrar a ocorrência de melhoria nas condições de vida da
população e, portanto no desenvolvimento neste período de tempo.

Tabela 07 - Índice de Desenvolvimento Humano Geral e Detalhado no município


IDHM 1991 2000 2010
Renda 0,633 0,699 0,727
Longevidade 0,721 0,792 0,830
Educação 0,286 0,505 0,620
Geral 0,507 0,654 0,721
Fonte: PNUD , IPEA e FJP

O IDHM (índice de desenvolvimento humano municipal) é composto pelas três


variáveis: renda, longevidade e educação. Os dados acima demonstram o crescimento do
índice geral em 42% de 1991 para 2010. A dimensão que mais contribuiu para esta melhora
foi a longevidade 0,830 seguida da renda 0,727 e por último a educação com 0,620.

Tabela 08 - Detalhamento da escolaridade no município


Escolaridade da população com 25 anos ou mais 1991 2000 2010
Fundamental incompleto e analfabeto 22,60% 14,90% 10,80%
Fundamental incompleto e alfabetizado 48,30% 49,50% 42,80%
Fundamental completo e médio incompleto 8,80% 11,20% 11,70%
Médio completo e superior incompleto 14,10% 16,10% 21,30%
Superior Completo 6,20% 8,30% 13,50%
Fonte: PNUD , IPEA e FJP

Os dados acima demonstram também uma melhora expressiva tanto em relação a


redução do % de analfabetos (22,6; 14,9 e 10,8), como no aumento dos adultos com superior
completo (6,3; 8,3 e 13,5).
Consolida-se a demonstração de melhorias nos indicadores de desenvolvimento deste
município, através do índice de GINI, que é um instrumento que mede o grau de concentração
de renda, e, portanto, demonstra se está havendo redução da desigualdade entre os mais
pobres e os mais ricos. O índice de GINI varia numericamente de 0 a 1, onde 0 (zero)
representa a igualdade total, se todos tivessem a mesma renda, e 1 (um) representa a
desigualdade absoluta, como se uma única pessoa concentrasse toda a renda da localidade.

Abaixo se apresenta como este índice comportou nas três décadas avaliadas, bem
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como o comparativo com os municípios vizinhos, o Estado e o País:

Tabela 09 - Dados de distribuição de renda no município (comparativo vizinhos/estado/Brasil)


Santa Rita do Sapucaí Comparativo Ano 2010
Indicador 1991 2000 2010 Itajubá Pouso Alegre MG Brasil
Renda per capita 411,24 621,02 738,40 948,20 878,26 749,69
% extremamente pobres 10,22 2,43 1,23 1,03 0,83 3,49
% de pobres 37,16 13,87 4,96 4,98 4,10 10,97
ìndice de Gini 0,61 0,59 0,48 0,55 0,49 0,56 0,60
Fonte: PNUD , IPEA e FJP

De acordo com IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a renda per capita
média de Santa Rita do Sapucaí também apresentou crescimento de 79,55% neste período,
passando de R$ 411,24, em 1991, para R$ 621,02, em 2000, e para R$ 738,40, em 2010. Ou
seja, houve uma taxa média anual de crescimento nesse período de 3,13%.
Quanto ao índice de Gini, observa-se também uma redução significativa nos períodos
avaliados, sendo o menor em relação às cidades selecionadas para fins de comparabilidade.
Considerando o objetivo proposto, de avaliar a influência do APL no desenvolvimento
da localidade de Santa Rita do Sapucaí, observa-se que houve uma melhora expressiva dos
indicadores socioeconômicos nestas três últimas décadas, principalmente de desigualdade de
renda. Ou seja, os empregos gerados por estas empresas certamente contribuíram para este
cenário. Porém, é necessário aprofundar nos dados históricos e em outros dados quantitativos
de cada período para identificar o quanto a geração de emprego e renda é responsável ou está
relacionada a esta melhoria.
Uma análise positiva que podemos inferir pelos dados levantados: é notável o quanto o
município se distancia dos demais municípios da microrregião, em termos de geração de
empregos, e o quanto está acompanhando os municípios vizinhos maiores em população e
número de indústrias.
Há um destaque negativo a ser observado nos indicadores: a urbanização de vias, onde
o município apresenta um índice muito baixo em relação aos demais, apenas 14,1%, o que
merece uma atenção e detalhamento em futuras pesquisas.
Pereira (2006), em sua tese que trata das políticas públicas para o município, relata as
ações relacionadas aos aspectos imigratórios e de urbanização de novos bairros:

Em Santa Rita do Sapucaí, com a expansão das empresas de base tecnológica,


impulsionada pelos programas locais de empreendedorismo, houve e continua
existindo um significativo movimento imigratório, que deu origem à Nova Cidade,
nome dado a um núcleo habitacional, afastado 3,5 quilômetros do centro da cidade,
formado atualmente por seis bairros. A Prefeitura Municipal incentivou a habitação
deste local, adquirindo terrenos que antes eram sítios agropecuários, loteando-os e
distribuindo os lotes de terreno à população carente, gratuitamente. (PEREIRA,
13

2006, p.261)

Possivelmente, esse processo de expansão de novos bairros possa refletir esse


indicador em relação à urbanização de vias, o que representa uma ação do poder público
voltado à população carente. Portanto, entende-se que cabe estudos mais detalhados para
caracterizar o fenômeno imigratório ocorrido em Santa Rita do Sapucaí em função das
indústrias e seus reflexos na vida desta população.
O que se objetiva demonstrar com o levantamento dos índices socioeconômicos do
município, é que houveram melhorias neste período analisado, quando ocorreu a implantação
e consolidação do APL. Observa-se após este período, ou seja, a partir de 2010, as ações
contínuas do poder público para fomentar a atividade industrial. Mas um fator interessante a
ser registrado é que a atividade agrícola não foi extinta, pelo contrário, continua sendo
mantida, especialmente pela ação da cooperativa de agricultores local (Cooperita), e convive
harmoniosamente com a indústria, sendo mais um exemplo da sinergia entre os atores deste
cenário. Talvez esta harmonia possa ser responsável pelo equilíbrio da economia do
município, o que também deve suscitar investigações futuras.
No próximo tópico, a abordagem está voltada para o projeto “Cidade Criativa, Cidade
Feliz”, demonstrando como o poder público de Santa Rita do Sapucaí tem aplicado o conceito
de cidades inteligentes em suas políticas e se utilizado destes eventos comunicacionais para
melhorar a imagem do local, dando continuidade ao projeto de expansão do APL. Lembrando
que os conceitos de cidade criativa, também estão inseridos em conceitos mais amplos como
economia criativa, a qual constituiu uma das mais recentes vertentes do desenvolvimento
regional. E relacionar estes conceitos às aglomerações de empresas, pode contribuir para
entender como esta prática sinérgica tem potencial para apresentar bons resultados.

O projeto Cidade Criativa


Quando se estuda sobre cidades criativas percebe-se em geral que, conceitualmente
as cidades criativas são definidas como espaços que através de processos de transformação
de hábitos aumentam seu potencial criativo, econômico e social. Durante tais processos
trabalham eficientemente a relação entre atividades socioculturais, indústria criativa, bem
como a relação entre os setores poder público, iniciativa privada e sociedade civil. A
eficiência dessa relação pode atrair talentos ou mesmo manter os talentos locais; pode
promover a diversidade cultural e social; atrair turismo; contribuir para um significativo
aumento da economia local e qualidade de vida dos cidadãos.
14

No entanto, chancelar uma cidade como criativa é assunto amplo, onde diversas
perspectivas podem surgir ao tentar definir conceitualmente o que seria uma cidade criativa.
É olhando para as mais variadas interpretações sobre o conceito de cidade criativa, que Reis
& Kageyama (2011) reuniram acadêmicos, urbanistas e arquitetos de 18 países a fim de
trazer um olhar analítico sobre a realidade de cidades dadas como criativas. Nas perspectivas
encontradas pelos autores, as inovações tecnológicas e sociais (sobretudo o modo como a
cidade é capaz de olhar para os velhos e novos desafios e se reinventar); a cultura como
ambiente propício para gerar a criatividade, como identidade de uma cidade e o impacto
econômico que pode trazer; e as conexões entre áreas diversas, por exemplo entre público,
privado e sociedade civil a fim de pensar e construir a cidade como um sistema; são aspectos
comuns entre cidades tratadas como criativas.

Atentos ao quadro de cooperação internacional da Rede de Cidades Criativas


promovida pela UNESCO desde 2004, inúmeras cidades brasileiras e do mundo buscam
enquadrar-se à proposta da organização que pretende fomentar os projetos que focam o
desenvolvimento urbano sustentável e de inclusão social e cultural, a partir de modelos
criativos que se manifestem através de sete segmentos indicados pela organização, a saber:
artesanato e arte popular, arte de mídias, filme, design, gastronomia, literatura e música
(atualmente são 189 cidades em 72 países que se enquadram na proposta da UNESCO.
Atualmente no Brasil, as cidades de Florianópolis, Curitiba, Santos, Salvador, João Pessoa,
Brasília e Belém, compõem esse quadro).

Mas, será que uma cidade consegue de fato identificar a importância dos processos
criativos, das pessoas criativas e sobretudo, da relação criativa e saudável entre os diversos
setores que compõem essa cidade, e até que ponto podemos dizer que essas cidades têm
características diferenciadas de desenvolvimento local? Quando abrimos esse
questionamento o que queremos saber é: como esse modelo segmentado contribui para o
desenvolvimento da cidade? Quem participa desse processo de desenvolvimento criativo da
cidade e como a segmentação dessa ‘vocação’ cultural acontece? Ela acontece?

Já tendo apresentado anteriormente um breve histórico do desenvolvimento da


cidade de Santa Rita do Sapucaí como polo tecnológico, bem como as características do seu
APL, o que se apresenta na sequência são os eventos de tecnologia e cultura que passam a
demonstrar uma relação entre economia e cultura para desenvolvimento da cidade a partir de
eventos comunicacionais. O que temos a seguir no percurso de planejamento e
desenvolvimento da cidade é mais uma transformação na maneira como a cidade se
15

comunica, consigo e com os outros.


As cidades cada vez mais se configuram como campos ricos em comunicação, não só
pelo contato promovido pelas ocupações coletivas de espaços, mas também por inúmeros
outros fatores, tais como seu conjunto arquitetônico, seus desenhos de fachadas e vitrines, das
inúmeras siglas anônimas pichadas pela cidade e etc. Há uma variedade de estímulos tão
grande que podemos dizer que praticamente tudo que vemos nas cidades nos comunica de
alguma maneira.
Mas, é importante dizer que não há pretensão de concentrar-se apenas nos estímulos
visuais de uma cidade, reduzindo num contexto onde esse caráter visual é predominante, mas,
sobretudo discutir a prevalência de acontecimentos sociais, políticos, culturais e econômicos
onde a cidade é lugar de subjetividades que podem ser geradas ao mesmo tempo em que é
lugar de experimentação da alteridade. Neste contexto polifônico considera-se a diversidade
de elementos que compõe o quadro comunicacional de uma cidade, num conjunto de vozes
onde cada uma deve ser tomada também em sua particularidade como em um coral, olha-se
para a cidade e seus eventos comunicacionais a fim de perceber não só a coexistência desses
recortes vocais, mas também a coexistência de vozes contraditórias num mesmo espaço
urbano.
O que fazemos aqui é observar os festivais de tecnologia e cultura como eventos
comunicacionais da cidade sul mineira de Santa Rita do Sapucaí. A cidade já reconhecida
como polo tecnológico passa a se destacar no cenário de festivais que atraem para cidade,
pessoas de todo o país em busca de eventos culturais e de tecnologia. Mas o que isso pode
representar para o desenvolvimento local?
Não é uma tarefa difícil falar sobre Santa Rita do Sapucaí e sua importância para o
desenvolvimento econômico da região, bem como do Estado. A cidade tem uma história de
desenvolvimento bastante alicerçada na ação empreendedora, iniciando com Luzia Rennó
Moreira, mais conhecida como Sinhá Moreira. Filha de aristocratas do café, Sinhá Moreira
contribuiu para o desenvolvimento local ao ser responsável pela fundação da escola técnica de
eletrônica da cidade (primeira escola de eletrônica no ensino médio da América Latina) e que
contribuiu diretamente para a composição do parque industrial tecnológico da cidade, além de
impulsionar alguns anos depois, a fundação do Instituto Nacional de Telecomunicações e a
Faculdade de Administração e Informática, ambas pioneiras na região.
Também não é um esforço simples descrever o alcance midiático que a cidade atingiu
a partir de 2013, quando numa relação entre poder público, sociedade civil e iniciativa privada
dá inicio ao programa “Cidade Criativa, Cidade Feliz”. O ‘movimento’ como denomina a
16

plataforma de divulgação do programa tem como propósito, a partir de ações colaborativas,


elevar a qualidade de vida da população através da conexão de valores e potenciais humanos,
econômicos e culturais existentes na cidade.
Além de todo o planejamento político que se observa ao longo da história, sobretudo
na eficiente relação entre poder público e iniciativa privada, também se destaca no aspecto
comunicacional e, se falamos aqui de um desenvolvimento endógeno, talvez possamos falar
de uma comunicação que também é pensada de dentro para fora, porém, atentos à
complexidade do que falar sobre comunicação e sua a relação entre os atores que participam e
como participam desse processo comunicacional.
Em 2019, o programa “Cidade Criativa, Cidade Feliz” realizará sua sétima edição, que
acontece anualmente e durante dois meses (agosto e setembro) num conjunto de eventos, o
‘Cidade Criativa, Cidade Feliz’ realiza festivais culturais e tecnológicos, onde se destaca
especialmente o evento musical ‘Vale Music Festival’ festival de música e gastronomia e o
festival ‘Hack Town’ que é um conjunto de palestras e oficinas sobre tecnologia, educação,
cultura entre outros temas, seguido de espetáculos musicais, feira de artes e intervenções pela
cidade.
Ao acessar o sítio eletrônico do programa encontramos a seguinte descrição: “Uma
rede colaborativa que une voluntários, instituições públicas e iniciativa privada. Em prol do
desenvolvimento da economia criativa e da qualidade de vida em Santa Rita do Sapucaí,
MG”, como caminho complementa o sítio, há a proposta de “um ambiente de diálogo entre
culturas diferentes” onde, “será possível gerar uma nova cultura, em que a visão de futuro, a
criatividade e capacidade de pensar das pessoas será o grande propulsor da qualidade de
vida”. Os festivais como eventos comunicacionais de uma cidade podem ocupar um papel
importante na amplificação das vozes que compõem o coro de uma cidade a fim de que seja
possível perceber as peculiaridades de cada uma delas e talvez seja esta a proposta de Santa
Rita do Sapucaí.
Num cenário análogo, os festivais em uma cidade podem ser comparados a um sistema
de som que precisa oferecer uma equalização bem definida, capaz de destacar as
peculiaridades de cada frequência sem que sejam ensurdecedoras, ao mesmo tempo em que
deve ampliar seu alcance sem que se perca a qualidade sonora. Quando falamos de festivais
em uma cidade, essa ‘equalização’ ocupa um papel importante na definição do lugar das
vozes (“ambiente de diálogo”) e no reconhecimento de cada frequência (“culturas
diferentes”). O programa “Cidade Criativa, Cidade Feliz” que tem como proposta
proporcionar esse “ambiente de diálogo entre culturas diferentes” pode ocupar o papel de
17

equalizador dessas vozes, sobretudo, por ser uma construção colaborativa entre setores da
sociedade. Mas quais são seus desafios?
Pensar o ambiente onde os festivais acontecem exige considerar toda paisagem
cultural local e como cada recorte geográfico da cidade participa desse ambiente para o
diálogo. É para toda cidade participar? O programa Cidade Criativa, Cidade Feliz só na sua
quinta edição (2017) levou atividades do seu calendário para bairros periféricos, mesmo
assim, apenas um bairro foi atendido com uma atividade. Nas edições anteriores as atividades
se concentravam na região central, em praças públicas ou nos espaços disponibilizados pelas
instituições de ensino e pontos comerciais. O Hack Town por exemplo, ocupa todo o
hipercentro da cidade, transformando bares, lojas, restaurantes e hotéis, em espaços de
palestra que recebem cerca de três mil participantes, em sua maioria de outras cidades.
Quantas pessoas da cidade acessam o festival? Para quem é o festival?
Naturalmente que os festivais que compõem o programa alimentam a economia da
cidade, fomentam sua rede criativa e projetam a cidade em todo cenário nacional, mesmo
assim devemos perguntar de que maneira esses eventos se comunicam com seus próprios
cidadãos. Ao realizar o movimento de levar uma atividade do programa para a periferia, o
poder público sinaliza alguma preocupação com o papel do programa em sua totalidade:
desenvolver a qualidade de vida da cidade. Mas sem dúvidas tem inúmeros desafios.
Toda a heterogeneidade que compõe uma cidade abriga uma enorme diversidade de
elementos comunicacionais e como aponta CANEVACCI (1997) “a cidade em geral e a
comunicação urbana em particular comparam-se a um coro que canta com uma
multiplicidade de vozes autônomas que se cruzam, relacionam-se, sobrepõem-se umas às
outras, isolam-se ou se contrastam (...)”, isso faz do ambiente de diálogo um lugar a ser
descoberto paulatinamente para que seja possível identificar as diferentes vozes que compõem
a ecologia deste lugar. Além disso é preciso considerar que, como um organismo, esse
ambiente está em constante transformação, portanto, faz-se necessário manter-se próximo
para compreender suas transformações e as convergências e divergências entre as várias vozes
ao longo de sua continua construção.
Outra abordagem a se destacar sobre o programa “Cidade Criativa, Cidade Feliz”
trata-se do que esse programa quer comunicar, ou seja, qual sua intenção comunicativa e
quais são essas vozes que são ouvidas e dialogam com o referido programa. Olhar para essa
composição de vozes é compreender um pouco melhor essa intenção comunicativa. De onde
vem essas vozes e quem são elas para cidade? Assumir o compromisso de aumentar a
qualidade de vida de uma cidade através de um conjunto de eventos locais e que se
18

correspondem com um público local e um público que vem de outras cidades é também
assumir o risco de sobrepor vozes ou mesmo isolar algumas delas.
Torna-se importante olhar para a composição do programa e verificar seu
planejamento e seu alcance local a fim de que se possa cumprir com maior abrangência a
proposta de promover maior qualidade de vida para cidade. Longe de ser exercício de crítica
pela crítica, o que se pretende aqui é levantar a problemática de que existem inúmeros fatores
que precisam ser observados ao assumir o desafio de impactar o desenvolvimento de uma
cidade a partir de festivais como eventos comunicacionais. Há de se concordar que um
programa com inúmeras ações e formatos é ferramenta importante para o processo de
desenvolvimento local, mas trazem desafios complexos que exigem não só cuidado
programático, mas também metodológico e para este exercício o uso da interdisciplinaridade
pode reforçar a intenção da colaboração como pilar do programa.
Inspirado no processo colaborativo entre os setores que pensam e executam o
programa é preciso também promover o encontro dos contraditórios da cidade para que seja
possível na divergência encontrar as convergências possíveis e não apenas atrair os holofotes
para cidade, mas, de fato gerar uma comunicação com intercâmbio suficiente para impactar a
qualidade de vida de seus munícipes. Sem dúvidas este é o maior desafio do programa
“Cidade Criativa, Cidade Feliz”, no entanto, Santa Rita do Sapucaí tem se mostrado
habilidosa na transição das tendências tecnológicas e de culturas de mercado que vai da
cultura de café com leite ao Vale da Eletrônica, e do Vale da Eletrônica à Cidade Criativa.

Considerações Finais
A intensidade da competitividade econômica que varia no tempo de acordo com a
força dos costumes e da inovação pode impactar em que proporção nossas cidades? Parece
mais fácil quando se pensa na competitividade e inovação em escala global, ou em âmbito
nacional. Mas, o quanto e de que maneira isso reflete no desenvolvimento de nossas cidades?
Dialogando com Arrighi (1998), podemos dizer que a competição posicional entre empresas
acontece numa “onda longa”1, onde as novas combinações insumo-produto são introduzidas e
seus benefícios são distribuídos ao acaso e mesmo os inovadores podem não colher os
benefícios. Arrighi (1998) aponta que os benefícios acabam advindos para quem tem a sorte
de estar assentado sobre os recursos para os quais a nova combinação cria uma demanda.
1
ARRIGUI, G. A ilusão do desenvolvimento. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1998. Ao falar sobre a competição
excessiva entre as indústrias, Arrighi define a competição como uma onda longa, onde a competição acontece
em estágios, até que se defina quais são as empresas que tiveram fôlego para enfrentar essa onda.
19

Mas, mesmo quando a pressão competitiva aumenta os benefícios os quais são


apropriados pelas empresas que tem maior capacidade de economizar e de substituir
imediatamente o que fazem, então, essa condição intermediária de depressão dá lugar aos
sobreviventes que irão estabelecer novos acordos costumeiros que fazem cessar os efeitos
destruidores dessa excessiva competição2. É neste cenário competitivo que Arrighi apresenta,
é onde estão nossas cidades, elas não apenas estão neste cenário, mas ocupam o papel de
sediar as empresas que estão nesta competição, ao mesmo tempo em que fornecem insumos
para essas empresas. Quando uma empresa não “sobrevive” a esse cenário competitivo, sua
cidade sede também tem muito a perder, afinal de contas, são postos de trabalho que deixam
de existir, a arrecadação municipal é afetada e esse efeito cascata não atinge apenas o fator
econômico da cidade como também impacta profundamente os aspectos sociais.
É com esta visão sistêmica, e pensando em políticas públicas que possam até em um
primeiro momento, almejar a dimensão econômica (emprego e renda), que as cidades
precisam se organizar a fim de se tornarem atrativas para empreendimentos que possam
contribuir efetivamente com o desenvolvimento local, mas que a dimensão social seja
alcançada por estas políticas. É bem verdade que esta vantagem inicial de atrair os
investimentos privados, gerar empregos e reverter em benesses na saúde, na educação e na
infraestrutura das cidades, pode representar em um outro momento, uma desvantagem quando
também faz das cidades reféns das próprias indústrias que acabam indiretamente ditando os
acordos para se instalar na cidade, como benefícios fiscais e incentivos financeiros.
Ao olhar para Santa Rita do Sapucaí, vemos que a cidade há muito tempo se apresenta
atenta ao movimento do mercado nacional e internacional, sobretudo de eletrônica e
telecomunicações e vem ao longo de sua história realizando ações que envolvem o setor
público, a iniciativa privada e a sociedade civil para o fortalecimento do poder local. Com este
movimento de fortalecer o poder local, seja através do APL, seja através das instituições de
ensino fomentando o empreendedorismo dos alunos, a cidade se torna o elemento mais
atrativo para as indústrias que passam a buscar nela os insumos produtivos e não apenas os
benefícios fiscais que ela pode oferecer.
É possível que o diálogo entre setores público, privado e sociedade civil tenha
contribuído para o fortalecimento destas características da cidade: criativa, empreendedora,
pioneira, sinérgica, e que oferece uma rede de serviços capazes de atender empresas e
participar competitivamente de alguns mercados.
Santa Rita do Sapucaí procura se colocar muito bem no cenário nacional, no entanto,
2
ARRIGUI, 1998, pag. 24.
20

uma de nossas preocupações neste artigo é com o alcance dessa informação dentro da própria
cidade, principalmente com o tipo de comunicação que ocorre internamente, e como a
construção de sua identidade se dá e de que maneira as vozes se reconhecem e são
reconhecidas na e pela cidade. Quando entramos na cidade, ao acessarmos o seu portal de
entrada somos recebidos com a frase: “Bem vindo a cidade do Urso” referente ao carnaval
realizado na cidade considerado um dos maiores de Minas Gerais, mas na região e no estado a
cidade é facilmente reconhecida como “O Vale da Eletrônica” em virtude de seu polo
industrial e de suas instituições de ensino, ao mesmo tempo, desde 2013, a cidade trabalha um
programa local chamado “Cidade Criativa, Cidade Feliz”. Como os munícipes de Santa Rita
do Sapucaí reconhecem a própria cidade? Quais vozes se fazem ouvir na cidade? Essas são
importantes reflexões quando falamos de um desenvolvimento que pretende ir além de uma
perspectiva exclusivamente econômica.
Em relação ao APL do Vale da Eletrônica, certamente há um grande esforço político,
organizacional e financeiro entre os atores do município para manter as atividades deste polo
industrial e tecnológico em constante crescimento. O diálogo entre poder público, instituições
de ensino e indústrias é muito presente em toda a história do APL. Os próprios eventos
comunicacionais da cidade são exemplos desta sinergia existente.
Os números demonstrados apresentam melhorias nas condições de vida da população.
Mas a população participa e se identifica nestes eventos e slogans criados para a cidade:
“Cidade Criativa”, “Vale da Eletrônica”, etc.? Ou seja, temos mais perguntas que respostas
quanto às benesses colhidas pela população em relação ao modelo de desenvolvimento que se
instaurou nesta localidade, e que ancora atualmente as projeções para o desenvolvimento
local. Mas é certo que se trata de um ambiente extremamente rico para estudos sobre um
formato de gestão pública que consegue aplicar diálogos entre as diversas entidades
representativas da cidade, sobretudo que seja capaz de demonstrar o viés social e sustentável
deste desenvolvimento.
É possível dizer que a cidade sabe comunicar muito bem aquilo que ela pretende e tem
capacidade de atrair atenção de olhares externos estratégicos para o desenvolvimento
econômico local. Naturalmente que um estudo mais profundo nos auxiliaria responder sobre o
processo de comunicação dos planejadores dessas ações com a própria cidade, mas por hora,
o que podemos dizer com certo rigor, é que a as ações desenvolvidas na cidade apresentam
certa articulação entre poder público, sociedade civil e iniciativa privada e são capazes de
construir uma imagem de desenvolvimento que tem, também se materializado através de
índices de desenvolvimento econômico. É fundamental encarar que o desenvolvimento de
21

uma cidade vai muito além do aspecto econômico mas, as premissas de que uma cidade é
capaz de estabelecer diálogos entre setores e de que essa relação tríplice tem demonstrado
resultados positivos através dos índices de desenvolvimento humano do município podem
promover pelo menos boas expectativas quando se encara as propostas centrais do programa
“Cidade Criativa, Cidade Feliz”, isto é, um ambiente de diálogo entre diferentes culturas onde
é possível gerar uma visão de futuro criatividade e propulsora da qualidade de vida.

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