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Nivaldo A. Lemos
Departamento de Fı́sica
Universidade Federal Fluminense
VERSÃO PRELIMINAR
i
Poets say science takes away from the beauty of the stars −
mere globs of gas atoms. I too can see the stars on a desert night,
and feel them. But do I see less or more? The vastness of the
heavens stretches my imagination. A vast pattern − of which I am
a part. It does not do harm to the mystery to know a little about
it. Far more marvellous is the truth than any artists of the past
imagined it. What men are poets who can speak of Jupiter if he
were a man, but if he is an immense spinning sphere of methane
and ammonia must be silent?
PREFÁCIO
A mecânica analı́tica é muito mais do que uma mera reformulação da mecânica new-
toniana, e os seus métodos não foram concebidos primordialmente para facilitar a resolu-
ção de problemas mecânicos especı́ficos. Tentamos deixar isso claro pondo em relevo as
propriedades de simetria e invariância e os aspectos estruturais da mecânica. Os livros
de Goldstein (1980) e Landau & Lifchitz (1966), nos quais o autor aprendeu mecânica
analı́tica, exerceram grande influência na elaboração do texto.
variável canônica e as teorias com tempo parametrizado, o que se justifica pela amplas
aplicações na teoria quântica da gravitação em geral, e na cosmologia quântica em parti-
cular.
1 DINÂMICA LAGRANGIANA 7
1.2 Vı́nculos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
1
2 Índice
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
3 CINEMÁTICA DA ROTAÇÃO 96
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
Índice 3
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 275
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 326
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 407
APÊNDICES 411
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 439
Capı́tulo 1
DINÂMICA LAGRANGIANA
Lagrange has perhaps done more than any other analyst . . . by showing that the
most varied consequences respecting the motion of systems of bodies may be derived
from one radical formula; the beauty of the method so suiting the dignity of the
results, as to make of his great work a kind of scientific poem.
William Rowan Hamilton
7
8 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
definição de força (Marion & Thornton 1995), adotaremos o ponto de vista que julgamos
mais correto, segundo o qual elas são leis genuı́nas e não meras definições (Anderson 1990).
Uma análise detalhada dos aspectos fı́sicos e da estrutura lógica das leis de Newton tran-
scende o escopo desta seção, cujo propósito primordial é servir de referência para o restante
da exposição. Os postulados enunciados a seguir equivalem às três leis do movimento de
Newton, mas procuram evitar certas dificuldades lógicas da proposição original.
onde a é a aceleração da partı́cula, m sua massa e F a força total a que ela está sujeita.
Este postulado pressupõe, implicitamente, que a cada partı́cula está associada uma
constante positiva m, denominada massa, que é a mesma em todos os referenciais inerciais.
TERCEIRA LEI. A cada ação corresponde uma reação igual e oposta, isto é, se Fij
é a força sobre a partı́cula i exercida pela partı́cula j, então
Esta é a lei da ação e reação em sua forma fraca. Em sua versão forte, esta lei
declara que, além de iguais e opostas, as forças são dirigidas ao longo da linha que une as
partı́culas; em outras palavras, duas partı́culas só podem se atrair ou repelir. A terceira
lei não tem validade geral, pois as forças entre cargas elétricas em movimento geralmente
a violam. Isto deve-se à velocidade finita de propagação das interações eletromagnéticas, o
que exige introduzir a noção de campo eletromagnético como mediador de tais interações.
1.1. PRINCı́PIOS DA MECÂNICA NEWTONIANA 9
No caso de um sistema contendo várias partı́culas, supõe-se que a força sobre cada uma
delas pode ser decomposta em forças externas, produzidas por fontes exteriores ao sistema,
e forças internas, que devem-se às demais partı́culas do sistema.1 Assim, a equação de
movimento da i-ésima partı́cula de um sistema de N partı́culas é, conforme a segunda lei,
N
dpi X (e)
= Fij + Fi , (1.1.3)
dt j=1
j6=i
onde
dri
pi = mi vi = mi (1.1.4)
dt
é o momento linear da i-ésima partı́cula, mi sua massa, ri seu vetor posição, vi sua
(e)
velocidade e Fi denota a força externa sobre ela.
X d2 ri X X (e) X (e)
mi 2 = Fij + Fi = Fi (1.1.5)
i dt i,j i i
i6=j
X 1X
Fij = (Fij + Fji ) = 0 (1.1.6)
i,j 2 i,j
i6=j i6=j
P P
mi ri i i mi ri
R= P ≡ , (1.1.7)
i mi M
d2 R X (e)
M 2 = Fi ≡ F(e) , (1.1.8a)
dt i
1
Descarta-se a possibilidade de uma partı́cula agir sobre si mesma.
2
PN P
De agora em diante abreviaremos i=1 por i , estando implı́cito que a soma estende-se a todas as
partı́culas do sistema, salvo indicação em contrário.
10 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
ou
dP
= F(e) (1.1.8b)
dt
X X dri dR
P= mi vi = mi =M . (1.1.9)
i i dt dt
(Q) (Q)
onde ri = ri − rQ e vi = ṙi − ṙQ são, respectivamente, o vetor posição e o vetor
velocidade da i-ésima partı́cula em relação ao ponto Q. Portanto,
tendo sido usadas as Eqs.(1.1.3), (1.1.4) e (1.1.7). Mas, explorando a Eq.(A.9), podemos
escrever
X 1X
(ri − rQ ) × Fij = [(ri − rQ ) × Fij + (rj − rQ ) × Fji ]
i,j 2 i,j
i6=j i6=j
1X 1X
= [(ri − rQ ) − (rj − rQ )] × Fij = (ri − rj ) × Fij (1.1.12)
2 i,j 2 i,j
i6=j i6=j
1.1. PRINCı́PIOS DA MECÂNICA NEWTONIANA 11
com a ajuda da Eq.(1.1.2). Se as forças internas obedecem à forma forte da terceira lei de
Newton, então Fij tem a mesma direção que o vetor rij ≡ ri − rj que aponta da j-ésima
para a i-ésima partı́cula, de modo que rij × Fij = 0. Assim sendo, a Eq.(1.1.11) pode ser
reescrita na forma
dLQ (e)
= NQ − M (R − rQ ) × r̈Q , (1.1.13)
dt
onde
(e) X (e)
NQ = (ri − rQ ) × Fi (1.1.14)
i
dLQ (e)
= NQ . (1.1.15)
dt
Esta última equação implica uma importante lei de conservação, na qual o momento
angular e o torque são tomados relativamente a um ponto fixo ou ao centro de massa.
d X
mi r0i × vi0 + ( mi r0i ) × V + R × ( mi r0i ) + M R × V , (1.1.17)
X X X
L= mi ri × vi =
i i i dt i
mi r0i =
X X X
mi ri − mi R = M R − M R = 0 . (1.1.18)
i i i
r0i × p0i .
X
L = R × MV + (1.1.19)
i
1X
T = mi vi2 . (1.1.20)
2 i
Com o uso de (1.1.16) resulta
1X 1X d X
T = mi vi0 2 + mi V 2 + V · ( mi r0i ) , (1.1.21)
2 i 2 i dt i
A energia cinética total é a soma da energia cinética do sistema como se estivesse con-
centrado no centro de massa com a energia cinética do movimento em torno do centro de
massa. Este resultado é particularmente útil na dinâmica do corpo rı́gido.
O trabalho realizado por todas as forças para levar o sistema de uma configuração
inicial A a uma configuração final B é definido por
XZ B XZ B XZ B
(e) X (e)
WAB = (Fi + Fij ) · dri = Fi · dri + Fij · dri . (1.1.23)
i A j i A i,j A
j6=i i6=j
1.1. PRINCı́PIOS DA MECÂNICA NEWTONIANA 13
XZ B XZ B 1
WAB = mi v̇i · vi dt = d( mi vi2 ) , (1.1.24)
i A i A 2
donde
WAB = TB − TA , (1.1.25)
XZ B Z B Z B
(e) (e) (e) (e)
dV (e) = VA − VB .
X
Fi · dri = − ∇i V · dri = − (1.1.27)
i A A i A
Se Fij depende apenas das posições relativas rij = ri − rj e, além disso, é dedutı́vel de
uma função energia potencial Vij (rij ) com Vij = Vji , então podemos escrever
Esta forma assegura a validade da versão fraca da lei da ação e reação. Com efeito,
Se, além disso, Vij depender somente da distância sij = |rij | entre as partı́culas (forças
centrais) temos
rij 0
Fij = −∇i Vij (sij ) = − V (sij ) (1.1.30)
sij ij
onde Vij0 é a derivada de Vij em relação a seu argumento, de modo que Fij aponta ao longo
da linha que une as partı́culas e a lei da ação e reação vale em sua forma forte.
14 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
B
1 XZ B 1 XZ B 1 X
=− ∇i Vij · drij = − ∇ij Vij · drij = − Vij , (1.1.31)
2 i,j A 2 i,j A 2 i,j A
i6=j i6=j i6=j
onde ∇ij denota o gradiente em relação ao vetor rij , tendo sido utilizada a propriedade
evidente ∇i Vij = ∇ij Vij . Finalmente, combinando as Eqs.(1.1.23), (1.1.25), (1.1.27) e
(1.1.31) deduz-se
(T + V )A = (T + V )B , (1.1.32)
com
1X
V = V (e) + Vij . (1.1.33)
2 i,j
i6=j
1.2 Vı́nculos
Exemplo 1.2.1 (Partı́cula restrita a uma superfı́cie fixa). Seja r = (x, y, z) o vetor posição
da partı́cula relativamente a um sistema cartesiano de eixos em relação ao qual a superfı́cie
permanece fixa. Então x, y, z não são variáveis independentes mas devem satisfazer
4
É evidente que os teoremas de conservação desta seção valem somente em referenciais inerciais, embora
isto não conste explicitamente nos referidos enunciados.
1.2. Vı́NCULOS 15
onde f (r) = 0 é a equação da superfı́cie. Se, por exemplo, a superfı́cie for uma esfera centrada
na origem,
f (x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 − R2 , (1.2.2)
Exemplo 1.2.2 (Partı́cula restrita a uma superfı́cie móvel ou deformável). Neste caso
x, y, z obedecem à equação
Exemplo 1.2.3 (Duas partı́culas unidas por uma haste rı́gida). O vı́nculo tem a forma
(r2 − r1 )2 − l2 = 0 (1.2.4)
ou, equivalentemente,
f (ξ1 , . . . , ξM , t) = 0 . (1.2.7)
Vı́nculos que não podem ser assim representados são ditos não-holônomos. Por exemplo,
a imposição de que as moléculas de um gás permaneçam no interior de um recipiente
é descrita por desigualdades: se o recipiente é uma caixa de arestas a, b, c temos 0 <
xi < a, 0 < yi < b, 0 < zi < c, onde ri = (xi , yi , zi ) é o vetor posição da i-ésima
molécula (tratada como partı́cula puntiforme). Ocorrem com freqüência, especialmente
na dinâmica do corpo rı́gido, vı́nculos representáveis por equações envolvendo velocidades,
isto é, equações diferenciais da forma6
Exemplo 1.2.5 (Cilindro rolando sem deslizar ao longo de uma linha reta). Sendo x a
posição do centro de massa do cilindro e φ o ângulo de rotação em torno do centro de massa, a
condição de rolar sem deslizar representa-se por
5
Do grego hólos (inteiro, completo) e nómos (regra, lei).
6
O ponto sobre uma variável denota derivada em relação ao tempo.
1.2. Vı́NCULOS 17
ẋ = Rφ̇ , (1.2.9)
Exemplo 1.2.6 (Disco vertical rolando sem deslizar num plano horizontal). Sejam (x, y)
a posição do centro do disco, θ o ângulo do seu eixo de simetria com o eixo x, e φ o ângulo de
rotação do disco em torno do referido eixo de simetria (ver Figura 1.2.2). Sendo v a velocidade
do centro de massa, o disco rola sem deslizar desde que v = Rφ̇. Notando que ẋ ≡ vx = v sen θ
e ẏ ≡ vy = −v cos θ, somos conduzidos às equações
As equações (1.2.9) e (1.2.10) são exatamente da forma (1.2.8). Em geral vı́nculos deste
tipo não podem ser reduzidos por uma integração à forma (1.2.7) e, conseqüentemente, não
são holônomos. Se um vı́nculo originalmente expresso na forma (1.2.8) puder ser reduzido
por uma integração à forma (1.2.7), ele será dito holônomo. Por exemplo, o vı́nculo (1.2.9)
é holônomo porque equivale a x − Rφ = 0, que tem a forma (1.2.7).7 No entanto, vı́nculos
diferenciais do tipo (1.2.8) raramente são integráveis. Isto é o que acontece no caso do
Exemplo 1.2.6.
7
A constante de integração pode ser feita igual a zero por uma escolha adequada da posição ou do
ângulo no instante inicial.
18 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
d
hẋ − hRφ̇ sen θ ≡ G(x, y, θ, φ, t) (1.2.11)
dt
para alguma função G, pois neste caso, em virtude de (1.2.10), a Eq.(1.2.11) será equivalente a
(C é uma constante arbitrária)
G(x, y, θ, φ, t) − C = 0 , (1.2.12)
que tem a forma (1.2.7). Mas, admitindo que o lado esquerdo de (1.2.11) seja uma derivada total,
é necessário levar em conta que a ordem de diferenciação é irrelevante nas derivadas segundas
cruzadas da função supostamente existente G. De acordo com a hipótese (1.2.11) terı́amos
∂G/∂x = h e ∂G/∂φ = −hR sen θ, as demais derivadas parciais sendo nulas. Logo,
∂2G ∂2G ∂h
= =⇒ = 0 =⇒ h = h(x, θ, φ, t) ;
∂y∂x ∂x∂y ∂y
∂2G ∂2G ∂h
= =⇒ = 0 =⇒ h = h(x, φ, t) ;
∂θ∂x ∂x∂θ ∂θ
∂2G ∂2G ∂
= =⇒ (−hR sen θ) = 0 =⇒ hR cos θ = 0 =⇒ h = 0 .
∂θ∂φ ∂φ∂θ ∂θ
A inexistência de fator integrante não-nulo prova que a primeira das Eqs.(1.2.10) não constitui
um vı́nculo holônomo, argumento análogo aplicando-se à segunda das Eqs.(1.2.10).
Para um sistema mecânico sujeito a vı́nculos, num dado instante t há uma infinidade
de configurações possı́veis, isto é, consistentes com os vı́nculos. Os deslocamentos infinite-
1.3. DESLOCAMENTOS VIRTUAIS 19
simais de cada partı́cula que levam de uma configuração possı́vel a outra infinitesimalmente
próxima são chamados de deslocamentos virtuais. Mais precisamente, dado um sistema
de N partı́culas os deslocamentos virtuais δri , i = 1, . . . , N , são deslocamentos infinitesi-
mais das posições r1 , . . . , rN realizados instantaneamente8 e com a propriedade de serem
compatı́veis com os vı́nculos. Em suma, as caracterı́sticas definidoras dos deslocamentos
virtuais são: (i) eles são infinitesimais; (ii) ocorrem num instante t fixo; (iii) não violam
os vı́nculos.
Exemplo 1.3.1 (Partı́cula restrita a uma superfı́cie móvel). Seja (1.2.3) a equação da
superfı́cie. Um deslocamento virtual deve ser consistente com o vı́nculo, isto é, o ponto r e o
ponto deslocado r + δr devem pertencer à superfı́cie no instante t:
Note, contudo, que um deslocamento real dr se dá num intervalo de tempo dt. Por-
tanto, para que a partı́cula permaneça na superfı́cie é preciso que
∂f
f (r + dr, t + dt) = 0 =⇒ ∇f · dr + dt = 0 . (1.3.2)
∂t
Exemplo 1.3.2 (Duas partı́culas unidas por uma haste rı́gida). Sejam f1 e f2 as forças
de vı́nculo sobre as partı́culas, com f1 = −f2 pela terceira lei de Newton e tanto f1 quanto f2
dirigidas ao longo da reta definida pelas partı́culas. Então o trabalho virtual das forças de vı́nculo
é
Definindo r = r2 −r1 , a equaçãode vı́nculo assume a forma (1.2.4), a saber, r2 −l2 = 0. Em termos
da variável r a situação equivale àquela discutida no Exemplo 1.3.1. Tomando f (r, t) = r2 − l2
a Eq.(1.3.1) reduz-se a r · δr = 0. Mas, como f2 e r são colineares, existe um escalar λ tal que
f2 = λr, donde δWv = λr · δr = 0. Uma vez que um corpo rı́gido consiste num vasto número de
partı́culas cujas distâncias mútuas são invariáveis, conclui-se que é zero o trabalho virtual das
forças responsáveis pela rigidez do corpo.
Exemplo 1.3.3 (Corpo rı́gido rolando sem deslizar sobre uma superfı́cie). De modo geral,
para que não haja deslizamento é preciso que exista uma força de atrito entre o corpo e a
superfı́cie, isto é, as superfı́cies em contato devem ser ásperas. Mas, ao rolar sem deslizar, em
cada instante as partı́culas do corpo giram em torno de um eixo que passa pelo ponto de contato
do corpo com a superfı́cie. Assim, a força de atrito atua sobre um ponto do corpo que em
cada instante possui velocidade nula, pois encontra-se sobre o eixo instantâneo de rotação. Uma
vez que qualquer deslocamento virtual do corpo não pode mover o seu ponto de contato com a
superfı́cie, senão haveria deslizamento com a conseqüente violação do vı́nculo, o trabalho virtual
da força de vı́nculo é δWv = f · δr = 0 porque δr = 0, muito embora f 6= 0.
A análise anterior torna patente que numa ampla gama de situações fisicamente rele-
1.4. PRINCı́PIO DE D’ALEMBERT 21
vantes o trabalho virtual total das forças de vı́nculo é nulo. A situação em que há forças de
atrito de deslizamento constitui uma exceção. Neste caso a força de vı́nculo possui compo-
nente na mesma direção do deslocamento virtual e o trabalho virtual por ela realizado não
é zero. Por serem de escasso interesse para o desenvolvimento das formulações gerais da
mecânica, especialmente sob a óptica da fı́sica contemporânea, tais casos serão excluı́dos
de nossas considerações. De agora em diante vamos nos limitar, sem perda significativa
de generalidade, à consideração de problemas nos quais o trabalho virtual total das forças
de vı́nculo é nulo.
mi r̈i = Fi , i = 1, . . . , N , (1.4.1)
onde Fi é a força total ou resultante sobre a i-ésima partı́cula, supostamente uma função
conhecida das posições, velocidades e tempo. Este sistema de equações diferenciais deter-
mina uma única solução para os ri (t) uma vez especificadas todas as posições e velocidades
num dado instante inicial.
Quando há vı́nculos em ação, saltam aos olhos os inconvenientes da formulação new-
toniana. Em primeiro lugar, ela geralmente requer o uso de mais coordenadas do que o
necessário para especificar a configuração do sistema em cada instante. Quando há vı́nculos
holônomos, por exemplo, as posições r1 , . . . , rN não são independentes entre si, tornando a
formulação newtoniana antieconômica ao exigir o emprego de variáveis redundantes. Além
disso, a força total sobre a i-ésima partı́cula admite a decomposição
(a)
Fi = Fi + fi , (1.4.2)
(a)
onde Fi é a força aplicada e fi é a força de vı́nculo. No caso do pêndulo duplo do Exemplo
(a) (a)
1.2.4 , F1 e F2 são os pesos das partı́culas, ao passo que f1 e f2 são determinadas pelas
tensões nos fios. A dificuldade, aqui, reside em desconhecer-se a priori as expressões
das forças de vı́nculo como funções das posições e velocidades, pois o que se conhece, na
verdade, são os efeitos produzidos pelas forças de vı́nculo. Pode-se argumentar, ainda,
que as forças aplicadas é que são as verdadeiras causas do movimento, as forças de vı́nculo
22 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
Por todos esses motivos, seria desejável obter uma formulação da mecânica clássica
que fosse a mais parcimoniosa possı́vel, a saber, envolvesse somente forças aplicadas e
empregasse apenas coordenadas mutuamente independentes. Veremos que tal objetivo é
alcançado pelo formalismo lagrangiano quando todos os vı́nculos são holônomos. Como
passo intermediário para chegar à formulação de Lagrange, iremos discutir o chamado
princı́pio de d’Alembert, que constitui um método de escrever as equações de movimento
exclusivamente em termos das forças aplicadas, e para cuja dedução será explorado o fato
de que o trabalho virtual das forças de vı́nculo é nulo.
X
Fi · δri = 0 . (1.4.3)
i
X (a) X
Fi · δri + fi · δri = 0 . (1.4.4)
i i
X (a)
Fi · δri = 0 . (1.4.5)
i
Estamos interessados na dinâmica, que pode ser formalmente reduzida à estática es-
crevendo a segunda lei de Newton na forma Fi − ṗi = 0, com pi = mi ṙi . Segundo a
interpretação de d’Alembert, cada partı́cula do sistema encontra-se em “equilı́brio” sob
9
Ilustrações do seu emprego em casos interessantes encontram-se em Sommerfeld (1952) e Synge &
Griffith (1959).
1.4. PRINCı́PIO DE D’ALEMBERT 23
uma força resultante que é a soma da força real com uma “força efetiva invertida” igual
a −ṗi . Esta força adicional fictı́cia é uma força de inércia existente no referencial que
acompanha o movimento da partı́cula, isto é, no qual ela permanece em repouso (Lanczos
1970; Sommerfeld 1952). Interpretações à parte, o fato é que agora, em lugar de (1.4.3),
a equação
X
(ṗi − Fi ) · δri = 0 (1.4.6)
i
é obviamente verdadeira quaisquer que sejam os deslocamentos virtuais δri . Usando no-
vamente a decomposição (1.4.2) e admitindo a nulidade do trabalho virtual das forças de
vı́nculo, resulta o chamado princı́pio de d’Alembert:
X (a)
(ṗi − Fi ) · δri = 0 . (1.4.7)
i
Este princı́pio representa uma extensão do princı́pio dos trabalhos virtuais a sistemas
mecânicos em movimento. No caso de sistemas vinculados, o princı́pio de d’Alembert cons-
titui um avanço relativamente à formulação newtoniana porque exclui qualquer referência
às forças de vı́nculo. Em suas aplicações concretas, no entanto, é preciso levar em conta
que os deslocamentos virtuais δri não são independentes, pois têm que estar em harmonia
com os vı́nculos.
Exemplo 1.4.1 (Máquina de Atwood). A roldana da Figura 1.4.1 é suposta sem massa e
sem atrito com o eixo. Com o sistema cartesiano indicado na figura, temos r1 = x1 î, r2 = x2 î e
o vı́nculo holônomo escreve-se
24 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
x1 + x2 = l ,
Em outras palavras, se uma das massas sobe a outra desce a mesma distância, e vice-versa. Em
virtude destas últimas equações, temos δr1 = δx1 î e δr2 = δx2 î = −δx1 î = −δr1 . Notando,
ainda, que ẍ2 = −ẍ1 e levando todos estes resultados no princı́pio de d’Alembert, encontra-se
(a) (a)
m1 r̈1 · δr1 + m2 r̈2 · δr2 = F1 · δr1 + F2 · δr2 = m1 g î · δr1 + m2 g î · δr2 ,
ou
m1 − m2
ẍ1 = g ,
m1 + m2
que coincide com o resultado obtido pelo tratamento newtoniano elementar. A aceleração de m2
é simplesmente ẍ2 = −ẍ1 .
Exemplo 1.5.1 (Pêndulo duplo plano). Reconsiderando o Exemplo 1.2.4, uma escolha
possı́vel de coordenadas generalizadas é q1 = θ1 , q2 = θ2 (vide Figura 1.2.1). Temos, então,
Note que os valores de θ1 e θ2 especificam univocamente as posições das partı́culas, isto é, a
configuração do sistema. Em termos de θ1 e θ2 as equações de vı́nculo (1.2.6) reduzem-se às
identidades l12 sen2 θ1 + l12 cos2 θ1 − l12 = 0 e l22 sen2 θ2 + l22 cos2 θ2 − l22 = 0 .
ri = ri (q1 , . . . , qn , t) , i = 1, . . . , N , (1.5.2)
Cada conjunto de valores atribuı́dos às coordenadas generalizadas define uma con-
figuração do sistema, isto é, as posições de todas as partı́culas num dado instante. O espaço
cartesiano que tem as coordenadas generalizadas como eixos coordenados é chamado de
espaço de configuração do sistema. A representação do espaço de configuração como um
espaço cartesiano é apenas simbólica, no entanto. Por exemplo, no caso de uma partı́cula
restrita à superfı́cie de uma esfera e descrita pelas coordenadas esféricas angulares (θ, ϕ) ,
uma única configuração corresponde à infinidade de pontos θ = π/2 com ϕ arbitrário.
A rigor, o espaço de configuração possui a estrutura matemática de uma variedade difer-
enciável, daı́ ser também chamado de variedade de configuração. Diz-se, ainda, que um
sistema mecânico holônomo tem tantos graus de liberdade quantas sejam as coordenadas
generalizadas necessárias e suficientes para especificar a sua configuração em cada instante.
n
X ∂ri
δri = δqk , (1.5.3)
k=1 ∂qk
X XX ∂ri X
Fi · δri = Fi · δqk ≡ Qk δqk , (1.5.5)
i i k ∂qk k
onde
X ∂ri
Qk = Fi · (1.5.6)
i ∂qk
é, por definição, a k-ésima componente da força generalizada. Como os q ’s não têm
necessariamente dimensão de comprimento, os Q ’s não têm necessariamente dimensão de
força. Mas cada termo Qk δqk tem sempre dimensão de trabalho.
X X X ∂ri
ṗi · δri = mi v̇i · δri = mi v̇i · δqk . (1.5.7)
i i i,k ∂qk
( )
X ∂ri X d ∂ri d ∂ri
mi v̇i · = mi vi · − mi vi · . (1.5.8)
i ∂qk i dt ∂qk dt ∂qk
!
d ∂ri X ∂ ∂ri ∂ ∂ri ∂ X ∂ri ∂ri ∂vi
= q̇l + = q̇l + = , (1.5.9)
dt ∂qk l ∂ql ∂qk ∂t ∂qk ∂qk l ∂ql ∂t ∂qk
onde utilizamos (1.5.4) e passamos a tratar os q’s e q̇’s como grandezas independentes,
de modo que as derivadas parciais em relação aos q’s tratam os q̇’s como constantes e
vice-versa. Além disso, de (1.5.4) deduz-de imediatamente
∂vi ∂ri
= , (1.5.10)
∂ q̇k ∂qk
X d h ∂ 1 i ∂ 1 d ∂T ∂T
= ( mi vi2 ) − ( mi vi2 ) = − , (1.5.11)
i dt ∂ q̇k 2 ∂qk 2 dt ∂ q̇k ∂qk
onde
1X
T = mi vi2 (1.5.12)
2 i
Xn d ∂T ∂T o
− − Qk δqk = 0 . (1.5.13)
k dt ∂ q̇k ∂qk
Como os δq’s são mutuamente independentes e arbitrários, esta última igualdade só pode
ser satisfeita se o coeficiente de cada δqk for zero. Inferimos, assim, as n equações
d ∂T ∂T
− = Qk , k = 1, . . . , n , (1.5.14)
dt ∂ q̇k ∂qk
∂r
Q1 ≡ Qx = F · = F · î = Fx , Q2 = Fy , Q3 = Fz .
∂x
A energia cinética é
1.5. COORDENADAS GENERALIZADAS E EQUAÇÕES DE LAGRANGE 29
m 2
T = (ẋ + ẏ 2 + ż 2 ) ,
2
donde:
∂T ∂T ∂T ∂T ∂T ∂T
= mẋ , = mẏ , = mż , = = =0.
∂ ẋ ∂ ẏ ∂ ż ∂x ∂y ∂z
d d d
(mẋ) = Fx , (mẏ) = Fy , (mż) = Fz ,
dt dt dt
∂r
Q1 ≡ Qr = F · = F · (cos θ î + sen θ ĵ) = F · êr = Fr ,
∂r
∂r
Q2 ≡ Qθ = F · = rF · (− sen θ î + cos θ ĵ) = rF · êθ = rFθ ,
∂θ
onde êr = cos θ î+ sen θ ĵ e êθ = − sen θ î+cos θ ĵ são os unitários radial e angular representados
na Figura 1.5.1. Usando
30 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
m 2 m
T = (ẋ + ẏ 2 ) = (ṙ2 + r2 θ̇2 ) .
2 2
d ∂T ∂T
− = Qr =⇒ mr̈ − mrθ̇2 = Fr ,
dt ∂ ṙ ∂r
d ∂T ∂T d
− = Qθ =⇒ (mr2 θ̇) = rFθ .
dt ∂ θ̇ ∂θ dt
∂V ∂V ∂V
Fi = −∇i V = − î + ĵ + k̂ (1.5.16)
∂xi ∂yi ∂zi
onde usamos a regra da cadeia da diferenciação. Com o emprego das Eqs.(1.5.2) o potencial
V exprime-se como função exclusivamente dos q’s, sendo independente das velocidades
generalizadas. Inserindo (1.5.17) em (1.5.14) resulta
1.5. COORDENADAS GENERALIZADAS E EQUAÇÕES DE LAGRANGE 31
d ∂T ∂
− (T − V ) = 0 . (1.5.18)
dt ∂ q̇k ∂qk
" #
d ∂ ∂
(T − V ) − (T − V ) = 0 . (1.5.19)
dt ∂ q̇k ∂qk
L=T −V , (1.5.20)
d ∂L ∂L
− =0 , k = 1, . . . , n . (1.5.21)
dt ∂ q̇k ∂qk
Daqui por diante sempre nos referiremos às Eqs.(1.5.21) como equações de Lagrange.11
Embora a invariância das equações de Lagrange sob uma transformação geral de co-
ordenadas seja evidente da dedução feita acima, uma demonstração direta é instrutiva.
11
Nascido na Itália de uma famı́lia de origem francesa pelo lado paterno, Joseph Louis Lagrange foi um
dos maiores matemáticos de sua época. As equações de Lagrange vieram a lume em 1788 no seu grande
livro Mécanique Analytique, no qual o tratamento adotado era puramente analı́tico. No prefácio Lagrange
dizia, com orgulho, que sua obra não continha nenhum diagrama.
32 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
Se Q1 , . . . , Qn são novas cordenadas generalizadas que são funções arbitrárias das coor-
denadas generalizadas originais q1 , . . . , qn , temos12
Qk = Gk (q1 , . . . , qn , t) , k = 1, . . . , n (1.5.22)
e, inversamente,
qk = gk (Q1 , . . . , Qn , t) , k = 1, . . . , n . (1.5.23)
n
X ∂qk ∂qk
q̇k = Q̇l + , (1.5.24)
l=1 ∂Ql ∂t
donde
∂ q̇k ∂qk
= . (1.5.25)
∂ Q̇l ∂Ql
!
∂ L̄ X ∂L ∂qk ∂L ∂ q̇k X ∂L ∂qk
= + = , (1.5.27)
∂ Q̇i k ∂qk ∂ Q̇i ∂ q̇k ∂ Q̇i k ∂ q̇k ∂Qi
donde
12
Apesar da notação coincidente, estes Q’s não devem ser confundidos com as componentes da força
generalizada.
1.6. APLICAÇÕES DAS EQUAÇÕES DE LAGRANGE 33
! " # " #
d ∂ L̄ X d ∂L ∂qk ∂L d ∂qk X d ∂L ∂qk ∂L ∂ q̇k
= + = + , (1.5.28)
dt ∂ Q̇i k dt ∂ q̇k ∂Qi ∂ q̇k dt ∂Qi k dt ∂ q̇k ∂Qi ∂ q̇k ∂Qi
!
∂ L̄ X ∂L ∂qk ∂L ∂ q̇k
= + (1.5.29)
∂Qi k ∂qk ∂Qi ∂ q̇k ∂Qi
resulta
! " #
d ∂ L̄ ∂ L̄ X d ∂L ∂L ∂qk
− = − =0 , (1.5.30)
dt ∂ Q̇i ∂Qi k dt ∂ q̇k ∂qk ∂Qi
Vale ressaltar que, embora possa ser expressa em termos de coordenadas generalizadas
arbitrárias, a lagrangiana L = T − V tem que ser escrita inicialmente em termos de
coordenadas e velocidades relativas a um referencial inercial.
O procedimento que deve ser seguido para se escrever as equações de Lagrange associ-
adas a um dado sistema mecânico é simples. Em primeiro lugar precisam ser escolhidas co-
ordenadas generalizadas q1 , . . . , qn . Em seguida, as energias cinética e potencial devem ser
expressas em termos dos q’s e q̇’s apenas, de tal modo que a lagrangiana L = T −V também
fique expressa somente em função das coordenadas e velocidades generalizadas. Basta, fi-
nalmente, calcular as derivadas parciais pertinentes de L, introduzi-las nas Eqs.(1.5.20), e
está concluı́do o processo de construção das equações de movimento do sistema. Conside-
remos algumas ilustrações desse procedimento.
m1 2 m2 2 m1 + m2 2
T = ẋ + ẋ = ẋ1 ,
2 1 2 2 2
pois pontos situados abaixo do nı́vel zero têm potencial gravitacional negativo. A lagrangiana é
dada por
m1 + m2 2
L= ẋ1 + (m1 − m2 )gx1 + m2 gl
2
d ∂L ∂L
− = 0 =⇒ (m1 + m2 )ẍ1 = (m1 − m2 )g .
dt ∂ ẋ1 ∂x1
Exemplo 1.6.2 (Conta deslizando ao longo de uma haste retilı́nea lisa que gira com veloci-
dade angular constante num plano horizontal). Seja xy o plano horizontal que contém a haste e
usemos coordenadas polares para localizar a conta de massa m (ver Figura 1.6.1). As variáveis
r, θ não podem ser tomadas como coordenadas generalizadas porque θ é forçado a obedecer à
restrição θ − ωt = 0, que é um vı́nculo holônomo da forma (1.2.7), onde ω é a velocidade an-
gular constante da haste, suposta conhecida. O sistema possui somente um grau de liberdade
1.7. FORÇAS DE Vı́NCULO NO CASO HOLÔNOMO 35
m 2 m
T = (ṙ + r2 θ̇2 ) = (ṙ2 + ω 2 r2 ) ,
2 2
m 2
L=T −V = (ṙ + ω 2 r2 ) .
2
d ∂L ∂L d
− = 0 =⇒ (mṙ) − mω 2 r = 0 =⇒ r̈ = ω 2 r .
dt ∂ ṙ ∂r dt
Conclui-se que a conta tende a afastar-se do eixo de rotação em conseqüência da “força centrı́fuga”,
que é o resultado bem conhecido.
(a)
fi = mi r̈i − Fi , (1.7.1)
onde voltamos a utilizar o superescrito para identificar as forças aplicadas. Estas últimas
são conhecidas por hipótese, bastando obter as acelerações r̈i para determinar fi . No
36 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
caso holônomo as forças de vı́nculo podem ser encontradas através da seguinte receita: (i)
calcule as acelerações r̈i tomando a segunda derivada temporal das Eqs.(1.5.2) e elimine as
acelerações generalizadas q̈k apelando para as equações de Lagrange (1.5.21); (ii) calcule
as forças aplicadas por intermédio da Eq.(1.5.16); (iii) leve os resultados dos dois passos
anteriores em (1.7.1) para obter as forças de vı́nculo.
m1 − m2
r̈1 = ẍ1 î = g î ,
m1 + m2
onde a equação de Lagrange do Exemplo 1.6.1 foi usada para exprimir ẍ1 . Como segundo passo,
(a)
escrevemos F1 = m1 g î (peso da partı́cula de massa m1 ). Finalmente, levando estes resultados
em (1.7.1) vem
2m1 m2
f1 = m1 r̈1 − m1 g î = − g î ,
m1 + m2
o sinal negativo indicando que a tensão no fio aponta verticalmente para cima.
Exercı́cio 1.7.1. Repita o procedimento anterior para a mass m2 e mostre que a força
que o fio exerce sobre ela é a mesma que exerce sobre a massa m1 .
Exemplo 1.7.2 (Força de vı́nculo sobre a conta do Exemplo 1.6.2). (a) Componentes
cartesianas. Temos r̈ = ẍî + ÿ ĵ onde
d2
ẍ = (r cos ωt) = r̈ cos ωt − 2ω ṙ sen ωt − ω 2 r cos ωt ,
dt2
d2
ÿ = (r sen ωt) = r̈ sen ωt + 2ω ṙ cos ωt − ω 2 r sen ωt .
dt2
(b) Componentes polares. Segundo a última equação acima, as componentes polares de f são
o produto da massa pelas componentes correspondentes da aceleração da conta. Mas, pelas
Eqs.(1.5.15),
fr = 0 , fθ = 2mω ṙ .
Exemplo 1.7.3. Uma partı́cula, partindo do repouso, cai do topo de um aro vertical liso
fixo. Em que ponto a partı́cula abandona o aro?
Solução. Com o uso das coordenadas r e θ da Figura 1.7.1, vemos que o vı́nculo r = R
é satisfeito durante a fase do movimento em que a partı́cula permanece em contato com o aro.
38 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
O sistema tem um único grau de liberdade e podemos tomar θ como coordenada generalizada.
Recorrendo ao Exemplo 1.6.2, a energia cinética assume a forma
m 2 mR2 2
T = (ṙ + r2 θ̇2 ) = θ̇ ,
2 2
mR2 2
L= θ̇ − mgR cos θ .
2
onde usamos î · êr = cos θ e ĵ · êθ = − sen θ . Devido ao vı́nculo r = R e à equação de Lagrange
para θ, estas últimas equações reduzem-se a
fr = −mRθ̇2 + mg cos θ , fθ = 0 ,
mostrando que a força de reação é perpendicular ao aro. A partı́cula perde o contato com o aro
no instante em que fr = 0. Para descobrir para que valor de θ isto acontece, precisamos exprimir
θ̇ em termos de θ, o que pode ser conseguido pela conservação da energia:
mR2 2
E =T +V = θ̇ + mgR cos θ = mgR ,
2
de modo que
fr = mg(3 cos θ − 2) .
A metodologia aqui descrita para a determinação das forças de vı́nculo só é aplicável
se todos os vı́nculos forem holônomos e envolve uma mistura deselegante dos formalismos
de Lagrange e Newton. É possı́vel, permanecendo inteiramente no contexto do formalismo
lagrangiano, no caso holônomo e para uma classe importante de vı́nculos não-holônomos,
obter as forças de vı́nculo pelo método dos multiplicadores de Lagrange, a ser discutido
no próximo capı́tulo.
Quando as forças generalizadas resultam de uma função U (q1 , . . . , qn , q̇1 , . . . , q̇n , t) por
meio das expressões
∂U d ∂U
Qk = − + , (1.8.1)
∂qk dt ∂ q̇k
L=T −U . (1.8.2)
A força experimentada por uma carga elétrica e em movimento num campo eletro-
magnético externo é a força de Lorentz (em unidades CGS gaussianas)
40 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
v
F = e(E + × B) . (1.8.3)
c
1 ∂A
E = −∇φ − , B=∇×A . (1.8.4)
c ∂t
1 ∂A 1
F = e −∇φ − + v × (∇ × A) . (1.8.5)
c ∂t c
Pretendemos mostrar que F pode ser representada na forma (1.8.1) para alguma função
U . Mas em (1.8.1) aparece uma derivada total em relação ao tempo, ao passo que em
(1.8.5) a derivada é parcial. Podemos introduzir uma derivada total em (1.8.5) notando
que
dA ∂A ∂A ∂A ∂A ∂A
= ẋ + ẏ + ż + = v.∇ A + . (1.8.6)
dt ∂x ∂y ∂z ∂t ∂t
Usando ainda
1 dA 1
F = e −∇φ − + ∇(v.A) . (1.8.8)
c dt c
Com o uso do operador ∇v = î∂/∂ ẋ+ĵ∂/∂ ẏ+k̂∂/∂ ż e levando em conta que as coordenadas
e velocidades generalizadas são tratadas como quantidades independentes, ficamos com
13
Em geral vale a identidade ∇(a · b) = (a · ∇)b + (b · ∇)a + a × (∇ × b) + b × (∇ × a) .
1.8. POTENCIAIS GENERALIZADOS E FUNÇÃO DE DISSIPAÇÃO 41
n 1 o e dA e dh e i
F = e −∇(φ − v.A) − = −∇(eφ − v.A) + ∇v (eφ − v.A) , (1.8.9)
c c dt c dt c
e
U = eφ − v.A , (1.8.10)
c
de modo que
mv 2 e
L=T −U = − eφ + v.A (1.8.11)
2 c
∂U d ∂U
Qk = − + + Q0k , (1.8.12)
∂qk dt ∂ q̇k
onde Q0k denota a parte das forças generalizadas que não provém de nenhum potencial
generalizado, as equações de movimento (1.5.13) tornam-se
d ∂L ∂L
− = Q0k , (1.8.13)
dt ∂ q̇k ∂qk
0
Fix = −kix vix , Fiy0 = −kiy viy , Fiz0 = −kiz viz , (1.8.14)
onde F0i é a força dissipativa sobre a i-ésima partı́cula e kix , kiy , kiz são constantes pos-
itivas. Para facilitar um tratamento mais geral de tais situações, Rayleigh introduziu a
chamada função de dissipação definida por
1X 2 2 2
F= (kix vix + kiy viy + kiz viz ) , (1.8.15)
2 i
42 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
0 ∂F ∂F ∂F
Fix =− , Fiy0 = − , Fiz0 = − . (1.8.16)
∂vix ∂viy ∂viz
dW 0
dW 0 = F0i · dri = F0i · vi dt =⇒ 2 2 2
X X X
= − (kix vix + kiy viy + kiz viz ) = −2F ,
i i dt i
onde usamos (1.5.10) e a regra da cadeia da diferenciação. Com este último resultado, as
equações de movimento (1.8.13) transformam-se em
d ∂L ∂L ∂F
− + =0 . (1.8.17)
dt ∂ q̇k ∂qk ∂ q̇k
m`2 2
L= θ̇ + mg` cos θ .
2
1 1
F = kv 2 = k`2 θ̇2 ,
2 2
1.8. POTENCIAIS GENERALIZADOS E FUNÇÃO DE DISSIPAÇÃO 43
k g
θ̈ + θ̇ + sen θ = 0 .
m `
PROBLEMAS
1.1. Uma conta de massa m desliza sem atrito ao longo de uma haste rı́gida, de massa
desprezı́vel, que gira num plano vertical com velocidade angular constante ω. Mostre que,
com uma escolha adequada da coordenada r, a lagrangiana do sistema é
m 2 mω 2 2
L= ṙ + r − mgr sen ωt .
2 2
1.2. Mostre que a lagrangiana para o pêndulo duplo plano representado na Fig. 1.2.1 é
m1 + m2 2 2 m2 2 2
L= l1 θ̇1 + l θ̇ + m2 l1 l2 θ̇1 θ̇2 cos(θ1 − θ2 ) + (m1 + m2 )gl1 cos θ1 + m2 gl2 cos θ2
2 2 2 2
1.3. Obtenha a lagrangiana e as equações de Lagrange para um pêndulo esférico, isto é,
uma massa m suspensa por um fio leve e inextensı́vel de comprimento ` cujo movimento
não está restrito a um plano.
1.4. O pêndulo cicloidal de Huyghens consiste numa partı́cula oscilando num plano
vertical ao longo de um arco de ciclóide com equações paramétricas
x = R θ + R sen θ , y = −R cos θ .
θ 2
L = 2mR2 cos2 θ̇ + mgR cos θ .
2
m+M 2 m 2 2
L= ṙ + r θ̇ − gr(M − m cos θ)
2 2
1.6. Uma partı́cula cai verticalmente sob a ação da gravidade. Supondo que a força
de resistência do ar seja proporcional à velocidade, obtenha a equação de movimento da
partı́cula com a ajuda da função de dissipação F = λv 2 /2. Determine a velocidade como
função do tempo e prove que a maior velocidade possı́vel para queda a partir do repouso
é v = mg/λ.
1.7. Certos sistemas dissipativos simples admitem uma formulação lagrangiana que dis-
pensa o emprego da função de dissipação de Rayleigh. Mostre que a equação de movimento
do problema anterior pode ser obtida da lagrangiana
!
λt m 2
L=e ẋ − mgx .
2
ee0 ṙ2
( )
rr̈
F = 2 1+ 2 − 2 ,
r c 2c
1.10. Um pêndulo elástico consiste numa massa m capaz de oscilar num plano vertical
suspensa por uma mola de constante elástica k e comprimento natural `. Escolhendo
coordenadas generalizadas convenientes, obtenha a lagrangiana e as equações de Lagrange.
1.12. Considere o sistema representado na Fig. 1.8.4. O bloco de massa m desliza sem
atrito ao longo da cunha de massa M e ângulo α. A cunha, por sua vez, desliza sem
atrito ao longo de uma superfı́cie horizontal.(i) Escolhendo coordenadas generalizadas con-
venientes, obtenha a lagrangiana e as equações de movimento do sistema. (ii) Determine a
aceleração da cunha relativamente ao sistema de referência inercial (x, y). (iii) Determine
a aceleração do bloco em relação à cunha.
1.13. Uma partı́cula num campo gravitacional uniforme g = −g k̂ está restrita a mover-
se na superfı́cie de um parabolóide de revolução definido pela equação z = ρ2 /R, onde R
é uma constante positiva e (ρ, θ, z) são coordenadas cilı́ndricas. Obtenha a lagrangiana e
as equações de Lagrange. Prove que a projeção do raio vetor da partı́cula sobre o plano
xy varre áreas iguais em tempos iguais. Determine a força de vı́nculo que age sobre a
partı́cula.
m 2 mω 2 2
!
L = eλt ẋ − x
2 2
48 CAPÍTULO 1: PROBLEMAS
m 2 eg
L= (ṙ + r2 θ̇2 + r2 ϕ̇2 sen2 θ) − ϕ̇ cos θ
2 c
PRINCÍPIO VARIACIONAL DE
HAMILTON
Desde que existe como ciência, a Fı́sica tem como seu objetivo mais cobiçado a
solução do problema de condensar todos os fenômenos naturais num único princı́pio.
Dentre as leis mais ou menos gerais que marcam as conquistas da ciência fı́sica
durante o curso dos últimos séculos, o princı́pio da mı́nima ação é talvez aquele que,
no que se refere à forma e ao conteúdo, mais se aproxima desse objetivo final da
pesquisa teórica.
Max Planck
49
50 CAPı́TULO 2. PRINCÍPIO VARIACIONAL DE HAMILTON
O cálculo das variações ocupa-se com o problema de determinar extremos, isto é,
máximos ou mı́nimos, de funcionais. Um funcional é uma função real cujo domı́nio é
um espaço de funções. Mais explicitamente, um funcional associa um número real a cada
função de um certa classe de funções para as quais o funcional está definido.
Exemplo 2.1.1. Sejam (x1 , y1 ) e (x2 , y2 ) dois pontos distintos num plano, com x2 > x1 .
Seja y(x) uma curva ligando esses dois pontos. Uma vez que o comprimento de arco infinitesimal
no plano é
s
q dy 2
d` = dx2 + dy 2 = 1+ dx ,
dx
Z x2 q
`[y] = 1 + y 0 (x)2 dx . (2.1.1)
x1
O comprimento de arco ` é um funcional de y, isto é, dada uma função continuamente diferen-
ciável y(x) a ela se faz corresponder o único número real `[y] definido pela Eq.(2.1.1).
O mais simples de todos os problemas do cálculo das variações pode ser assim formu-
lado: sendo dado o funcional
Z x2
J[y] = f (y(x), y 0 (x), x) dx , (2.1.2)
x1
I3 → R
onde f : R I é uma função conhecida, encontrar, dentre todas as curvas continuamente
diferenciáveis y(x) que passam pelos pontos fixos (x1 , y1 ) e (x2 , y2 ), aquela que minimiza
(mais geralmente, extremiza) J.
A fim de encontrar a curva que extremiza J, lançaremos mão de um artifı́cio que reduz
o problema ao de achar pontos extremos de uma função real de uma variável real. Seja
y(x) a função procurada1 que extremiza J e consideremos uma curva vizinha y definida
por (Fig. 2.1.1)
1
Suporemos que tal função existe. A questão da existência de soluções para problemas variacionais é
um problema matemático muito delicado (Courant & Hilbert 1953).
2.1. RUDIMENTOS DO CÁLCULO DAS VARIAÇÕES 51
Estas últimas condições são necessárias para que a curva variada y também passe pelos
pontos extremos (x1 , y1 ) e (x2 , y2 ). Substituindo y por y em (2.1.2) o resultado é uma
função de :
Z x2
Φ() ≡ J[y] = f (y(x), y 0 (x), x) dx . (2.1.5)
x1
Mas, uma vez que, por hipótese, a curva y(x) fornece um extremo (mı́nimo, máximo ou
ponto estacionário) de J, a função Φ() deve passar por um extremo para = 0, pois, neste
caso, y torna-se idêntica a y. Portanto, uma condição necessária para que y(x) extremize
J é
∂f ∂y 0
! !
dΦ Z x2 ∂f ∂y
0= = + 0 dx , (2.1.6)
d =0 x1 ∂y ∂ ∂y ∂ =0
∂y ∂y 0
=η , = η0 (2.1.7)
∂ ∂
52 CAPı́TULO 2. PRINCÍPIO VARIACIONAL DE HAMILTON
! !
dΦ Z x2 ∂f ∂f
= η + 0 η0 dx = 0 . (2.1.8)
d =0 x1 ∂y ∂y
Esta última equação é verdadeira com η(x) arbitrária (exceto pela condição de anular-se
nos limites de integração). A fim de extrair uma equação para y(x), é necessário explorar
a arbitrariedade de η. Mas para isto é preciso eliminar η 0 de (2.1.8), o que pode ser
facilmente conseguido graças a uma integração por partes:
x
Z x2 ∂f 0 ∂f 2 Z x2 d ∂f Z x2
d ∂f
η dx = η − η dx = − η dx (2.1.9)
∂y 0 ∂y 0 x1 dx ∂y 0 dx ∂y 0
x1 x1 x1
onde usamos (2.1.4). Com a ajuda deste último resultado, a Eq.(2.1.8) reduz-se a
" #
Z x2 ∂f d ∂f
− ηdx = 0 . (2.1.10)
x1 ∂y dx ∂y 0
Pode-se, agora, inferir uma equação diferencial para y(x) apelando-se para um resultado
importante.
0 x1 ≤ x ≤ ξ − ∆
(4/∆2 )(x − ξ + ∆)2 (1 + x − ξ + ∆/2)2
ξ − ∆ ≤ x ≤ ξ − ∆/2
η(x) = 1 ξ − ∆/2 ≤ x ≤ ξ + ∆/2
(4/∆2 )(x − ξ − ∆)2 (1 + x − ξ − ∆/2)2
ξ + ∆/2 ≤ x ≤ ξ + ∆
0 ξ + ∆ ≤ x ≤ x2
Claramente,
Z x2 Z ξ+∆ Z ξ+∆/2
M (x)η(x)dx = M (x)η(x)dx ≥ M (x)η(x)dx ≥ c∆ > 0 .
x1 ξ−∆ ξ−∆/2
Esta contradição mostra que M (ξ) não pode ser positivo, argumentos análogos aplicando-
se na hipótese M (ξ) < 0. Como ξ é arbitrário, segue-se que M (x) ≡ 0 em [x1 , x2 ] e a
demonstração está completa. 2
∂f d ∂f
− =0 . (2.1.11)
∂y dx ∂y 0
Numa superfı́cie esférica de raio R centrada na origem tem-se r = R, de modo que a distância
entre dois pontos ao longo de uma curva ϕ(θ) sobre a superfı́cie da esfera é dada por
Z θ2 q
`[ϕ] = R 1 + sen2 θ ϕ0 (θ)2 dθ .
θ1
A curva geodésica é a que fornece a menor distância entre dois pontos, isto é, aquela que mini-
miza
p `[ϕ]. Conseqüentemente, ϕ(θ) tem que satisfazer a equação de Euler com f (ϕ, ϕ0 , θ) =
1 + sen2 θ ϕ0 (θ)2 :
∂f d ∂f d ∂f ∂f sen2 θ ϕ0
− = 0 =⇒ = 0 =⇒ = = C1 ,
∂ϕ dθ ∂ϕ0 dθ ∂ϕ0 ∂ϕ0 [1 + sen2 θ ϕ0 (θ)2 ]1/2
onde C1 é uma constante arbitrária. Resolvendo esta última equação para ϕ0 resulta
dϕ C1 C1 C1 / sen2 θ
= q = q =q .
dθ sen θ sen2 θ − C12 sen2 θ 1 − C12 / sen2 θ (1 − C12 ) − C12 cot2 θ
donde
C1
C cot θ = cos(ϕ − C2 ) , C=q .
1 − C12
Para melhor compreender o que esta última equação representa, multipliquemo-la por R sen θ,
obtendo como resultado
z = Ax + By .
2.1. RUDIMENTOS DO CÁLCULO DAS VARIAÇÕES 55
Assim, as geodésicas da superfı́cie esférica são arcos de grandes cı́rculos, isto é, cı́rculos cujos
centros coincidem com o centro da esfera.
Exemplo 2.1.3 (Superfı́cie mı́nima de revolução). Considere uma superfı́cie gerada pela
rotação em torno do eixo y de uma curva plana passando por dois pontos fixos (Fig. 2.1.3) O
problema consiste em encontrar a curva para a qual a área da superfı́cie
q de revolução é mı́nima.
A área de uma fita infinitesimal da superfı́cie é dA = 2πxd` = 2πx 1 + y 0 2 dx, de modo que a
área total da superfı́cie é
Z x2 q
A[y] = 2π x 1 + y 0 2 dx .
x1
q
A equação de Euler deste problema com f (y, y 0 , x) = x 1 + y 0 2 escreve-se
d ∂f ∂f xy 0
= 0 =⇒ = a =⇒ =a ,
dx ∂y 0 ∂y 0
q
1 + y02
onde a é uma constante de integração arbitrária (obviamente menor que x1 ). Resolvendo esta
última equação para y 0 obtém-se
a
y0 = √ ,
x2 − a2
x
y = a cosh−1 +b
a
ou
y−b
x = a cosh .
a
que a catenária passe pelos pontos extremos. Para certas posições dos pontos extremos podem
existir duas catenárias distintas, apenas uma delas fornecendo o mı́nimo absoluto, ou o verdadeiro
mı́nimo ser alcançado numa curva que não pertence à classe das catenárias e nem sequer possui
derivada contı́nua (Weinstock 1952; Arfken 1985).
Q ds 1 x0 1 + y 0 2 1/2
Z Z
T [y] = =√ dx , y(0) = 0 , y(x0 ) = y0 .
P v 2g 0 y
A resolução deste problema é facilitada pela escolha de y como variável independente e da curva
na forma x(y). Neste caso, com x0 = dx/dy ,
1 y0 1 + x0 2 1/2
Z
T [x] = √ dy , x(0) = 0 , x(y0 ) = x0 .
2g 0 y
q
Para o problema assim formulado tem-se f (x, x0 , y) = (1 + x0 2 )/y e equação de Euler permite
uma primeira integração imediata:
∂f d ∂f ∂f x0
− =0 =⇒ = =C ,
∂x dy ∂x0 ∂x0
q
y(1 + x0 2 )
onde C é uma constante arbitrária. Esta última equação integra-se mais facilmente introduzindo-
se o parâmetro t através da equação x0 = tan t. Então
tan2 t C1
y = C1 2 = C1 sen2 t = (1 − cos 2t) ;
1 + tan t 2
C1
dx = tan t dy = 2C1 sen2 t dt = C1 (1 − cos 2t) dt =⇒ x = (2t − sen2t) + C2 .
2
4
Do grego brachistos (brevı́ssimo) e chronos (tempo).
5
Na noite de 29 de janeiro de 1697, quando recebeu a carta-desafio, Newton não dormiu até resolver
o problema, o que se deu por volta de quatro horas da manhã. Em seguida, a solução foi remetida
anonimamente para Bernoulli. Ao ler a solução chegada da Inglaterra, Johann Bernoulli, segundo suas
próprias palavras, reconheceu imediatamente o seu autor “como se reconhece o leão por sua pata”.
2.2. NOTAÇÃO VARIACIONAL 57
C1 C1
x= (θ − sen θ) , y= (1 − cos θ) ,
2 2
a constante C1 sendo determinada pela condição de que a curva passe pelo ponto Q= (x0 , y0 ).
Portanto, a braquistócrona é uma arco de ciclóide.
A variação de y, denotada por δy, é definida por δy = η, de modo que a Eq.(2.1.3)
escreve-se
y = y + δy . (2.2.1)
! !
dΦ Z x2 ∂f ∂f
δJ = = δy + 0 δy 0 dx , (2.2.2)
d =0 x1 ∂y ∂y
d
δy 0 = η 0 = (η)0 = (δy)0 ≡ (δy) . (2.2.3)
dx
Isto é análogo à notaçãodo cálculo diferencial, onde a expressão f 0 (x) ≡ df com parâmetro
arbitrário é chamada de diferencial da função f (x). Uma integração por partes, com o
uso de δy(x1 ) = δy(x2 ) = 0, reduz a Eq.(2.2.2) à forma
" #
Z x2 ∂f d ∂f
δJ = − δy dx = 0 . (2.2.4)
x1 ∂y dx ∂y 0
Assim, uma condição necessária para um extremo de um funcional J[y] é que sua variação
δJ anule-se para δy arbitrária, exceto pela condição de anular-se nas extremidades do
intervalo de integração. Em geral, as funções y(x) para as quais δJ = 0 são chamadas de
extremantes ou curvas estacionárias. Esta terminologia se justifica porque δJ = 0 significa
58 CAPı́TULO 2. PRINCÍPIO VARIACIONAL DE HAMILTON
apenas que uma variação δy da curva y deixa o funcional J[y] estacionário, não havendo
qualquer garantia de que a curva forneça um máximo ou mı́nimo do funcional.
dy dq
x → t ; y → q ; y0 = → q̇ = ; f →L ; J →S (2.3.1)
dx dt
d ∂L ∂L
− =0 , (2.3.2)
dt ∂ q̇ ∂q
Z t2
δS ≡ δ L(q, q̇, t) dt = 0 (2.3.3)
t1
com δq(t1 ) = δq(t2 ) = 0. A generalização para sistemas com um número qualquer de graus
de liberdade é imediata. Seja
Z t2
S= L(q1 , . . . , qn , q̇1 , . . . , qn , t) dt (2.3.4)
t1
e considere as variações
com os δq’s independentes entre si e arbitrários, exceto pelas condições nos extremos
2.3. PRINCı́PIO DE HAMILTON E EQUAÇÕES DE LAGRANGE 59
δqk (t1 ) = δqk (t2 ) = 0, k = 1, . . . , n. Destaque-se que é a mútua independência das coorde-
nadas generalizadas que assegura que cada uma delas pode ser variada independentemente
das demais.
!
Z t2 X ∂L ∂L
δS = δqk + δ q̇k dt . (2.3.6)
t1 k ∂qk ∂ q̇k
" # t
Z t2 X ∂L d ∂L X ∂L 2
δS = dt − δqk + δqk . (2.3.7)
t1 k ∂qk dt ∂ q̇k k ∂ q̇k
t1
Levando em conta que as variações dos q’s anulam-se nos pontos extremos, esta última
equação reduz-se a
" #
Z t2 X ∂L d ∂L
δS = dt − δqk . (2.3.8)
t1 k ∂qk dt ∂ q̇k
" #
Z t2 X ∂L d ∂L
dt − δqk = 0 . (2.3.9)
t1 k ∂qk dt ∂ q̇k
Uma vez que os δq’s são mutuamente independentes, podemos tomar todos iguais a zero
exceto um particular δqk0 . Neste caso, a soma em (2.3.9) reduz-se a um único termo
correspondente a k = k0 . Mas, como δqk0 é uma função arbitrária, o lema fundamental do
cálculo das variações estabelece que o coeficiente de δqk0 em (2.3.9) é identicamente nulo.
Finalmente, como o argumento anterior é aplicável a qualquer k0 , conclui-se que (2.3.9)
equivale a
d ∂L ∂L
− =0 , k = 1, . . . , n . (2.3.10)
dt ∂ q̇k ∂qk
Z t2
S= L(q, q̇, t) dt (2.3.11)
t1
é mı́nima (mais geralmente, estacionária) para a trajetória real, mantidos fixos os pontos
inicial e final da trajetória no espaço de configuração.
Definição 2.3.1. Duas lagrangianas L̄(q, q̇, t) e L(q, q̇, t) são ditas equivalentes se elas
diferem pela derivada total em relação ao tempo de uma função arbitrária das coordenadas
6
Uma discussão encantadora e envolvente do princı́pio da mı́nima ação encontra-se em Feynman,
Leighton & Sands (1963), volume II, capı́tulo 19.
2.3. PRINCı́PIO DE HAMILTON E EQUAÇÕES DE LAGRANGE 61
Teorema 2.3.1. Lagrangianas equivalentes dão lugar às mesmas equações de movi-
mento.
Z t2 Z t2 Z t2 df
S̄ = L̄(q, q̇, t) dt = L(q, q̇, t) dt + dt = S + f (q(t2 ), t2 ) − f (q(t1 ), t1 ) .
t1 t1 t1 dt
Mas, como a variação da ação mantém os extremos q(t1 ) e q(t2 ) fixos, a condição δ S̄ = 0
é idêntica a δS = 0, demonstrando que L̄ e L produzem exatamente as mesmas equações
de movimento. 2
Exercı́cio 2.3.1. Demonstre por substituição direta nas equações de Lagrange que la-
grangianas equivalentes geram as mesmas equações de movimento.
Exemplo 2.3.1. Discutir a lagrangiana para um pêndulo plano cujo ponto de suspensão
desloca-se sobre uma reta horizontal com velocidade constante.
m
T = [ (ẋ + `θ̇ cos θ)2 + (−`θ̇ sen θ)2 ] ,
2
donde
m 2
L= ( ẋ + `2 θ̇2 + 2`ẋθ̇ cos θ ) + mg` cos θ .
2
m`2 2 d m 2
L= θ̇ + mg` cos θ + v t + m`v sen θ .
2 dt 2
Descartando a derivada total, a lagrangiana resultante coincide com a que seria obtida por um
observador em relação ao qual o ponto de suspensão do pêndulo é fixo. Você é capaz de explicar
por quê?
É possı́vel demonstrar (Problema 2.2) que duas lagrangianas só produzem exatamente
as mesmas equações de movimento se diferem pela derivada total em relação ao tempo de
uma função das coordenadas generalizadas e do tempo. No entanto, há lagrangianas que
não diferem por uma derivada total mas geram equações de movimento equivalentes, isto
é, que não são idênticas mas possuem as mesmas soluções.
1 4 ω2 2 2 ω4 4
L̄ = ẋ + x ẋ − x
12 2 4
Na seção anterior admitimos que o sistema mecânico era descrito por coordenadas
independentes entre si, e tal independência é crucial para permitir a dedução de (2.3.10)
a partir de (2.3.9). Tais coordenadas generalizadas mutuamente independentes sempre
existem quando todos os vı́nculos a que o sistema está sujeito são holônomos. Quando há
2.4. PRINCı́PIO DE HAMILTON NO CASO NÃO-HOLÔNOMO 63
n
X
alk dqk + alt dt = 0 , l = 1, . . . , p , (2.4.1)
k=1
" #
Z t2 X ∂L d ∂L
dt − δqk = 0 , (2.4.2)
t1 k ∂qk dt ∂ q̇k
mas, agora, não podemos inferir que o coeficiente da cada δqk é zero porque os δq’s não
são independentes. Com efeito, as Eqs.(2.3.5) mostram que cada δqk é um deslocamento
virtual, pois o tempo permanece fixo quando se executa a variação que leva qk (t) em
qk (t) + δqk (t). Mas, conforme as Eqs.(2.4.1), os deslocamentos virtuais devem obedecer a
n
X
alk δqk = 0 , l = 1, . . . , p (2.4.3)
k=1
para que haja compatibilidade com os vı́nculos (usamos dt = 0 para deslocamentos vir-
tuais). As n variações δq1 , . . . , δqn têm que satisfazer as p equações (2.4.3), de modo que
apenas (n − p) variações dos q’s são independentes entre si. Trata-se, portanto, da deter-
minação de um extremo condicionado para o funcional S, e o tratamento segue a linha do
método dos multiplicadores de Lagrange do cálculo diferencial.
A equação
Z t2 p
X n
X Z t2 X p
n X
dt λl alk δqk = dt λl alk δqk = 0 (2.4.4)
t1 l=1 k=1 t1 k=1 l=1
64 CAPı́TULO 2. PRINCÍPIO VARIACIONAL DE HAMILTON
é uma conseqüência óbvia de (2.4.3) para valores arbitrários dos multiplicadores de La-
grange λ1 (q, q̇, t), . . . , λn (q, q̇, t). Adicionando (2.4.2) a (2.4.4) resulta
t2 n
( p )
Z X ∂L d ∂L X
dt − + λl alk δqk = 0 . (2.4.5)
t1 k=1 ∂qk dt ∂ q̇k l=1
Como os δq’s não são independentes, nada podemos afirmar a respeito do coeficiente de
cada δqk nesta última equação. Com uma numeração adequada das variáveis, podemos
escolher as (n − p) primeiras variações δq1 , . . . , δqn−p como mutuamente independentes, as
p últimas variações sendo determinadas em termos das (n − p) primeiras pela resolução das
p equações (2.4.3). Por outro lado, temos p multiplicadores de Lagrange à nossa disposição
e podemos escolhê-los de tal modo que os coeficientes dos p últimos δq’s em (2.4.5) sejam
nulos, isto é,
p
∂L d ∂L X
− + λl alk = 0 , k = n − p + 1, . . . , n . (2.4.6)
∂qk dt ∂ q̇k l=1
t2 n−p( p )
Z X ∂L d ∂L X
dt − + λl alk δqk = 0 , (2.4.7)
t1 k=1 ∂qk dt ∂ q̇k l=1
p
∂L d ∂L X
− + λl alk = 0 , k = 1, . . . , n − p . (2.4.8)
∂qk dt ∂ q̇k l=1
p
d ∂L ∂L X
− = λl alk , k = 1, . . . , n . (2.4.9)
dt ∂ q̇k ∂qk l=1
Mas isto é insuficiente, pois agora temos apenas n equações para (n+p) incógnitas, a saber,
as n coordenadas qk e os p multiplicadores de Lagrange λl . As p equações adicionais são,
evidentemente, as equações de vı́nculo (2.4.1), que podem ser escritas na forma equivalente
2.4. PRINCı́PIO DE HAMILTON NO CASO NÃO-HOLÔNOMO 65
n
X
alk q̇k + alt = 0 , l = 1, . . . , p . (2.4.10)
k=1
d ∂L ∂L
− = Q0k . (2.4.11)
dt ∂ q̇k ∂qk
p
Q0k
X
= λl alk (2.4.12)
l=1
Exercı́cio 2.4.1. Prove que o trabalho virtual das forças generalizadas de vı́nculo (2.4.12)
é zero. Isto mostra que mesmo no caso de vı́nculos não-holônomos o princı́pio de Hamilton está
em harmonia com o princı́pio de d’Alembert.
7
É possı́vel formular as equações de movimento para sistemas não-holônomos sem lançar mão de multi-
plicadores de Lagrange. Trata-se de um método baseado na introdução das chamadas quase-coordenadas
e que culmina nas equações de Gibbs-Appell (Pars 1965; Gantmacher 1970; Desloge 1982).
66 CAPı́TULO 2. PRINCÍPIO VARIACIONAL DE HAMILTON
o resultado considerado correto (Rund 1966; Saletan & Cromer 1970) para as equações de
movimento é
p
d ∂L ∂L X ∂gl
− = λl , k = 1, . . . , n . (2.4.14)
dt ∂ q̇k ∂qk l=1
∂ q̇k
É claro que estas equações reduzem-se a (2.4.9) quando as equações de vı́nculo envolvem as
velocidades linearmente.
Exemplo 2.4.1. Como primeira ilustração puramente acadêmica, considere uma partı́cula
movendo-se livremente num plano exceto pelo vı́nculo não-holônomo
ẋ − ωy = 0 , (2.4.15)
m 2
L= (ẋ + ẏ 2 ) (2.4.16)
2
y = y0 + v0 t , (2.4.18)
1
x = x0 + ωy0 t + ωv0 t2 , (2.4.19)
2
com x0 constante arbitrária. A solução geral para o movimento do sistema está contida em
(2.4.18) e (2.4.19). Finalmente, o multiplicador de Lagrange é determinado por
2.4. PRINCı́PIO DE HAMILTON NO CASO NÃO-HOLÔNOMO 67
λ1 = mẍ = mω ẏ = mωv0 ,
resultando
Exemplo 2.4.2 (Patinete em movimento num plano horizontal). Como modelo supersim-
plificado de patinete, tomemos uma haste rı́gida, delgada, homogênea de comprimento ` restrita
a mover-se de tal modo que a velocidade do centro de massa é sempre paralela à haste (Fig.
2.4.1). Como coordenadas utilizaremos o vetor posição do centro de massa r = xî + y ĵ e o ângulo
θ que a haste faz com o eixo x. Sendo êθ = cos θ î + sen θ ĵ o vetor unitário ao longo da haste, o
vı́nculo exprime-se pela equação ṙ × êθ = 0 ou, em componentes,
m 2 I
L= (ẋ + ẏ 2 ) + θ̇2 , (2.4.22)
2 2
θ = θ0 + Ω t , (2.4.24)
ẍ sen θ d ẋ
+ Ωẋ 2 = 0 =⇒ = 0 =⇒ ẋ = C 0 cos(Ωt + θ0 ) . (2.4.27)
cos θ cos θ dt cos θ
x = x0 + C sen(Ωt + θ0 ) , (2.4.28)
y = y0 − C cos(Ωt + θ0 ) . (2.4.29)
O patinete gira em torno de seu próprio centro de massa com velocidade angular constante Ω ,
ao mesmo tempo que o centro da massa descreve uma circunferência no plano do movimento
com a mesma velocidade angular Ω = 0 . Se Ω = 0 , o patinete executa um movimento retilı́neo
uniforme.
Embora as equações da forma (2.4.1) não incluam os tipos mais gerais de vı́nculos
não-holônomos, elas dão conta de vı́nculos holônomos. Com efeito, vı́nculos holônomos
são da forma
fl (q, t) = 0 , l = 1, . . . , p , (2.4.30)
n
X ∂fl ∂fl
q̇k + =0 , l = 1, . . . , p , (2.4.31)
k=1 ∂qk ∂t
∂fl ∂fl
alk = , alt = . (2.4.32)
∂qk ∂t
Assim, o método dos multiplicadores de Lagrange pode ser aplicado a sistemas holônomos
quando é inconveniente substituir os q’s por um conjunto menor de variáveis independentes
ou quando se deseja obter as forças de vı́nculo. À guisa de ilustração, apliquemos o
formalismo dos multiplicadores de Lagrange a um caso holônomo.
Exemplo 2.4.3 (Cilindro rolando sem deslizar sobre outro cilindro fixo). Usaremos como
coordenadas os ângulos θ e φ representados na Fig. 2.4.2, onde φ é o ângulo de rotação do cilindro
móvel em torno do seu eixo de simetria e r é a distância entre os eixos dos cilindros. Note que
70 CAPı́TULO 2. PRINCÍPIO VARIACIONAL DE HAMILTON
m 2 1
T = (ṙ + r2 θ̇2 ) + I φ̇2 , (2.4.33)
2 2
onde I = ma2 /2 é o momento de inércia do cilindro em torno do seu eixo de simetria. Neste
problema há dois vı́nculos holônomos, a saber:
O vı́nculo de rolar sem deslizar exprime a exigência de que o ponto O0 desloque-se com veloci-
dade vθ = rθ̇ igual àquela gerada por sua rotação com velocidade angular φ̇ em torno do eixo
instantâneo de rotação que passa pelo ponto de contato entre os cilindros. Em forma diferencial
o vı́nculo de contato escreve-se
ṙ = 0 . (2.4.36)
m 2 ma2 2
L= (ṙ + r2 θ̇2 ) + φ̇ − mgr cos θ , (2.4.38)
2 4
d 2
m (r θ̇) − mgr sen θ = λ1 a12 + λ2 a22 = rλ1 , (2.4.40)
dt
ma2
φ̈ = λ1 a13 + λ2 a23 = −aλ1 . (2.4.41)
2
m
(a + b)θ̈ = −λ1 . (2.4.44)
2
3
(a + b)θ̈ − g sen θ = 0 . (2.4.45)
2
A força de reação normal do cilindro fixo sobre o móvel é a componente radial da força de vı́nculo
sobre o cilindro móvel, isto é,
2
N = Q0r ≡ Q01 =
X
λl al1 = λ2 = mg cos θ − m(a + b)θ̇2 . (2.4.46)
l=1
É possı́vel, agora, responder à seguinte pergunta: em que ponto o cilindro móvel se desprende do
cilindro fixo? Naturalmente, isto se dá no instante em que N = 0. Suponhamos que o cilindro
comece a cair a partir do repouso (θ̇ = 0) da posição vertical (θ = 0). Como não há atrito de
deslizamento, a energia mecânica se conserva:
m 2 ma2 2 3
T +V = (ṙ + r2 θ̇2 ) + φ̇ + mgr cos θ = m(a + b)2 θ̇2 + mg(a + b) cos θ = E , (2.4.47)
2 4 4
72 CAPı́TULO 2. PRINCÍPIO VARIACIONAL DE HAMILTON
onde foram usados os vı́nculos. Uma vez que no instante inicial E = mg(a + b), deduzimos
3
(a + b)θ̇2 = g(1 − cos θ) . (2.4.48)
4
mg
N= (7 cos θ − 4) . (2.4.49)
3
O cilindro móvel abandona o cilindro fixo no ângulo θ0 = cos−1 (4/7), ou seja, θ0 = 55o 090 ,
resultado independente dos raios dos cilindros.8 A partir do contato desfeito, os vı́nculos deixam
de existir e o cilindro móvel torna-se um sistema com três graus de liberdade, com as coordenadas
r, θ, φ independentes entre si.
p
X
L = L(q, q̇, t) + λl fl (q, t) . (2.4.50)
l=1
d ∂L ∂L
− =0 , k = 1, . . . , n + p . (2.4.52)
dt ∂ ξ˙k ∂ξk
8
A análise acima não é plenamente realista porque a força de vı́nculo tangencial tornar-se-á exces-
sivamente pequena para impedir o deslizamento antes de ser atingido o ponto em que N = 0 (Symon
1971).
2.5. PROPRIEDADES DE SIMETRIA E LEIS DE CONSERVAÇÃO 73
Exercı́cio 2.4.3. Prove que as n primeiras equações (2.4.52) são idênticas às equações
(2.4.10) com os alk dados por (2.4.32), ao passo que as p últimas equações (2.4.52) reproduzem
as equações de vı́nculo (2.4.30).
Z t2 n p
X o
δ L(q, q̇, t) + λl fl (q, t) dt = 0 , (2.3.53)
t1 l=1
Definição 2.5.1. Seja L(q, q̇, t) a lagrangiana de um sistema com n graus de liberdade.
A quantidade pk definida por
74 CAPı́TULO 2. PRINCÍPIO VARIACIONAL DE HAMILTON
∂L
pk = (2.5.2)
∂ q̇k
d ∂L ∂L
− =0
dt ∂ q̇k ∂qk
reduz-se a
dpk
=0
dt
m 2
L= (ṙ + r2 θ̇2 + r2 sen2 θ ϕ̇2 ) − V (r) . (2.5.3)
2
∂L
pϕ = = mr2 sen2 θ ϕ̇ = constante . (2.5.4)
∂ ϕ̇
Exemplo 2.5.4. Considere um pêndulo cujo ponto de suspensão pode deslizar horizontal-
mente sem atrito. Como vimos no Exemplo 2.3.1, a lagrangiana do sistema é
m 2
L= (ẋ + `2 θ̇2 + 2`ẋθ̇ cos θ) + mg` cos θ .
2
∂L
px = = mẋ + m`θ̇ cos θ = constante .
∂ ẋ
A ausência de uma certa coordenada pode ser interpretada como uma propriedade
de simetria da lagrangiana. De fato, se qk é coordenada cı́clica uma alteração no valor
de qk não modifica a lagrangiana. Em outras palavras, a lagrangiana é invariante sob
o deslocamento de uma coordenada cı́clica. Mas um deslocamento de uma coordenada
cı́clica de posição corresponde a uma translação, ao passo que o deslocamento de uma
coordenada cı́clica angular corresponde a uma rotação. No exemplo anterior, a conservação
da componente x do momento linear é conseqüência da invariância da lagrangiana frente a
translações ao longo da direção x. Correspondentemente, no Exemplo (2.5.3) a conservação
da componente z do momento angular decorre da invariância da lagrangiana sob rotações
em torno do eixo z. Estas observações sugerem a existência de uma conexão geral entre
simetrias da lagrangiana sob translações e rotações e as leis de conservação do momento
linear e do momento angular.
onde δri e δvi são deslocamentos infinitesimais das posições e velocidades de um sistema
de n partı́culas. Seja
N h
0 0
X ∂L ∂L i
δL = L(r , v , t) − L(r, v, t) = · δri + · δvi , (2.5.7)
i=1 ∂ri ∂vi
∂L ∂L ∂L ∂L
≡ î + ĵ + k̂ , (2.5.8)
∂ri ∂xi ∂yi ∂zi
Exemplo 2.5.5. Uma translação rı́gida do sistema de partı́culas consiste num mesmo
deslocamento = n̂ de todas as partı́culas do sistema de tal modo que as posições relativas das
partı́culas permaneçam inalteradas, bem como suas velocidades. Neste caso, as Eqs.(2.5.5) são
válidas com
2.5. PROPRIEDADES DE SIMETRIA E LEIS DE CONSERVAÇÃO 77
Exemplo 2.5.6. Uma rotação rı́gida do sistema de partı́culas consiste numa rotação de
todos os vetores do sistema de um mesmo ângulo δθ em torno de um eixo definido pelo vetor
unitário n̂. Inspecionando a Fig. 2.5.1 conclui-se que |δri | = ri senα δθ, que tem a aparência de
módulo de um produto vetorial. De fato, definindo o vetor δθ = δθn̂ resulta imediatamente que
a a expressão correta para o vetor δri é δri = δθ × ri . Já que cada velocidade δvi sofre a mesma
rotação, as Eqs.(2.5.5) são válidas com
fs (r1 , . . . , rN , t) = 0 , s = 1, . . . , p . (2.5.11)
Teorema 2.5.2. Suponha que um sistema mecânico seja descrito pela lagrangiana
L = T − V , onde V é um potencial independente das velocidades. Se a lagrangiana e
os vı́nculos (2.5.11) são invariantes sob uma translação rı́gida arbitária, então o momento
linear total do sistema é conservado.
p
X
L = L(r, v, t) + λs fs (r, t) (2.5.12)
s=1
fornece de um só golpe as equações de movimento e as equações de vı́nculo. Uma vez que
L e as equações de vı́nculo são invariantes sob translações arbitrárias, L também o é. Em
particular, L é invariante sob qualquer translação infinitesimal, donde
78 CAPı́TULO 2. PRINCÍPIO VARIACIONAL DE HAMILTON
N N
X ∂L X ∂L
0 = δL = · (n̂) = n̂ · , (2.5.13)
i=1 ∂ri i=1 ∂ri
N
X ∂L
n̂ · =0 . (2.5.14)
i=1 ∂ri
∂L ∂L ∂L
≡ = = mi ṙi = pi , (2.5.15)
∂vi ∂ ṙi ∂ ṙi
!
∂L d ∂L dpi
= = . (2.5.16)
∂ri dt ∂ ṙi dt
N
dh X i d
n̂ · pi ≡ n̂ · P = 0 , (2.5.17)
dt i=1 dt
N
" #
X ∂L ∂L
0 = δL = · (δθ × ri ) + · (δθ × vi ) , (2.5.18)
i=1 ∂ri ∂vi
2.5. PROPRIEDADES DE SIMETRIA E LEIS DE CONSERVAÇÃO 79
onde usamos (2.5.7) e (2.5.10). O produto misto é invariante sob uma permutação cı́clica
dos vetores envolvidos, o que permite escrever
N
" #
X ∂L ∂L
δθ n̂ · ri × + vi × =0 . (2.5.19)
i=1 ∂ri ∂vi
N N
X dh X i d
n̂ · (ri × ṗi + ṙi × pi ) = n̂ · ri × pi ≡ (n̂.L) = 0 . (2.5.20)
i=1 dt i=1 dt
N
X ∂L
h= q̇k −L (2.6.1)
k=1 ∂ q̇k
N N
( ) ( )
dh X ∂L d ∂L X ∂L ∂L ∂L
= q̈k + q̇k − q̇k + q̈k + ,
dt k=1 ∂ q̇k dt ∂ q̇k k=1 ∂qk ∂ q̇k ∂t
dh ∂L
=− . (2.6.2)
dt ∂t
Sob circunstâncias bem definidas, que passamos a examinar, h é a energia total do sis-
tema. A energia cinética, expressa em termos das coordenadas e velocidades generalizadas,
10
Às vezes h é chamada de “função energia” (“energy function”, em inglês).
2.6. CONSERVAÇÃO DA ENERGIA 81
escreve-se
! !
1X 1X X ∂ri ∂ri X ∂ri ∂ri
T = mi vi2 = mi q̇k + · q̇l + , (2.6.3)
2 i 2 i k ∂qk ∂t l ∂ql ∂t
tendo sido usada a Eq.(1.5.4). Esta última equação pode ser reescrita na forma
X 1X
T = M0 + Mk q̇k + Mkl q̇k q̇l , (2.6.4)
k 2 k,l
1 X ∂ri ∂ri
M0 = mi · , (2.6.5a)
2 i ∂t ∂t
X ∂ri ∂ri
Mk = mi · , (2.6.5b)
i ∂t ∂qk
X ∂ri ∂ri
Mkl = mi · . (2.6.5c)
i ∂qk ∂ql
X ∂T
h= q̇k − (T − V ) . (2.6.6)
k ∂ q̇k
Se, além disso, as Eqs.(1.5.2) que definem as coordenadas generalizadas não envolvem
explicitamente o tempo, ∂ri /∂t = 0 de modo que M0 = Mk = 0 e (2.6.4) nos diz que T
é uma função homogênea do segundo grau das velocidades generalizadas. Portanto, pelo
teorema de Euler das funções homogêneas (Apêndice B),
h = 2T − (T − V ) = T + V = E , (2.6.7)
Vale notar que, mesmo na ausência de potenciais com dependência temporal explı́cita,
a existência de vı́nculos dependentes do tempo (como no Exemplo 1.5.2) introduz uma
dependência temporal explı́cita nas equações (1.5.2), fazendo com que h não coincida com
a energia total. Cumpre destacar, ainda, que as condições que asseguram a conservação
de h são completamente independentes daquelas que garantem a igualdade entre h e a
energia total. Assim, h pode ser conservada sem ser a energia total, ou ser a energia total
sem ser conservada. Por outro lado, ao contrário da lagrangiana, cujo valor independe
da escolha das coordenadas generalizadas, o valor e a forma funcional de h dependem do
particular conjunto de coordenadas generalizadas que se tenha escolhido.
De modo geral, quando há vı́nculos que dependem explicitamente do tempo a energia
total não se conserva, e a razão é simples. Como vimos na Seção 1.3, se os vı́nculos mudam
com o tempo, as forças de vı́nculo realizam trabalho por ocasião de deslocamentos reais,
embora o trabalho realizado durante deslocamentos virtuais seja nulo. Ora, a variação
da energia total num intervalo de tempo dt é igual ao trabalho realizado pelas forças de
vı́nculo durante os deslocamentos reais dri = vi dt , que em geral não se anula, logo a
energia total não pode permanecer constante.
Os três últimos teoremas lançam uma nova luz sobre a origem das constantes de movi-
mento fundamentais da mecânica, ao associarem as leis de conservação a propriedades
geométricas do espaço-tempo. A homogeneidade e isotropia do espaço refletem-se na
invariância da lagrangiana e dos vı́nculos sob translações e rotações, dando lugar à con-
servação do momento linear e do momento angular. A homogeneidade temporal reflete-se
na imutabilidade da lagrangiana e dos vı́nculos frente a uma mudança na origem do tempo
(lagrangiana e vı́nculos sem dependência temporal explı́cita), dando lugar à conservação
da energia.
Quando há forças dissipativas presentes que podem ser descritas por uma função de
dissipação F, o Teorema 2.6.1 não é mais verdadeiro e a Eq.(2.6.2) é substituı́da por
dh X ∂F ∂L
=− q̇k − . (2.6.8)
dt k ∂ q̇k dt
Note que F, no que concerne à sua dependência funcional das velocidades generaliza-
das, tem a mesma estrutura que a energia cinética. Assim, se as Eqs.(1.5.2) que definem
2.7. TEOREMA DE NOETHER 83
dE ∂L
= −2F − . (2.6.9)
dt ∂t
dE
= −2F , (2.6.10)
dt
já obtida por outros métodos, porém num contexto menos geral, na Seção 1.7.
t −→ t0 = t + X(q(t), t) , (2.7.1a)
Z t02
0 0dq 0 (t0 ) 0 0 Z t2 dq(t)
δS = L q (t ), , t dt − L q(t), , t dt = 0 . (2.7.2)
t01 dt0 t1 dt
84 CAPı́TULO 2. PRINCÍPIO VARIACIONAL DE HAMILTON
n
X ∂L
C= (q̇i X − Ψi ) − LX (2.7.3)
i=1 ∂ q̇i
dt0 dt
= 1 + Ẋ , = (1 + Ẋ)−1 = 1 − Ẋ , (2.7.4)
dt dt0
onde
Z t2 Z t2
δS = L(q + Ψ, q̇ + ξ, t + X)(1 + Ẋ)dt − L(q, q̇, t)dt
t1 t1
( n )
Z t2 Xh ∂L ∂L i ∂L
= Ψi + ξi + X + LẊ dt = 0 (2.7.7)
t1 i=1 ∂qi ∂ q̇i ∂t
n
" #
X ∂L ∂L ∂L
Ψi + (Ψ̇i − q̇i Ẋ) + LẊ + X=0 , (2.7.8)
i=1 ∂qi ∂ q̇i ∂t
2.7. TEOREMA DE NOETHER 85
n
" #
X d ∂L ∂L dh
Ψi + Ψ̇i − hẊ − X = 0 (2.7.9)
i=1 dt ∂ q̇i ∂ q̇i dt
ou, equivalentemente,
n
( )
d X ∂L
(q̇i X − Ψi ) − LX =0 , (2.7.10)
dt i=1 ∂ q̇i
Segundo o Teorema 2.3.1, lagrangianas que só diferem pela derivada total em relação
ao tempo de uma função arbitrária das coordenadas generalizadas e do tempo conduzem
exatamente às mesmas equações de movimento. O teorema de Noether admite uma gener-
alização importante que reflete esta propriedade das lagrangianas equivalentes. Suponha
que a integral de ação seja quase-invariante sob a transformação infinitesimal (2.7.1), isto
é, imagine que exista uma função G(q, t) tal que
t02 dq 0 (t0 ) 0 0 Z t2
( )
Z
0 0 dq(t) d
δS = L q (t ), 0
, t dt − L q(t), , t + G(q(t), t) dt = 0 . (2.7.11)
t01 dt t1 dt dt
n
" #
X ∂L ∂L ∂L
Ψi + (Ψ̇i − q̇i Ẋ) + LẊ + X = Ġ (2.7.12)
i=1 ∂qi ∂ q̇i ∂t
n
X ∂L
C̄ = (q̇i X − Ψi ) − LX + G . (2.7.13)
i=1 ∂ q̇i
86 CAPı́TULO 2. PRINCÍPIO VARIACIONAL DE HAMILTON
n
X ∂L
h= q̇i − L = constante , (2.7.14)
i=1
∂ q̇i
3N N
X ∂L X ∂L
− Ψk ≡ − · (n̂ × ri ) = constante ,
k=1
∂ q̇k i=1
∂ ṙi
ou seja,
N
X
n̂ · ri × pi = constante ,
i=1
Exemplo 2.7.3. (Lemos 1993) Considere um oscilador harmônico amortecido, cuja equação
de movimento pode ser obtida da lagrangiana (Problema 1.14)
!
m 2 mω 2 2
L = eλt ẋ − x . (2.7.15)
2 2
Mostre que a ação é invariante sob a transformação finita (α é uma constante arbitrária)
2.7. TEOREMA DE NOETHER 87
e deduza que
!
λt m 2 mω 2 2 mλ
C=e ẋ + x + xẋ (2.7.17)
2 2 2
é constante de movimento.
Solução. Note que (2.7.16) consiste numa translação temporal acompanhada de uma di-
latação espacial. Temos
t02
( )
m dx0 2 mω 2 0 2 t2 +α m mω 2 2 0
Z Z
0 λt0
S = e − x dt0 = eλt eλα e−λα ẋ2 − x dt =
t01 2 dt0 2 t1 +α 2 2
t2 m mω 2 2
Z
= eλt ẋ2 − x dt = S , (2.7.18)
t1 2 2
α
t0 = t + , x0 (t0 ) = x(t) − x(t) , (2.7.19)
2
α
X=1 , Ψ=− x . (2.7.20)
2
Exercı́cio 2.7.3. (i) Usando (2.7.15) e (2.7.20), demonstre a invariância da ação verificando
que a condição de Noether (2.7.8) é satisfeita. (ii) Utilizando a equação de movimento do oscilador
harmônico amortecido, prove diretamente que a quantidade C definida por (2.7.17) é constante
de movimento.
Como vimos neste capı́tulo, a formulação de uma lei fı́sica na forma de um princı́pio
variacional oferece importantes vantagens. Em primeiro lugar, torna manifesta a in-
variância da referida lei sob transformações arbitrárias de coordenadas porque os princı́pios
88 CAPı́TULO 2. PRINCÍPIO VARIACIONAL DE HAMILTON
Por outro lado, os princı́pios variacionais parecem contrabandear para a Fı́sica a noção
de propósito ou finalidade, dotando os sistemas mecânicos de caracterı́sticas antropomór-
ficas. Será que uma partı́cula de algum modo sonda todas as trajetórias possı́veis antes
de se decidir por aquela que dá a menor ação? Por suscitar questões dessa natureza,
os princı́pios variacionais, desde sua introdução na mecânica, vêm exercendo um grande
fascı́nio sobre cientistas e filósofos. Até mesmo um fı́sico da estatura de Max Planck chegou
a advogar uma interpretação teleológica para o princı́pio da mı́nima ação e invocá-lo como
argumento para a existência do Ser Supremo. O leitor inclinado a especulações metafı́sicas
é remetido a Yourgrau & Mandelstam (1968) para uma estimulante discussão crı́tica dessas
idéias e das implicações filosóficas dos princı́pios variacionais.
CAPÍTULO 2: PROBLEMAS 89
PROBLEMAS
2.1. Determine as geodésicas de um cone com ângulo de abertura 2α. Descreva a forma
da curva geodésica no caso em que seu ponto inicial é o vértice do cone, tomado como
origem do sistema de coordenadas.
2.2. Uma partı́cula move-se num plano vertical sob um campo gravitacional constante.
Mostre que existe uma única solução rf (t) da equação de movimento com as condições
de contorno r(0) = 0 , r(T ) = r0 . Seja agora r(t) = rf (t) + η(t), com η(T ) = η(0) = 0,
uma outra trajetória qualquer obedecendo às mesmas condições de contorno. Fazendo
uma integração por partes e usando a equação de movimento satisfeita por rf (t), mostre
RT
que a ação associada à trajetória r(t) é dada por S[r] = S[rf ] + (m/2) 0
|η̇|2 dt e daı́
conclua que a ação é mı́nima para a trajetória fı́sica.
y 0 2 dx com y(0) = 0 e
R1
2.3. Considere o problema de determinar o mı́nimo de J[y] = 0
Z x2
J[y] = F (y1 (x), . . . , yn (x), y10 (x), . . . yn0 (x), x) dx
x1
Z x2
fi (y1 (x), . . . , yn (x), y10 (x), . . . yn0 (x), x) dx = `i , i = 1, . . . , m ,
x1
Z x2 m
¯ =
X
J[y] F+ λi fi dx ,
x1 i=1
90 CAPÍTULO 2: PROBLEMAS
onde os multiplicadores de Lagrange λi são constantes. Use este resultado para determinar
a forma de um cabo de comprimento ` , flexı́vel, inextensı́vel e homogêneo, que pende de
dois postes verticais. Levando em conta que a posição de equilı́brio do cabo é aquela em
que sua energia potencial gravitacional é mı́nima, mostre que o cabo toma a forma da
R √ R √
curva que minimiza E[y] = ab y 1 + y 0 2 dx com a condição ab 1 + y 0 2 dx = ` , e mostre
que a solução é uma catenária.
2.5. Mostre que as equações de Lagrange podem ser escritas na forma explı́cita
n n
X ∂2L X ∂2L ∂2L ∂L
q̈j + q̇j + − =0 .
j=1 ∂ q̇j ∂ q̇i j=1 ∂qj ∂ q̇i ∂t∂ q̇i ∂qi
Prove que duas lagrangianas L̄(q, q̇, t) e L(q, q̇, t) geram equações de movimento idênticas
se e somente se elas diferem pela derivada total em relação ao tempo de uma função
arbitrária das coordenadas generalizadas e do tempo. Você deverá necessitar do resultado
contido no Apêndice D.
2.6. Considere a máquina de Atwood oscilante do Problema 1.5 no caso especial M = 3m.
Prove diretamente que a quantidade
" #
2 θ rθ̇ θ θ θ
I(r, ṙ, θ, θ̇) = r θ̇ ṙ cos − sen + gr2 sen cos2
2 2 2 2 2
2.7. Uma partı́cula move-se no potencial gravitacional produzido pelas seguintes dis-
tribuições de massa homogêneas: (i) esfera de raio R; (ii) paralelepı́pedo infinitamente
longo com seção transversal quadrada; (iii) haste de comprimento `; (iv) disco de raio R;
(v) cilindro infinitamente longo com seção transversal circular; (vi) plano infinito; (vii)
plano semi-infinito; (viii) fio enrolado na forma de uma hélice infinita de raio R e passo
p. Quais são as componentes de P e L que se conservam em cada caso?
2.8. Uma partı́cula de massa unitária move-se ao longo de uma linha reta sujeita à força
não-conservativa F = −γ ẋ2 , com γ constante. (i) Mostre que a equação de movimento da
partı́cula pode ser obtida da lagrangiana L = e2γx ẋ2 /2. (ii) Mostre que a integral de Jacobi
h associada a esta lagrangiana é equivalente a ẋeγx = C1 , onde C1 é uma constante. (iii)
CAPÍTULO 2: PROBLEMAS 91
1
x(t) = A + ln(B + γt)
γ
2.9. O sistema representado na Fig. 2.7.1 é tal que a massa m2 se move sem atrito sobre
a mesa horizontal e a massa m1 só pode movimentar-se verticalmente. Use o método
dos multiplicadores de Lagrange para provar que a tensão no fio inextensı́vel que une as
partı́culas é dada por
p2
" #
m1 m2
T = g + 2θ 3 ,
m1 + m2 m2 r
L(q, q̇, q̈, t) , mostre que o princı́pio de Hamilton, com variação nula de qi e q̇i nos extremos
temporais, dá lugar às equações de Lagrange
d2 ∂L d ∂L ∂L
− + =0 .
dt2 ∂ q̈i dt ∂ q̇i ∂qi
Estenda este resultado para lagrangianas contendo derivadas de terceira ordem das co-
ordenadas generalizadas. (ii) Mostre que a lagrangiana L = −mq q̈/2 − kq 2 /2 gera a
equação de movimento de um oscilador harmônico. Prove que esta lagrangiana difere da
lagrangiana usual de um oscilador harmônico por uma derivada total em relação ao tempo.
!
2ẋ + λx 2ẋ + λx 1
L= tan−1 − ln(ẋ2 + λxẋ + ω 2 x2 )
2Ωx 2Ωx 2
!
−1 2ẋ + λx
− tan − Ωt = δ ,
2Ωx
onde δ é uma constante. Conjugue este resultado com a constante de movimento (2.7.17)
para obter por meios puramente algébricos (Lemos 1993)
2.13. O campo eletromagnético é invariante sob uma transformação de calibre dos po-
tenciais definida por
1 ∂Λ
A → A0 = A + ∇Λ , φ → φ0 = φ − ,
c ∂t
onde Λ(r, t) é uma função diferenciável arbitrária. De que maneira a lagrangiana (1.8.11)
é afetada por esta transformação? As equações de movimento são alteradas?
m 2
L= (ẋ + ẏ 2 ) − (αx + βy) ,
2
x → x0 = x + β , y → y 0 = y − α .
A = m(β ẋ − αẏ)
x̄ = αx + βy , ȳ = βx − αy ,
mostre que uma das novas coordenadas não aparece na lagrangiana expressa em termos
de x̄, ȳ, x̄˙ , ȳ˙ . Prove que a quantidade A do item (i) é proporcional ao momento conjugado
a essa coordenada cı́clica e interprete geometricamente todo o procedimento realizado.
94 CAPÍTULO 2: PROBLEMAS
2.15. Uma partı́cula de massa m e carga elétrica e move-se num campo magnético
uniforme B = B k̂, cujo potencial vetor é A(r) = B × r/2. (i) Mostre que as equações de
Lagrange para a partı́cula equivalem a v̇ = −ω × v e determine ω em termos de B. (ii)
Exprima a lagrangiana em coordenadas cilı́ndricas (ρ, ϕ, z) e mostre que, embora ϕ seja
coordenada cı́clica, a componente Lz = mρ2 ϕ̇ do momento angular não é conservada.
Explique.
2.16. Seja qk uma coordenada cı́clica da lagrangiana L(q, q̇, t), de modo que o momento
conjugado pk é constante de movimento. Se L for substituı́da por L̄ = L + dF (q, t)/dt
com ∂ 2 F/∂qk2 =6 0, qk não será coordenada cı́clica de L̄ e o momento conjugado não
se conservará. Mas sabemos que L̄ e L produzem as mesmas equações de movimento.
Resolva o aparente paradoxo: como é possı́vel que as mesmas equações de movimento
impliquem tanto conservação quanto não conservação? Escolhendo F = q 2 , discuta o caso
da partı́cula livre unidimensional com L = q̇ 2 /2.
2.17. Reconsidere o Problema 1.12 pela técnica dos multiplicadores de Lagrange e deter-
mine a força de vı́nculo sobre o bloco de massa m.
2.18. Mostre que a lagrangiana do Problema 1.7 é quase-invariante sob uma translação
infinitesimal x0 = x + e encontre a constante de movimento correspondente via teorema
de Noether. Usando a equação de movimento do sistema, verifique diretamente que a
quantidade obtida pelo teorema de Noether é de fato constante de movimento.
r
A = p × L − mκ
r
CINEMÁTICA DA ROTAÇÃO
For a physicist mathematics is not just a tool by means of which phenomena can be
calculated, it is the main source of concepts and principles by means of which new
theories can be created.
Freeman Dyson
Um corpo rı́gido possui, em geral, seis graus de liberdade. Obviamente, três desses
graus de liberdade correspondem às translações do corpo como um todo, ao passo que os
outros três graus de liberdade descrevem as diferentes orientações do corpo relativamente a
um sistema de eixos fixos no espaço. Um modo simples de especificar a orientação do corpo
rı́gido consiste em estabelecer um sistema cartesiano fixo no corpo, isto é, que acompanha
os seus movimentos, e considerar os ângulos que os eixos atados ao corpo formam com
eixos paralelos aos que permanecem fixos no espaço (representados por linhas tracejadas
na Fig. 3.1.1).
96
3.1. TRANSFORMAÇÕES ORTOGONAIS 97
Figura 3.1.1: Sistemas de eixos fixos no espaço (x1 x2 x3 ) e solidários ao corpo rı́gido
(x01 x02 x03 ).
3
X
g = g1 ê1 + g2 ê2 + g3 ê3 = gj êj , (3.1.1a)
j=1
3
g = g10 ê01 + g20 ê02 + g30 ê03 = gj ê0j .
X
(3.1.1b)
j=1
3 3
gi0 = ê0i · g = gj ê0i · êj ≡
X X
aij gj , i = 1, 2, 3 , (3.1.2)
j=1 j=1
onde
aij = ê0i · êj = cosseno do ângulo entre os eixos x0i e xj . (3.1.3)
Figura 3.1.2:
As nove grandezas aij não podem ser mutuamente independentes, pois bastam três
quantidades para definir a orientação de Σ0 relativamente a Σ. Para obter as condições a
que os cossenos diretores devem estar sujeitos, basta levar em conta que o módulo de um
vetor não depende da particular base em que ele é decomposto:
3 3
gi0 gi0
X X
g·g = = gi gi . (3.1.4)
i=1 i=1
3 3 X
3 3 3 3
gi0 gi0 =
X X X X X
( aij gj )( aik gk ) = ( aij aik )gj gk . (3.1.5)
i=1 i=1 j=1 k=1 k,j=1 i=1
3 3
g12 + g22 + g32 ≡
X X
gi gi = δjk gj gk . (3.1.7)
i=1 k,j=1
3
X
aij aik = δjk . (3.1.7)
i=1
Estas são as condições obedecidas pelos nove cossenos diretores, mostrando que nem todos
eles são independentes.
Equaçõesdeste tipo podem ser tornadas muito mais concisas por meio da notaçãomatricial.
Definindo as matrizes1
g10
g1 a11 a12 a13
0
g Σ = g2 , g Σ0 = g2 , A = (aij ) = a21 a22 a23 , (3.1.9)
g Σ0 = A g Σ . (3.1.10)
Por outro lado, notando que aij = (AT )ji , onde AT denota a transposta de A, e con-
siderando a definição de produto de matrizes, a Eq.(3.1.7) é equivalente a
AT A = I , (3.1.11)
onde
1 0 0
I = (δjk ) = 0 1 0 (3.1.12)
0 0 1
1
Neste capı́tulo usaremos letras maiúsculas caligráficas em negrito, tais como A, para representar
matrizes quadradas. Quando escrito na forma de matriz-coluna, um vetor será representado por uma
letra minúscula em negrito com um subscrito indicando a base em que ele está expresso, tal como g Σ .
100 CAPı́TULO 3. CINEMÁTICA DA ROTAÇÃO
é a matriz identidade 3 × 3.
3
aji gj0
X
gi = (3.1.13)
j=1
3
X
aji aki = δjk . (3.1.14)
i=1
AAT = I . (3.1.15)
3 3
ê0j = alj ê0l .
X X
ajl êl , êj = (3.1.16)
l=1 l=1
As bases {ê1 , ê2 , ê3 } e {ê01 , ê02 , ê03 } são compostas por vetores unitários e mutuamente ortogonais,
logo valem as equações
A−1 = AT . (3.1.18)
Qualquer matriz que obedeça a esta última equação é dita uma matriz ortogonal, e a
transformação linear associada (3.1.2) é chamada de transformação ortogonal.
2
Para matrizes finitas as Eq.(3.1.11) e (3.1.15) são equivalentes, isto é, uma é verdadeira se e somente
se a outra é verdadeira (vide o Apêndice C). Esta propriedade não se estende a matrizes infinitas.
3.1. TRANSFORMAÇÕES ORTOGONAIS 101
Exemplo 3.1.1 (Rotações no plano). Neste caso bidimensional (Fig. 3.1.3) temos
!
cos φ sen φ
A= , (3.1.20)
− sen φ cos φ
A matriz de transformação A pode ser encarada como uma transformação linear que,
conforme a Eq.(3.1.10), age sobre as componentes de um vetor em Σ e as transforma nas
componentes do mesmo vetor em Σ0 . Esta interpretação da Eq.(3.1.10), em que o vetor
permanece o mesmo e o que muda é o sistema de coordenadas, é denominada ponto de vista
passivo. Alternativamente, A pode ser encarado como um operador que transforma o vetor
g num outro vetor g 0 , ambos considerados expressos no mesmo sistema de coordenadas.
Esta forma de interpretar a transformação executada pela matriz A é conhecida como
ponto de vista ativo, e em muitas ocasiões, como veremos, revela-se mais conveniente
do que o ponto da vista passivo. Naturalmente, a operação especı́fica representada por
102 CAPı́TULO 3. CINEMÁTICA DA ROTAÇÃO
A dependerá da interpretação adotada. Assim, por exemplo, uma rotação dos eixos
coordenados mantendo o vetor fixo faz o mesmo efeito que manter os eixos fixos e girar o
vetor do mesmo ângulo, porém no sentido contrário. No Exemplo 3.1.1, se A representa
uma rotação anti-horária de um ângulo φ dos eixos coordenados, ela corresponderá a uma
rotação horária do mesmo ângulo φ aplicada ao vetor, e vice-versa.
gi0 =
X
bij gj , (3.1.21)
j
Conseqüentemente,
gk00 =
X X X X
aki bij gj = ( aki bij ) gj ≡ ckj gj , (3.1.23)
ij j i j
X
ckj = aki bij (3.1.24)
i
são os elementos da matriz C que realiza a transformação direta de Σ para Σ00 . De acordo
com a definição de produto de matrizes, a Eq.(3.1.24) é equivalente a
C = AB . (3.1.25)
É imprescindı́vel observar a ordem dos fatores nesta última equação, uma vez que o produto
de matrizes não é comutativo. É intuitivamente claro que duas rotações sucessivas são
equivalentes a uma única rotação, de sorte que, se A e B são matrizes ortogonais, seu
produto também tem que ser ortogonal. Para provar que C é ortogonal, basta mostrar
que C satisfaz (3.1.15), por exemplo. Como primeiro passo, note que
3.2. DESLOCAMENTOS POSSı́VEIS DE UM CORPO Rı́GIDO 103
CC T = AB(AB)T = ABBT AT ,
CC T = AIAT = AAT = I ,
A primeira propriedade já foi demonstrada, a segunda é satisfeita porque o produto de ma-
trizes é associativo, e a terceira é obviamente verdadeira. A quarta propriedade é a única
que ainda requer prova. Mas para qualquer matriz ortogonal a única inversa simplesmente
coincide com a transposta, e verifica-se imediatamente que a transposta de uma matriz or-
togonal é também uma matriz ortogonal porque podemos escrever (AT )T AT = AAT = I.
O determinante de uma matriz ortogonal só pode assumir certos valores restritos. De
fato, tomando o determinante de (3.1.15) resulta
104 CAPı́TULO 3. CINEMÁTICA DA ROTAÇÃO
−1 0 0
I = −I = 0 −1
0
. (3.2.2)
0 0 −1
Teorema 3.2.1 (Euler). O deslocamento mais geral de um corpo rı́gido com um ponto
fixo é uma rotação em torno de algum eixo.
An = n (3.2.4)
ou, equivalentemente,
(A − I) n = 0 . (3.2.5)
det(A − I) = 0 . (3.2.6)
deduz-se
D
(a) Rotação dos eixos (x, y, z) em torno do eixo z do ângulo φ : (x, y, z) −→ (ξ, η, ζ).
cos φ sen φ 0
D = − sen φ cos φ 0 . (3.3.1)
0 0 1
C
(b) Rotação dos eixos (ξ, η, ζ) em torno do eixo ξ do ângulo θ : (ξ, η, ζ) −→ (ξ 0 , η 0 , ζ 0 ).
ξ0 = ξ ,
η 0 = η cos θ + ζ sen θ ,
ζ 0 = −η sen θ + ζ cos θ ,
donde
1 0 0
C=
0 cos θ sen θ
. (3.3.2)
0 − sen θ cos θ
A matriz B representa uma rotação em torno do terceiro eixo, portanto tem a mesma
forma que D:
cos ψ sen ψ 0
− sen ψ cos ψ 0 .
B= (3.3.3)
0 0 1
cos ψ cos φ − cos θ senφ sen ψ cos ψ sen φ + cos θ cos φ sen ψ sen ψ sen θ
AE = − sen ψ cos φ − cos θ senφ cos ψ − sen ψ sen φ + cos θ cos φ cos ψ cos ψ sen θ .
sen θ senφ − sen θ cos φ cos θ
(3.3.4)
0 ≤ φ ≤ 2π , 0 ≤ θ ≤ π , 0 ≤ ψ ≤ 2π . (3.3.6)
g 0 = g + dΩ × g (3.4.1)
onde
dΩ = dΦ n̂ . (3.4.2)
g 0 = g + dΩ1 × g (3.4.3)
g 00 = g 0 + dΩ2 × g 0 , (3.4.4)
g 00 = g + dΩ12 × g , (3.4.5)
com
Este último resultado prova que rotações infinitesimais são comutativas (dΩ12 = dΩ21 )
em decorrência da comutatividade da soma de vetores. Além disso, o vetor associado a
rotações infinitesimais sucessivas é a soma dos vetores associados às rotações infinitesimais
individuais, propriedade que será de grande valia para os desenvolvimentos subseqüentes.
g 0 Σ = A g Σ = (I + ε) g Σ , (3.4.7)
110 CAPı́TULO 3. CINEMÁTICA DA ROTAÇÃO
A1 A2 = (I + ε1 )(I + ε2 ) = I + ε1 + ε2 = I + ε2 + ε1 = A2 A1 . (3.4.8)
Por outro lado, como A = I + ε representa uma rotação, A deve ser matriz ortogonal.
Logo
Uma matriz ε que obedece à equação(3.4.9) é dita anti-simétrica. Em termos dos elementos
ij de ε a Eq.(3.4.9) equivale a ij = −ji . Portanto, a forma mais geral possı́vel da matriz
ε é
0 α β
ε = −α 0 γ
. (3.4.10)
−β −γ 0
Exigindo que as componentes de (3.4.7) sejam idênticas às de (3.4.1) obtém-se facilmente
0 −dΩ3 dΩ2
dΩ3
ε= 0 −dΩ1
. (3.4.11)
−dΩ2 dΩ1 0
Embora, como acabamos de ver, seja possı́vel associar um vetor a cada rotação infinitesimal
de tal modo que o vetor associado a duas rotações sucessivas seja a soma dos vetores
associados às rotações individuais, tal correspondência não é possı́vel para rotações finitas.3
fixos no corpo, mas não será nula relativamente ao sistema inercial de eixos em relação
ao qual o corpo encontra-se em rotação. Considere um intervalo de tempo infinitesimal dt
durante o qual um vetor arbitrário g varia. Intuitivamente, podemos escrever
pois a diferença entre os dois sistemas deve-se exclusivamente à rotação do corpo. Mas
(dg)rot é conseqüência de uma rotação infinitesimal de g juntamente com os eixos fixos no
corpo, isto é,
(dg)rot = dΩ × g , (3.4.13)
! !
dg dg
= + ω×g , (3.4.14)
dt inercial
dt corpo
onde
dΩ dΦ
ω= = n̂ (3.4.15)
dt dt
A importante equação (3.4.14) pode ser deduzida de uma maneira mais rigorosa, que
possui a virtude adicional de tornar mais claro o significado de cada um dos seus termos.
Sejam {êi }3i=1 os vetores unitários do sistema cartesiano inercial e {ê0 }3i=1 os unitários do
sistema cartesiano atado ao corpo rı́gido. Podemos escrever
3 3
gi0 ê0i .
X X
g= gi êi = (3.4.16)
i=1 i=1
Para um observador inercial os êi são constantes no tempo, mas os ê0i variam com o tempo
porque giram juntamente com o corpo. Há, portanto, dois modos distintos de calcular
(dg/dt)inercial , a saber,
112 CAPı́TULO 3. CINEMÁTICA DA ROTAÇÃO
3
!
dg X dgi
= êi , (3.4.17a)
dt inercial i=1 dt
3 3
dgi0 dê0i
!
dg
ê0i gi0
X X
= + . (3.4.17b)
dt inercial i=1 dt i=1 dt
3
dgi0
!
dg
ê0i .
X
= (3.4.18)
dt corpo i=1 dt
Esta última definição é perfeitamente natural visto que, para um observador montado
no corpo rı́gido, os vetores unitários ê0i são constantes. Mas, no intervalo de tempo dt
o sistema móvel de eixos sofre uma rotação infinitesimal, o mesmo ocorrendo com cada
unitário êi , isto é,
onde usamos (3.4.13) com g = ê0i . Substituindo (3.4.18) e (3.4.19) em (3.4.17b) resulta
3 3
! ! !
dg dg dg
gi0 ê0i gi0 ê0i ,
X X
= + ω× = + ω×
dt inercial
dt corpo i=1 dt corpo i=1
A igualdade (3.4.14) é válida qualquer que seja o vetor g. Isto permite interpretá-la
não apenas como uma mera igualdade de vetores, mas como refletindo uma equivalência
entre operadores lineares que atuam sobre vetores. Esta igualdade entre operadores pode
ser convenientemente expressa na forma simbólica
! !
d d
= + ω× . (3.4.20)
dt inercial
dt corpo
3.4. ROTAÇÕES INFINITESIMAIS E VELOCIDADE ANGULAR 113
Figura 3.4.1: Sistemas de coordenadas fixos em dois pontos distintos de um corpo rı́gido.
Exercı́cio 3.4.1. Mostre que (d/dt)inercial = (d/dt)corpo quando atuando sobre um escalar.
Sugestão: considere o escalar s = g · h.
! ! ! !
dr dR1 dr1 dR1
= + = + ω 1 × r1 (3.4.21)
dt Σ
dt Σ
dt Σ
dt Σ
e, analogamente,
! !
dr dR2
= + ω 2 × r2 , (3.4.22)
dt Σ
dt Σ
porque, sendo P um ponto do corpo, r1 e r2 são vetores constantes do ponto de vista dos
sistemas de coordenadas Σ01 e Σ02 . Pondo R = R2 − R1 , de (3.4.21) e (3.4.22) deduz-se
!
dR
= ω 1 × r1 − ω 2 × r2 . (3.4.23)
dt Σ
114 CAPı́TULO 3. CINEMÁTICA DA ROTAÇÃO
! !
dR dR
= + ω1 × R = ω1 × R , (3.4.24)
dt Σ
dt Σ01
ω 1 × R = ω 1 × r1 − ω 2 × r2 (3.4.25)
(ω 2 − ω 1 ) × r2 = 0 . (3.4.26)
ω = ωφ + ωθ + ωψ (3.4.27)
(ωφ )x0 0 φ̇ sen θ sen ψ
(ωφ )y0 = AE 0 = φ̇ sen θ cos ψ . (3.4.28)
Fixando agora φ e ψ , a linha nodal torna-se fixa no espaço e no corpo, logo é o eixo de
rotação. Conseqüentemente, ω θ é um vetor que só possui a componente θ̇ paralela ao
eixo ξ 0 , de modo que
(ωθ )x0 θ̇ θ̇ cos ψ
(ωθ )y = B 0 = −θ̇ sen ψ . (3.4.29)
0
(ωθ )z0 0 0
Finalmente, com θ e φ fixos o eixo z 0 , que é fixo no corpo, torna-se fixo no espaço.
Logo, z 0 é o eixo de rotação e ω ψ é um vetor com componente ψ̇ ao longo eixo z 0 , não
sendo necessário aplicar-lhe qualquer matriz de transformação. Reunindo as componentes
correspondentes chega-se ao resultado final
ωz0 = ψ̇ + φ̇ cos θ .
ωz = φ̇ + ψ̇ cos θ
onde
0 0 0 0 0 1 0 −1 0
J 1 = 0 0 −1 , J 2 = 0 0 0 , J 3 = 1
0 0
. (3.5.2)
0 1 0 −1 0 0 0 0 0
[J i , J j ] = J k , (3.5.3a)
3
X
[J i , J j ] = ijk J k , (3.5.3b)
k=1
α N
n̂ · J g = eαn̂·J g .
g 0 = lim I + (3.5.4)
N →∞ N
Assim, demonstramos que uma rotação finita exprime-se em termos da função exponencial
4
A rigor, as matrizes J i constituem uma representação particular dos geradores do grupo de rotações.
5
Sentido anti-horário e ponto de vista ativo.
3.6. DINÂMICA EM REFERENCIAIS NÃO-INERCIAIS 117
∞
A2 A3 Ak
eA = I + A +
X
+ + ··· = , (3.5.5)
2! 3! k=0 k!
onde A e suas potências são matrizes n×n . A série (3.5.5) é sempre convergente (Courant
& Hilbert 1953).
d2 r
!
m =F , (3.6.1)
dt2 Σ
! !
dr dr
vin ≡ = +ω×r≡v+ω×r , (3.6.2)
dt Σ
dt Σ0
118 CAPı́TULO 3. CINEMÁTICA DA ROTAÇÃO
d2 r
! ! ! !
dvin dvin dv dω
= = + ω × vin = + × r + 2ω × v + ω × (ω × r) .
dt2 Σ
dt Σ
dt Σ0
dt Σ0
dt
(3.6.3)
A Eq.(3.4.14) com g = ω mostra que a aceleração angular é a mesma nos dois referenciais,
daı́ a desnecessidade de subscrito em dω/dt nesta última equação. Denotando por a =
(dv/dt)Σ0 a aceleração da partı́cula no referencial girante e usando (3.6.1), obtém-se,
finalmente, a equação de movimento da partı́cula no sistema de referência girante:
dω
ma = F + 2mv × ω + mω × (r × ω) + mr × . (3.6.4)
dt
dω
ma = F − mao0 + 2mv × ω + mω × (r × ω) + mr × , (3.6.5)
dt
Como uma das aplicações mais importantes dos desenvolvimentos anteriores, considere
o movimento de uma partı́cula nas imediações da superfı́cie da Terra. Será conveniente
introduzir o sistema de eixos que acompanha a rotação da Terra indicado na Fig. 3.6.2. O
eixo z é vertical, isto é, ortogonal à superfı́cie da Terra; o eixo x é tangente ao meridiano
apontando para o sul; o eixo y é tangente ao paralelo apontando para o leste. A latitude
do local da superfı́cie da Terra escolhido como origem do sistema cartesiano xyz é λ.
Tomando a origem do sistema inercial Σ no centro da Terra, o vetor posição da origem
do sistema girante é R = Rk̂, onde R é raio da Terra. Portanto, R é um vetor constante
no referencial girante atado à superfı́cie da Terra, e o uso repetido da Eq.(3.4.14) fornece
imediatamente
d2 R
!
ao0 = m = ω × (ω × R) , (3.6.6)
dt2 Σ
ma = T + mg + mω × (R × ω) + 2mv × ω + mω × (r × ω) , (3.6.7)
onde tomamos F = mg + T, com T denotando qualquer força adicional ao peso que esteja
agindo sobre a partı́cula. A Eq.(3.6.6) pode ser escrita na forma
onde
gef = g + ω × (R × ω) (3.6.9)
T + mgef = 0 , (3.6.10)
ou seja, a direção do fio é determinada pelo vetor aceleração da gravidade efetiva. O vetor
gef não aponta exatamente na direção do centro da Terra. No sistema de coordenadas da
Fig. 3.6.2 temos g = −g k̂ e ω = −ω cos λ î + ω sen λ k̂, donde
2π
ω= ≈ 7, 3 × 10−5 s−1
24 × 3600 s
e, conseqüentemente,
que é cerca de 300 vezes menor do que a aceleração da gravidade. Este efeito centrı́fugo,
embora diminuto, não pode ser desprezado nos estudos da forma da Terra ou do movimento
de foguetes.
Exemplo 3.6.1. Um objeto cai de uma altura h a partir do repouso. Determinar a deflexão
transversal do objeto ao atingir o solo, provocada pela força de Coriolis.
O desvio, portanto, é no sentido oeste-leste. No hemisfério sul λ < 0 mas o sentido da deflexão é
o mesmo, pois cos(−λ) = cos λ. Na direção vertical a equação de movimento é aproximadamente
1
z̈ = −g =⇒ ż = −gt =⇒ z = h − gt2 , (3.6.13)
2
A rigor, só imediatamente após o inı́cio da queda o vetor velocidade v é vertical. À medida
que cai, a partı́cula adquire uma velocidade transversal que permanece sempre muito menor do
que a componente vertical porque a aceleração de Coriolis é muito menor do que a aceleração
da gravidade. Isto justifica aproximar v apenas por sua componente vertical durante todo o
movimento de queda livre, como fizemos na Eq.(3.6.14). Com as condiçõesiniciais y(0) = ẏ(0) = 0
122 CAPı́TULO 3. CINEMÁTICA DA ROTAÇÃO
resulta s
ωg 3 ω 8(h − z)3
y= t cos λ = cos λ . (3.6.15)
3 3 g
s
ω 8h3
∆y = cos λ . (3.6.16)
3 g
No equador, onde o efeito é máximo, para uma queda de uma altura h = 100m a deflexão é
∆y ≈ 2, 2cm. Apesar de o desvio ser mensurável a experiência é de difı́cil realização, pois é
preciso eliminar influências de ventos, resistência do ar, e outras que podem mascarar a deflexão
de Coriolis.
ma = T + mg + 2mv × ω , (3.6.17)
θ2
z = `(1 − cos θ) ≈ ` ,
2
de modo que
3.6. DINÂMICA EM REFERENCIAIS NÃO-INERCIAIS 123
z θ
≈ 1
ρ 2
T cos θ ≈ mg =⇒ T ≈ mg (3.6.18)
pois cos θ ≈ 1. A força de Coriolis é transversal ao plano de oscilação do pêndulo, o que faz com
que o pêndulo não oscile num plano fixo. As componentes horizontais de (3.6.17) são
T T
ẍ = − sen θ cos φ + 2ωz ẏ , ÿ = − sen θ sen φ − 2ωz ẋ , (3.6.19)
m m
com
ωz = ω sen λ . (3.6.20)
Mas
ρ
sen θ = , ρ cos φ = x , ρ sen φ = y , (3.6.21)
`
onde
r
g
ω0 = . (3.6.23)
`
Note que, para um pêndulo tı́pico com ` < 10m temos ω0 > 1 s−1 ωz . As equações de
movimento do pêndulo resolvem-se mais facilmente com a ajuda da variável complexa ζ(t) =
x(t) + iy(t), pois as equações (3.6.22) são as partes real e imaginária de
q
−p2 + 2ωz p + ω02 = 0 =⇒ p = ωz ± ωz2 + ω02 ≈ ωz ± ω0 . (3.6.25)
124 CAPı́TULO 3. CINEMÁTICA DA ROTAÇÃO
Adotando as condições iniciais x(0) = a, ẋ(0) = 0, y(0) = ẏ(0) = 0, de modo que o pêndulo
começa oscilando no plano xz, obtém-se
ω0 − ωz ω0
A+B =a , B= A≈ A=A =⇒ A = B = a/2 , (3.6.27)
ω0 + ωz ω0
donde
Portanto,
O ângulo ϕ que o plano de oscilação faz com o plano inicial de oscilação (plano xz) satisfaz
y
tan ϕ = = − tan ωz t =⇒ ϕ = −ωz t = −(ω sen λ)t . (3.6.30)
x
O plano de oscilação gira com velocidade angular ω sen λ em torno da vertical, o sentido, visto
de cima, sendo horário no hemisfério norte (λ > 0) e anti-horário no hemisfério sul (λ < 0). A
cada 24 horas o plano de oscilação gira de 2π sen λ. Na latitude do Rio de Janeiro (λ = −22o 540 )
o plano de oscilação do pêndulo gira de 140o por dia no sentido anti-horário. No pólo norte a
rotação é de 360o por dia e pode ser entendida da seguinte maneira: o plano de oscilação é fixo
num referencial inercial, mas a Terra gira de 360o por dia no sentido anti-horário embaixo do
pêndulo, de modo que para um observador na Terra o sentido de rotação do plano de oscilação
é horário. Como observação final, note que (3.6.29) mostra que a ordem de grandeza de ẋ e ẏ é
ω0 a porque ω0 ω > ωz . Por outro lado, a ordem de grandeza de |ω × (r × ω)| é ω 2 a. Portanto,
a razão entre o termo centrı́fugo e o termo de Coriolis em (3.6.7) é ω 2 a/2ω0 aω = ω/2ωo 1, o
que justifica a posteriori a aproximação feita ao se escrever (3.6.17).
CAPÍTULO 3: PROBLEMAS 125
PROBLEMAS
3.1. Em três dimensões existe uma correspondência biunı́voca entre vetores e matrizes
anti-simétricas reais, como, por exemplo, aquela estabelecida pela Eq.(3.4.11). (i) Prove
e que os autovalores da matriz anti-simétrica associada ao vetor n são zero e ±i|n| . (ii)
Se A é uma matriz real anti-simétrica, prove que as matrizes I ± A são não-singulares
e que a matriz B = (I + A)(I − A)−1 é ortogonal.
3.2. Exprima o vetor r0 obtido por reflexão do vetor r em relação a um plano cujo vetor
unitário normal é n̂ . Sem efetuar nenhum cálculo, usando apenas argumentos geométricos,
determine os autovalores e autovetores da matriz de transformação correspondente A . Se
n̂ = (n1 , n2 , n3 ), mostre que A tem elementos Aij = δij −2ni nj e é uma matriz ortogonal
imprópria.
cos nφ sen nφ 0
D n = − sen nφ cos nφ 0 .
0 0 1
3.4. Uma esfera de raio R rola sem deslizar sobre uma superfı́cie plana. Se (x, y, R)
são as coordenadas do centro da esfera, mostre que, em termos dos ângulos de Euler, as
condições de rolamento sem deslizamento são
3.6. A derivada de uma matriz é constituı́da pelas derivadas de seus elementos. (i)
Se A é uma matriz ortogonal dependente do tempo, prove, tomando como ponto de
partida a identidade AAT = AT A = I , que a matriz AT dA/dt é anti-simétrica. (ii)
Se r0 é um vetor fixo num corpo rı́gido em rotação e r(t) é o mesmo vetor visto de
um referencial inercial, a relação entre as componentes correspondentes, em linguagem
126 CAPÍTULO 3: PROBLEMAS
matricial, é r(t) = A(t) r0 . Pelo item anterior, e levando em conta o Problema 3.1, prove
que existe um vetor ω tal que, para o observador inercial, dr/dt = ω × r .
3.6. Qualquer matriz ortogonal própria A corresponde a uma rotação de um certo ângulo
Φ em torno de uma certa direção. O eixo de rotação é determinado pelo autovetor de A
com autovalor 1. Se escolhermos as coordenadas de tal modo que o eixo z coincida com
o referido autovetor, a matriz A terá a forma (3.3.1). Considerando que o traço de uma
matriz é independente do sistema de coordenadas, prove que o ângulo de rotação é dado
por cos Φ = (tr A − 1)/2 .
3.7. O deslocamento linear de um corpo pode ser representado por um vetor, e a ve-
locidade linear é a derivada do vetor posição em relação ao tempo. O vetor velocidade
angular, no entanto, não é, em geral, a derivada temporal de um vetor deslocamento an-
gular. Para provar isso, suponha que exista um vetor cujas componentes Λx , Λy , Λz sejam
funções dos ângulos de Euler tais que as respectivas derivadas temporais coincidam com
as componentes correspondentes da velocidade angular, isto é,
Usando (3.4.31), prove que não existe nenhum vetor (Λx , Λy , Λz ) que satisfaça as equações
acima.
3.8. Seja P uma matriz de rotação de 180o em torno de um eixo arbitrário. (ii) Determine
P 2 sem cálculos, refletindo sobre o seu significado. (ii) Sendo A = (I + P)/2 e B =
(I − P)/2 , prove que A2 = A e B2 = B . (iii) Mostre que as matrizes A e B são
singulares e calcule o seu produto.
3.10. Uma partı́cula é disparada verticalmente com velocidade inicial v0 , atinge uma
altura máxima e retorna ao solo. Mostre que a deflexão provocada pela força de Coriolis,
CAPÍTULO 3: PROBLEMAS 127
quando ela atinge novamente o chão, tem sentido oposto e é quatro vezes maior do que o
desvio produzido quando a partı́cula é largada em repouso da mesma altura máxima.
3.11. Já se sugeriu que os pássaros podem determinar sua latitude pela força de Coriolis.
Calcule a força que um pássaro em vôo horizontal a 50km/h deve exercer contra a força
transversal de Coriolis para voar em linha reta. Exprima o resultado em função do peso
do pássaro e da latitude.
Capı́tulo 4
Agora que estamos de posse dos instrumentos cinemáticos necessários, podemos pro-
ceder ao exame de alguns problemas simples mas importantes da dinâmica do corpo rı́gido,
o que exige levar em conta as causas do movimento: forças e torques. Duas grandezas
fı́sicas essenciais ao estudo do movimento de um corpo rı́gido são o momento angular e a
energia cinética, que passamos a considerar em detalhe.
dP
=F , (4.1.1)
dt
dL
=N , (4.1.2)
dt
onde F é a força resultante e N é o torque total, ao passo que P e L são o momento linear
128
4.1. MOMENTO ANGULAR E TENSOR DE INÉRCIA 129
total e o momento angular total, respectivamente. Como vimos na Seção 1.1, as equações
(4.1.1) e (4.1.2) são verdadeiras somente se as taxas de variação temporal são relativas a
um referencial inercial e se são obedecidas certas restrições quanto ao ponto em relação
ao qual o torque e o momento angular são calculados. Em particular, (4.1.2) vigora se o
ponto de referência para o cálculo de N e L é um ponto imóvel (conveniente no caso em
que o corpo rı́gido está limitado a girar em torno de um ponto fixo) ou é o centro de massa
do corpo.
N
X N
X
L= r k × pk = mk rk × vk , (4.1.3)
k=1 k=1
! !
drk drk
vk = = + ω × rk = ω × rk . (4.1.4)
dt Σ
dt Σ0
N N
mk [ rk2 ω − (rk · ω)rk ] ,
X X
L= mk rk × (ω × rk ) = (4.1.5)
k=1 k=1
N N X
3 N X
3
(k) (k) (k) (k)
mk rk2 ) ωi − mk [ rk2 δij − xi xj
X X X
Li = ( mk xj ωj xi = ] ωj , (4.1.6)
k=1 k=1 j=1 k=1 j=1
já que
3 3
X (k) X
rk · ω = xj ωj , ωi = δij ωj . (4.1.7)
j=1 j=1
Conseqüentemente,
3
X
Li = Iij ωj , (4.1.7)
j=1
onde
N
(k) (k)
mk [ rk2 δij − xi xj
X
Iij = ] . (4.1.8)
k=1
Na maior parte dos problemas envolvendo corpos rı́gidos é mais prático tratá-los como
corpos contı́nuos do que como sistemas discretos de partı́culas. A transição da repre-
sentação discreta para a contı́nua faz-se mediante a correspondência
N
X Z
rk −→ r , mk −→ ρdv . (4.1.9)
k=1 V
Z
Iij = [ r2 δij − xi xj ] ρ dv . (4.1.10)
V
4.2. INTERLÚDIO MATEMÁTICO: TENSORES E DIÁDICAS 131
N N
mk rk2 ) ω − (
X X
L=( mk rk rk ) · ω , (4.1.11)
k=1 k=1
onde a segunda soma envolve um produto tensorial ou produto diádico de vetores, cujo
significado e propriedades passamos a discutir.
(iv) A(B + C) = AB + AC .
1
O produto diádico é representado pela mera justaposição de dois vetores, sem indicação de produto
escalar nem de produto vetorial.
132 CAPı́TULO 4. DINÂMICA DO CORPO RÍGIDO
Por este motivo, uma notação bastante sugestiva para uma dı́ada é uma letra encimada
↔
por uma seta dupla, assim: T= AB.
↔
T= AB + CD + · · · . (4.2.5)
↔
T= T11 ê1 ê1 + T12 ê1 ê2 + T13 ê1 ê3 +
T31 ê3 ê1 + T32 ê3 ê2 + T33 ê3 ê3 , (4.2.6)
↔
onde T11 , . . . , T33 são nove números reais, chamados de componentes do tensor T na base
em questão. Claramente,
↔
Tij = êi · T ·êj , (4.2.7)
↔ ↔
não havendo necessidade de parênteses nesta última equação porque A·(T ·B) = (A· T)·B
(verifique!).
↔
O tensor unidade ou identidade, simbolizado por 1 , é definido por
2
Tendo em vista que neste capı́tulo não necessitaremos de tensores de ordem superior, sempre que não
houver perigo de confusão usaremos simplesmente “tensor” para nos referirmos a um tensor de segunda
ordem (vide o penúltimo parágrafo desta seção) .
4.2. INTERLÚDIO MATEMÁTICO: TENSORES E DIÁDICAS 133
↔
1= ê1 ê1 + ê2 ê2 + ê3 ê3 . (4.2.8)
↔
1 ·A = ê1 (ê1 · A) + ê2 (ê2 · A) + ê3 (ê3 · A) = A1 ê1 + A2 ê2 + A3 ê3 = A
↔ ↔
com idêntico resultado para A· 1 , o que justifica o nome dado a 1 . Evidentemente, as
↔
componentes de 1 na base ortonormal {ê1 , ê2 , ê3 } são
↔ ↔
êi · 1 ·êj = êi · ( 1 ·êj ) = êi · êj = δij ,
↔
A =T ·B (4.2.9a)
equivale a
3
X
Ai = Tij Bj . (4.2.9b)
j=1
↔ 3
X 3
X ↔
A =T ·( êj Bj ) = T ·êj Bj ,
j=1 j=1
donde
3
X ↔
Ai = êi · A = êi · T ·êj Bj ,
j=1
↔
O produto vetorial pela esquerda de um vetor A por um tensor T é um outro tensor
↔
A × T definido de modo natural por sua ação sobre um vetor arbitrário B :
↔ ↔
(A × T) · B = A × (T ·B) . (4.2.10)
Exercı́cio 4.2.1. Defina o produto vetorial pela direita do vetor A por uma dı́ada e, por
↔
linearidade, estenda a definição a uma diádica qualquer T. Mostre que vale a fórmula
↔ ↔
(T ×A) · B =T ·(A × B) (4.2.11)
Exemplo 4.2.1. Com o emprego de diádicas, exprima o operador de rotação numa forma
intrı́nseca, independente de qualquer sistema de coordenadas.
ê3 = n̂ , (4.2.12)
e escolhendo ê1 de modo que o vetor r pertença ao plano definido por ê1 e ê3 , sendo ê2 perpen-
dicular a este plano (Pearlman 1967). Claramente,
ê3 × r n̂ × r
ê2 = = , (4.2.13)
|ê3 × r| r sen β
n̂ × (r × n̂)
ê1 = ê2 × ê3 = . (4.2.14)
r sen β
r0 = x01 ê1 + x02 ê2 + x03 ê3 = cos α n̂ × (r × n̂) + sen α n̂ × r + (r · n̂) n̂ . (4.2.16)
↔
Introduzindo o operador de rotação Rn̂ (α) definido por
↔ ↔ ↔
Rn̂ (α) = cos α 1 +(1 − cos α) n̂ n̂ + sen α n̂ × 1 , (4.2.19)
↔
r0 = Rn̂ (α) · r . (4.2.20)
A expressão (4.2.19) é uma representação intrı́nseca do operador de rotação que só faz referência
ao eixo de rotação (n̂) e ao ângulo de rotação (α), sem aludir a nenhum sistema de coordenadas
particular. Essa representação é consideravelmente vantajosa em diversas situações de interesse
fı́sico (Leubner 1979).
↔ ↔
T 0 rs = ê0r · T ·ê0s = (
X X X
ark êk )· T ·( asl êl ) = ark asl Tkl . (4.2.21)
k l k,l
T k0 1 k2 ... kn =
X
ak1 l1 ak2 l2 . . . akn ln T l1 l2 ... ln . (4.2.22)
l1 , l2 ,..., ln
isto é,
T 0 = AT A−1 . (4.2.23)
↔
Portanto, a matriz associada ao tensor T na base {ê0i }3i=1 é obtida a partir da matriz
↔
associado ao tensor T na base {êi }3i=1 por meio de uma transformação de similaridade
executada pela matriz de rotação A que leva a base {êi } na base {ê0i }.
↔
Exercı́cio 4.2.2. Prove que em qualquer base ortonormal o tensor unidade 1 é represen-
tado pela matriz identidade.
4.3. MOMENTOS E PRODUTOS DE INÉRCIA 137
↔ ↔
mk (rk2 1 − rk rk ) · ω ≡ I ·ω ,
X
L= (4.3.1)
k
onde
↔ ↔
mk (rk2 1 − rk rk )
X
I= (4.3.2)
k
↔
Z ↔
I= (r2 1 − r r ) ρ dv . (4.3.3)
V
As componentes do tensor de inércia na base {êi }3i=1 são dadas pela Eq.(4.1.10), da qual
é evidente que o tensor de inércia é simétrico, isto é,
esta propriedade sendo válida em qualquer base. A matriz cujos elementos são as compo-
nentes do tensor de inércia relativamente a um dado sistema de coordenadas cartesianas
é conhecida como matriz de inércia, denotada por I. Os elementos da diagonal da matriz
de inércia I = (Iij ) são chamados de momentos de inércia:
Z Z
2 2
I11 ≡ Ixx = (r − x ) ρ dv = (y 2 + z 2 ) ρ dv ; (4.3.5a)
V V
Z Z
2 2
I22 ≡ Iyy = (r − y ) ρ dv = (x2 + z 2 ) ρ dv ; (4.3.5b)
V V
Z Z
2 2
I33 ≡ Izz = (r − z ) ρ dv = (x2 + y 2 ) ρ dv . (4.3.5c)
V V
Exercı́cio 4.3.1. Mostre que cada momento de inércia nunca é maior do que a soma dos
outros dois.
138 CAPı́TULO 4. DINÂMICA DO CORPO RÍGIDO
Z
I12 = I21 ≡ Ixy = Iyx = − xy ρ dv ; (4.3.6a)
V
Z
I13 = I31 ≡ Ixz = Izx = − xz ρ dv ; (4.3.6b)
V
Z
I23 = I32 ≡ Iyz = Izy = − yz ρ dv . (4.3.6c)
V
X mk X mk X mk 1 1
vk2 =
X
T = vk · (ω × rk ) = ω · (rk × vk ) = ω · r k × pk = ω · L .
k 2 k 2 k 2 2 k 2
(4.4.1)
1 ↔
T = ω· I ·ω . (4.4.2)
2
Seja n̂ o unitário ao longo do eixo instantâneo de rotação, de modo que ω = ω n̂. Então,
1 ↔ 1
T = n̂· I ·n̂ ω 2 ≡ Iω 2 , (4.4.3)
2 2
onde
↔
I = n̂· I ·n̂ (4.4.4)
4.4. ENERGIA CINÉTICA E TEOREMA DOS EIXOS PARALELOS 139
↔
mk [rk2 − (n̂ · rk )2 ] = mk d2k
X X
I = n̂· I ·n̂ = (4.4.5)
k k
onde
completando a demonstração do teorema, pois (n̂ × R)2 vem a ser o quadrado da distância
do centro de massa ao eixo original a. 2
↔ 2 ↔
mk [(rk0 + 2R·r0k + R2 ) 1 −(R + r0k )(R + r0k )]
X
IO =
k
2 ↔ ↔
mk (rk0 1 −r0k r0k ) + (R2 1 −RR)
X X
= mk
k k
↔
mk r0k ) 1 −R( mk r0k ) − ( mk r0k )R
X X X
+2R·(
k k k
2 ↔ ↔
mk (rk0 1 −r0k r0k ) + M (R2 1 −RR) ,
X
=
k
isto é,
↔ ↔ ↔
2
I O = I CM + M (R 1 −RR) . (4.4.9)
Note que o segundo termo é o tensor de inércia, relativo à origem O, do corpo rı́gido como
se toda a sua massa estivesse concentrada no centro de massa.
donde
↔
L = I ·ω = I1 ω1 ξ̂ 1 + I2 ω2 ξ̂ 2 + I3 ω3 ξ̂ 3 (4.5.2)
isto é,
L1 = I1 ω1 , L2 = I2 ω2 , L3 = I3 ω3 . (4.5.3)
1 ↔ 1 1
T = ω· I ·ω = ω·L = (I1 ω12 + I2 ω22 + I3 ω32 ) . (4.5.4)
2 2 2
↔ ↔ ↔
I ·ξ̂ 1 = I1 ξ̂ 1 , I ·ξ̂ 2 = I2 ξ̂ 2 , I ·ξ̂ 3 = I3 ξ̂ 3 (4.5.5)
↔
I ·ξ̂ j = Ij ξ̂ j , j = 1, 2, 3 . (4.5.6)
↔
Escolhendo os eixos cartesianos ao longo dos vetores ξ̂ 1 , ξ̂ 2 , ξ̂ 3 as componentes de I nesta
base são dadas por
↔
Iij = ξ̂ i · I ·ξ̂ j = Ij ξ̂ i ·ξ̂ j = Ij δij , (4.5.7)
I1 0 0
I = (Iij ) = 0 I2 0 . (4.5.8)
0 0 I3
4.5. DIAGONALIZAÇÃO DO TENSOR DE INÉRCIA 143
↔
I ·ξ = I ξ , (4.5.9)
X
Iij ξj = I ξi , (4.5.10)
j
ou, matricialmente,
I11 − I I12 I13 ξ1
I21 I22 − I I23 ξ2
=0 . (4.5.11)
I31 I32 I33 − I ξ3
Este sistema de equações lineares para as componentes de ξ só tem solução não trivial se
I11 − I I12 I13
det I21
I22 − I I23 =0 . (4.5.12)
I31 I32 I33 − I
Esta última equação é cúbica em I, e suas três raı́zes são os momentos principais de inércia.
Para cada raiz, a Eq.(4.5.11) pode ser resolvida para as componentes de ξ, fornecendo,
assim, a direção do eixo principal de inércia correspondente.
Exemplo 4.5.1. Dada uma placa homogênea na forma de um triângulo retângulo isósceles,
determinar os eixos principais de inércia em relação ao vértice oposto à hipotenusa.
M 2M
σ= = 2 .
a2 /2 a
144 CAPı́TULO 4. DINÂMICA DO CORPO RÍGIDO
a Z a−y M a2
Z Z
2 2
I11 ≡ Ixx = σ (y + z )da = σ y 2 dxdy = ;
0 0 6
M a2
Z
I22 ≡ Iyy = σ (x2 + z 2 )da = I11 = (por simetria) ;
6
M a2
I33 ≡ Izz = Ixx + Iyy = (pelo teorema do eixo perpendicular) ;
3
a Z a−y M a2
Z Z
I12 ≡ Ixy = −σ xyda = −σ xydxdy = − ;
0 0 12
Z Z
I13 ≡ Ixz = −σ xzda = 0 ; I23 ≡ Iyz = −σ yzda = 0 .
Portanto,
2 −1 0
M a2
I = (Iij ) = −1 2 0 .
12
0 0 4
2 − λ −1 0
det −1 2 − λ 0 = (4 − λ)[(2 − λ)2 − 1] = 0 .
0 0 4−λ
M a2 M a2 M a2
I1 = , I2 = , I3 = .
12 4 3
2 − λ1 −1 0 ξ1 ξ1 − ξ2 = 0
−1 2 − λ1 0 ξ2 = 0 =⇒ −ξ1 + ξ2 = 0 .
4 − λ1
0 0 ξ3 3ξ3 = 0
4.5. DIAGONALIZAÇÃO DO TENSOR DE INÉRCIA 145
Figura 4.5.1: Eixos originalmente escolhidos e eixos principais de inércia de uma placa
plana triangular em relação ao vértice oposto à hipotenusa.
Conseqüentemente,
ξ1 1
ξ2 = α 1 ou ξ = α(î + ĵ) ,
ξ3 0
√
onde α é um número real arbitrário. Escolhendo-se α = 1/ 2 resulta um vetor normalizado
(unitário) ξ̂ 1 . Este vetor, que pertence ao plano xy e faz um ângulo de 45o com o eixo x, fornece
a direção do primeiro eixo principal de inércia. Repetindo o procedimento obtém-se o segundo
eixo principal de inércia ao longo do vetor ξ̂ 2 = 2−1/2 (−î + ĵ), e o terceiro ao longo do vetor
ξ 3 = k̂, isto é, coincidente com o eixo z (Fig. 4.5.1(b)).
Exemplo 4.5.2. Usando a equação (4.4.9), mostre que os eixos 1, 2, 3 da Fig. 4.4.1(b)
também são eixos principais de inércia em relação ao centro de massa da placa e determine os
momentos principais de inércia correspondentes.
√
Solução. O vetor posição do centro de massa a contar da origem O é R = (a 2/3)ξ 1 ,
donde, por (4.4.9),
↔ ↔ ↔ 2M a2
2
I CM = I O − M (R 1 −RR) = I1 ξ̂1 ξ̂1 + I2 ξ̂2 ξ̂2 + I3 ξ̂3 ξ̂3 − (ξ̂ 1 ξ̂ 1 + ξ̂ 2 ξ̂ 2 + ξ̂ 3 ξ̂ 3 − ξ̂ 1 ξ̂ 1 )
9
2M a2 2M a2
= I1 ξ̂ 1 ξ̂ 1 + (I2 − )ξ̂ 2 ξ̂ 2 + (I3 − )ξ̂ 3 ξ̂ 3 .
9 9
↔
Logo, I CM também é diagonal relativamente aos eixos 1, 2, 3 com origem no centro de massa e
146 CAPı́TULO 4. DINÂMICA DO CORPO RÍGIDO
M a2 M a2 M a2
I1CM = , I2CM = , I3CM =
12 36 9
Demonstração. Seja xy o plano de simetria, de modo que ρ(x, y, −z) = ρ(x, y, z).
Conseqüentemente,
Z Z Z
Ixz = − xzρ(x, y, z)dxdydz = 0 (4.6.1)
Ixx Ixy 0
I = Iyx Iyy 0 , (4.6.2)
0 0 Izz
ξ1 0
ξ2 = 0 , ou ξ = k̂ (4.6.3)
ξ3 1
Diz-se que um corpo possui um eixo de simetria se ele é uma figura de revolução em
torno do referido eixo e a distribuição de massa depende exclusivamente da distância ao
eixo.
Exercı́cio 4.6.1. Demonstre o Lema 4.6.2. Sugestão: considere dois planos perpendicu-
lares cuja interseção é o eixo de simetria e aplique o Lema 4.6.1 a cada um deles.
Um reexame do Exemplo 4.5.1 à luz dos lemas anteriores revela que os eixos principais
de inércia da placa triangular poderiam ter sido identificados sem cálculos. O eixo z é
perpendicular ao plano da placa (Fig. 4.5.1), que obviamente é um plano de simetria.
Portanto, o Lema 4.6.1 garante que o eixo z é um eixo principal de inércia. Claramente,
um plano perpendicular à placa que passa pela origem O e é ortogonal à hipotenusa é
também um plano de simetria, de modo que, novamente pelo Lema 4.6.1, o eixo 2 é um
eixo principal de inércia. Finalmente, o terceiro eixo é simplesmente perpendicular aos
outros dois, e identificamos o eixo 1 como o último eixo principal de inércia da placa.
Solução. Escolhamos os eixos iniciais conforme indicado na Fig. 4.6.1. Por simetria, os
momentos de inércia são iguais entre si, o mesmo acontecendo com os produtos de inércia:
Z aZ aZ a 2 2
Izz = Iyy = Ixx = (y 2 + z 2 )ρdxdydz = ρa5 = M a2 ;
0 0 0 3 3
aZ aZ a 1 M a2
Z
Ixz = Iyz = Ixy = − xyρdxdydz = − ρa5 = − .
0 0 0 4 4
1 −3/8 −3/8
2M a2
I= −3/8 1 −3/8 . (4.6.4)
3
−3/8 −3/8 1
148 CAPı́TULO 4. DINÂMICA DO CORPO RÍGIDO
Por inspeção da Fig. 4.6.1 identificamos os planos de simetria OABCO e ODBEO , cujos
vetores unitários normais são, respectivamente,
−→ −→ −→ −→
OC OA 1 1 OD OE ( ĵ + k̂ ) 1
n̂1 = √ × = √ ( î+ ĵ )× k̂ = √ ( î− ĵ ) , n̂2 = ×√ = î× √ = √ ( k̂− ĵ ) .
2a a 2 2 a 2a 2 2
Note que os vetores n̂1 e n̂2 são linearmente independentes mas não são ortogonais. Isto é
possı́vel porque a matriz de inércia tem autovalores degenerados (vide Apêndice C), isto é, dois
dos momentos principais de inércia são iguais. De fato, de
1 α α 1 1 1 α α 0 0
α 1 α −1 = (1 − α) −1 , α 1 α −1 = (1 − α) −1 ,
α α 1 0 0 α α 1 1 1
( î − ĵ ) (î + ĵ − 2k̂) 1
ξ̂ 3 = ξ̂ 1 × ξ̂ 2 = √ × √ = √ ( î + ĵ + k̂ ) ,
2 6 3
Figura 4.7.1: Moeda rolando sem deslizar ao longo de um plano inclinado fixo.
Mesmo os problemas tridimensionais mais simples da dinâmica dos corpos rı́gidos já
são consideravelmente complicados. No outro extremo situam-se os problemas elementares
de rotação em torno de um eixo fixo. Há problemas interessantes com apenas dois graus de
liberdade rotacionais, os quais caracterizam-se por um grau de dificuldade intermediário
e fornecem ilustrações bastante ricas e instrutivas dos conceitos e técnicas empregados na
investigação do movimento dos corpos rı́gidos.
Consideremos, por exemplo, uma moeda de massa m e raio R que cai ao longo de uma
mesa inclinada rolando sem deslizar e sem tombar − o seu plano permanece perpendicular
à mesa. Os eixos principais de inércia fixos na moeda e passando pelo centro de massa são
quaisquer dois eixos mutuamente ortogonais contidos no plano da moeda, com o terceiro
eixo perpendicular ao plano da moeda. Um cálculo elementar fornece I3 = mR2 /2 e,
por simetria e pelo teorema do eixo perpendicular, I1 = I2 = I3 /2 = mR2 /4 . A energia
cinética da moeda é a energia de translação do centro de massa acrescida da energia de
rotação em torno do centro de massa, de modo que a lagrangiana do sistema escreve-se
m 2 1
L=T −V = (ẋ + ẏ 2 ) + (I1 ω12 + I2 ω22 + I3 ω32 ) + mgy sen α , (4.7.1a)
2 2
m 2 mR2 2 mR2 2
L= (ẋ + ẏ 2 ) + φ̇ + θ̇ + mgy sen α . (4.7.1b)
2 4 8
mẍ = λ1 , (4.7.3a)
mR2
θ̈ = 0 , (4.7.3c)
4
mR2
φ̈ = −λ1 R sen θ − λ2 R cos θ , (4.7.3d)
2
θ = θ0 + Ω t , (4.7.4)
e, procedendo analogamente,
2g sen α
φ̈ = cos(θ0 + Ω t) . (4.7.7)
3R
2g sen α
φ = φ0 + ωt − cos(θ0 + Ω t) . (4.7.8)
3Ω2 R
" #
g sen α ωR g sen α
x = x0 + t− + sen (θ0 + Ωt) cos(θ0 + Ωt) , (4.7.9)
3Ω Ω 3Ω2
" #
ωR g sen α
y = y0 + + sen (θ0 + Ωt) sen (θ0 + Ωt) . (4.7.10)
Ω 3Ω2
Isto completa a integração das equações de movimento da moeda rolante em termos das
seis constantes arbitrárias x0 , y0 , θ0 , φ0 , ω, Ω .
152 CAPı́TULO 4. DINÂMICA DO CORPO RÍGIDO
!
dL
= N , (4.8.1)
dt inercial
donde !
dL
+ ω×L = N . (4.8.2)
dt corpo
O tensor de inércia varia com o tempo se estiver referido a eixos fixos no espaço. Relativa-
mente a eixos atados ao corpo, no entanto, o tensor de inércia é independente do tempo,
o que torna as equações de movimento do corpo rı́gido substancialmente mais simples. A
vida simplifica-se ainda mais com a escolha dos eixos fixos no corpo como eixos principais
de inércia, o que será feito doravante. As componentes da Eq.(4.7.2) ao longo de eixos
principais de inércia fixos no corpo são
dL1
+ ω2 L3 − ω3 L2 = N1 , (4.8.3)
dt
com as demais sendo obtidas a partir desta por permutação cı́clica dos subscritos. Fazendo
uso de L1 = I1 ω1 , L2 = I2 ω2 , L3 = I3 ω3 podemos escrever
I1 ω̇1 − (I2 − I3 ) ω2 ω3 = N1 ,
I3 ω̇3 − (I1 − I2 ) ω1 ω2 = N3 .
4.8. AS EQUAÇÕES DE EULER 153
Estas são as célebres equações de movimento de Euler para um corpo rı́gido, e descrevem
como o eixo instantâneo de rotação (definido pelo vetor ω) varia com o tempo relativa-
mente a um sistema de referência solidário ao corpo. Uma solução completa do problema
dinâmico, que permita uma visualização do movimento do corpo, requer ainda que se
determine a orientação instantânea dos eixos ligados ao corpo em relação a um sistema
de eixos inerciais externos. Mesmo no caso mais simples de rotação livre (N = 0), a es-
pecificação completa do movimento de um corpo rı́gido arbitrário constitui um problema
de difı́cil resolução. O problema simplifica-se consideravelmente se o corpo tem um eixo
de simetria. Em vez de tratar genericamente um corpo simétrico em rotação livre, vamos
considerar um exemplo especial que contém as principais caracterı́sticas do caso geral com
a virtude complementar de permitir uma visualização mais clara do movimento.
I1 ω̇1 − (I1 − I3 ) ω2 ω3 = 0 ,
I2 ω̇2 − (I3 − I1 ) ω3 ω1 = 0 , (4.8.5)
I3 ω̇3 = 0 .
I3 − I1
Ω= ω3 , (4.8.6)
I1
ficamos com
ω̇1 = −Ω ω2 , ω̇2 = Ω ω1 . (4.8.7)
ω̈1 + Ω2 ω1 = 0 . (4.8.8)
Com uma escolha apropriada da origem do tempo, a solução desta última equação pode ser posta
na forma
ω1 = A cos Ωt , (4.8.9a)
154 CAPı́TULO 4. DINÂMICA DO CORPO RÍGIDO
donde
ω2 = A sen Ωt , (4.8.9b)
sendo A uma constante arbitrária. O movimento executado pelo eixo instantâneo de rotação, isto
é, pelo vetor ω, está representado na Figura 4.8.1. O vetor ω ⊥ = ω1 ξ̂ 1 +ω2 ξ̂ 2 gira com velocidade
angular Ω em torno do eixo 3, ao mesmo tempo que ω executa um movimento de precessão em
torno do eixo de simetria do corpo. O módulo de ω é constante e igual a (ω32 + A2 )1/2 , de modo
que o eixo instantâneo de rotação descreve um cone à medida que precessa em torno do eixo de
simetria. A precessão do vetor velocidade angular em torno do eixo de simetria aparece como
uma oscilação do corpo. É importante sublinhar que a precessão de ω é relativa a eixos fixos
no corpo, os quais, por sua vez, giram no espaço com velocidade angular ω, o que torna difı́cil a
visualização do movimento.
A escolha das direções dos eixos principais de inércia no plano perpendicular ao eixo de
simetria é arbitrária. Assim, podemos escolher num dado momento o eixo x0 ≡ x1 coincidente
com a linha nodal, de modo que no instante em questão ψ = 0 e as componentes da velocidade
angular tornam-se mais simples:
Para simplificar ainda mais a análise, tomemos os eixo z do sistema de eixos fixos no espaço ao
longo do vetor momento angular L, que é uma constante de movimento. Uma vez que a linha
nodal é perpendicular ao eixo z, temos:
L1 ω2 L L3 L cos θ
θ̇ = =0 , φ̇ = = , ω3 = = . (4.8.12)
I1 sen θ I1 I3 I3
Exemplo 4.7.2. Mostre que só é estável a rotação uniforme em torno dos eixos principais
de inércia de maior ou menor momento de inércia.
I1 ω̇1 − (I2 − I3 ) ω2 ω3 = 0 ,
I3 ω̇3 = 0 ,
onde o termo proporcional ao produto ω1 ω2 foi desprezado por ser, por hipótese, muito pequeno.
Conclui-se que ω3 é aproximadamente constante e, diferenciando a primeira e usando a segunda
das equações (4.8.13), deduz-se
onde
(I3 − I2 )(I3 − I1 ) 2
Ω20 = ω3 . (4.8.15)
I1 I2
Ω0 (I3 − I2 )
ω1 (t) = ω1 (0) cos Ω0 t , ω2 (t) = ω1 (0) sen Ω0 t , (4.8.16)
I1 ω3
Exercı́cio 4.7.1. Mostre que energia cinética em relação ao ponto O satisfaz a equação
dT
= N·ω , (4.8.17)
dt
Quando não há torque, o vetor momento angular e a energia cinética são constantes
de movimento:
↔
L = I ·ω = constante , (4.9.1)
1 ↔
T = ω· I ·ω = constante . (4.9.2)
2
Com base nestas constantes, e no caso geral em que o corpo rı́gido não é necessariamente
simétrico, Poinsot concebeu uma elegante representação geométrica do movimento.
Definindo o vetor
ω
r= √ (4.9.3)
2T
↔
r· I ·r = 1 . (4.9.4)
↔ ∂ ∂ ∂
∇(r· I ·r) = ê1 + ê2 + ê3 (I1 x21 + I2 x22 + I3 x23 )
∂x1 ∂x2 ∂x3
s
↔ 2
= 2 (I1 x1 ê1 + I2 x2 ê2 + I3 x3 ê3 ) = 2 I ·r = L , (4.9.6)
T
↔ √
L r· I ·ω 2T
d=r· = √ = = constante . (4.9.7)
L L 2T L
O plano tangente ao elipsóide é completamente fixo no espaço, pois não apenas a direção
normal ao plano é fixa como também a distância do plano à origem dos eixos coordenados é
imutável, daı́ ser chamado de plano invariável. A posição do plano invariável relativamente
ao centro do elipsóide de inércia é determinada pelas condições iniciais: L e T . Tendo
4.9. A CONSTRUÇÃO DE POINSOT 159
em vista que o ponto de contato do elipsóide com o plano invariável pertence ao eixo
instantâneo de rotação (r é paralelo a ω), o elipsóide de inércia rola sem deslizar sobre o
plano invariável. À medida que o elipsóide rola sem deslizar, o ponto de contato descreve
uma curva sobre o elipsóide, chamada de polodia,5 e uma curva sobre o plano invariável,
denominada herpolodia.6
ω⊥ A
tan αc = = , (4.9.8)
ω3 ω3
onde usamos as Eqs.(4.8.9). Por outro lado, o ângulo αe entre ω e L é constante pois
↔
ω·L ω· I ·ω 2T
cos αe = = = , (4.9.8)
ωL ωL L
de modo que o eixo instantâneo de rotação traça um cone no espaço com semi-ângulo αc .
O vetor ω pertence simultaneamente ao cone do corpo e ao cone do espaço, de sorte que
o eixo instantâneo de rotação é a linha de contato entre os dois cones. Uma vez que os
pontos do eixo instantâneo de rotação permanecem instantaneamente em repouso, para
gerar o movimento o cone do corpo rola sem deslizar sobre o cone do espaço, que é fixo
porque L é fixo no espaço. Assim, é claro que as curvas traçadas pelo eixo instantâneo
de rotação sobre o elipsóide de inércia e sobre o plano invariável são circunferências. No
caso geral de corpo assimétrico, as expressões analı́ticas da polodia e herpolodia são muito
complicadas, envolvendo funções elı́pticas (Whittaker 1944).
À guisa de comentário final sobre o caso simétrico, notemos que o cone do corpo
pode estar dentro ou fora do cone do espaço, conforme está ilustrado na Fig.(4.9.2). Seja
ω = ω n̂ e note que
↔ ↔
I = I1 ê1 ê1 + I2 ê2 ê2 + I3 ê3 ê3 = I1 1 +(I3 − I1 )ê3 ê3 , (4.9.9)
5
Do grego pólos (eixo) e odós (caminho).
6
O caminho serpentino.
160 CAPı́TULO 4. DINÂMICA DO CORPO RÍGIDO
donde
↔ ↔
L I ·ω ω I ·n̂
`≡ = = = n̂ + β cos αc ê3 , (4.9.10)
ωI1 ωI1 ωI1
I3 − I1
β= . (4.9.11)
I1
Figura 4.9.3: Vetores introduzidos para analisar as posições relativas dos cones do corpo
e do espaço.
Em vez de empregar as equações de Euler (4.8.4), revela-se mais vantajoso lançar mão
do formalismo lagrangiano para a análise do movimento do pião. Já que a única força
aplicada é o peso, a lagrangiana escreve-se
1 1
L = T − V = I1 (ω12 + ω22 ) + I3 ω32 − mg` cos θ , (4.10.1)
2 2
pois I1 = I2 . Note que os eixos x0 , y 0 , z 0 da Fig. 3.3.1 são os mesmos eixos 1, 2, 3 da Fig.
4.10.1. Assim, recorrendo às Eqs.(3.4.24), a lagrangiana assume a forma
1 1 1
L = I1 θ̇2 + I1 φ̇2 sen2 θ + I3 (ψ̇ + φ̇ cos θ)2 − mg` cos θ . (4.10.2)
2 2 2
162 CAPı́TULO 4. DINÂMICA DO CORPO RÍGIDO
∂L
= I3 (ψ̇ + φ̇ cos θ) = I3 ω3 = pψ = constante , (4.10.3)
∂ ψ̇
∂L
= I1 φ̇ sen2 θ+I3 cos θ(ψ̇+ φ̇ cos θ) = I1 φ̇ sen2 θ+pψ cos θ = pφ = constante . (4.10.4)
∂ φ̇
Exercı́cio 4.10.1. Mostre que o torque exercido pelo peso não tem componente ao longo
da direção 3. Use, em seguida, as equações de Euler para deduzir a constante de movimento
(4.10.3).
Uma vez que uma variação do ângulo φ implica uma rotação em torno do eixo vertical
z, pφ é a componente z do momento angular, Lz . A conservação de Lz , por sua vez, é
facilmente compreendida notando que o torque devido ao peso não possui componente na
direção vertical. Outra constante de movimento de importância fundamental é a energia:7
1 1 1
E = T + V = I1 θ̇2 + I1 φ̇2 sen2 θ + I3 (ψ̇ + φ̇ cos θ)2 + mg` cos θ . (4.10.5)
2 2 2
pφ − pψ cos θ
φ̇ = (4.10.7)
I1 sen2 θ
0 p2ψ
E =E− , (4.10.8)
2I3
deduzimos
1
E 0 = I1 θ̇2 + Vef (θ) , (4.10.9)
2
onde
(pφ − pψ cos θ)2
Vef (θ) = + mg` cos θ . (4.10.10)
2I1 sen2 θ
s
Z θ dθ 2
0
= t (4.10.11)
θ0 [E − Vef (θ)]1/2 I1
O comportamento de θ(t) pode ser analisado pelo método do potencial efetivo com a
ajuda da equação (4.10.9). Consideremos uma situação geral em que pψ 6= pφ (um exemplo
do caso especial pψ = pφ será tratado mais adiante). O intervalo fisicamente aceitável para
θ é [0, π], e de (4.10.10) deduz-se que Vef (θ) −→ ∞ para θ −→ 0 ou π. Por outro lado, a
derivada do potencial efetivo anula-se para θ0 tal que
Figura 4.10.2: A interseção das curvas definidas por f (u) e g(u) fornece o único valor de
θ0 = cos−1 u0 que anula Vef 0
(θ). O caso representado corresponde a pψ pφ > 0.
Denotando o lado esquerdo de (4.10.13) por f (u) e o lado direito por g(u), podemos
determinar graficamente o número de interseções das curvas definidas por f (u) e g(u)
para −1 ≤ u ≤ 1. As raı́zes de f (u) são ±1, a tangente ao gráfico de f (u) é horizontal em
u = 0, ±1 e f (u) −→ ∞ para u −→ ±∞. Por outro lado, as raı́zes de g(u) são u0 = pφ /pψ
e 1/u0 , de modo que se u0 pertence ao intervalo [−1, 1] então 1/u0 não pertence a [−1, 1]
e vice-versa. Em outras palavras, há apenas uma raiz de g(u) no intervalo fisicamente
significativo. Estas informações bastam para traçar a Fig. 4.10.2, que torna claro que a
equação (4.6.12) possui uma única solução u0 no intervalo fı́sico, ou, equivalentemente,
0
há um único valor θ0 ∈ [0, π] que anula Vef (θ). Inferimos, assim, que a forma de Vef (θ) é
aquela esboçada na Fig. 4.10.3.
4.10. PIÃO SIMÉTRICO COM UM PONTO FIXO 165
p
pφ − pψ cos θ
φ
pψ
− cos θ
φ̇ = = p ψ . (4.10.14)
I1 sen2 θ I1 sen2 θ
(i) |pφ | > |pψ |. A taxa de precessão φ̇ tem sempre o mesmo sinal durante todo o tempo.
pφ
(ii) |pφ | < |pψ |. Introduzindo o ângulo auxiliar θ0 ∈ [0, π] definido por cos θ0 = pψ
,
temos φ̇ = (cos θ0 − cos θ)/I1 sen2 θ . Para determinar a posição de θ0 , note que a equação
0
(4.10.12) fornece Vef (θ0 ) = −mg` sen θ0 < 0, de modo que θ0 < θ0 . Se θ0 < θ1 então φ̇ tem
sempre o mesmo sinal durante todo o movimento. Neste caso, assim como no anterior,
o eixo de simetria do pião traça, sobre uma esfera centrada no ponto O, uma curva que
assemelha-se à mostrada na Fig. 4.10.4(a). Se θ0 > θ1 , φ̇ troca de sinal durante a nutação
e o movimento corresponde ao indicado na Fig. 4.10.4(b). A situação retratada na Fig.
4.10.4(c) corresponde a θ0 = θ1 . Este último caso não é tão excepcional quanto parece.
Suponha, por exemplo, que as condições iniciais sejam θ̇ = 0, φ̇ = 0, ψ̇ = ω3 , de modo que
o único movimento inicial do pião consiste numa rotação em torno de seu próprio eixo de
simetria. Com essas condições iniciais tem-se
pψ = I3 ω3 , pφ = pψ cos θ1 ,
donde
pφ
cos θ0 = = cos θ1 =⇒ θ0 = θ1 .
pψ
Há, em geral, dois valores possı́veis para φ̇ porque a equação (4.10.12) é quadrática em
σ = pφ − pψ cos θ0 . (4.10.16)
De fato,
pψ − pφ cos θ0 = pψ sen2 θ0 − σ cos θ0 , (4.10.17)
s
I3 ω3 sen2 θ0
" #
4mg`I1 cos θ0
σ= 1± 1− , (4.10.19)
2 cos θ0 I32 ω32
onde usamos pψ = I3 ω3 . Se θ0 < π/2, de modo que cos θ0 > 0, a velocidade angular do
pião em torno de seu eixo de simetria não pode ser inferior a um valor mı́nimo11 para que
o pião possa precessar regularmente com ângulo de inclinação θ0 :
!1/2
4mg`I1 cos θ0
ωmin = . (4.10.20)
I32
11
No caso de um giroscópio suspenso pelo topo, θ0 > π/2 e a precessão regular é possı́vel qualquer que
seja o valor de ω3 .
4.10. PIÃO SIMÉTRICO COM UM PONTO FIXO 167
Se ω3 > ωmin há duas soluções para σ = pφ − pψ cos θ0 , correspondendo a uma precessão
lenta e outra rápida. Para ω3 ωmin temos os seguintes valores aproximados:
I3 ω3 mg`
φ̇rápida ≈ , φ̇lenta ≈ . (4.10.21)
I1 cos θ0 I3 ω3
Exercı́cio 4.10.1. Deduza estes dois últimos resultados aproximados aplicando uma ex-
pansão binomial à Eq.(4.10.19).
!2
p2ψ θ θ2 1
Vef (θ) ≈ + mg` 1 − = mg` + kθ2 , (4.10.23)
2I1 2 2 2
onde
I32 ω32
k= − mg` . (4.10.24)
4I1
Para pequenos valores de θ o gráfico de Vef (θ) é uma parábola com um mı́nimo em θ = 0
se k > 0, e um máximo em θ = 0 se k < 0. Conseqüentemente, o movimento do pião com
eixo de simetria vertical será estável se k > 0, ou seja, se
!1/2
4mg`I1
ω3 > ωc = . (4.10.25)
I32
12
O leitor é remetido a Whittaker (1944) para outros aspectos do movimento do pião, bem como para
a solução exata em termos de funções elı́pticas.
168 CAPÍTULO 4: PROBLEMAS
Em outras palavras, a velocidade angular do pião em torno do seu próprio eixo possui
um valor crı́tico ωc abaixo do qual o movimento de rotação do pião na posição vertical
torna-se instável. Se ω3 > ωc as pequenas oscilações do eixo em torno da direção vertical
permanecem pequenas, o eixo de simetria do pião continua praticamente vertical e ele
rodopia serenamente, parecendo parado, dormente. Na prática, se um pião é posto a girar
quase verticalmente com ω3 > ωc , ele fica “adormecido” até que, por causa do atrito, ω3
torna-se menor do que ωc , quando o pião “desperta” e começa a cambalear, com seu eixo
de simetria afastando-se cada vez mais da vertical até o pião cair. Qualquer pessoa que
tenha brincado com piões certamente já terá observado esse comportamento.
PROBLEMAS
4.1. O cubo do Exemplo 4.6.1 é posto a girar em torno da aresta que coincide com o
eixo z. Determine o vetor momento angular do cubo e o ângulo que ele faz com o vetor
velocidade angular.
↔
4.2. (i) Dado um tensor arbitrário T , prove que
↔! ↔!
dT dT ↔ ↔
= + ω× T − T ×ω .
dt inercial
dt corpo
↔
Usando L = I ·ω , (dL/dt)inercial = N e o resultado do item anterior, deduza as equações
de Euler para o movimento de um corpo rı́gido.
4.3. Uma nave espacial simétrica move-se no espaço sideral. Motores simetricamente
situados aplicam um torque constante N3 ao longo do eixo de simetria. (i) Supondo que
ω3 (0) = 0 , determine ω3 (t) . (ii) Prove que ω12 + ω22 é constante de movimento. (iii)
Tomando como condições iniciais ω1 (0) = 0 e ω2 (0) = Ω , determine ω1 (t) e ω2 (t) .
Descreva o movimento executado pelo vetor velocidade angular relativamente aos eixos
principais de inércia.
4.4. (i) Determine os eixos e momentos principais de inércia de uma placa homogênea
retangular, de lados a e b , em relação a um dos vértices. (ii) Uma placa homogênea
CAPÍTULO 4: PROBLEMAS 169
retangular está suspensa por um dos vértices e pode oscilar num plano vertical coinci-
dente com o plano da placa. Determine o perı́odo das pequenas oscilações da placa e o
comprimento do pêndulo simples equivalente.
4.6. Uma haste homogênea de comprimento 2` e massa m está presa por uma extre-
midade a uma mola cuja constante elástica é k , e que pende de um um suporte fixo. A
haste pode oscilar num plano vertical e a mola está restrita a mover-se apenas para cima
ou para baixo. Escreva a lagrangiana e as equações de movimento desse sistema.
4.9. Uma roda desce rolando um plano inclinado de um ângulo α em relação à horizontal.
A roda se mantém perpendicular à superfı́cie inclinada mas pode girar em torno do eixo
normal à superfı́cie. Encontre a solução para o movimento da roda usando o formalismo
lagrangiano e a técnica dos multiplicadores de Lagrange.
Capı́tulo 5
PEQUENAS OSCILAÇÕES
Time travels in divers paces with divers persons. I’ll tell you who Time ambles
withal, who Time trots withal, who Time gallops withal, and who he stands still
withal.
William Shakespeare, As You Like It
1
L = α(q) q̇ 2 − V (q) , (5.1.1)
2
1
Considere a versão unidimensional das equações (2.6.4) e (2.6.5).
170
5.1. CASO UNIDIMENSIONAL 171
Exemplo 4.5.1. Uma conta de massa m desliza sem atrito ao longo de um fio rı́gido contido
num plano vertical e na forma de uma parábola com equação y = x2 /R. O sistema encontra-se
num campo gravitacional constante g = −g ĵ. Usando q = x como coordenada generalizada,
temos
m 2 m 4x2 mg 2
L= (ẋ + ẏ 2 ) − mgy = 1 + 2 ẋ2 − x , (5.1.2)
2 2 R R
!
dV
= 0 . (5.1.3)
dq q=q (0)
dh i dV
α(q)q̇ + =0 , (5.1.4)
dt dq
que possui a solução q = q (0) = constante desde que (5.1.3) seja verificada. Em outras
palavras, se num dado instante o sistema encontra-se na configuração q = q (0) com veloci-
dade q̇ = 0, o sistema permanecerá nessa situação para sempre. Por exemplo, um pêndulo
inicialmente em repouso na posição de equilı́brio (θ = 0) assim perdurará indefinidamente.
d2 V
!
> 0 , (5.1.5)
dq 2 q=q (0)
q = q (0) + η (5.1.6)
1 d2 V
! !
(0) (0) dV
V (q) = V (q + η) = V (q ) + η+ η2 + · · · . (5.1.7)
dq q=q (0)
2 dq 2 q=q (0)
O termo linear em η nesta última equação é nulo em virtude da Eq.(5.1.3). Portanto, até
segunda ordem em η,
1
V (q) = V0 + k (0) η 2 , (5.1.8)
2
onde
d2 V
!
(0)
k = > 0 (5.1.9)
dq 2 q=q (0)
!
(0) (0) dα
α(q) = α(q + η) = α(q ) + η + ··· . (5.1.10)
dq q=q (0)
Porém, como q̇ = η̇, vemos que o termo linear em η nesta última equação daria lugar na
energia cinética a um termo proporcional a η η̇ 2 , que é cúbico nas quantidades pequenas η
e η̇. Portanto, mantendo no máximo termos quadráticos em η e η̇, a lagrangiana (5.1.1)
escreve-se
α(0) 2 k (0) 2
L= η̇ − η , (5.1.11)
2 2
onde
tendo sido descartada a constante V0 , pois não afeta a equação de movimento para η.
Constata-se imediatamente que (5.1.11) tem a forma da lagrangiana de um oscilador
harmônico de “massa” α(0) e “constante elástica” k (0) , de modo que η executa oscilações
harmônicas em torno de η = 0 com freqüência angular
!1/2
k (0)
ω= . (5.1.13)
α(0)
Exemplo 5.1.2. Uma conta de massa m desliza ao longo de uma haste cilı́ndrica lisa ligada a
uma mola com constante de força k e comprimento natural `, conforme a Fig. 5.1.2. Determinar
as posições de equilı́brio e classificá-las quanto à estabilidade nos casos ` > a e ` < a.
174 CAPı́TULO 5. PEQUENAS OSCILAÇÕES
m 2 k p 2
L= ẋ − ( a + x2 − `)2 . (5.1.14)
2 2
dV p x
= k( a2 + x2 − `) √ =0 , (5.1.15)
dx a + x2
2
√
cujas soluções são x = 0 e x = ± `2 − a2 (se ` > a). Para investigar a estabilidade devemos
determinar o sinal de
d2 V x2 p
2 + x2 − `
a2
= k + k a (5.1.16)
dx2 a2 + x2 (a2 + x2 )3/2
nos pontos de equilı́brio. (i) Caso a > `. Somente x = 0 é ponto de equilı́brio, o qual é estável,
pois
!
d2 V `
=k 1− >0 , (5.1.17)
dx2 x=0
a
s
k `
ω= (1 − ) . (5.1.18)
m a
√
(ii) Caso a < `. Há três posições de equilı́brio, x = 0 ou x = ± `2 − a2 . O ponto x√= 0 agora é
posição de equilı́brio instável porque V 00 (0) < 0. Por outro lado, as posições x = ± `2 − a2 são
de equilı́brio estável porque
!
d2 V a2
= k(1 − ) > 0 , (5.1.19)
dx2 √
x=± `2 −a2
`2
5.1. CASO UNIDIMENSIONAL 175
sendo
s
k a2
ω= 1− 2 . (5.1.20)
m `
Neste último exemplo, note que se a = ` nos deparamos com a situação anômala
mencionada anteriormente: a única posição de equilı́brio é x = 0 mas o termo dominante
na expansão do potencial em torno de x = 0 é de quarta ordem.
Exemplo 5.1.3. Uma conta de massa m desliza sem atrito ao longo de uma circunferência de
raio R que gira em torno de seu diâmetro vertical com velocidade angular constante ω, conforme
a Fig. 5.1.3. Estudar as configurações de equilı́brio e classificá-las quanto à estabilidade.
m 2 2
L=T −V = (R θ̇ + R2 ω 2 sin2 θ) − mgR(1 − cos θ) , (5.1.21)
2
o nı́vel zero do potencial gravitacional tendo sido tomada no ponto mais baixo da circunferência.
A lagrangiana (5.1.21) é da forma (5.1.1) com um potencial efetivo
h 1 ω2 2
i
Vef (θ) = mgR (1 − cos θ) − sin θ , (5.1.22)
2 ωc2
p
onde ωc = g/R. As posições de equilı́brio são as soluções de
176 CAPı́TULO 5. PEQUENAS OSCILAÇÕES
Figura 5.1.4: Potencial efetivo (5.1.22) nos casos (a) ω < ωc e (b) ω > ωc .
dVef h ω2 i
= mgR sin θ − 2 sin θ cos θ = 0 , (5.1.23)
dθ ωc
d2 Vef h ω2 2
i
= mgR cos θ − (2 cos θ − 1) (5.1.24)
dθ2 ωc2
nas configurações de equilı́brio. Dois casos são possı́veis: (i) se ω < ωc as soluções de (5.1.23)
são θ = π e θ = 0, e, como Vef 00 (0) = mgR[1 − ω 2 /ω 2 ] > 0, esta última posição é de equilı́brio
c
estável ( θ = π é posição de equilı́brio instável); (ii) se ω > ωc outras duas soluções de (5.1.23)
são θ = ±θ0 com cos θ0 = (ωc /ω)2 . Agora θ = 0 é instável ( θ = π continua instável) e as
00 (± θ ) = mgR(ω 4 − ω 4 )/(ω 2 ω 2 ) > 0.
configurações de equilı́brio estável são θ = ± θ0 , , pois Vef 0 c c
O gráfico de Vef (θ) para ω > ωc e ω < ωc está mostrado na Fig. 5.1.4. Este sistema é muito
interessante porque exibe o fenômeno de quebra espontânea de simetria. Note que a lagrangiana
(5.1.21) é invariante sob a transformação θ → − θ , e se ω < ωc a solução de mı́nima energia
é θ = 0, com esta única configuração de equilı́brio estável exibindo a mesma propiedade de
invariância que a lagrangiana. No entanto, para ω maior do que a velocidade angular crı́tica ωc
a posição θ = 0 não é mais a de menor energia e torna-se instável. Há uma degenerescência
dos estados de mais baixa energia (θ = ± θ0 ) e a simetria é quebrada, pois a transformação
θ → − θ leva um estado de equilı́brio estável no outro. A instabilidade em θ = 0 quando ω
passa pelo valor crı́tico ωc é análoga a uma transição de fase de segunda ordem em mecânica
estatı́stica (Sivardière 1983). É surpreendente que este sistema mecânico tão simples seja capaz
de revelar todas as caracterı́sticas essenciais do fenômeno de quebra espontânea de simetria, uma
das idéias centrais da moderna fı́sica das partı́culas elementares e ingrediente fundamental do
modelo padrão das interações eletrofracas.
5.2. MOVIMENTO ESTACIONÁRIO E PEQUENAS OSCILAÇÕES 177
m 2
L= (ṙ + r2 θ̇2 sin2 θ) − V (r) . (5.2.1)
2
dV
mr̈ − mrθ̇2 + =0 (5.2.2)
dr
possui a solução estacionária r = r0 (órbita circular) contanto que (dV /dr)r=r0 = p2θ /(mr03 ). Por
exemplo, se V (r) = −A/r com A > 0 temos r0 = p2θ /(mA). Há, portanto, órbitas circulares no
caso gravitacional ou no coulombiano atrativo.
Exemplo 5.2.2. A lagrangiana de um pêndulo esférico (isto é, não restrito a oscilar num
plano fixo) é dada por
m`2 2
L= (θ̇ + ϕ̇2 sin2 θ) − mg`(1 − cos θ) . (5.2.3)
2
que admite a solução estacionária θ = θ0 com cos θ0 = g/(`ϕ̇2 ) desde que ϕ̇ > (g/`)1/2 .
α(q) 2
q̇ + Vef (q) = E , (5.2.5)
2
m 2 m 2 2 m p2
E =T +V = ṙ + r θ̇ + V (r) = ṙ2 + θ 2 + V (r) , (5.2.6)
2 2 2 2mr
m`2 2 p2ϕ
E =T +V = θ̇ + − mg` cos θ . (5.2.7)
2 2m`2 sin2 θ
dVef (q)
=0 , (5.2.8)
dq
p2θ A
Vef (r) = 2
− (5.2.9)
2mr r
com A = GmM > 0, sendo M a massa do Sol e m a massa do corpo celeste em órbita circular.
O raio da órbita determina-se de
dVef p2 A p2θ
0= = − θ3 + 2 =⇒ r = r0 = , (5.2.10)
dr mr r mA
!
(0) d2 Vef 3p2θ 2A A
k = = 4 − 3 = 3 >0 , (5.2.11)
dr2 r=r0
mr0 r0 r0
!1/2 !1/2
k (0) GM
ω= = (5.2.12)
α(0) r03
p2ϕ
Vef (θ) = mg`(1 − cos θ) + . (5.2.13)
2m`2 sin2 θ
p2ϕ cos θ0
!
dVef
= mg` sin θ0 − =0 . (5.2.14)
dθ θ=θ0
m`2 sin3 θ
Fazendo uso de pϕ = m`2 sin2 θ0 ϕ̇ resulta cos θ0 = g/(`ϕ̇2 ) contanto que ϕ̇ > (g/`)1/2 . Por
outro lado,
A precessão é estável e
2
A presente análise não se aplica a perturbações perpendiculares ao plano da órbita.
180 CAPı́TULO 5. PEQUENAS OSCILAÇÕES
n
1 X
L= Mkl q̇k q̇l − V (q1 , . . . , qn ) (5.3.1)
2 k,l=1
onde os Mkl = Mkl (q1 , . . . , qn ) são quantidades simétricas em seus ı́ndices, isto é, Mkl =
(0)
Mlk (vide Eq.(2.6.5)). A configuração q (0) ≡ (q1 , . . . , qn(0) ) é uma configuração de
equilı́brio se
!
∂V
=0 , k = 1, . . . , n . (5.3.2)
∂qk q (0)
Definindo
(0)
qk = qk + ηk , k = 1, . . . , n , (5.3.3)
1 X ∂2V
! !
X ∂V
(0)
V (q1 , . . . , qn ) = V (q ) + ηk + η k ηl + · · · . (5.3.4)
k ∂qk q (0)
2 kl ∂qk ∂ql q (0)
1X
V = V0 + Vkl ηk ηl , (5.3.5)
2 kl
∂2V
!
Vkl = . (5.3.6)
∂qk ∂ql q (0)
As quantidades Vkl são constantes e simétricas: Vkl = Vlk . O critério de estabilidade agora
5.3. PEQUENAS OSCILAÇÕES: CASO GERAL 181
é um pouco mais complicado. Se V é mı́nimo em q = q (0) seu valor só pode aumentar
em conseqüência de um pequeno deslocamento da configuração q = q (0) . Pela Eq.(5.3.4),
portanto, q = q (0) é ponto de equilı́brio estável se
X
Vkl ηk ηl > 0 ∀ (η1 , . . . , ηn ) 6= (0, . . . , 0) . (5.3.7)
kl
1X 1X
L= Tkl η̇k η̇l − Vkl ηk ηl , (5.3.8)
2 kl 2 kl
onde
!
d ∂L ∂L
− =0 , j = 1, . . . , n . (5.3.10)
dt ∂ η̇j ∂ηj
Mas
∂L 1X 1 nX X o 1 nX X o
= Tkl (δkj η̇l + η̇k δlj ) = Tjl η̇l + Tkj η̇k = Tjl η̇l + Tjk η̇k ,
∂ η̇j 2 kl 2 l k 2 l k
(5.3.11)
porque Tkj = Tjk . Finalmente, levando em conta que o ı́ndice de soma é “mudo”, podemos
trocar “l” por “k” no penúltimo somatório que aparece na Eq.(5.3.11), obtendo
∂L X
= Tjk η̇k . (5.3.12)
∂ η̇j k
182 CAPı́TULO 5. PEQUENAS OSCILAÇÕES
Analogamente,
∂L X
− = Vjk ηk , (5.3.13)
∂ηj k
X X
Tjk η̈k + Vjk ηk = 0 , j = 1, . . . , n , (5.3.14)
k k
Como logo veremos, a solução geral da Eq.(5.3.14) pode ser expressa em termos de
soluções particulares em que todos os deslocamentos η1 , . . . , ηn oscilam com a mesma
freqüência. Tais soluções particulares são conhecidas como modos normais de vibração. É
conveniente substituir ηk (t) pela função complexa zk (t) e definir
Como os coeficientes do sistema de equações (5.3.14) são reais, as partes real e imaginária
de uma solução complexa são também soluções, o que justifica a Eq.(5.4.1). Busquemos,
portanto, soluções complexas de (5.3.14) na forma
(0)
zk (t) = zk eiωt , k = 1, . . . , n , (5.4.2)
em que todos os deslocamentos vibram com a mesma freqüência ω. Substituindo ηk (t) por
zk (t) em (5.3.14) resulta
(0)
(Vjk − ω 2 Tjk ) zk = 0 .
X
(5.4.3)
k
Definindo as matrizes
5.4. MODOS NORMAIS DE VIBRAÇÃO 183
(0)
z
1.
z(0)
V = (Vjk ) , T = (Tjk ) , = ..
,
(5.4.4)
zn(0)
V − ω 2 T) z(0) = 0 .
(V (5.4.5)
ω 2 = ωs2 , s = 1, . . . , n , (5.4.7)
2
V − ω(s)
(V T) %(s) = 0 , s = 1, . . . , n . (5.4.8)
Como V e T são matrizes reais, é sempre possı́vel escolher cada %(s) de modo que todas
as suas componentes sejam reais. Supondo que tal escolha tenha sido feita, a solução
complexa mais geral associada à freqüência ωs escreve-se
pois ω 2 = ω(s)
2
é satisfeita por ω = ωs ou ω = −ωs , e qualquer combinação linear de
soluções com coeficientes complexos arbitrários − A(s) e B (s) − continua sendo solução em
184 CAPı́TULO 5. PEQUENAS OSCILAÇÕES
virtude da linearidade da Eq.(5.3.14). A solução mais geral possı́vel para z(t) é obtida
por superposição das soluções associadas a cada freqüência caracterı́stica ωs :
n
[A(s) eiωs t + B (s) e−iωs t ] %(s) ,
X
z(t) = (5.4.9)
s=1
A solução fı́sica é
n
z(t) + z(t)∗ X 1 (s) ∗ ∗
η(t) = Re z(t) = = [(A + B (s) ) eiωs t + (A(s) + B (s) ) e−iωs t ] %(s)
2 s=1 2
(5.4.10)
∗
A(s) + B (s) = C (s) eiφs (5.4.11)
∗ ∗ ∗
A(s) + B (s) = A(s) + B (s) = C (s) e−iφs . (5.4.12)
n
C (s) %(s) cos (ωs t + φs )
X
η(t) = (5.4.13a)
s=1
ou, em componentes,
n
(s)
C (s) %k cos (ωs t + φs )
X
ηk (t) = , k = 1, . . . , n . (5.4.13b)
s=1
A solução geral das equações de movimento (5.3.14) expressa por esta última equação
contém as 2n constantes arbitrárias C (1) , . . . , C (n) , φ1 , . . . , φn que podem ser determi-
nadas pelas condições iniciais.
Exemplo 5.4.1. Dois pêndulos iguais executam pequenas oscilações acoplados por uma
mola de massa desprezı́vel. Determinar os modos normais de vibração e a solução das equações
5.4. MODOS NORMAIS DE VIBRAÇÃO 185
A energia cinética é
m`2 2 m`2 2 m 2 m 2
T = θ̇ + θ̇ ≈ η̇1 + η̇2 , (5.4.15)
2 1 2 2 2 2
k
V = [(d0 + η2 − η1 ) − d0 ]2 + mg[`(1 − cos θ1 ) + `(1 − cos θ2 ) ] . (5.4.16)
2
k mg 2
V = (η2 − η1 )2 + (η1 + η2 2 ) , (5.4.17)
2 2`
de modo que
m 2 1 n mg 2 o
L= (η̇1 + η̇22 ) − (η1 + η2 2 ) + k(η2 − η1 )2 . (5.4.18)
2 2 `
! !
mg
m 0 `+k −k
T= , V= mg . (5.4.19)
0 m −k ` +k
Advertência. Na forma padrão (5.3.8) cada termo cruzado aparece duas vezes. Por exem-
plo, na segunda soma dupla sobre k e l há um termo com k = 1, l = 2 e outro com k = 2, l = 1
que são iguais entre si porque V12 = V21 . Assim, o coeficiente de η1 η2 é V12 + V21 = 2V12 . Por
outro lado, o coeficiente de η1 η2 na expressão entre chaves em (5.4.18) é −2k , daı́ a identificação
V12 = −k. Este tipo de cuidado deve sempre ser tomado ao se comparar a forma padrão (5.3.7)
com uma lagrangiana especı́fica tal como (5.4.18), caso contrário erros por um fator dois serão
cometidos que comprometerão todos os resultados subseqüentes.
!
mg
+ k − mω 2 −k
V − ω 2T) = det
det(V `
mg =0 . (5.4.20)
−k ` + k − mω 2
ou seja,
mg 2 mg
+ k − mω 2 − k2 = 0 =⇒ + k − mω 2 = ±k . (5.4.21)
` `
g 1/2 g 2k 1/2
ω1 = , ω2 = + , (5.4.22)
` ` m
(1)
! ! !
k −k %1 (1) (1) α
V−
(V ω12 T) %(1) = 0 =⇒ (1) = 0 =⇒ %1 = %2 =⇒ % (1)
= ,
−k k %2 α
(5.4.23a)
(2)
! ! !
−k −k %1 (2) (2) β
V−
(V ω22 T) %(2) = 0 =⇒ (2) = 0 =⇒ %1 = −%2 =⇒ % (2)
= ,
−k −k %2 −β
(5.4.23b)
Figura 5.4.2: Modos normais de vibração de dois pêndulos iguais acoplados por uma mola.
! !
(1) 1 (2) 1
% = , % = (5.4.24)
1 −1
2
X (s)
η1 (t) = C (s) %1 cos (ωs t + φs ) = C (1) cos (ω1 t + φ1 ) + C (2) cos (ω2 t + φ2 ) , (5.4.25a)
s=1
2
X (s)
η2 (t) = C (s) %2 cos (ωs t + φs ) = C (1) cos (ω1 t + φ1 ) − C (2) cos (ω2 t + φ2 ) . (5.4.25b)
s=1
Das condições iniciais η1 (0) = 0, η2 (0) = a, η̇1 (0) = η̇2 (0) = 0 inferimos
Não é admissı́vel ter-se C (1) = 0 ou C (2) = 0 porque isto geraria uma contradição com (5.4.27a).
Logo, sin φ1 = sin φ2 = 0, cuja solução mais simples é φ1 = φ2 = 0, em decorrência da qual
C (1) = − C (2) = a/2. Finalmente, a solução das equações de movimento escreve-se
188 CAPı́TULO 5. PEQUENAS OSCILAÇÕES
a
η1 (t) = ( cos ω1 t − cos ω2 t ) , (5.4.28a)
2
a
η2 (t) = ( cos ω1 t + cos ω2 t ) , (5.4.28b)
2
η1
.
η = ..
, η T = (η1 . . . ηn ) , (5.5.1)
ηn
1 T 1
L= η̇ T η̇ − η T V η . (5.5.2)
2 2
η =Aζ , (5.5.3)
5.5. COORDENADAS NORMAIS 189
1 T T 1
L= ζ̇ A T A ζ̇ − ζ T A T V A ζ . (5.5.4)
2 2
(η, ξ) = η T T ξ ≡
X
Tkl ηk ξl . (5.5.5)
kl
(r)
Akr = %k , (5.5.7)
donde3
X (r) (s)
%k Tkl %l = δrs , (5.5.9)
kl
AT )rk ( AT )rk (T
X X X
(A Tkl Als ) = (A T A )ks = δrs , (5.5.10)
k l k
AT T A = I . (5.5.11)
A matriz modal (5.5.8) reduz a matriz T à forma diagonal mais simples possı́vel − a
matriz identidade. Resta verificar se a matriz V é também reduzida à forma diagonal.
(s) (s)
= ωs2
X X
Vkl %l Tkl %l (5.5.12)
l l
V A T )ks = ωs2 (T
(V T A )ks . (5.5.13)
isto é,
ω12 0 . . . 0
D
0 ω22 . . . 0
W = .. .. .. .. . (5.5.15)
. . . .
0 0 . . . ωn2
5.5. COORDENADAS NORMAIS 191
ou seja,
V A = T A WD . (5.5.17)
Multiplicando esta equação pela esquerda por A T e utilizando (5.5.11) obtém-se, final-
mente,
A T V A = WD , (5.5.18)
n
1 T 1 1 2
ζ̇ ζ̇ − ζ T WD ζ = (ζ̇k − ωk2 ζk2 ) ,
X
L= (5.5.19)
2 2 k=1 2
d ∂L ∂L
− =0 =⇒ ζ̈j + ωj2 ζj = 0 , j = 1, . . . , n , (5.5.20)
dt ∂ ζ̇j ∂ζj
Cada modo normal de vibração consiste num movimento do sistema em que apenas uma
das coordenadas normais oscila harmonicamente, todas as demais permanecendo identi-
camente nulas. Finalmente, a expressão das coordenadas normais em função das coorde-
nadas originais η1 , . . . , ηn pode ser imediatamente encontrada por inversão da Eq.(5.5.3):
multiplique-a pela esquerda por A T T e use (5.5.12) para obter
ζ = AT T η . (5.5.22)
Solução. As duas soluções linearmente independentes das Eqs.(5.4.8) no caso dos pêndulos
acoplados são
! !
(1) 1 (2) 1
% =α , % =β , α, β ∈ R
I , (5.5.23)
1 −1
obtidas no Exemplo 5.4.1. A fim de construir a matriz modal é necessário que %(1) e %(2)
constituam um conjunto ortonormal segundo o produto escalar definido pela matriz T = mI ,
isto é,
!
(1) T (1) 2
1
% T% = 1 =⇒ mα 1 1 = 1 =⇒ 2mα2 = 1 , (5.5.24a)
1
!
(2) T
1
% T%(2) = 1 =⇒ mβ 2 1 −1 = 1 =⇒ 2mβ 2 = 1 , (5.5.24b)
−1
!
(1) T
1
% T%(1) = 1 =⇒ mαβ 1 1 = 0 =⇒ mαβ(1 − 1) = 0 . (5.5.24c)
−1
! !
(1) 1 1 (2) 1 1
% =√ , % =√ , (5.5.25)
2m 1 2m −1
Figura 5.5.1: Modelo simplificado para o estudo das vibrações de uma molécula triatômica
linear e simétrica.
!
1 1 1
A= √ . (5.5.26)
2m 1 −1
! !
Tm 1 1 η1
ζ = A Tη = √ , (5.5.27)
2m 1 −1 η2
isto é,
r r
m m
ζ1 = (η1 + η2 ) , ζ2 = (η1 − η2 ) . (5.5.28)
2 2
k k
V = (x2 − x1 − `)2 + (x3 − x2 − `)2 . (5.5.29)
2 2
onde ` denota o comprimento natural de cada mola. A configuração de equilı́brio é tal que
∂V ∂V
0= = −k (x2 − x1 − `) , 0= = k (x2 − x1 − `) − k (x3 − x2 − `) , (5.5.30)
∂x1 ∂x2
194 CAPı́TULO 5. PEQUENAS OSCILAÇÕES
donde
x2 − x1 = ` , x3 − x2 = ` , (5.5.31)
como seria de se esperar. Para tornar nosso formalismo aplicável ao presente problema, é
necessário eliminar da energia potencial termos lineares nas coordenadas generalizadas. Isto
pode ser conseguido definindo
η1 = x1 + ` , η2 = x2 , η3 = x3 − ` , (5.5.32)
de modo que
m 2 M 2 m M 2 k
L= (ẋ1 + ẋ23 ) + ẋ2 − V = (η̇12 + η̇32 ) + η̇ − [(η2 − η1 )2 + (η3 − η2 )2 ] . (5.5.33)
2 2 2 2 2 2
m 0 0 k −k 0
T= 0 M 0 , V = −k 2k −k . (5.5.34)
0 0 m 0 −k k
k − mλ −k 0
T) = det −k
V − λT
det(V 2k − M λ −k = 0 , (5.5.35)
0 −k k − mλ
donde
m M λ2 − k (2m + M ) λ = 0 . (5.5.37)
s s
k k 2m
ω1 = 0 , ω2 = , ω3 = (1 + ) . (5.5.38)
m m M
A primeira freqüência caracterı́stica à primeira vista pode parecer estranha, pois não corresponde
a movimento oscilatório, a coordenada normal associada obedecendo à equação ζ̈1 = 0. Esta
freqüência nula deve-se à possibilidade de a molécula transladar-se rigidamente sem mudança
na energia potencial. Como a força restauradora contra tal deslocamento é nula, a freqüência
correspondente é zero. Matematicamente, isto corresponde ao fato de a forma quadrática asso-
ciada à energia potencial não ser positiva definida. Com efeito, V = 0 para η1 = η2 = η3 = 0 ,
indicando que a energia potencial4 não é mı́nima na posição de equilı́brio, o qual não é estável
mas indiferente: um deslocamento rı́gido da molécula não está sujeito a nenhuma força tendente
a restaurar o equilı́brio nem a afastar a molécula de sua configuração original. A amplitude %(1)
associada à freqüência ω1 = 0 satisfaz
(1)
k −k 0 %1 1
(1)
T) %(1)
V − λT
(V = 0 =⇒ −k 2k −k
%2 = 0 =⇒ %(1)
= A 1 .
0 −k k (1)
%3 1
(5.5.39)
1 1
%(2) = B 0 , %(3) = C −2m/M . (5.5.40)
−1 −1
1 1 1
1 1 1
%(1) = √ 1 , %
(2)
= √ 0 , %
(3)
= p −2m/M .
2m + M 1 2m −1 2m(1 + 2m/M ) −1
(5.5.42)
4
Uma forma quadrática não-negativa que se anula para valores diferentes de zero das variáveis é dita
positiva semidefinida.
196 CAPı́TULO 5. PEQUENAS OSCILAÇÕES
Não havendo forças externas, o centro de massa move-se com velocidade constante (ẍCM = 0),
justificando a freqüência ω1 = 0 associada a ζ1 .
A energia cinética de qualquer sistema fı́sico é sempre positiva, e só é zero se todas a
velocidades forem nulas, propriedade que, matematicamente, exprime-se por
X X
Tkl ξk ξl ≥ 0 ∀ξ1 , . . . , ξn ∈ R
I e Tkl ξk ξl = 0 ⇐⇒ ξ1 = · · · = ξn = 0 . (5.6.1)
kl kl
Esta propriedade de positividade e a simetria da matriz T , isto é, Tkl = Tlk , permitem
demonstrar que (5.5.5) tem todas as propriedades de um produto interno, a saber:
V ξ = λTξ (5.6.3)
ξT V ξ
λ= T >0 (5.6.4)
ξ Tξ
porque tanto o numerador quanto o denominador são positivos em virtude das Eqs.(5.3.7)
e (5.6.1).
T T
Multiplicando (5.6.5a) pela esquerda por %(2) , (5.6.5b) por %(1) e subtraindo as equações
resultantes obtém-se
T T
(λ1 − λ2 )(%(1) , %(2) ) = %(2) V %(1) − %(1) V %(2) , (5.6.6)
198 CAPı́TULO 5. PEQUENAS OSCILAÇÕES
onde usamos a simetria do produto interno (5.5.5). Mas, como V é também matriz
simétrica, o Exercı́cio 5.6.1 estabelece que
T T
%(2) V %(1) = %(1) V %(2) . (5.6.7)
Conseqüentemente,
Finalmente, outra suposição feita para permitir escrever a solução geral das equações
de movimento na forma (5.4.13) foi a da existência de exatamente n soluções linearmente
independentes %(1) , . . . , %(n) da Eq.(5.4.5). A fim de demonstrar isto, notemos inicialmente
que a positividade da matriz T assegura a existência de sua inversa T−1 . Com efeito,
se T não tivesse inversa existiria um vetor ξ 6= 0 tal que Tξ = 0 . Multiplicando esta
última equação pela esquerda por ξ T serı́amos levados a concluir que (ξ, ξ) = 0 donde
ξ = 0 , o que vem a ser uma contradição. Escrevamos, portanto, a Eq.(5.4.5) na forma
T−1 V ξ = λ ξ , (5.6.9)
T T
Kij = (ξ (i) , K ξ (j) ) = ξ (i) T T−1 V ξ (j) = ξ (i) V ξ (j) , (5.6.10)
donde, usando a Eq.(5.6.7), infere-se imediatamente que Kij = Kji . Fica, portanto,
estabelecida a asserção feita na Seção 5.4 de que é possı́vel encontrar n soluções linearmente
independentes da Eq.(5.4.5).
Como último comentário, note que a positividade da matriz V não foi utilizada na
demonstração de que a matriz modal diagonaliza simultaneamente T e V . Assim, de um
ponto de vista estritamente matemático, provamos que, dadas duas formas quadráticas
reais, basta que uma delas seja positiva definida para que exista uma matriz capaz de
diagonalizá-las simultaneamente. Essa diagonalização simultânea é geometricamente vi-
sualizável sem dificuldade no caso de sistemas com apenas dois graus de liberdade (Aravind
1989).
PROBLEMAS
5.1. Uma partı́cula de massa m move-se no semi-eixo x > 0 com energia potencial
onde todas as constantes são positivas. Determine para que valores das constantes existem
posições de equilı́brio e encontre a freqüência das pequenas oscilações em torno das posições
de equilı́brio estável.
5.2. Um pêndulo duplo genérico tem a lagrangiana dada no Problema 1.2. Considere
pequenas oscilações no caso particular `1 = `2 = ` , m1 = m , m2 = 3m . (i) Determine os
modos normais de vibração e represente-os graficamente.(ii) Encontre a posição de cada
partı́cula no instante t se em t = 0 ambas estavam em repouso deslocadas do mesmo
ângulo pequeno θ0 em relação à vertical. (iii) Obtenha as coordenadas normais do sistema.
5.3. Uma partı́cula move-se sem atrito na parte interna côncava de uma superfı́cie de
revolução z = f (ρ) , onde ρ, θ, z são coordenadas cilı́ndricas, e na presença de um campo
gravitacional constante g = −g k̂ . (i) Encontre a condição para que exista uma órbita
200 CAPÍTULO 5: PROBLEMAS
circular de raio ρ0 . (ii) Mostre que uma órbita circular é estável ou instável conforme
3f 0 (ρ0 ) + ρ0 f 00 (ρ0 ) seja positivo ou negativo. (iii) Para as órbitas estáveis, encontre a
freqüência Ω das pequenas oscilações em torno da configuração de equilı́brio. (iv) Aplique
√
os resultados anteriores à superfı́cie z = − R2 − ρ2 , ρ ≤ R . Relacione a velocidade
angular ω da partı́cula com com o raio ρ0 da órbita e determine a razão Ω2 /ω 2 .
5.4. O sistema representado na figura está sobre uma mesa horizontal lisa. Todas as
molas são iguais e a haste rı́gida homogênea AB tem massa m e comprimento 2` .
Não há movimento da haste na direção y . Usando como coordenadas a abscissa x do
centro de massa da haste e o ângulo θ que ela forma com o eixo y , determine: (i)
a lagrangiana; (ii) as freqüências caracterı́sticas e os modos normais de vibração. (iii)
Represente graficamente os modos normais.
5.5. Duas partı́culas de mesma massa m estão ligadas entre si por uma mola de cons-
tante elástica k 0 e por molas de mesma constante elástica k a dois suportes fixos. Na
posição de equilı́brio as molas têm todas o mesmo comprimento natural e o movimento
está restrito a uma linha reta. (a) Determine as freqüências caracterı́sticas e os modos
normais de vibração do sistema. (b) Justifique fisicamente o valor da menor freqüência
caracterı́stica. (c) Represente graficamente os modos normais de vibração. (d) Obtenha
a matriz modal e as coordenadas normais. Verifique explicitamente que as coordenadas
normais diagonalizam a lagrangiana. (e) Encontre a posição de cada partı́cula no instante
t dadas as seguintes condições iniciais em t = 0 : (i) ambas as partı́culas na posição de
equilı́brio, a primeira com velocidade v0 e a segunda em repouso; (ii) ambas as partı́culas
em repouso, a primeira na posição de equilı́brio e a segunda deslocada de a . No caso (ii),
descreva qualitativamente o movimento de cada partı́cula se k 0 k .
CAPÍTULO 5: PROBLEMAS 201
5.6. Um aro fino de massa m e raio R oscila num plano vertical com um ponto fixo O
(ver figura). Ao longo do aro desliza sem atrito uma conta com a amesma massa m . (i)
Mostre que a lagrangiana do sistema é
3mR2 2 mR2 2
L= θ̇1 + θ̇ + mR2 θ̇1 θ̇2 cos(θ1 − θ2 ) + 2mgR cos θ1 + mgR cos θ2
2 2 2
MECÂNICA RELATIVÍSTICA
I am convinced that the philosophers have had a harmful effect upon the progress
of scientific thinking in removing certain fundamental concepts from the domain of
empiricism... This is particularly true of our concepts of time and space, which
physicists have been obliged by the facts to bring down from the Olympus of the a
priori in order to adjust them and put them in a serviceable condition.
Albert Einstein
202
6.1. TRANSFORMAÇÕES DE LORENTZ 203
x − vt
x0 = q , (6.1.1a)
1 − v 2 /c2
y0 = y , (6.1.1b)
z0 = z , (6.1.1c)
0 t − vx/c2
t =q . (6.1.1d)
1 − v 2 /c2
x0 = x − vt , y0 = y , z0 = z , t0 = t , (6.1.2)
vx = v · r , (6.1.3)
v·r v
r0 = r + (γ − 1)x î − γv t = r + (γ − 1) − γv t , (6.1.5)
v v
β·r
r0 = r + (γ − 1) β − γ cβt , (6.1.6a)
β2
β · r
t0 = γ t − , (6.1.6b)
c
2
ds2 = ds0 . (6.1.9)
Este é um importante resultado: o intervalo entre dois eventos é invariante sob trans-
formações de Lorentz.4 Naturalmente, o mesmo resultado vale para um intervalo finito
∆s . Note que ds é análogo à distância entre dois pontos infinitesimalmente próximos
num esp!ço euclidiano tridimensional. No entanto, no caso da teoria especial da relativi-
dade nem a distância espacial nem o intervalo de tempo são separadamente invariantes,
mas somente a particular combinação de espaço e tempo expressa em (6.1.7).5 O espaço-
tempo quadridimensional com “distância” invariante ds definida por (6.1.7) é conhecido
com espaço de Minkowski.
x0 = c t , x1 = x , x2 = y , x3 = z . (6.1.10)
A transformação de Lorentz (6.1.6) é uma transformação linear que pode ser escrita na
forma
µ
x0 = Λµ 0 x0 + Λµ 1 x1 + Λµ 2 x2 + Λµ 3 x3 ≡ Λµ ν xν , (6.1.11)
onde passamos a utilizar a convenção de soma sobre ı́ndices repetidos de Einstein: toda
vez que um ı́ndice aparecer repetido, tal como ν nesta última equação, deve-se efetuar
uma soma de 0 a 3 sobre tal ı́ndice. Convencionaremos, também, que ı́ndices gregos tais
como α, β, µ, ν, . . . assumem os valores 0, 1, 2, 3, ao passo que ı́ndices latinos tais como
i, j, k, l, . . . tomam os valores 1, 2, 3. Os Λµ ν são os coeficientes da transformação de
Lorentz e constituem uma matriz Λ = (Λµ ν ) chamada de matriz da transformação de
Lorentz.6 Por exemplo, no caso da transformação de Lorentz ao longo da direção x a
matriz associada é
γ −β γ 0 0
−β γ γ 0 0
Λ= . (6.1.12)
0 0 1 0
0 0 0 1
4
Diz-se, também, que ds é um escalar de Lorentz.
5
Daı́ a célebre e dramática frase de Minkowski ao apresentar essas idéias pela primeira vez em 1908:
“De ora em diante o espaço por si mesmo e o tempo por si mesmo estão fadados a desvanecer-se em meras
sombras, e apenas uma espécie de união dos dois preservará uma realidade independente.”
6
Em Λµ ν o ı́ndice de linha é µ e o ı́ndice de coluna é ν.
206 CAPı́TULO 6. MECÂNICA RELATIVÍSTICA
Λ0 0 = γ , Λ0 i = Λi 0 = −γ βi , (6.1.13a)
βi βj
Λi j = δij + (γ − 1) , (6.1.13b)
β2
1 0 0 0
0 −1 0 0
G = (gµν ) = (6.1.14)
0 0 −1 0
0 0 0 −1
permite escrever
nesta última equação havendo, conforme convencionado, uma soma dupla nos ı́ndices
repetidos µ e ν. A matriz G define uma métrica no espaço de Minkowski e seus elementos
gµν são chamados de componentes do tensor métrico.
2 µ ν
ds2 = gµν dxµ dxν = ds0 = gµν dx0 dx0 = gµν Λµ α dxα Λν β dxβ , (6.1.16)
Assim resulta
ΛT G Λ = G . (6.1.20)
Multiplicando esta última equação pela direita por G e notando que G 2 = I , resulta
ΛT G Λ G = I , o que mostra que ΛT G é a matriz inversa de Λ G . Como a inversa de
uma matriz pela esquerda coincide com a inversa pela direita, temos também Λ G ΛT G =
I , donde
Λ G ΛT = G , (6.1.21)
que é uma condição equivalente a (6.1.20). Uma transformação de Lorentz é uma espécie
de rotação no espaço-tempo, e a matriz associada é ortogonal em relação à métrica G do
espaço de Minkowski. No caso das rotações tridimensionais a métrica é dada pela matriz
identidade, e a condição correspondente a (6.1.20) é a Eq.(3.1.11).
Exercı́cio 6.1.2. Usando (6.1.20) e (6.1.21) prove que o conjunto das transformações de
Lorentz forma um grupo, chamado de grupo de Lorentz. Sugestões: (i) a definição de grupo está
G H)−1 = H−1 G−1 ; (iii)
no final da Seção 3.1; (ii) se G e H são matrizes inversı́veis então (G
a transposta da inversa é igual à inversa da transposta.
Vale ressaltar que a definição (6.1.20) de transformação de Lorentz abrange uma classe
muito mais ampla de transformações lineares do que as transformações de Lorentz puras da
208 CAPı́TULO 6. MECÂNICA RELATIVÍSTICA
forma (6.1.6). Por exemplo, uma rotação dos eixos espaciais constitui uma transformação
de Lorentz consoante nossa definição geral, pois não afeta o tempo e deixa invariante a
distância espacial entre dois pontos. A inversão espacial t0 = t, r0 = −r e a inversão
temporal t0 = −t, r0 = r também constituem exemplos de transformações de Lorentz,
pois ambas preservam ds2 .
−1 = det G = det (ΛT G Λ) = det ΛT det G det Λ = (det Λ) (−1) (det Λ) , (6.1.22)
isto é,
(det Λ)2 = 1 =⇒ det Λ = ±1 . (6.1.23)
ou seja,
donde, finalmente,
Λ0 0 ≥ +1 ou Λ0 0 ≤ −1 . (6.1.26)
L+↑ : det Λ = +1 e Λ0 0 ≥ +1
L+↓ : det Λ = +1 e Λ0 0 ≤ −1
L−↑ : det Λ = −1 e Λ0 0 ≥ +1
L+↓ : det Λ = −1 e Λ0 0 ≤ −1
A única parte não trivial da demonstração de que L+↑ constitui um grupo é a verificação
de que o produto de duas matrizes de Lorentz ortócronas é também uma matriz ortócrona.
¯ = Λ̄ Λ . Então
Sejam Λ e Λ̄ duas transformações de Lorentz ortócronas consecutivas e seja Λ̄
¯ µ µ α
Λ̄ ν = Λ̄ α Λ ν , de modo que
Pondo a = (Λ̄01 , Λ̄02 , Λ̄03 ) , b = (Λ1 0 , Λ2 0 , Λ3 0 ) e usando (6.1.25) bem como sua análoga
decorrente de (6.1.21), ficamos com
¯0 =
p p
Λ̄ 0 1 + a2 1 + b2 + a · b . (6.1.28)
p p p q
1 + a2 1 + b2 = 1 + a2 + b2 + a2 b2 = (1 + ab)2 + (a − b)2 ≥ 1 + ab , (6.1.29)
donde
¯ 0 ≥ 1 + ab + a · b .
Λ̄ (6.1.30)
0
Um intervalo ∆s2 = c2 ∆t2 − ∆x2 − ∆y 2 − ∆z 2 entre dois eventos é dito do tipo espaço
se a parte espacial é maior do que a parte temporal ( ∆s2 < 0 ), e do tipo tempo se a
parte temporal é maior do que a parte espacial ( ∆s2 > 0 ). Se ∆s2 = 0 o intervalo é dito
do tipo luz . Note que esta classificação dos intervalos é absoluta, em outras palavras, é
válida em todos os referenciars inerciais porque ∆s2 é um escalar (invariante).
O, formam um cone com vértice em O, o chamado cone de luz de O, que divide o espaço-
tempo em quatro regiões. A região I é chamada de futuro absoluto de O e um evento
EI de I está separado de O por um intervalo do tipo tempo. A magnitude da projeção
−→
horizontal de um vetor como OEI é a distância espacial entre os eventos, ao passo que
a projeção vertical é c∆t , onde ∆t é o intervalo de tempo entre os eventos. Note que
c∆t é a distância percorrida por um raio luminoso durante o intervalo de tempo entre
os eventos. Como a distância espacial entre os eventos O e EI é menor do que c vezes
o intervalo temporal que os separa, pode haver uma relação de causa e efeito entre O e
EI . Por exemplo, o evento O poderia representar uma explosão e o evento EI representar
a chegada do estrondo produzido pela explosão. A região II é o passado absoluto de O,
e pode haver uma relação de causa e efeito entre EII e O. Por outro lado, é impossı́vel
haver conexão causal entre O e um evento nas regiões III ou IV . Por exemplo, a distância
percorrida pela luz no intervalo de tempo entre os eventos O e EIV é menor do que a
separação espacial entre eles, de modo que para haver relação de causa e efeito entre O
e EIV seria necessário existir algum processo fı́sico capaz de propagar-se com velocidade
superior à velocidade da luz no vácuo, o que é proibido pela teoria especial da relatividade.
O princı́pio da relatividade afirma que as leis da Fı́sica têm a mesma forma em todos
os referenciais inerciais. A fim de fazer valer este princı́pio, a expressão matemática das
leis fı́sicas deve envolver somente quantidades com regras de transformação bem definidas
quando se passa de um referencial inercial para outro.
A carga elétrica de uma partı́cula, o intervalo entre dois eventos e a velocidade da luz
no vácuo são exemplos de escalares.
µ
V 0 = Λµ ν V ν . (6.3.1)
Este teorema é uma conseqüência imediata da Eq.(6.1.16), e sua validade sugere in-
troduzir uma operação de abaixamento de ı́ndice definida por
Vµ = gµν V ν , (6.3.3)
214 CAPı́TULO 6. MECÂNICA RELATIVÍSTICA
pois com esta operação a Eq.(6.3.2) assume a forma usual de um produto escalar.
V2 ≡ V · V = (V 0 )2 − (V 1 )2 − (V 2 )2 − (V 3 )2 . (6.3.4b)
Vµ W µ = V µ W µ . (6.3.5)
Vµ = (V 0 , −V 1 , −V 2 , −V 3 ) , (6.3.6)
1 0 0 0
0 −1 0 0
(g µν ) = (6.3.7)
0 0 −1 0
0 0 0 −1
e, evidentemente,
g µα gαν = δνµ . (6.3.8)
Note, ainda, que g µν e gµν são simétricos em seus ı́ndices, isto é,
9
Neste capı́tulo, letras maiúsculas da segunda metade do alfabeto, em negrito, serão ocasionalmente
empregadas para denotar quadrivetores.
6.3. VETORES E TENSORES 215
V µ = g µν Vν . (6.3.10)
∂φ ∂φ ∂φ ∂φ ∂φ
dφ = 0
dx0 + 1 dx1 + 2 dx2 + 3 dx3 = µ
dxµ = escalar . (6.3.11)
∂x ∂x ∂x ∂x ∂x
Comparando esta equação com (6.3.4) concluı́mos que o gradiente de uma função escalar
é um tipo de vetor distinto do vetor contravariante e sua lei de transformação é idêntica
à de Vµ definido por (6.3.3) a partir de um vetor contravariante V µ . Vejamos, portanto,
como se transforma Vµ :
ν
V 0 µ = gµν V 0 = gµν Λν α V α = gµν Λν α g αβ Vβ ≡ Λµ β Vβ , (6.3.12)
one definimos
Λµ β = gµν g βα Λν α , (6.3.13)
V 0 µ = Λµ ν Vν , (6.3.14)
Exercı́cio 6.3.3 Fazendo uso das Eqs. (6.1.19) e (6.3.8) mostre que
Λµ ν Λµ α = δαν , (6.3.15)
α1 α2 ···αr
T0 = Λα1 β1 Λα2 β2 · · · Λαr βr T β1 β2 ···βr . (6.3.16a)
Analogamente, um tensor covariante Zα1 α2 ...αr de ordem r é definido pela lei de trans-
formação
V ν Wν , V µ Wν + V ν Wµ , V µ Wν − V ν Wµ , (6.3.17)
O produto escalar de um vetor por um tensor reduz de uma unidade a ordem do tensor.
Por exemplo:
ν µν
W 0 = V 0µ Y 0 = Λµ α Vα Λµ β Λν γ Y βγ = Λµ α Λµ β Vα Λν γ Y βγ
T µ µα , T µν ν , T µν µ , (6.3.21)
T µ µ = Tµ µ , (6.3.22)
Definição 6.4.1. Um campo escalar é uma função φ(P ) cujo valor em cada ponto
P do espaço-tempo é invariante sob transformações de Lorentz, isto é, φ0 (P ) = φ(P ) . Se
o ponto P tem coordenadas x ≡ (x0 , x1 , x2 , x3 ) em K e x0 em K0 temos
µν···ρ
T0 (x0 ) = Λµ α Λν β · · · Λρ σ T αβ···σ (x) . (6.4.2)
∂ ∂ ∂ ∂ ∂ 1∂
∂µ ≡ = ( , , , ) = ( , ∇) (6.4.3)
∂xµ ∂x0 ∂x1 ∂x2 ∂x3 c ∂t
é um vetor covariante. Isto deduz-se do fato de ∂µ φ ser um vetor covariante, como vimos
na Seção 6.3, e da definição de campo escalar. De fato, combinando
∂ 0 µ = Λµ ν ∂ν , (6.4.5)
∂ ∂ ∂ ∂ ∂ 1∂
∂ µ = g µν ∂ν = =( , , , )=( , −∇) (6.4.6)
∂xµ ∂x0 ∂x1 ∂x2 ∂x3 c ∂t
é um vetor contravariante.
Campos tensoriais podem ter sua ordem aumentada por diferenciação. Por exemplo,
se φ é um campo escalar então
∂2
∂µ ∂ν φ = = campo tensorial covariante de segunda ordem . (6.4.7)
∂xµ ∂xν
div V = ∂µ V µ . (6.4.10)
220 CAPı́TULO 6. MECÂNICA RELATIVÍSTICA
1 ∂2 ∂2 ∂2 ∂2 1 ∂2
2 ≡ ∂µ ∂ µ = − − − = − ∇2 . (6.4.12)
c2 ∂t2 ∂x2 ∂y 2 ∂z 2 c2 ∂t2
Este operador é um escalar, de modo que sua aplicação não altera a ordem de um campo
tensorial.
O aparato tensorial desenvolvido nas seções anteriores tem como objetivo permitir a
expressão matemática das leis da Fı́sica em forma covariante, isto é, válida em todos os
referenciais inerciais. Suponha que, num dado sistema de referência inercial K , uma lei
da Fı́sica possa ser expressa na forma
T µν···ρ = 0 , (6.5.1)
µν···ρ
T0 =0 , (6.5.2)
se (6.5.1) valer em K . Em conseqüência, a lei fı́sica descrita por (6.5.1) em K tem a mesma
6.5. LEIS Fı́SICAS EM FORMA COVARIANTE 221
forma em todos os referenciais inerciais. Dizemos que uma lei fı́sica representada por uma
equação do tipo (6.5.1) está expressa numa forma manifestamente covariante, bastando
olhar para a equação para se inferir sua validade em todos os sistemas de referência
inerciais.
1 ∂B 1 ∂E 4π
∇ · E = 4π ρ , ∇·B = 0 , ∇×E+ =0 , ∇×B− = j . (6.5.3)
c ∂t c ∂t c
Estas equações prevêem que a luz se propaga no vácuo com velocidade constante c. Se-
gundo o postulado fundamental da teoria especial da relatividade, isto é verdadeiro em
todos os sistemas de referência inerciais, o que é compatı́vel com as transformações de
Lorentz mas contradiz as transformações de Galileu. Portanto, as Eqs.(6.5.3) devem ser
válidas em todos os referenciais inerciais, devendo ser possı́vel reescrevê-las em forma
manifestamente covariante sem alterar seu conteúdo.
∂ρ
+∇·j=0 , (6.5.4)
∂t
J µ = (c ρ , jx , jy , jz ) ≡ (c ρ , j) , (6.5.5)
∂µ J µ = 0 . (6.5.6)
11
Quando se refere a uma equação ou lei fı́sica, a palavra “covariante” significa “válida em todos os
referenciais inerciais”.
222 CAPı́TULO 6. MECÂNICA RELATIVÍSTICA
v
ρ 0 = γ (ρ − jx ) , jx0 = γ (jx − v ρ) , jy0 = jy , jz0 = jz , (6.5.7)
c2
1 ∂A
B=∇×A , E = −∇φ − . (6.5.8)
c ∂t
Consideremos, então,
Aµ = (φ , A) (6.5.9)
como novo candidato a quadrivetor. A primeira das equações (6.5.8) sugere introduzir um
tensor de segunda ordem F µν definido como o rotacional de Aµ :
F µν = ∂ µ Aν − ∂ ν Aµ . (6.5.10)
1 ∂Ax ∂φ
F 01 = ∂ 0 A1 − ∂ 1 A0 = ∂0 Ax + ∂1 φ = + = −Ex .
c ∂t ∂x
Exercı́cio 6.5.2. Verifique que as demais componentes de F µν são dadas por (6.5.11).
F µν = −F νµ . (6.5.12)
4π ν
∂µ F µν = J , (6.5.13)
c
∂ ρ F µν + ∂ µ F νρ + ∂ ν F ρµ = 0 . (6.5.14)
4π 0 ∂F 00 ∂F 10 ∂F 20 ∂F 30 4π
∂µ F µ0 = J =⇒ 0
+ 1
+ 2
+ 3
= cρ =⇒ ∇ · E = 4π ρ .
c ∂x ∂x ∂x ∂x c
Ex0 = Ex , Bx0 = Bx ,
Sugestão: denotando por F a matriz (6.5.11), mostre que a lei de transformação de F µν pode
ser escrita na forma matricial F 0 = ΛF ΛT .
d2 r
m =F , (6.6.1)
dt2
preserva sua forma admitindo-se a invariância de F, já que a aceleração é invariante sob
transformações galileanas. Para dar à segunda lei de Newton uma forma invariante sob
transformações de Lorentz é de se esperar que seja necessário modificar o seu conteúdo,
ao contrário do que ocorreu com a teoria eletromagnética, cuja covariância relativı́stica já
estava embutida nas equações tal como originalmente propostas por Maxwell.
2
ds0 = c2 dτ 2 (6.6.3)
q
dτ = 1 − v 2 /c2 dt ≡ dt/γ , (6.6.4)
com γ definido por (6.1.4). Note que a Eq.(6.6.3) comprova que dτ é um escalar, pois ds0
e a velocidade da luz no vácuo são escalares.
dxµ
Uµ = , (6.6.5)
dτ
U µ = (γ c , γ v) , (6.6.6)
U µ Uµ = c 2 . (6.6.7)
Isto mostra que a quadrivelocidade U µ é um vetor do tipo tempo que nunca se anula.
µdU µ d2 xµ
A = = , (6.6.8)
dτ dτ 2
v·a (v · a)
Aµ = (γ 4 , γ 4 2 v + γ 2 a) , (6.6.9)
c c
Aµ Uµ = 0 , (6.6.10)
P µ = m0 U µ = (γ m0 c , γ m0 v) , (6.6.11)
P µ Pµ = m20 c2 . (6.6.12)
6.6. DINÂMICA RELATIVı́STICA 227
Podemos escrever
P µ = (γ m0 c , p) , (6.6.13)
onde
m0 v
p = γ m0 v = q (6.6.14)
1 − v 2 /c2
Estamos prontos, agora, para propor a versão covariante da segunda lei de Newton na
forma
dP µ
= Fµ , (6.6.15)
dτ
F µ Pµ = 0 . (6.6.16)
dp d m0 v
≡ q =F . (6.6.17)
dt dt 1 − v 2 /c2
γ
γm0 cF 0 − γ 2 m0 F · v = 0 =⇒ F0 = F·v . (6.6.18)
c
γ
F µ = ( F · v , γF) , (6.6.19)
c
v
F=e E+ ×B (6.6.20)
c
F µ = κ F µν Uν , κ = escalar , (6.6.21)
m0 Aµ = κ F µν Uν . (6.6.22)
m0 a = κ c E0 , (6.6.23)
dP µ e
= F µν Uν . (6.6.24)
dτ c
e µν
Fµ = F Uν (6.6.25)
c
dP 0 d γ
≡ γ (m0 cγ) = F 0 = F · v , (6.6.26)
dτ dt c
ou seja,
m0 c2
!
d
q =F·v . (6.6.27)
dt 1 − v 2 /c2
Tendo em conta que F · v é a potência fornecida à partı́cula pela força F , devemos tomar
m 0 c2
E=q (6.6.28)
1 − v 2 /c2
230 CAPı́TULO 6. MECÂNICA RELATIVÍSTICA
E
Pµ = ,p . (6.6.29)
c
Desta forma, energia e momento linear passam a constituir um quadrivetor, fazendo com
que as leis da conservação da energia e do momento linear deixem de ser independentes,
tornando-se aspectos de uma lei de conservação covariante do quadrimomento.
1 3 v4
E = m0 c2 + m0 v 2 + m0 2 + · · · . (6.6.30)
2 8 c
E = m0 c2 , (6.6.31)
que estabelece a equivalência entre massa e energia: uma massa m0 em repouso pode ser
convertida numa quantidade equivalente de energia m0 c2 .
Solução. Este exemplo pode corresponder à aceleração de uma partı́cula carregada por um
campo elétrico constante e uniforme. No caso unidimensional a Eq.(6.6.17) assume a forma
!
d m0 ẋ
p =F . (6.6.32)
dt 1 − ẋ2 /c2
ẋ F
p = at + b , a= , (6.6.33)
1 − ẋ2 /c2 m0
6.6. DINÂMICA RELATIVı́STICA 231
Figura 6.6.1: Linha de universo de uma partı́cula relativı́stica sob a ação de uma força
constante.
onde b é uma constante de integração arbitrária. Resolvendo esta equação para ẋ somos con-
duzidos a
at + b
ẋ = p , (6.6.34)
1 + (at + b)2 /c2
s
c2 at + b 2
x − x0 = 1+ . (6.6.35)
a c
" #
c2
r at 2
x= −1 + 1+ . (6.6.36)
a c
c2 2 c4
x+ − c2 t2 = 2 , (6.6.37)
a a
Exercı́cio 6.6.4. Inspecionando a Eq.(6.6.33), prove que ẋ < c para qualquer t e que
ẋ → c no limite assintótico t → ∞ . Encontre o limite não-relativı́stico da Eq.(6.6.36) passando
formalmente ao limite c → ∞ e mostre que os resultados esperados são obtidos.
q
E= p2 c2 + m20 c4 , p2 = p · p . (6.6.38)
Uma outra caracterı́stica da mecânica relativı́stica não partilhada pela mecânica new-
toniana é a possibilidade de existência de partı́culas de massa de repouso zero (fótons,
grávitons). Fazendo m0 = 0 em (6.6.38) resulta
E = |p|c , (6.6.39)
Π’que é a conexão relativı́stica entre E e p para partı́culas de massa zero. Uma faceta
fundamental das partı́culas de massa nula é que, em módulo, sua velocidade é sempre c
em qualquer referencial inercial, como o leitor é instado a demonstrar.
Exercı́cio 6.6.5. A partir das Eqs.(6.6.12) e (6.6.29) deduza (6.6.38). Prove, ainda, que a
velocidade da partı́cula pode ser expressa na forma
c2 p
v= , (6.6.40)
E
(I) (I) (F ) (F )
P(1) + · · · P(N ) = P(1) + · · · + P(M ) . (6.7.1)
6.7. COLISÕES RELATIVı́STICAS 233
O estado inicial (antes da colisão) contém N partı́culas e o estado final (depois da co-
(I) (F )
lisão) contém M partı́culas, e P(k) e P(k) denotam os quadrimomentos inicial e final,
respectivamente, da k-ésima partı́cula. Sendo uma equação tensorial, (6.7.1) assegura a
validade da conservação da energia e do momento linear em todos os sistemas de referência
inerciais. Ilustraremos, a seguir, a notável eficiência da Eq.(6.7.1), aliada à invariância do
produto escalar (6.3.4), para extrair de forma elegante e concisa informações importantes
a respeito de processos envolvendo colisões de partı́culas com altas energias.
Exemplo 6.7.1. Antiprótons podem ser produzidos numa colisão próton-próton segundo a
reação
p + p → p + p + p + p̄ , (6.7.2)
Solução. De acordo com (6.6.27), uma partı́cula livre tem a menor energia possı́vel quando
está em repouso. Portanto, a energia mı́nima do próton incidente é aquela que permite a formação
dos produtos da reação em repouso. No entanto, os produtos da reação não podem ser formados
em repouso no referencial do laboratório, pois isso violaria a lei da conservaçãodo momento linear.
Em conseqüência, os produtos da reação só podem ser formados em repouso no referencial do
centro de massa, pois é nesse referencial que o momento linear total é zero. Denotando por P(F )
o quadrimomento total dos produtos da colisão, suas componentes no referencial do centro de
massa são
porque cada um dos produtos da reação tem quadrimomento com componentes (mc, 0, 0, 0) ,
onde m é a massa de repouso do próton (igual à do antipróton). A lei de conservação do
quadrimomento escreve-se
P + Q = P(F ) , (6.7.4)
2 2
P2 + 2P · Q + P2 = P(F ) =⇒ m2 c2 + 2P · Q + m2 c2 = P(F ) , (6.7.5)
onde usamos (6.6.12). As demais quantidades escalares envolvidas nesta última equação podem
234 CAPı́TULO 6. MECÂNICA RELATIVÍSTICA
ser calculados no referencial inercial que se revelar mais conveniente. Assim, calculando o lado
direito de (6.7.5) no referencial do centro de massa com a ajuda de (6.7.3), resulta
2
P(F ) = 16m2 c2 , (6.7.6)
E
P= ,p , Q = (mc, 0, 0, 0) (no referencial do laboratório ) , (6.7.7)
c
E
P·Q= mc = mE . (6.7.8)
c
E = 7 m c2 , (6.7.9)
para a energia limiar da reação (6.7.2). Para possuir esta energia, o próton incidente deve ter
uma velocidade igual a 0, 99c.
No caso especial de um fóton, sua energia é hν e seu momento linear tem magnitude
hν/c , onde h é a constante de Planck e ν é a freqüência. Assim, o quadrimomento de
um fóton é
E hν
P= ,p = (1, n̂) (6.7.10)
c c
P2 = 0 , (6.7.11)
Exemplo 6.7.2. Considerando o espalhamento de raios X por uma folha de grafite como
provocado pela colisão de um fóton com um elétron, A. H. Compton mostrou em 1923 que
6.7. COLISÕES RELATIVı́STICAS 235
2h θ
λ0 = λ + sin2 . (6.7.12)
mc 2
P + Q = P0 + Q0 . (6.7.13)
Como não queremos nenhuma informação sobre o recuo do elétron, revela-se conveniente eliminar
o quadrivetor indesejável Q0 , isolando-o em (6.7.13) e quadrando a equação resultante:
2
Q0 = (P + Q − P0 )2 . (6.7.14)
P · P0 = Q · (P − P0 ) . (6.7.15)
hν hν 0 h2 νν 0
P · P0 = (1 − n̂ · n̂0 ) = (1 − cos θ) . (6.7.16)
c c c2
236 CAPı́TULO 6. MECÂNICA RELATIVÍSTICA
hνν 0
(1 − cos θ) = m(ν − ν 0 ) . (6.7.16)
c2
É fácil comprovar que, em termos do semi-ângulo θ/2 e do comprimento de onda λ = c/ν , esta
equação torna-se idêntica à fórmula de Compton (6.7.12).
d m0 v
q = −∇V (r) (6.8.2)
dt 1 − v 2 /c2
pode ser posta na forma lagrangiana. Para tanto basta notar que
m0 ẋ ∂ h 2
q i
q = −mc 1 − (ẋ2 + ẏ 2 + ż 2 )/c2 , (6.8.3)
1 − (ẋ2 + ẏ 2 + ż 2 )/c2 ∂ ẋ
q
L = −m0 c2 1 − v 2 /c2 − V (r) (6.8.4)
d ∂L ∂L
− =0 , k = 1, 2, 3 , (6.8.5)
dt ∂ q̇k ∂qk
∂L ∂L ∂L m0 c2
h = ẋ + ẏ + ż −L= q +V , (6.8.6)
∂ ẋ ∂ ẏ ∂ ż 1 − v 2 /c2
2
q e
L = −m0 c 1 − v 2 /c2 − eφ + v · A (6.8.7)
c
m0 c2
h = Etot =q + eφ . (6.8.8)
1 − v 2 /c2
A formulação lagrangiana que acabamos de discutir não é covariante, pois gera apenas
a equaçãode movimento relativı́stica (6.6.17), que se refere a um sistema inercial particular.
Uma formulação lagrangiana covariante deve permitir escrever a equação de movimento
covariante
d
(m0 U µ ) = F µ , (6.8.9)
dτ
na forma
d ∂L ∂L
− =0 , (6.8.10)
dτ ∂Uµ ∂xµ
m0 α e
L= U Uα + Uα Aα . (6.8.11)
2 c
∂ ∂
(U α Uα ) = (g αβ Uα Uβ ) = g αβ (δαµ Uβ + Uα δβµ ) = δαµ U α + δβµ U β = 2U µ , (6.8.12)
∂Uµ ∂Uµ
donde
∂L e
= m 0 U µ + Aµ . (6.8.13)
∂Uµ c
d µ ∂Aµ dxα
A = = Uα ∂ α Aµ . (6.8.14)
dτ ∂xα dτ
dU µ e e ∂Aα
m0 + Uα ∂ α Aµ − Uα =0 , (6.8.15)
dτ c c ∂xµ
Uma possı́vel objeção à lagrangiana (6.8.11) é que ela só gera a equação de movi-
mento covariante correta se tratarmos as quatro componentes da quadrivelocidade como
independentes, o que obviamente não é verdadeiro por causa do vı́nculo (6.6.7). Pode-se
contra-argumentar, no entanto, que além de produzir a equação de movimento correta, a
própria equação de movimento gerada pela lagrangiana (6.8.11) contém o vı́nculo (6.6.7).
De fato, de (6.8.15) deduz-se Uµ dU µ /dτ = (e/m0 c)F µν Uµ Uν = 0 porque F µν é anti-
simétrico (ver Problema 6.6). Portanto, Uµ U µ = constante e a constante pode ser esco-
lhida igual a c2 . Isto justifica o emprego da lagrangiana (6.8.11) tratando as componentes
da quadrivelocidade como se fossem todas independentes.
6.9. AÇÃO À DISTÂNCIA NA RELATIVIDADE ESPECIAL 239
Na Seção 6.6 vimos como fazer a formulação covariante da dinâmica de uma partı́cula.
O passo seguinte seria desenvolver equações de movimento manifestamente covariantes
para duas ou mais partı́culas em interação. Uma das caracterı́sticas da mecânica newtoni-
ana é a ação à distância, tal como a expressa pela lei da gravitação universal. A conservação
do momento linear total é uma conseqüência direta da terceira lei de Newton. Se a ação
e a reação ocorrem em pontos distantes, essa lei não pode ser transplantada diretamente
para a relatividade especial por causa da ambigüidade da simultaneidade: só é possı́vel
uma terceira lei de Newton covariante no caso de interação por contato. É evidente que
a ação à distância nos moldes estritamente newtonianos é incompatı́vel com a teoria es-
pecial da relatividade, porque envolve a propagação instantânea, isto é, com velocidade
infinita, da interação entre as partı́culas. Para contornar essa dificuldade, poder-se-ia con-
ceber uma ação à distância retardada, de tal modo que qualquer modificação no estado
de uma partı́cula somente seria sentida por outra depois de transcorrido um tempo igual
ao necessário para a luz cruzar a distância entre elas. Nesse caso, a modificação do mo-
mento linear de uma partı́cula não se refletiria na mudança imediata do momento linear
das outras, mas teria que haver um momento linear em trânsito de uma partı́cula para as
outras a fim de assegurar a conservação do momento linear total. Isto indica que, numa
teoria relativı́stica, as interações entre partı́culas têm que ser mediadas por campos locais
dotados de propriedades mecânicas, tais como energia e momento linear. Embora isto seja
intuitivamente claro, uma demonstração formal da impossibilidade de ação à distância na
teoria especial da relatividade tem um considerável valor instrutivo.
Considere um sistema de duas partı́culas com linhas de universo descritas pelos qua-
240 CAPı́TULO 6. MECÂNICA RELATIVÍSTICA
drivetores xµ(1) (τ1 ) e xµ(2) (τ2 ) , onde τ1 e τ2 são os respectivos tempos próprios. O quad-
rimomento total do sistema no instante t de um referencial inercial K é
µ
P 0 = Λµ ν P ν . (6.9.2)
µ µ
P 0 (1) |P + P 0 (2) |Q0 = Λµ ν (P(1)
ν ν
|P + P(2) |Q ) . (6.9.3)
CAPÍTULO 6: PROBLEMAS 241
µ µ
P 0 (1) |P = Λµ ν P(1)
ν
|P , P 0 (2) |Q0 = Λµ ν P(2)
ν
|Q0 . (6.9.4)
ν
Λµ ν P(2) ν
|Q0 = Λµ ν P(2) |Q . (6.9.5)
µ µ
P(2) |Q0 = P(2) |Q , (6.9.6)
o que significa que o quadrimomento da partı́cula é o mesmo nos pontos Q e Q0 de sua linha
de universo. Como Q e Q0 são eventos arbitrários, demonstramos que o quadrimomento
total será conservado se e somente se o quadrimomento de cada partı́cula permanecer
constante, isto é, se não houver interação entre as partı́culas.
Este “teorema da ausência de interação” (Van Dam & Wigner 1966; Ohanian 1976)
estabelece de forma inequı́voca que a implementação da lei da conservação da energia e
do momento linear de um sistema de partı́culas em interação requer a introdução de uma
outra entidade portadora de energia e momento linear, a saber, um campo mediador da
interação. A interação entre duas partı́culas afastadas deve ser interpretada como uma
ação por contato de uma partı́cula sobre o campo, seguida de propagação do campo e,
finalmente, ação por contato do campo sobre a outra partı́cula. A quantidade que se
conserva é a soma dos quadrimomentos das partı́culas acrescida do quadrimomento do
campo.
PROBLEMAS
6.1. Dois fótons viajam ao longo do eixo x do referencial inercial K mantendo uma
distância constante L entre eles. Prove que em K0 a distância entre esses fótons é dada
por L(c + v)1/2 /(c − v)1/2 .
242 CAPÍTULO 6: PROBLEMAS
6.2. (i) Mostre que a transformação de Lorentz padrão (6.1.1) pode ser escrita na forma
onde tanh φ = v/c . (As relações cosh φ = cos iφ e i senh φ = sen iφ permitem converter
qualquer identidade trigonométrica numa identidade de funções hiperbólicas.) Note que,
formalmente, isto é uma “rotação” em x e ict de um “ângulo” iφ ; como tal, ela preserva
x2 + (ict)2 . (ii) Deduza a seguinte forma útil da transformação de Lorentz:
v0 + (γ − 1)(u · v0 /u2 )u + γu
v= .
γ 1 + u · v0 /c2
Note que, em geral, esta expressão não é simétrica em u e v0 . A que se reduz esta equação
quando v0 e u são paralelas?
6.4. Dois eventos A e B têm uma separação do tipo tempo. Considere uma linha de
universo reta e linhas de universo curvas conectando A e B . Mostre que o tempo próprio
entre A e B ,
Z B Z B q
∆τ = dτ = dxµ dxµ
A A
é máximo quando calculado ao longo da linha de universo reta. Assim, a linha de universo
de uma partı́cula livre pode ser caracterizada como a curva no espaço-tempo de máximo
CAPÍTULO 6: PROBLEMAS 243
6.6. (i) Prove que um tensor Aµν é simétrico (anti-simétrico) na forma contravariante se
e somente se ele é simétrico (anti-simétrico) na forma covariante Aµν . (ii) Se Aµν é um
tensor simétrico e B µν é um tensor anti-simétrico, prove que Aµν Bµν = 0 .
6.7. Mostre que um fóton não pode desintegrar-se espontaneamente num par elétron-
pósitron.
6.8. (i) Prove que na mecânica relativı́stica também vale a equação dL/dt = N , onde L =
r × p é o momento angular e N = r × F é o torque ( p é o momento linear relativı́stico).
(ii) Se Lµν = xµ P ν − xν P µ é o tensor momento angular e N µν = xµ F ν − xν F µ é o tensor
torque, demonstre que dLµν /dτ = N µν e comprove que a parte espacial desta equação
corresponde ao resultado do item (i).
6.9. (i) Se Aµ é um vetor do tipo tempo, prove que existe um referencial inercial no qual
ele só possui componente temporal. Sugestão: uma rotação dos eixos permite eliminar
duas das componentes espaciais do vetor; prove que existe uma transformação de Lorentz
que elimina a componente espacial remanescente. (ii) Prove que se um quadrivetor é
ortogonal a um quadrivetor do tipo tempo, então ele é do tipo espaço.
6.10. Mostre que um fóton não pode desintegrar-se espontaneamente num par elétron-
pósitron.
6.11. Uma partı́cula de massa M decai a partir do repouso numa partı́cula de massa m
e num fóton. Encontre a energia de cada um dos produtos finais.
6.12. Prove que uma partı́cula de massa não-nula não pode desintegrar-se num único
fóton. Que lei de conservação é necessariamente violada?
méson pi? Denote por m a massa do próton ou nêutron, supostas iguais, e por mπ a
massa do pı́on.
ax ay az
a0x = , a0y = , a0z = ,
(1 − v 2 /c2 )3/2 1 − v 2 /c2 1 − v 2 /c2
6.15. Um pı́on com energia de 1200 MeV incide sobre um próton em repouso, produzindo
vários pı́ons segundo a reação π + p → p + nπ . Qual é o número máximo n de pı́ons que
podem ser produzidos na reação? A energia de repouso do próton é 938 MeV e a do pı́on
140 MeV.
6.16. Uma partı́cula de massa de repouso m0 , com velocidade v = 4c/5 , colide inelas-
ticamente com uma partı́cula idêntica em repouso. (i) Qual é a velocidade da partı́cula
composta? (ii) Qual é a sua massa de repouso?
1 µνρλ
F̃ µν = Fρλ ,
2
∂ν F̃ µν = 0 .
CAPÍTULO 6: PROBLEMAS 245
1 h αµ ν 1 i
T µν = F F α + g µν F αβ Fαβ .
4π 4
Mostre que:
1
T 00 = (E 2 + B 2 ) = densidade de energia ;
8π
para k = 1, 2, 3
1
T 0k = (E × B)k = vetor de Poynting ;
4π
6.20. Considere uma possı́vel modificação da teoria do campo gravitacional visando torná-
la relativisticamente covariante. (a) A expressão usual da força F = −m∇φ é substituı́da
por Fµ = m∂µ φ , onde m é a massa da partı́cula e φ é o potencial gravitacional. (b) Na
equação de movimento covariante
d
(mU µ ) = F µ
dτ
dm dφ
c2 =m
dτ dτ
λ µ
L(xµ , U µ , λ, λ̇) = (U Uµ − c2 ) .
2
Mostre que
!
d ∂L ∂L dUα
− =0 =⇒ λ + λ̇ Uα = 0
dτ ∂U α ∂U α dτ
e !
d ∂L ∂L
− =0 =⇒ U µ Uµ − c2 = 0 .
dτ ∂ λ̇ ∂λ
Destas equações deduza que λ̇ = 0 , isto é, λ = constante . Conclua, finalmente, que as
equações de movimento acima equivalem ao par
dU α
=0 , U α Uα = c2 ,
dτ
que são as equações corretas para a partı́cula livre, incluindo o vı́nculo satisfeito pela
quadrivelocidade.
6.22. Uma partı́cula relativı́stica movendo-se sob um potencial escalar externo φ(x) é
regida pela lagrangiana
m0 c2 + φ(x)
E= q
1 − v 2 /c2
é constante de movimento.
Capı́tulo 7
DINÂMICA HAMILTONIANA
247
248 CAPı́TULO 7. DINÂMICA HAMILTONIANA
d ∂L ∂L
q̇i = si , − =0 , i = 1, . . . , n , (7.1.1)
dt ∂si ∂qi
∂L
pi = , i = 1, . . . , n . (7.1.2)
∂ q̇i
∂2L
Wij = (7.1.3)
∂ q̇i ∂ q̇j
det W 6= 0 , (7.1.4)
pois neste caso o teorema da função implı́cita (Loomis & Sternberg 1968) garante que
7.1. AS EQUAÇÕES CANÔNICAS DE HAMILTON 249
n
X
H(q, p, t) = q̇i pi − L(q, q̇, t) . (7.1.5)
i=1
No lado direito desta equação supõe-se que as velocidades estejam expressas na forma q̇i =
fi (q, p, t) resultante da resolução das n equações (7.1.2) para as n velocidades generalizadas.
n
( n )
X X ∂L ∂L ∂L
dH = (q̇i dpi + pi dq̇i ) − dqi + dq̇i + dt . (7.1.6)
i=1 i=1 ∂qi ∂ q̇i ∂t
Em virtude da definição dos p’s e das equações de Lagrange, esta última equação reduz-se
a
n
X ∂L
dH = (q̇i dpi − ṗi dqi ) − dt , (7.1.7)
i=1 ∂t
indicando que, de fato, H só depende dos q’s e p’s. Por outro lado,
n
X ∂H ∂H ∂H
dH = dqi + dpi + dt . (7.1.8)
i=1 ∂qi ∂pi ∂t
∂H ∂H
q̇i = , ṗi = − , i = 1, . . . , n , (7.1.9)
∂pi ∂qi
e, como subproduto,
1
As transformações de Legendre são largamente utilizadas na termodinâmica e também possuem um
significado geométrico interessante (Callen 1960; Arnold 1976) que não poderemos discutir aqui.
250 CAPı́TULO 7. DINÂMICA HAMILTONIANA
∂H ∂L
=− . (7.1.10)
∂t ∂t
H =T +V =E , (7.1.11)
isto é, a hamiltoniana é a energia total expressa como função das coordenadas e momentos.
As condições (i) e (ii) prevalecem na maioria esmagadora dos casos de interesse fı́sico, de
modo que a hamiltoniana possui o significado fı́sico extremamente importante se ser a
energia total do sistema na vasta maioria das situações relevantes. Além disso, essas
condições são apenas suficientes, sendo possı́vel que elas não sejam satisfeitas e, ainda
assim, H coincida com a energia total (vide Exemplo 7.1.2).
Exemplo 7.1.1. Obter as equações de Hamilton para uma partı́cula num potencial central.
2
A palavra “canônica” é usada no sentido de “padrão”.
7.1. AS EQUAÇÕES CANÔNICAS DE HAMILTON 251
m 2
L=T −V = (ṙ + r2 θ̇2 + r2 sin2 θ ϕ̇2 ) − V (r) , (7.1.12)
2
donde
∂L ∂L ∂L
pr = = mṙ , pθ = = mr2 θ̇ , pϕ = = mr2 sin2 θ ϕ̇ . (7.1.13)
∂ ṙ ∂ θ̇ ∂ ϕ̇
pr pθ pϕ
ṙ = , θ̇ = , ϕ̇ = , (7.1.14)
m mr2 mr sin2 θ
2
de sorte que
1 2 p2θ p2ϕ
H = ṙ pr + θ̇ pθ + ϕ̇ pϕ − L = pr + 2 + 2 2 + V (r) . (7.1.15)
2m r r sin θ
∂H pr ∂H pθ ∂H pϕ
ṙ = = , θ̇ = = , ϕ̇ = = , (7.1.16a)
∂pr m ∂pθ mr2 ∂pϕ mr sin2 θ
2
Conforme uma observação geral já feita, as Eqs.(7.1.16a) são as inversas de (7.1.13), e com o
seu uso as Eqs.(7.1.16b) tornam-se idênticas às equações de Lagrange oriundas da lagrangiana
(7.1.12).
m 2 q
L= (ẋ + ẏ 2 + ż 2 ) − qφ(r, t) + v · A(r, t) , (7.1.17)
2 c
252 CAPı́TULO 7. DINÂMICA HAMILTONIANA
donde
∂L q ∂L q ∂L q
px = = mẋ + Ax , py = = mẏ + Ay , pz = = mż + Az . (7.1.18)
∂ ẋ c ∂ ẏ c ∂ ż c
Assim,
1 q
v= p− A (7.1.19)
m c
e, conseqüentemente,
1 q 2
H =v·p−L= p − A + qφ . (7.1.20)
2m c
∂H 1 q
ṙ = = p− A , (7.1.21a)
∂p m c
" #
∂H q q q
ṗ = − = p − A · ∇ A + p − A × (∇ × A) − q∇φ , (7.1.21b)
∂r mc c c
v
mr̈ = q E + ×B , (7.1.22)
c
Conforme definimos na Seção 2.5, uma coordenada qj é dita cı́clica ou ignorável se ela
não aparece na lagrangiana. Em decorrência da definição dos momentos canônicos e da
7.2. COORDENADAS Cı́CLICAS E LEIS DE CONSERVAÇÃO 253
∂H
ṗj = − =0 (7.2.1)
∂qj
! !
dH X ∂H ∂H ∂H X ∂H ∂H ∂H ∂H ∂H ∂H
= q̇i + ṗi + = − + = . (7.2.2)
dt i ∂qi ∂pi ∂t i ∂qi ∂pi ∂pi ∂qi ∂t ∂t
m 2
L=T = (ṙ + ω 2 r2 ) , (7.2.3)
2
p2r mω 2 2
H= − r , (7.2.4)
2m 2
que não é a energia total (puramente cinética) da conta. Entretanto, H é constante de movi-
mento porque ∂H/∂t = 0 . Por outro lado, a energia total
p2r mω 2 2
E=T = + r (7.2.5)
2m 2
não se conserva porque a força de vı́nculo realiza trabalho por ocasião de um deslocamento real
da partı́cula.
Também pode acontecer o oposto, isto é, H coincidir com a energia total mas não se
conservar devido a uma dependência temporal explı́cita (Goldstein 1980).
Seja f uma função real de uma variável real t. O valor médio de f é definido por
7.3. TEOREMA DO VIRIAL 255
Z τ
hf i = τlim
→∞
f (t) dt (7.3.1)
0
sempre que este limite existe. Em particular, quando f é uma funçãoperiódica e integrável
num perı́odo o limite existe e é dado simplesmente por
1 Z τ0
f (t) dt
τ0 0
X ∂H
V=− qi (7.3.2)
i ∂qi
é uma generalização do virial, introduzido na teoria cinética dos gases por Clausius. Em
certas circunstâncias o valor médio de V pode ser relacionado ao valor médio de outras
grandezas dinâmicas do sistema.
DX ∂H E DX ∂H E
qi = pi . (7.3.3)
i ∂qi i ∂pi
X
G(t) = pi (t) qi (t) . (7.3.4)
i
dG X X X ∂H X ∂H
= pi q̇i + ṗi qi = pi − ṗi , (7.3.5)
dt i i i ∂pi i ∂qi
3
Uma função f é dita limitada se existe um número real positivo M tal que |f (t)| ≤ M para qualquer
t pertencente ao domı́nio de f .
256 CAPı́TULO 7. DINÂMICA HAMILTONIANA
onde usamos as equações de Hamilton. Tomando o valor médio em ambos os lados desta
equação resulta
D dG E DX ∂H X ∂H E
= pi − ṗi . (7.3.6)
dt i ∂pi i ∂qi
Entretanto
D dG E Z τ dG G(τ ) − G(0)
= lim dt = lim =0 (7.3.7)
dt τ →∞ 0 dt τ →∞ τ
p2
H =T +V = + V (r) (7.3.7)
2m
pE dV r
D
p· = hr · ∇V (r)i = r · . (7.3.8)
m dr r
Para o potencial
A
V (r) = , (7.3.9)
rn
a Eq.(7.3.8) torna-se
4
Vale notar que hf + gi = hf i + hgi só é verdade quando os valores médios de f e g existem
separadamente. Examine o seguinte exemplo: f (t) = 1 + t e g(t) = 1 − t .
7.3. TEOREMA DO VIRIAL 257
n
hT i = − hV i . (7.3.10)
2
ou seja, o valor médio da energia potencial é menos o dobro do valor médio da energia
cinética. Em geral, a energia total é dada por
n−2
E = hEi = hT i + hV i = hT i , (7.3.12)
n
o que mostra que para n > 2 os possı́veis estados ligados do potencial V (r) têm energia
total positiva. O teorema do virial tem outras aplicações interessantes, como, por exem-
plo, a obtenção de soluções aproximadas para as freqüências de osciladores anarmônicos
(Sivardière 1986).
DX pi E DX E I
pi · =− ri · Fi = P r · n dS (7.3.13)
i m i
onde levamos em conta que a forças sobre as moléculas do gás devem-se às colisões com
as paredes do recipiente. Como P é constante, o teorema da divergência fornece
Z Z
2 hT i = P ∇ · r dV = P 3 dV = 3P V . (7.3.14)
V V
PV = N k Θ , (7.3.15)
q
L = −m0 c2 1 − v 2 /c2 − V (r) , (7.4.1)
donde
∂L m0 v
p= =q . (7.4.2)
∂v 1 − v 2 /c2
Note que o momento canônico p coincide com o momento linear relativı́stico. Portanto,
m0 v 2 q m0 c2
H =v·p−L= q + m0 c2 1 − v 2 /c2 + V (r) = q +V , (7.4.3)
1 − v 2 /c2 1 − v 2 /c2
e H é a energia total, embora a lagrangiana (7.4.1) não tenha a forma de diferença entre
energia cinética e energia potencial. É preciso, no entanto, exprimir H como função de
(r, p) . Isto é facilmente conseguido recorrendo à relação relativı́stica (6.6.38) entre energia
e momento linear de uma partı́cula livre, da qual resulta
7.4. FORMULAÇÃO HAMILTONIANA RELATIVı́STICA 259
q
H= p2 c2 + m20 c4 + V . (7.4.4)
q e
L = −m0 c2 1 − v 2 /c2 − e φ(r, t) + v · A(r, t) , (7.4.5)
c
donde
∂L m0 v e
p= =q + A . (7.4.6)
∂v 1 − v 2 /c2 c
Note que, agora, o momento canônico não é mais idêntico ao momento linear relativı́stico.
Temos
m0 c2
H =v·p−L= q + eφ , (7.4.7)
1 − v 2 /c2
s
e 2
H(r, p, t) = p− A(r, t) c2 + m20 c4 + e φ(r, t) . (7.4.8)
c
e
H −→ H − e φ , p −→ p − A , (7.4.9)
c
m0 α e
L= U Uα + Aα Uα (7.4.10)
2 c
para uma partı́cula num campo eletromagnético externo, obtemos os momentos canônicos
∂L e
Pµ = = m 0 U µ + Aµ . (7.4.11)
∂Uµ c
1 α e α e
H = P α Uα − L = P − A P α − Aα . (7.4.12)
2m0 c c
A passagem da hamiltoniana de uma partı́cula livre para a de uma partı́cula num campo
eletromagnético externo se realiza pelo acoplamento mı́nimo
e α
P α −→ P α − A , (7.4.13)
c
dxµ ∂H dP µ ∂H
= , =− . (7.4.14)
dτ ∂Pµ dτ ∂xµ
Exercı́cio 7.4.1. (a) Prove que a parte espacial das Eqs.(7.4.14) equivale à equação de
movimento relativı́stica d(γm0 v)/dt = e(E + v × B/c) . (b) Mostre que a hamiltoniana (7.4.12)
não é a energia total da partı́cula mas, apesar disso, é ums constante de movimento e seu valor
é m0 c2 /2 .
∂H 1 0 e 0
U0 = = P − A , (7.4.15)
∂P0 m0 c
donde
7.5. FORMA VARIACIONAL DAS EQUAÇÕES DE HAMILTON 261
e 0 E + eφ
P 0 = m0 U 0 + A = . (7.4.16)
c c
De acordo com esta equação, a energia total desempenha o papel de momento conjugado
ao tempo.5 Temos, ainda,
dP0 ∂H 1 ∂H e α e α ∂Aα
=− 0 =− = p − A , (7.4.17)
dτ ∂x c ∂t m0 c2 c ∂t
ou, equivalentemente,
d e ∂Aα e h ∂φ ∂A i
γ (E + e φ) = m0 U α = γc − γv · . (7.4.18)
dt m0 c ∂t c ∂t ∂t
Cancelando um fator γ comum, esta última equação pode ser reescrita na forma
dE ∂φ ∂φ ev ∂A
+ e v · ∇φ + =e − · , (7.4.19)
dt ∂t ∂t c ∂t
ou, finalmente,
dE 1 ∂A
= e − ∇φ − · v = eE · v = F · v , (7.4.20)
dt c ∂t
Z t2
δS ≡ δ L(q, q̇, t) dt = 0 , (7.5.1)
t1
com δqi (t1 ) = δqi (t2 ) = 0 . Este princı́pio variacional pode ser transcrito em termos de
variações da trajetória no espaço de fase da seguinte forma:
Z n
t2 nX o
δS ≡ δ pi q̇i − H(q, p, t) dt = 0 , (7.5.2)
t1 i=1
onde δqi (t1 ) = δqi (t2 ) = 0 e as variações dos q’s e p’s são consideradas independentes.
Com efeito, temos
t2 n
Z X ∂H ∂H
δS = dt pi δ q̇i + q̇i δpi − δqi − δpi = 0 . (7.5.3)
t1 i=1 ∂qi ∂pi
t2
Z t2 Z t2 Z t2
pi δ q̇i dt = pi δqi −
ṗi δqi dt = − ṗi δqi dt , (7.5.4)
t1 t1 t1 t1
n
( )
Z t2 X ∂H ∂H
δS = dt q̇i − δpi − ṗi + δqi = 0 . (7.5.5)
t1 i=1 ∂pi ∂qi
Uma vez que as variações dos q’s e p’s são arbitrárias e independentes entre si, decorre
de (7.5.5) que
∂H ∂H
q̇i − =0 , ṗi + =0 , i = 1, . . . , n , (7.5.6)
∂pi ∂qi
Z t2
S= F (q, p, q̇, ṗ, t) dt
t1
O princı́pio variacional (7.5.2) requer apenas que as variações dos q’s anulem-se nas
extremidades do intervalo de integração, as variações dos p’s permanecendo inteiramente
arbitrárias. Há diversas vantagens em exigir que também as variações dos p’s anulem-se
nas extremidades do intervalo de integração. Por exemplo, uma integração por partes em
(7.5.2) conduz a
n n
(Z )
t2 h X i X t2
δS = δ dt − qi ṗi − H(q, p, t) + qi p i =0 . (7.5.7)
t1 t1
i=1 i=1
Z t2 h n
X i
δ dt − qi ṗi − H(q, p, t) = 0 (7.5.8)
t1 i=1
t2 n
1X
Z
δ dt (pi q̇i − qi ṗi ) − H(q, p, t) = 0 (7.5.8)
t1 2 i=1
que gera as equações de Hamilton, com a virtude de oferecer um tratamento mais simétrico
às coordenadas e momentos. Daqui por diante suporemos que em todos os princı́pios
variacionais formulados no espaço de fase as variações das coordenadas e momentos são
nulas nos extremos temporais, o que revelar-se-á particularmente conveniente no estudo
das transformações canônicas, a ser empreendido no próximo capı́tulo.
264 CAPı́TULO 7. DINÂMICA HAMILTONIANA
Um fenômeno interessante ocorre quando tentamos incluir o tempo no rol das coor-
denadas generalizadas com o emprego de uma parâmetro auxiliar θ capaz de descrever
a evolução do sistema. A única restrição sobre θ é dθ/dt > 0 , isto é, t deve ser uma
função crescente de θ . Façamos, portanto, qn+1 ≡ t e escrevamos a ação na forma
n
θ2 nX
Z
dqi dθ o dt
S= pi − H(q, p, t) dθ , (7.6.1)
θ1 i=1 dθ dt dθ
ou, equivalentemente,
Z θ2 n+1
pi qi0 ,
X
S= dθ (7.6.2)
θ1 i=1
onde
dqi
qi0 ≡ , pn+1 = −H . (7.6.3)
dθ
Três aspectos importantes sobressaem das Eqs.(7.6.2) e (7.6.3): (i) o momento conjugado
ao tempo é −H ; (ii) no espaço de fase estendido (q, p) ≡ (q1 , . . . , qn+1 , p1 , . . . , pn+1 ) a
hamiltoniana é zero; (iii) a equação pn+1 = −H é um vı́nculo no espaço de fase estendido.
H(q, p) = 0 . (7.6.5)
Por causa deste vı́nculo, para se formular corretamente as equações de movimento pelo
método variacional no espaço de fase estendido é preciso fazer uso de um multiplicador de
Lagrange λ e reescrever a ação na forma (vide o último parágrafo da Seção 2.4)
6
Este nome é tomado de empréstimo da cosmologia quântica.
7.6. O TEMPO COMO VARIÁVEL CANÔNICA 265
( n+1 )
Z θ2 Z θ2
pi qi0 dθ F (q, p, λ, q 0 , p0 , λ0 ) .
X
S[q, p, λ] = dθ − λH(q, p) ≡ (7.6.6)
θ1 i=1 θ1
d ∂F ∂F d ∂F ∂F
− =0 , − =0 , i = 1, . . . , n + 1 , (7.6.7)
dθ ∂qi0 ∂qi dθ ∂p0i ∂pi
e, também,
d ∂F ∂F
− =0 . (7.6.8)
dθ ∂λ0 ∂λ
∂H ∂H
p0i + λ =0 , −qi0 + λ =0 , i = 1, . . . , n + 1 , (7.6.9)
∂qi ∂pi
H(q, p) = 0 . (7.6.10)
dt dt
− +λ=0 =⇒ λ= ; (7.6.11)
dθ dθ
além disso,
dpn+1 ∂H dH dt ∂H dH ∂H
+λ =0 =⇒ − =− =⇒ = , (7.6.12)
dθ ∂qn+1 dθ dθ ∂t dt ∂t
que não é outra coisa senão a Eq.(7.2.2). Por fim, com o resultado (7.6.11) as n primeiras
componentes de (7.6.9) tornam-se
dqi ∂H dqi dt dt ∂H ∂H
=λ =⇒ = =⇒ q̇i = , (7.6.13)
dθ ∂pi dt dθ dθ ∂pi ∂pi
266 CAPı́TULO 7. DINÂMICA HAMILTONIANA
dpi ∂H dpi dt dt ∂H ∂H
= −λ =⇒ =− =⇒ ṗi = − , (7.6.14)
dθ ∂qi dt dθ dθ ∂qi ∂qi
Exercı́cio 7.6.1. Podemos interpretar a Eq.(7.6.11) não como determinando λ , mas como
servindo para determinar θ . Em outras palavras, uma escolha de λ define que parâmetro θ está
sendo usado para descrever o desenvolvimento da trajetória no espaço de fase. Por exemplo, a
escolha λ = 1 equivale a tomar θ = t , e o tempo usual é o parâmetro que está sendo empregado
para descrever a evolução do sistema. Mostre que, neste caso, as Eqs.(7.6.9) e (7.6.10) coincidem
exatamente com as equações de Hamilton (7.1.9) acrescidas de (7.2.2).
Exercı́cio 7.6.2. Um sistema com o tempo parametrizado caracteriza-se por uma ação
invariante sob reparametrizações do tempo, isto é, mudanças arbitrárias do parâmetro de evolução
temporal. Considere, portanto, um sistema com lagrangiana L(q, q̇) sem dependência temporal
explı́cita e suponha que a ação correspondente seja invariante sob uma mudança infinitesimal
arbitrária t0 = t + X(t) do parâmetro de evolução. Usando a condição de Noether (2.7.8), prove
que L é função homogênea de ‘oimeiro grau das velocidades.
o procedimento para se passar do espaço de fase estendido, onde há o vı́nculo super-
hamiltoniano H(q, p) = 0 , para o espaço de fase reduzido, no qual as variáveis canônicas
são mutuamente independentes, consiste em percorrer o caminho inverso do que conduziu
a (7.6.2). Dada uma ação da forma (7.6.6), escolhe-se uma variável canônica para desem-
penhar o papel do tempo e resolve-se a equação H(q, p) = 0 para a variável canonicamente
conjugada correspondente. Esta variável conjugada ao tempo, agora expressa em função
das demais variáveis canônicas, deve ser introduzida na ação. A coordenada escolhida
como tempo e o seu momento conjugado não mais aparecem na ação reduzida resultante,
que tem a forma
Z n
t2 nX o
S= pi q̇i − H(q, p, t) dt , (7.6.15)
t1 i=1
Z q Z q
S = −m0 c2 dt 1 − v 2 /c2 = −m0 c c2 dt2 − dx2 − dy 2 − dz 2 (7.6.16)
Z θ2 q
S = −m0 c V α Vα dθ (7.6.17)
θ1
onde
dxα
Vα = . (7.6.18)
dθ
q
L = −m0 c V α Vα (7.6.19)
∂L Vµ
Pµ = − = m0 c √ α (7.6.20)
∂Vµ V Vα
e satisfaz a equação
P µ Pµ = m20 c2 , (7.6.21)
V µ Vµ q
H = −P µ Vµ − L = −m0 c √ α + m0 c V α Vα = 0 , (7.6.22)
V Vα
Z θ2
S= dθ [−P µ Vµ − λ(P 2 − m20 c2 )] , (7.6.23)
θ1
que tem a forma (7.6.6) com H = P 2 − m20 c2 . Esta ação dá origem às equações de
movimento
dxα dP α
= 2λP α , =0 , (7.6.24)
dθ dθ
1 q α
λ= V Vα , (7.6.25)
2m0 c
da qual vê-se, por exemplo, que a escolha λ = 1/2m0 corresponde a tomar θ como o
tempo próprio, pois neste caso V µ satisfaz (6.6.7), de modo que V µ = U µ onde U µ é a
quadrivelocidade. Por outro lado, as Eqs.(7.6.24) equivalem a
7
O sinal negativo no termo P µ Vµ em (7.6.22) e (7.6.23) é para compensar o sinal negativo introduzido
na definição (7.6.20) do quadrimomento canônico.
7.6. O TEMPO COMO VARIÁVEL CANÔNICA 269
d V α
=0 , (7.6.26)
dθ 2λ
d m0 cV α
!
q =0 , (7.6.27)
dθ V β Vβ
q
(P 0 )2 − p2 = m20 c2 =⇒ cP 0 = cP0 = p2 c2 + m20 c4 . (7.6.28)
t2 dr o Z t2 n
0 dx0
Z n q o
S= dt −P +p· = dt p · ṙ − p2 c2 + m20 c4 , (7.6.29)
t1 dt dt t1
q
H= p2 c2 + m20 c4 , (7.6.30)
que não é outra coisa senão a energia (6.6.38) de uma partı́cula livre relativı́stica.
Exemplo 7.6.1. (Lemos 1996) Num problema de cosmologia quântica a ação tem a forma
p2φ
( )
Z t2 p2
R
S= dt Ṙ pR + φ̇ pφ − N − + 6kR , (7.6.31)
t1 24R 2R3
onde k é uma constante e t designa o parâmetro que descreve a evolução do sistema. Sabendo
que N e R são quantidades estritamente positivas, obter as equações de movimento no espaço
de fase estendido (R, φ, pR , pφ ) e a hamiltoniana no espaço de fase reduzido resultante da escolha
t = φ.
N pR p2
R
3p2φ N pφ
Ṙ = , ṗR = N 2
− 4
− 6k , φ̇ = − 3 , ṗφ = 0 , (7.6.32)
12R 24R 2R R
p2R p2φ
− + 6kR = 0 . (7.6.33)
24R 2R3
t0 = t + ∆t ≡ t + X(t) , (7.7.1)
ou seja,
∆t = t0 − t = X(t) , ∆qi (t) = qi0 (t0 ) − qi (t) = ηi (t) , (7.7.3)
Z t2 X
∆I ≡ ∆ dt pi q̇i = 0 (7.7.4)
t1 i
para uma variação em torno da trajetória fı́sica q(t) . Em outras palavras, dentre todas
as trajetórias imagináveis capazes de conectar duas configurações fixas, com hamiltoniana
constante, o movimento fı́sico verdadeiro é aquele para o qual a ação reduzida
Z t2 X
I≡ dt pi q̇i (7.7.5)
t1 i
Z t2 X Z t2 Z t2
I≡ dt pi q̇i = (L + H) dt = L dt + H (t2 − t1 ) , (7.7.6)
t1 i t1 t1
Z t2
∆I = ∆ L dt + H (∆t2 − ∆t1 ) , (7.7.7)
t1
onde ∆t1 = X(t1 ) com definição análoga para ∆t2 . A variação ∆ é um caso particular
das transformações infinitesimais (2.7.1) admissı́veis no teorema de Noether, sendo lı́cito
usar (2.7.6) e (2.7.7) para obter
( )
Z t2 Z t2 X ∂L ∂L X ∂L
∆ L dt = ηi + η̇i − Ẋ q̇i − L dt . (7.7.8)
t1 t1 i ∂qi ∂ q̇i i ∂ q̇i
t
Z t2 ∂L ∂L 2 Z t2 d ∂L Z t2
d ∂L
η̇i dt = ηi − dt ηi =− ηi dt (7.7.9)
t1 ∂ q̇i ∂ q̇i t1 t1 dt ∂ q̇i t1 dt ∂ q̇i
" #
Z t2 Z t2 X ∂L d ∂L
∆ L dt = dt − ∆qi − H [X(t2 ) − X(t1 )] , (7.7.10)
t1 t1 i ∂qi dt ∂ q̇i
Z t2
∆ L dt = −H (∆t2 − ∆t1 ) , (7.7.11)
t1
1X
T = Mkl (q) q̇k q̇l . (7.7.12)
2 k,l
X X ∂T
q̇i pi = q̇i = 2T (7.7.13)
i i ∂ q̇i
Z t2
∆ T dt = 0 . (7.7.14)
t1
274 CAPı́TULO 7. DINÂMICA HAMILTONIANA
Por exemplo, considere uma partı́cula ou corpo rı́gido na ausência de forças externas.
A energia cinética é constante e o princı́pio de Maupertuis toma a forma especial
∆(t2 − t1 ) = 0 . (7.7.15)
Em palavras: de todos os percursos possı́veis entre duas configurações fixas, o caminho real
percorrido pelo sistema é aquele para o qual o tempo de trânsito é mı́nimo. A semelhança
com o princı́pio de Fermat da óptica geométrica é flagrante.
A forma (7.7.12) da energia cinética sugere que o espaço de configuração seja en-
carado como um espaço dotado de uma métrica, com a distância dρ entre dois pontos
infinitesimalmente próximos dada por
X
dρ = Mkl (q) dqk dql . (7.7.16)
k,l
1 dρ 2
T = , (7.7.17)
2 dt
ou, equivalentemente,
dρ
dt = √ . (7.7.18)
2T
Z ρ2 √
∆ 2T dρ = 0 (7.7.19)
ρ1
ou, finalmente,
Z ρ2 q
∆ E − V (q) dρ = 0 . (7.7.20)
ρ1
CAPÍTULO 7: PROBLEMAS 275
Esta equação costuma ser chamada de princı́pio de Jacobi ou forma de Jacobi do princı́pio
de Maupertuis. No caso de uma só partı́cula, dρ é proporcional à distância infinitesimal
em três dimensões em coordenadas curvilı́neas arbitrárias, e o princı́pio de Jacobi torna-
se idêntico ao princı́pio de Fermat da óptica geométrica para a propagação da luz num
√
meio não-homogêneo com ı́ndice de refração proporcional a E − V . Outros aspectos
ainda mais significativos da analogia entre a mecânica clássica e a óptica geométrica serão
explorados no Capı́tulo 9.
Exercı́cio 7.6.1. Uma partı́cula move-se livremente no espaço tridimensional, exceto pela
restrição de permanecer sobre uma superfı́cie fixa. Mostre que a partı́cula segue uma geodésica
da superfı́cie.
PROBLEMAS
7.1. Uma massa m oscila num plano vertical fixo suspensa por um fio de massa de-
sprezı́vel que passa por um orifı́cio numa mesa horizontal. O fio é puxado através do
orifı́cio a uma taxa constante, de tal modo que o comprimento pendente no instante t
é r = ` − α t , onde ` e α são constantes positivas. Escolhendo o ângulo que o fio faz
com a vertical como coordenada generalizada, encontre a hamiltoniana do sistema. A
hamiltoniana é a energia total? A hamiltoniana é constante de movimento?
p2 − bq2
F1 = , F 2 = q 1 q2 , F3 = q1 e−t
q1
7.5. Uma partı́cula num campo gravitacional uniforme está restrita à superfı́cie de uma
esfera centrada na origem. O raio da esfera varia com o tempo de uma forma especificada a
priori: r = r(t) com r(t) uma função conhecida. Obtenha a hamiltoniana e as equações
canônicas de Hamilton. A hamiltoniana é a energia total? Discuta a conservação da
energia.
Q̇2 ω ω 2 Q2
L= cos2 ωt − QQ̇ sen 2ωt − cos 2ωt ,
2 2 2
1 X Gmi mj
V (r1 , . . . , rN ) = − .
2 i,j |ri − rj |
i6=j
1
mi |ri |2 e prove que I¨ = E + T . Sugestão: comprove
P
(i) Introduza a quantidade I = 2 i
que V é uma função homogênea e aplique o teorema de Euler do Apêndice B. (ii) Levando
em conta que T é uma quantidade sempre positiva, prove, fazendo duas integrações su-
˙
cessivas, que I(t) ≥ I(0) + I(0)t + Et2 /2. Conclua, finalmente, que se a energia total for
positiva pelo menos um dos corpos escapará para o infinito no limite t → ∞.
CAPÍTULO 7: PROBLEMAS 277
7.8. Considere um planeta descrevendo uma órbita elı́ptica em torno do Sol, com as coor-
denadas escolhidas de modo que o plano do movimento tenha θ = π/2. Pela Eq.(7.1.15),
em coordenadas polares no plano orbital a hamiltoniana escreve-se
1 2 p2ϕ k
H =T +V = p + − ,
2m r r2 r
com k > 0. Aparentemente o teorema do virial é válido quaisquer que sejam as variáveis
canônicas empregadas. Mostre que
X ∂H ∂H ∂H 1 2 p2ϕ
pi = pr + pϕ = p + = 2T
i ∂pi ∂pr ∂pϕ m r r2
e, da mesma forma,
∂H ∂H ∂H p2
= − ϕ2 − V .
X
qi =r +ϕ
i ∂qi ∂r ∂ϕ mr
p2ϕ
2hT i = −hV i − h 2 i
mr
p2ϕ
h i=0 .
mr2
Usando o fato de pϕ ser constante de movimento, e diferente de zero para órbitas elı́pticas,
conclua que
1
h i=0 .
r2
7.11. Uma partı́cula de carga e move-se num potencial central V (r) superposto a um
campo magnético uniforme B , cujo potencial vetor é A = B × r/2 . (a) Mostre que, se
B for um campo fraco, de modo que efeitos proporcionais a B 2 possam ser desprezados,
p2
H(r, p) = + V (r) − µ · B ,
2m
onde
e
µ= r×p .
2mc
m 2
L= (ρ̇ + ρ2 ϕ̇2 + ż 2 ) + aρ2 ϕ̇ ,
2
onde (ρ, ϕ, z) são coordenadas cilı́ndricas e a é uma constante. (a) Determine H . (b)
Identifique três constantes de movimento. (c) Mostre que a solução da equação radial
pode ser reduzida a uma quadratura da forma
Z
dρ
t= q ,
α − (β − aρ2 )2 /m2 ρ2
sendo α e β constantes.
!
d ∂L ∂T
≡ ṗi = + .
dt ∂ q̇i ∂qi
7.15. Uma corda inextensı́vel, leve, de comprimento ` passa por uma roldana de massa
desprezı́vel e tem uma massa 2m presa a uma de suas extremidades. Na outra extre-
midade há uma massa m e, sob ela, suportada por uma mola de constante elástica k e
comprimento natural zero, uma segunda massa m . Usando q1 e q2 como coordenadas
generalizadas (ver figura), mostre que, a menos de um termo constante sem relevância, a
lagrangiana é
m 2 k
L = 2mq̇12 + q̇2 + mq̇1 q̇2 + mgq2 − q22 .
2 2
7.16. Na eletrodinâmica de Weber a força entre duas cargas em movimento é gerada pelo
potencial generalizado
ee0 ṙ2
!
U (r, ṙ) = 1+ 2 ,
r 2c
280 CAPÍTULO 7: PROBLEMAS
onde r é a distância entre as cargas. Considere uma partı́cula movendo-se num plano sob a
ação deste potencial. Usando coordenadas polares, encontre a hamiltoniana H(r, θ, pr , pθ )
e as equações de Hamilton. Mostre que pθ é constante e reduza o problema radial a uma
equação diferencial de primeira ordem para r .
7.17. O movimento de uma partı́cula num potencial central V (r) é descrito num refe-
rencial que gira com velocidade angular constante ω , em relação a um referencial inercial,
em torno de um eixo passando pelo centro de força. (a) Mostre que o momento conjugado
ao vetor posição R ( = r , mas visto do referencial girante) é P = m[V + ω × R] ,
onde V é a velocidade relativa ao referencial girante. (b) Construa a função hamiltoniana
H(R, P) = P · V − L , onde L = mv 2 /2 − V (r) . (c) Mostre que H tem o valor conservado
E−ω·L , onde E é a energia e L é o momento angular (conservado no referencial inercial).
(c) Note, no entanto, que H 6= mV 2 /2 + V (R) .
Capı́tulo 8
TRANSFORMAÇÕES
CANÔNICAS
281
282 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
∂H ∂H
q̇i = , ṗi = − , i = 1, . . . , n , (8.1.1)
∂pi ∂qi
desde que seja possı́vel encontrar uma função K(Q, P, t) tal que as equações de movimento
para as novas variáveis tenham a forma hamiltoniana:
∂K ∂K
Q̇i = , Ṗi = − , i = 1, . . . , n . (8.1.3)
∂Pi ∂Qi
Vale destacar que as equações de movimento nas novas variáveis devem ter a forma hamil-
toniana qualquer que seja a função hamiltoniana original H(q, p, t).
e n
Z t2 nX o
δ Pi Q̇i − K(Q, P, t) dt = 0 . (8.1.5)
t1 i=1
Uma condição suficiente para a validade comum de (8.1.4) e (8.1.5) é que os respectivos
integrandos difiram pela derivada total em relação ao tempo de uma função Φ(q, p, t) ,
pois
Z t2 dΦ
δ dt = δΦ(q(t2 ), p(t2 ), t2 ) − δΦ(q(t1 ), p(t1 ), t1 ) = 0 (8.1.6)
t1 dt
porque δqi (t1 ) = δqi (t2 ) = 0 e δpi (t1 ) = δpi (t2 ) = 0 . Assim, a transformação (8.1.2)
preserva a forma hamiltoniana das equações de movimento se
n n
X X dΦ
pi q̇i − H = Pi Q̇i − K + , (8.1.7)
i=1 i=1 dt
8.1. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS E FUNÇÕES GERADORAS 283
n
X
( pi dqi − Pi dQi ) + (K − H)dt = dΦ , (8.1.8)
i=1
A forma de (8.1.8) sugere encarar Φ como função das caordenadas antigas e novas.
Suponha que as n primeiras equações (8.1.2) possam ser resolvidas para os n p’s em ter-
mos de (q, Q, t) . Neste caso, as n últimas das Eqs.(8.1.2) permitem escrever os momentos
transformados em termos de (q, Q, t) . Em outras palavras, podemos tomar (q, Q) como
um conjunto de 2n variáveis independentes. Definindo a função geradora F1 (q, Q, t) por
da Eq.(8.1.8) deduz-se
∂F1 ∂F1
pi = , Pi = − , i = 1, . . . , n , (8.1.10)
∂qi ∂Qi
e, também,
∂F1
K(Q, P, t) = H(q, p, t) + . (8.1.11)
∂t
Note que, dada uma função F1 (q, Q, t) , uma transformação canônica fica automatica-
mente definida pelas Eqs.(8.1.10), com a hamiltoniana transformada fornecida por (8.1.11).
De fato, invertendo as n primeiras equações (8.1.10) encontramos Qi = Qi (q, p, t).
Introduzindo este resultado no lado direito das n últimas equações (8.1.10) redunda
Pi = Pi (q, p, t), e a mudança de variáveis no espaço de fase (q, p) −→ (Q, P ) é canônica
por construção .
Pode não ser conveniente ou mesmo não ser possı́vel tomar (q, Q) como variáveis
independentes, como no caso da transformação identidade Qi = qi , Pi = pi . Mas, se
284 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
pudermos tomar (q, P ) como 2n variáveis independentes, existe uma função geradora do
tipo F2 (q, P, t). Com efeito, notando que
X X X
− Pi dQi = −d Pi Qi + Qi dPi , (8.1.12)
i i i
X
F2 = Pi Qi + F1 , (8.1.13a)
i
X
F2 (q, P, t) = Pi Qi (q, P, t) + Φ(q, p(q, P, t), t) , (8.1.13b)
i
n
X
dF2 = ( pi dqi + Qi dPi ) + (K − H)dt . (8.1.14)
i=1
Conseqüentemente,
∂F2 ∂F2
pi = , Qi = , i = 1, . . . , n , (8.1.15)
∂qi ∂Pi
∂F2
K(Q, P, t) = H(q, p, t) + . (8.1.16)
∂t
Como no caso anterior, dada uma função F2 (q, P, t) , pela resolução das n primeiras
equações (8.1.15) para Pi obtém-se Pi = Pi (q, p, t), e substituindo este resultado no lado
direito das n últimas Eqs.(8.1.15) resulta Qi = Qi (q, p, t), a transformação assim obtida
sendo automaticamente canônica, com a hamiltoniana transformada K e a original H
relacionadas por (8.1.16).
Exercı́cio 8.1.1. (i) Suponha que se possa tomar (p, Q) como variáveis independentes.
Definindo F3 (p, Q, t) = − i qi pi + Φ(q, p, t) deduza
P
8.1. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS E FUNÇÕES GERADORAS 285
∂F3 ∂F3
qi = − , Pi = − , i = 1, . . . , n , (8.1.17)
∂pi ∂Qi
∂F3
K(Q, P, t) = H(q, p, t) + . (8.1.18)
∂t
∂F4 ∂F4
qi = − , Qi = , i = 1, . . . , n , (8.1.19)
∂pi ∂Pi
∂F4
K(Q, P, t) = H(q, p, t) + , (8.1.20)
∂t
Naturalmente, são possı́veis funções geradoras de tipos hı́bridos, tais como, para um
sistema com dois graus de liberdade, G(q1 , Q1 , q2 , P2 , t) que mistura os dois primeiros
tipos. Seja como for, funções das variáveis antigas e novas funcionam como “pontes” entre
as variáveis antigas e novas estabelecendo uma transformação canônica. Uma vez escolhida
uma função geradora, fica definida uma transformação canônica mas não é possı́vel saber
a priori se tal transformação será de utilidade para simplificar a hamiltoniana de algum
sistema fı́sico de interesse. Por outro lado, a mera existência de alguma função geradora
constitui um critério para determinar se uma mudança de variáveis no espaço de fase é
canônica.
Pn
Exemplo 8.1.1. Determinar a transformação canônica gerada por F2 (q, P, t) = k=1 q k Pk .
∂F2 ∂F2
pi = = Pi , Qi = = qi , i = 1, . . . , n (8.1.21)
∂qi ∂Pi
Pn
Exercı́cio 8.1.1. Mostre que a transformação canônica gerada por F1 (q, Q, t) = k=1 qk Qk
é
pi = Qi , Pi = −qi , i = 1, . . . , n , (8.1.22)
que, salvo por um sinal, constitui um intercâmbio entre coordenadas e momentos. Esta trans-
formação admite uma função geradora do tipo F2 ?
Exemplo 8.1.2. Obtenha a transformação canônica gerada por F1 (q, Q, t) = m(q − Q)2 /2t
e aplique-a à resolução do problema da partı́cula livre unidimensional, cuja hamiltoniana é
H = p2 /2m.
pt
Q=q− , P =p . (8.1.24)
m
∂K ∂K
Q̇ = =0 =⇒ Q=a ; Ṗ = − =0 =⇒ P =b , (8.1.26)
∂P ∂Q
onde a e b são constantes arbitrárias. Retornando às variáveis canônicas originais resulta,
finalmente,
b
q =a+ t , (8.1.27)
m
1 2
P = (p + a2 q 2 ) (8.1.28)
b2
Solução. Precisamos encontrar Q = Q(q, p) de modo que, juntamente com (8.1.28), fique
definida uma transformação canônica. Escrevendo
a
p = (b2 P − a2 q 2 )1/2 = b(P − c2 q 2 )1/2 , c= , (8.1.29)
b
e comparando com (8.1.15), concluı́mos ser adequado buscar uma função geradora do tipo
F2 (q, P ) . Devemos ter, portanto
∂F2
Z q
p= = b(P − c2 q 2 )1/2 =⇒ F2 = b P − c2 q 2 dq . (8.1.30)
∂q
Esta integral é elementar, porém é mais conveniente não efetuá-la, pois estamos na verdade
interessados na outra metade da transformação canônica, dada por
∂F2 b dq b −1 cq b2 aq
Z
−1
Q= = = sen √ = sen √ , (8.1.31)
∂P 2 (P − c2 q 2 )1/2 2c P 2a b P
onde descartamos uma “constante” de integração C(P ) a fim de ficar com a transformação
canônica mais simples possı́vel. Assim,
( )
b2 aq
Q= sen−1 (8.1.32)
2a (p + a2 q 2 )1/2
2
b√ 2aQ √ 2aQ
q= P sen , p = b P cos . (8.1.33)
a b2 b2
1 2
H(q, p) = (p + m2 ω 2 q 2 ) , (8.1.34)
2m
√ √
o que sugere escolher a = mω em (8.1.28) e, para simplificar as Eqs.(8.1.33), b = 2a = 2mω .
Assim procedendo, como F2 não depende explicitamente do tempo, resulta
ω
K(Q, P ) = H(q, p) = (p2 + m2 ω 2 q 2 ) = ω P , (8.1.35)
2mω
288 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
de modo que
∂K
Q̇ = =ω =⇒ Q = ωt+δ , (8.1.36a)
∂P
∂K E
Ṗ = − =0 =⇒ P = constante = , (8.1.36b)
∂Q ω
s
2E
q= sen (ω t + δ) , (8.1.37)
mω 2
Exercı́cio 8.1.2. Exibindo uma função geradora, mostre que a transformação de ponto
Qi = fi (q1 , . . . , qn , t) é canônica e obtenha a expressão dos momentos transformados em termos
dos momentos originais.
A validade de (8.1.8) para t variável implica sua validade para t fixo, isto é
n h
X i
pi dqi − Pi (q, p, t) dQi (q, p, t) = dΦ(q, p, t) (t fixo) , (8.2.1)
i=1
8.2. CANONICIDADE E PARÊNTESES DE LAGRANGE 289
onde as diferenciais só levam em conta as variações dos q’s e p’s com o tempo mantido
constante. Reciprocamente, a validade desta equação com t fixo implica a validade de
(8.1.8) para t variável (Problema 8.1). O teste do caráter canônico de uma transformação
por meio de funções geradoras não é direto, pois exige a inversão de metade das equações
(8.1.2) para obter um conjunto de 2n variáveis independentes constituı́do por n variáveis
novas e antigas seguida da exibição explı́cita de uma função geradora. A Eq.(8.2.1) permite
obter um critério direto e geral de canonicidade em termos dos chamados parêntese de
Lagrange, que passamos a definir.
n
!
X ∂ηk ∂ξk ∂ηk ∂ξk
[u, v](η,ξ) = − . (8.2.2)
k=1 ∂u ∂v ∂v ∂u
ou seja,
n
X
(Aj dqj + Bj dpj ) = dΦ(q, p, t) (t fixo) , (8.2.5)
j=1
onde
290 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
n n
X ∂Ql X ∂Ql
Aj = p j − Pl , Bj = − Pl . (8.2.6)
l=1 ∂qj l=1 ∂pj
Como está provado no Apêndice D, a condição necessária e suficiente para que o lado
esquerdo da Eq.(8.2.5) seja uma diferencial exata é a igualdade de todas as derivadas
cruzadas dos coeficientes das diferenciais dqj e dpj :
n n
X ∂Pl ∂Ql ∂ 2 Ql X ∂Pl ∂Ql ∂ 2 Ql
− + Pl =− + Pl , (8.2.8)
l=1 ∂qi ∂qj ∂qi ∂qj l=1 ∂qj ∂qi ∂qj ∂qi
donde
!
X ∂Ql ∂Pl ∂Ql ∂Pl
[qi , qj ](Q,P ) = − =0 . (8.2.9)
l ∂qi ∂qj ∂qj ∂qi
n
!
X ∂Ql ∂Pl ∂Ql ∂Pl
[pi , pj ](Q,P ) = − =0 . (8.2.10)
l=1 ∂pi ∂pj ∂pj ∂pi
n n
X ∂Pl ∂Ql ∂ 2 Ql X ∂Pl ∂Ql ∂ 2 Ql
δij − + Pl =− + Pl , (8.2.11)
l=1 ∂pj ∂qi ∂pj ∂qi l=1 ∂qi ∂pj ∂qi ∂pj
ou seja,
n
!
X ∂Ql ∂Pl ∂Ql ∂Pl
[qi , pj ](Q,P ) = − = δij , (8.2.12)
l=1 ∂qi ∂pj ∂pj ∂qi
8.3. NOTAÇÃO SIMPLÉTICA 291
q1
Q1 = p21 , Q2 = p22 + q2 , P1 = − , P2 = p2 (8.2.13)
2p1
é canônica.
2
!
X ∂Ql ∂Pl ∂Ql ∂Pl
[q1 , q2 ](Q,P ) = − =0 ,
l=1
∂q1 ∂q2 ∂q2 ∂q1
2
!
X ∂Ql ∂Pl ∂Ql ∂Pl
[p1 , p2 ](Q,P ) = − =0 ,
l=1
∂p1 ∂p2 ∂p2 ∂p1
com cálculos análogos mostrando que [q1 , p2 ](Q,P ) = [q2 , p1 ](Q,P ) = 0 . Finalmente,
2
!
X ∂Ql ∂Pl ∂Ql ∂Pl 1
[q1 , p1 ](Q,P ) = − = −2p1 − =1 ,
l=1
∂q1 ∂p1 ∂p1 ∂q1 2p1
É possı́vel introduzir uma notação compacta que resume todas as equações de Hamilton
numa única equação matricial. Essa notação é particularmente útil para simplificar certas
fórmulas e demonstrações que na notação tradicional são bastante complicadas. Seja z
uma matriz-coluna com 2n elementos z1 , . . . , z2n , definidos por
zi = qi , zn+i = pi , i = 1, . . . , n . (8.3.1)
292 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
Em palavras: os n primeiros z’s são os n q’s e os n últimos z’s são os n p’s. Analoga-
mente, a matriz ∂H/∂z é uma coluna com os seguintes elementos:
∂H ∂H ∂H ∂H
= , = , i = 1, . . . , n . (8.3.2)
∂zz i ∂qi ∂zz n+i ∂pi
!
O I
J= (8.3.3)
−I O
∂H
żz = J , (8.3.4)
∂zz
Exercı́cio 8.3.1. Mostre que (8.3.4) equivale às equações de Hamilton na forma usual.
ζ = ζ (zz, t) (8.3.5)
ou, em componentes,
1
Esta palavra foi introduzida pelo matemático Hermann Weyl em 1939 e deriva de uma raiz grega que
significa “entremeado” ou “entrelaçado”.
8.3. NOTAÇÃO SIMPLÉTICA 293
∂z 2n
z T ∂zz X ∂zr ∂zs
[u, v] z = J ≡ Jrs . (8.3.7)
∂u ∂v r,s=1 ∂u ∂v
Exercı́cio 8.2.2. Comprove que (8.3.7) é equivalente ao parêntese de Lagrange [u, v](q,p)
conforme a Definição 8.2.1.
∂ζr
Mrs = . (8.3.8)
∂zs
Podemos escrever
2n 2n
X ∂ζk ∂ζl X
[zr , zs ] ζ = Jkl = Mkr Jkl Mls , (8.3.9)
k,l=1 ∂zr ∂zs k,l=1
MT J M )rs .
[zr , zs ] ζ = (M (8.3.10)
294 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
Qualquer matriz que satisfaz a condiçãosimplética (8.3.11) é dita uma matriz simplética.
Cumpre chamar a atenção para a semelhança entre a Eq.(8.3.11) e a condição (6.1.20) que
caracteriza uma transformação de Lorentz. A condição simplética pode ser utilizada para
testar diretamente se uma dada transformação é canônica.
√ √
Exemplo 8.2.2. Prove que a transformação Q = (q − p)/ 2 , P = (q + p)/ 2 é canônica.
! ! ! ! !
T 1 1 1 0 1 1 −1 1 0 2 0 1
M JM = = = =J ,
2 −1 1 −1 0 1 1 2 −2 0 −1 0
2n 2n
∂ζr X ∂ζr ∂zs X ∂zs
= = Mrs , (8.3.13)
∂u s=1 ∂zs ∂u s=1 ∂u
∂ζ
ζ ∂zz
=M . (8.3.14)
∂u ∂u
∂ζ
ζ T ∂ζ
ζ ∂zz T T ∂zz ∂zz T ∂zz
[u, v] ζ = J = M JM = J = [u, v] z , (8.3.15)
∂u ∂v ∂u ∂v ∂u ∂v
M J MT = J (8.3.16)
O conjunto de todas as matrizes (2n) × (2n) que satisfazem (8.3.11) constitui o grupo
real simplético Sp2n (R I 2n .
I ) sobre o espaço R
296 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
Seja F (q, p, t) uma variável dinâmica arbitrária, isto é, uma função qualquer das
variáveis canônicas e do tempo. Então
n n
dF X ∂F ∂F ∂F X ∂F ∂H ∂F ∂H ∂F
= q̇k + ṗk + = − + , (8.4.1)
dt k=1 ∂qk ∂pk ∂t k=1 ∂qk ∂pk ∂pk ∂qk ∂t
n
X ∂F ∂G ∂F ∂G
{F, G} = − , (8.4.2)
k=1 ∂qk ∂pk ∂pk ∂qk
de modo que
dF ∂F
= {F, H} + . (8.4.3)
dt ∂t
Uma das principais vantagens para análises teóricas de se escrever a equação de movi-
mento de uma variável dinâmica arbitrária na forma (8.4.3) reside na propriedade do
parêntese de Poisson de ser invariante sob transformações canônicas. Em outras palavras,
a Eq.(8.4.3) independe do conjunto de variáveis canônicas escolhido para descrever a
dinâmica. Para abreviar a demonstração da invariância do parêntese de Poisson é conve-
niente reescrevê-lo em notação simplética na forma
∂F T 2n
∂G X ∂F ∂G
{F, G} z = J ≡ Jrs , (8.4.5)
∂zz ∂zz r,s=1 ∂zr ∂zs
8.4. PARÊNTESES DE POISSON 297
se a transformação z → ζ é canônica.
2n
∂F ∂ζs ∂F ∂F ∂F
= MT
X
= =⇒ . (8.4.7)
∂zr s=1 ∂zr ∂ζs ∂zz ∂ζ
ζ
Conseqüentemente,
∂F T ∂G ∂F T ∂G ∂F T ∂G
{F, G} z = J = M J MT = J = {F, G} ζ , (8.4.8)
∂zz ∂zz ∂ζ
ζ ∂ζ
ζ ∂ζ
ζ ∂ζ
ζ
2n
X
{ur , uk } z [uk , us ] z = −δrs . (8.4.9)
k=1
2n 2n X
2n X
2n
X X ∂ur ∂uk ∂zi ∂zj
Γrs ≡ {ur , uk } z [uk , us ] z = Jlm Jij
k=1 k=1 l,m=1 i,j=1 ∂zl ∂zm ∂uk ∂us
298 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
2n
2n X 2n X 2n
X ∂ur ∂zi ∂zj X ∂ur ∂zj
= Jlm Jij = Jlm Jmj ,
l,m=1 i,j=1 ∂zl ∂zm ∂us l,m=1 j=1 ∂zl ∂us
onde usamos a regra da cadeia da diferenciação e ∂zi /∂zm = δim . Por outro lado,
2n
J2 )lj = (−I)lj = −δlj ,
X
Jlm Jmj = (J
m=1
donde
2n 2n
X ∂ur ∂zj X ∂ur ∂zl ∂ur
Γrs = − δlj =− =− = −δrs
l,j=1 ∂zl ∂us l=1 ∂zl ∂us ∂us
8.2.2, com os papéis das variáveis novas e antigas intercambiados, afirma que a trans-
formação (8.3.5) é canônica se e somente se Y = J . Mas, como J2 = −I , segue-se
imediatamente que X = J se e somente se Y = J , completando a demonstração do
teorema. 2
Exercı́cio 8.4.1. Considere um sistema mecânico com um único grau de liberdade. Usando
o critério dos parênteses de Poisson, prove que a transformação
sen p
Q = ln , P = q cot p (8.4.11)
q
é canônica.
Exceto a identidade de Jacobi, cuja demonstração direta requer um longo trabalho algébri-
co, as demais propriedades são de demonstração fácil e rápida, ficando como exercı́cio para
o leitor. Reservamos para a próxima seção uma prova curta e virtualmente sem cálculos
da identidade de Jacobi. Uma propriedade adicional que merece menção é
∂ ∂A ∂B
{A, B} = { , B} + {A, } , (8.4.12)
∂λ ∂λ ∂λ
Uma álgebra de Lie consiste num espaço vetorial de elementos X, Y, . . . no qual está
definido um “produto” bilinear [X, Y ] que satisfaz a propriedade de anti-simetria e obe-
dece à identidade de Jacobi (Sternberg 1994). Assim, as funções infinitamente diferenciá-
veis sobre o espaço de fase, dotado da estrutura dos parênteses de Poisson, geram uma
álgebra de Lie.
X
{pi dqi − (pi + gi )(dqi + dfi } = dΦ , (8.5.2)
i
X
(gi dqi + pi dfi ) = −dF . (8.5.3)
i
X
(gi dqi − fi dpi ) = −dG , (8.5.4)
i
onde
8.5. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS INFINITESIMAIS 301
X
G= pi fi + F . (8.5.5)
i
∂G ∂G
fi = , gi = − , (8.5.6)
∂pi ∂qi
ou seja,
∂G ∂G
δqi = , δpi = − , (8.5.7)
∂pi ∂qi
isto é, a transformação canônica infinitesimal gerada por H leva os valores dos q’s e p’s
no instante t em seus valores no instante t+dt . Assim, a evolução do sistema mecânico de
seu estado no instante t para seu estado no instante t + dt é uma transformação canônica
infinitesimal gerada pela hamiltoniana do sistema. A evolução temporal num intervalo de
tempo finito é uma transformação canônica que consiste numa sucessão de transformações
canônicas infinitesimais geradas por H . Note que, usando (8.5.5) com G = H,
X
Φ = F = dt (H − pi q̇i ) = −L dt (8.5.12)
i
Z t
Φ=− L dt = −S , (8.5.13)
t0
onde S é a ação . Em outras palavras, −S gera uma transformação canônica que evolui o
estado do sistema no instante inicial t0 ao seu estado num instante genérico t . Ainda da
Definição 8.2.1, é fácil perceber que −Φ gera a inversa da transformação canônica gerada
por Φ . Logo, encarada como função geradora, a ação S engendra uma transformação
canônica que traz o estado do sistema no instante genérico t ao seu estado num instante
inicial fixo t0 , isto é, as novas variáveis canônicas resultantes da transformação gerada
por S são constantes. Esta notável propriedade da ação S será confirmada pela teoria
de Hamilton-Jacobi, d ser desenvolvida no próximo capı́tulo.
X ∂u ∂u
δu = u(q + δq, p + δp, t) − u(q, p, t) = δqi + δpi , (8.5.14)
i ∂qi ∂pi
onde E(q, p) e F (q, p) são duas variáveis dinâmicas quaisquer. Por outro lado, como
o parêntese de Poisson {E, F } independe das variáveis canônicas utilizadas para o seu
cálculo, sua variação deve-se exclusivamente às variações de E e F , de modo que
donde
δ{E, F } = {{E, G}, F } + {E, {F, G}} . (8.5.18)
dG
δH = {H, G} = − , (8.5.20)
dt
∂F ∂G
{F, H} + =0 , {G, H} + =0 .
∂t ∂t
Logo,
d ∂ n ∂F o n ∂G o
{F, G} = {{F, G}, H} + {F, G} = {{F, G}, H} + , G + F,
dt ∂t ∂t ∂t
Às vezes é possı́vel gerar novas constantes de movimento pelos parênteses de Poisson
de constantes de movimento já conhecidas. Freqüentemente, no entanto, tais parênteses de
Poisson são identicamente constantes ou funções das constantes de movimento previamente
conhecidas.
Exemplo 8.5.1. Um projétil move-se no plano xy num campo gravitacional constante com
hamiltoniana H = (p2x + p2y )/2m + mgy . Prove que F = y − tpy /m − gt2 /2 e G = x − tpx /m são
constante de movimento e obtenha novas constantes de movimento por intermédio do teorema
de Poisson.
Solução. Temos
dF ∂F t py py t py
= {F, H} + = {y, H} − {py , H} − − gt = − (−mg) − − gt = 0
dt ∂t m m m m m
e, analogamente,
8.5. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS INFINITESIMAIS 305
dG ∂G t px px px
= {G, H} + = {x, H} − {px , H} − = −0− =0 .
dt ∂t m m m m
t py
M = {F, H} = {y, H} − {py , H} = + gt
m m
e também
t px
N = {G, H} = {x, H} − {px , H} =
m m
du
= {u, H}t=0 ≡ {u, H}0 , (8.5.21)
dt t=0
d2 u d
= {u, H} = {{u, H}, H}0 . (8.5.22)
dt2 t=0 dt t=0
Por indução ,
dn u
= {· · · {{ u, H}, H}, · · · , H}0 . (8.5.23)
dtn t=0 | {z }
n
306 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
t2 t3
u(t) = u0 + t {u, H}0 + {{u, H}, H}0 + {{{u, H}, H}, H}0 + · · · , (8.5.24)
2! 3!
Exemplo 8.5.2. Dada uma partı́cula sujeita a uma força constante F , cuja função hamil-
toniana é H = p2 /2m − F x , encontre x(t) usando a Eq.(8.5.24).
Solução. Temos
p 1 F F
{x, H} = , {{x, H}, H} = {p, H} = − {p, x} = .
m m m m
Como F = constante , todos os demais parênteses de Poisson são nulos, de modo que
t2 p0 F 2
x(t) = x0 + t {x, H}0 + {{x, H}, H}0 = x0 + t+ t ,
2! m 2m
dÔH ∂ ÔH 1
= + [ÔH , Ĥ] ,
dt ∂t ih̄
onde [Â, B̂] = ÂB̂ − B̂ Â é o comutador de dois operadores. A similaridade entre esta
equação e a Eq.(8.4.3) é marcante. A mecânica formulada na linguagem dos parênteses de
Poisson é o análogo clássico da teoria quântica na representação de Heisenberg. Além disso,
o comutador quântico dividido por ih̄ corresponde ao parêntese de Poisson clássico. Essa
correspondência é consistente porque o comutador quântico tem exatamente as mesmas
8.6. PARÊNTESES DE POISSON DO MOMENTO ANGULAR 307
donde
É imediato que
Exercı́cio 8.6.1. Verifique que (8.6.3) equivale a (8.6.2) e estenda o resultado a um sistema
de n partı́culas, isto é, prove que a transformação canônica infinitesimal δxi = −yi dθ , δyi =
× pk .
P
xi dθ , δzi = 0 é gerada pela componente z do momento angular canônico L = k rk
308 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
Mais geralmente, o gerador de rotações em torno da direção definida pelo vetor unitário
n̂ é L · n̂ (demonstração: o eixo z sempre pode ser escolhido ao longo do vetor n̂ ).
Portanto, para um vetor F arbitrário,
δF = dθ n̂ × F , (8.6.5)
donde
que é o resultado genérico procurado. Ressalte-se que esta última equação vale para
qualquer vetor F do sistema, isto é, que possa ser expresso como função unicamente das
variáveis canônicas do sistema, porque δF tem seu significado definido pela Eq.(8.5.14).
Se F depender de algum vetor externo − um campo magnético constante, por exemplo
− que não é afetado por uma rotação das variáveis canônicas do sistema, a Eq.(8.6.6) não
se aplica.
ou, em componentes,
Exercı́cio 8.6.2. (i) Tomando F = L e n̂ sucessivamente igual a î, ĵ, k̂ , prove que
{Lx , Ly } = Lz , (8.6.9)
os demais parênteses de Poisson sendo obtidos permutando ciclicamente xyz . (ii) Demonstre o
seguinte teorema: se duas componentes do momento angular são conservadas, então a compo-
nente restante é necessariamente conservada.2
Como último resultado interessante, note que um escalar é invariante sob rotações,
portanto
{F · G, L · n̂} = 0 (8.6.10)
Seja R uma região do espaço de fase (q, p) que é mapeada na região R0 do espaço de
fase (Q, P ) por uma transformação canônica. O “volume” Ω da região R é definido por
Z Z
Ω= dq1 . . . dqn dp1 . . . dpn ≡ d2n z . (8.7.1)
R R
Analogamente,
Z Z
0
Ω = dQ1 . . . dQn dP1 . . . dPn ≡ d2n ζ . (8.7.2)
R0 R0
0
Z
2n
Z
∂(ζ1 , . . . , ζ2n ) 2n
Ω = d ζ = d z , (8.7.3)
R0 R ∂(z1 , . . . , z2n )
2
Este teorema só é verdadeiro na ausência de vı́nculos. Se houver vı́nculos o teorema não se aplica,
como contraexemplos elementares permitem constatar (Corben & Stehle 1960, p. 229).
310 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
∂ζ1 ∂ζ1
∂z1
··· ∂z2n
∂(ζ1 , . . . , ζ2n )
= .. .. ..
= det M , (8.7.4)
∂(z1 , . . . , z2n ) . . .
∂ζ2n ∂ζ2n
···
∂z1 ∂z2n
Z Z
Ω0 = d2n ζ = d2n z = Ω , (8.7.5)
R0 R
Ωt = Ω 0 , (8.7.6)
pois a evolução temporal é uma transformação canônica. Esta última equação é conhecida
como teorema de Liouville, o qual assegura que a evolução dinâmica preserva o volume de
qualquer região do espaço de fase.
8.7. TEOREMAS DE LIOUVILLE E DE POINCARÉ 311
d% ∂%
= + {%, H} = 0 , (8.7.8)
dt ∂t
Neste caso o valor médio de qualquer grandeza fı́sica é independente do tempo, de modo
que um ensemble estacionário representa um sistema em equilı́brio. Pela Eq.(8.7.8), a
densidade % de um sistema em equilı́brio tem parêntese de Poisson zero com H . Esta
condição é assegurada tomando-se % como uma função das constantes de movimento do
sistema que não dependam explicitamente do tempo. Para sistemas conservativos, uma
função qualquer da energia dá conta do recado. O ensemble microcanônico é caracterizado
por %(q, p) = constante para microestados de uma dada energia e zero em caso contrário,
que realiza o postulado das iguais probabilidades a priori para um sistema isolado. No
caso de um sistema em equilı́brio térmico com um sistema maior, a escolha adequada é
%(q, p) ∝ exp[−H(q, p)/kΘ] , que define o ensemble canônico (Huang 1963; Pathria 1972).
312 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
U , g U , g2 U , . . . , gn U .
Como todos estes conjuntos possuem o mesmo volume, eles não podem ser disjuntos para
todo n, senão o volume de D seria infinito. Logo, existem números inteiros positivos
k, l , com k > l , tais que g k U g l U =
6 ∅ . Equivalentemente, g k x = g l y para algum
T
O teorema é válido, por exemplo, para um gás ideal contido num recipiente de volume
V , cujos microestados admissı́veis estão restritos ao domı́nio limitado do espaço de fase
definido pelas condições de que todas as N moléculas permaneçam no interior do recipiente
e E ≤ H(q, p) ≤ E + ∆E , ou seja,
Neste caso, a aplicação de interesse é a evolução temporal g t gerada por H(q, p) que
mapeia um ponto do espaço de fase no instante t = 0 em sua imagem no instante t, isto
é, g t (q(0), p(0)) = (q(t), p(t)) , e, pelo teorema de Liouville, preserva volumes. Um gás
8.7. TEOREMAS DE LIOUVILLE E DE POINCARÉ 313
ideal volta infinitas vezes a um estado arbitrariamente próximo de qualquer estado inicial
escolhido, e essa dinâmica quase periódica dá lugar a um aparente paradoxo. Se um gás
ideal ocupa a metade de um recipiente e é retirada a parede que impedia a sua expansão
para a outra metade, ele rapidamente ocupa todo o volume disponı́vel. De acordo com o
teorema da recorrência de Poincaré, depois de “algum tempo” todas as moléculas do gás
retornarão à primeira metade do recipiente, em aparente contradição com a segunda lei
da termodinâmica.
Vale sublinhar, também, que nem sempre a conservação da energia é suficiente para
definir um domı́nio de volume finito do espaço de fase que permita a aplicação do teo-
rema da recorrência de Poincaré. No caso em que a energia potencial de interação entre
as moléculas do gás pode tornar-se arbitrariamente grande, não são conhecidos domı́nios
3
Que se tornaria famoso pelo axioma da escolha e por outras contribuições à teoria dos conjuntos.
314 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
invariantes do espaço de fase com volume finito. As trajetórias que escapam para o in-
finito preenchem uma larga porção do espaço de fase e a elas não se aplica o teorema da
recorrência. No entanto, como o fluido de fase não pode ser comprimido, é possı́vel provar
que quase todas as trajetórias que vêm do infinito retornam para lá (Thirring 1997).
Considere um sistema descrito por uma lagrangiana L(q, q̇) sem dependência temporal
explı́cita. Se a matriz hessiana é singular, isto é,
det W = 0 , (8.8.1)
então as equações definidoras dos momentos canônicos não podem ser todas resolvidas para
as velocidades em função dos momentos porque não constituem um conjunto de equações
independentes. Como conseqüência, aparecem relações funcionais entre as coordenadas e
momentos do tipo
φm (q, p) = 0 , m = 1, . . . , M . (8.8.2)
Por causa destas equações, os q’s e p’s, que são as variáveis dinâmicas básicas do formal-
ismo hamiltoniano, não são mutuamente independentes. As relações (8.8.1), decorrentes
unicamente da forma da lagrangiana, são chamadas de vı́nculos primários.
1
L = (ẋ − ẏ)2 , (8.8.3)
2
8.8. SISTEMAS HAMILTONIANOS VINCULADOS 315
∂2L ∂2L
!
∂ ẋ2 ∂ ẋ∂ ẏ
1 −1
W = =
∂2L ∂2L −1 1
∂ ẏ∂ ẋ ∂ ẏ 2
∂L ∂L
px = = ẋ − ẏ , py = = ẏ − ẋ . (8.8.4)
∂ ẋ ∂ ẏ
φ = px + py = 0 , (8.8.5)
M
X
HT = H + λm φm , (8.8.6)
m=1
Z t2 X Z t2 X X
δ pi q̇i − HT dt = δ pi q̇i − H − λm φm dt = 0 (8.8.7)
t1 i t1 i m
são
∂H X ∂φm
q̇i = + λm , (8.8.8a)
∂pi m ∂pi
316 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
∂H X ∂φm
ṗi = − − λm , (8.8.8b)
∂qi m ∂qi
φm (q, p) ≈ 0 (8.8.9)
para sublinhar que cada quantidade φm é numericamente restrita a valer zero mas não
é identicamente nula em todo o espaço de fase. Em particular, os φm têm parênteses de
Poisson não nulos com as variáveis canônicas. De modo mais geral, duas funções F, G que
coincidem na hipersuperfı́cie do espaço de fase definida pelos vı́nculos φm ≈ 0 são ditas
fracamente iguais, e escrevemos F ≈ G . Por outro lado, uma igualdade que vale em todo
o espaço de fase, e não apenas na hipersuperfı́cie φm ≈ 0 , é dita forte e o sı́mbolo usual
de igualdade é usado neste caso. Com esses cuidados, a equação de movimento de uma
função qualquer F (q, p) pode ser escrita na forma
X
Ḟ = {F, H} + λm {F, φm } ≈ {F, HT } , (8.8.10)
m
porque cada termo {λm , F }φm , sendo proporcional a um dos vı́nculos, é fracamente zero.
A Eq.(8.8.10) mostra que as equações de vı́nculo (8.8.2) só podem ser usadas depois de
calculados todos os parênteses de Poisson em que estivermos interessados.
X
{φm , H} + λm0 {φm , φm0 } ≈ 0 . (8.8.11)
m0
Exemplo 8.8.2. Discuta as condições de consistência e obtenha a solução geral das equações
de Hamilton para o sistema descrito pela lagrangiana do Exemplo 8.8.1.
1 1
H = ẋpx + ẏpy − L = (ẋ − ẏ)px − p2x = p2x , (8.8.12)
2 2
para o vı́nculo (8.8.5) é identicamente satisfeita porque {φ, H} = 0 . Não há outros vı́nculos e
as equações de Hamilton tomam a forma
cuja solução geral é px = −py = a , x(t) = y(t) + at + b com a, b constantes arbitrárias e y(t)
função arbitrária.
Exercı́cio 8.8.1. Mostre que a solução geral das equações de Lagrange que derivam da
lagrangiana (8.8.3) coincide com a solução geral das equações de Hamilton.
X
Cmm00 {φm00 , φm0 } = δmm0 . (8.8.16)
m00
X
λm ≈ − Cmm0 {φm0 , H} , (8.8.17)
m0
donde
X
Ḟ ≈ {F, H} − {F, φm }Cmm0 {φm0 , H} . (8.8.18)
m,m0
Podemos usar o sinal de igualdade forte nesta última equação porque, agora, os parênteses
de Dirac dos vı́nculos com qualquer F (q, p) são nulos:
{F, φm }∗ = {F, φm } −
X X
{F, φm0 }Cm0 m00 {φm00 , φm } = {F, φm } − {F, φm0 }δm0 m = 0 .
m0 ,m00 m0
(8.8.21)
Segue-se que os vı́nculos podem ser postos iguais a zero na hamiltoniana HT antes de
calcular os parênteses de Dirac, de modo que HT = H e as igualdades fracas podem ser
tomadas como igualdades fortes. Os parênteses de Dirac têm as mesmas propriedades
algébricas que os parêntese de Poisson e satisfazem a identidade de Jacobi.
χs (q, p) = 0 , s = 1, . . . , S . (8.8.22)
X
χ̇s ≈ {χs , H} + λm0 {χs , φm0 } ≈ 0 . (8.8.23)
m0
Se recairmos nos casos (i) ou (ii) o processo termina neste estágio. Se isto não aconte-
cer, aparecem outros vı́nculos secundários e repetimos o procedimento, conhecido como
algoritmo de Dirac-Bergmann. Após um número finito de estágios o processo termina e
ficamos com um conjunto de vı́nculos secundários denotados por
φk (q, p) ≈ 0 , k = M + 1, . . . , M + K , (8.8.24)
φj (q, p) ≈ 0 , j = 1, . . . , M + K = J . (8.8.25)
X
{φj , H} + λm {φj , φm } ≈ 0 (8.8.26)
m
e impõem restrições aos λ’s, já que não geram novos vı́nculos. O sistema de J equações
lineares não-homogêneas (8.8.26) para as M ≤ J incógnitas λm deve ser solúvel, caso
contrário a dinâmica descrita pela lagrangiana original seria inconsistente, hipótese que
excluı́mos. A solução geral de (8.8.26) é da forma
A
va Vm(a) ,
X
λm = Um + (8.8.27)
a=1
{φj , φm }Vm(a) ≈ 0 .
X
(8.8.28)
m
320 CAPı́TULO 8. TRANSFORMAÇÕES CANÔNICAS
va Vm(a) φm ≡ H 0 +
X X X
HT = H + Um φm + v a Φa , (8.8.29)
m m,a a
onde
H0 = H +
X
Um φm (8.8.30)
m
e definimos
Vm(a) φm .
X
Φa = (8.8.31)
m
Ḟ ≈ {F, HT } . (8.8.32)
O quadro geral pode agora ser resumido. Os coeficientes va são arbitrários, de modo
que a solução geral das equações de movimento contém funções arbitrárias do tempo.
As condições iniciais não determinam univocamente as variáveis dinâmicas em tempos
futuros. Isto é tı́pico das teorias dotadas de invariância sob transformações de calibre, que
em geral são descritas por um número maior de variáveis do que o número de graus de
liberdade fı́sicos da teoria.4
{F, φj } ≈ 0 , j = 1, . . . , J . (8.8.33)
Dizemos que F é de segunda classe se o seu parêntese de Poisson com pelo menos um dos
vı́nculos não é fracamente zero. A hamiltoniana total (8.8.29) é de primeira classe porque
é a soma de H 0 de primeira classe com com uma combinação linear com coeficientes
arbitrários de vı́nculos de primeira classe Φa definidos pela Eq.(8.8.31). A teoria contém
tantas funções arbitrárias do tempo quantos são os vı́nculos de primeira classe.
Exercı́cio 8.8.2. Prove que H 0 e Φa , definidas por (8.8.30) e (8.8.31), são funções de
primeira classe.
h i
Fδt = F0 + Ḟ δt = F0 + {F, HT }δt = F0 + δt {F, H 0 } +
X
va {F, Φa } . (8.8.34)
a
Como os v’s são arbitrários, uma escolha de valores diferentes va0 para esses coeficientes
produz uma mudança em Fδt :
(va0 − va ){F, Φa } =
X X
∆Fδt = δt a {F, Φa } , (8.8.35)
a a
onde
O mesmo estado fı́sico é descrito por Fδt ou por Fδt + ∆Fδt . Mas a Eq.(8.8.35) é uma
soma de transformações canônicas infinitesimais, cada uma gerada por Φa com parâmetro
infinitesimal associado a . Logo, os vı́nculos primários de primeira classe geram trans-
formações de calibre, isto é, transformações canônicas infinitesimais que mudam os q’s e
p’s mas não alteram o estado fı́sico do sistema.
1 β
L(q1 , q2 , q̇1 , q̇2 ) = q̇12 + q2 q̇1 + (1 − α)q1 q̇2 + (q1 − q2 )2 . (8.8.37)
2 2
!
1 0
W = (8.8.38)
0 0
∂L ∂L
p1 = = q̇1 + q2 , p2 = = (1 − α)q1 , (8.8.39)
∂ q̇1 ∂ q̇2
φ1 ≡ p2 + (α − 1)q1 ≈ 0 . (8.8.40)
1 β
H = (p1 − q2 )2 − (q1 − q2 )2 . (8.8.41)
2 2
A exigência de que o vı́nculo primário seja preservado ao longo do tempo traduz-se na condição
de consistência
Como λ é arbitrário, segue-se que q2 é uma função arbitrária do tempo. Por outro lado, de
(8.8.43) deduz-se
É fácil compreender o porquê desta solução geral das equações de movimento notando que
8.8. SISTEMAS HAMILTONIANOS VINCULADOS 323
1 d
L = q̇12 + (q1 q2 ) . (8.8.45)
2 dt
Uma vez que lagrangianas que só diferem por uma derivada total em relação ao tempo geram as
mesmas equações de movimento, somos levados a concluir que o sistema equivale a uma partı́cula
livre com um único grau de liberdade. A variável q2 não representa nenhum grau de liberdade
fı́sico do sistema, é arbitrária e pode ser descartada. A existência de uma função arbitrária do
tempo está de acordo com a teoria geral, pois quando só há um vı́nculo este é necessariamente
de primeira classe.
φ2 ≡ q1 − q2 ≈ 0 . (8.8.46)
1 β
HT = (p1 − q2 )2 − (q1 − q2 )2 + (p1 − q2 )(p2 − q1 ) . (8.8.48)
2 2
! !
0 1 −1 0 −1
k {φa , φb } k= =⇒ k Cab k=k {φa , φb } k = . (8.8.49)
−1 0 1 0
2
{F, G}∗ = {F, G} −
X
{F, φa }Cab {φb , G} = {F, G} + {F, φ1 }{φ2 , G} − {F, φ2 }{φ1 , G} .
a,b=1
(8.8.50)
Com o emprego dos parênteses de Dirac os vı́nculos podem ser postos iguais a zero na hamilto-
niana, que reduz-se a
1
H = HT = (p1 − q2 )2 . (8.8.51)
2
Com o emprego dos parênteses de Dirac os vı́nculos p2 −q1 = 0 e q2 −q1 = 0 tornam-se equações
fortes e podem ser substituı́das em (8.8.52a) para dar
com a e b constantes arbitrárias. Confirma-se a análise genérica segundo a qual não restam
funções arbitrárias do tempo quando todos os vı́nculos são de segunda classe.
φ2 ≡ p1 − q2 − α(q1 − q2 ) ≈ 0 . (8.8.56)
Resulta que λ ( logo, q2 ) é função arbitrária do tempo. Isto é consistente com o fato de o
vı́nculo φ1 ser de primeira classe.
β h i β
λ= (p 1 − q 2 ) − α(q 1 − q 2 ) = (q1 − q2 ) , (8.8.59)
β − α2 α
β
q̇1 = p1 − q2 , q̇2 = (q1 − q2 ) . (8.8.60a)
α
β (1 − α)β
ṗ1 = (q1 − q2 ) , ṗ2 = (q1 − q2 ) . (8.8.60b)
α α
Exercı́cio 8.8.3. Na situação (a) do Exemplo 8.8.3, que tipo de transformação canônica
infinitesimal é gerada pelo vı́nculo primário de primeira classe φ1 ? Comprove que essa trans-
formação só afeta quantidades arbitrárias, de modo que trata-se de uma transformação de calibre
que não altera o estado fı́sico do sistema. Na situação (d) do Exemplo 8.8.3, determine a forma
explı́cita dos parênteses de Dirac em termos dos parênteses de Poisson e obtenha as equações de
movimento (8.8.60).
Os exemplos discutidos acima são puramente acadêmicos, mas ilustram bastante bem
as diversas situações encontradas nos modelos fisicamente relevantes, os quais consistem
em teorias de campos que ainda não estamos preparados para abordar.5 Outros aspectos
importantes da teoria dos sistemas hamiltonianos vinculados, tais como o papel dos vı́culos
secundários de primeira classe, a hamiltoniana estendida, a conjectura de Dirac, a fixação
do calibre e os graus de liberdade independentes, e as regras de quantização de Dirac não
cabem neste tratamento introdutório. Para estas e outras questões o leitor interessado
deve consultar obras especializadas (Dirac 1964; Henneaux & Teitelboim 1992).
5
No Capı́tulo 10 fazemos uma breve discussão, por meio de exemplos simples, de teorias de campos
com vı́nculos.
326 CAPÍTULO 8: PROBLEMAS
PROBLEMAS
8.1. (i) Partindo da equação (8.1.9) na forma Φ(q, p, t) = F1 (q, Q(q, p, t), t) , prove que
∂Φ/∂t = −
P
i Pi ∂Qi /∂t + ∂F1 /∂t . (ii) Usando dΦ(q, p, t) = dΦ(q, p, t)|t fixo + (∂Φ/∂t) dt e
uma equação análoga para dQi (q, p, t) , mostre, com o emprego de (8.1.11), que se (8.2.1)
vale então (8.1.8) é satisfeita para t variável.
Q = q α cos βq , P = q α sen βq
é canônica?
1h i
H= (p − aq)2 + ω 2 (q + bt)2 ,
2
1 ω2
R(q, p, t) = (p − aq + b) + (q + bt)2
2
2 2
é constante de movimento.
p2
H= − Fq .
2m
(a) Encontre uma transformação canônica tal que a hamiltoniana transformada seja dada
por K(Q, P ) = P . (b) Resolva as equações da Hamilton para as novas variáveis canônicas
e retorne às variáveis originais para obter q(t) .
CAPÍTULO 8: PROBLEMAS 327
p2 −2γx
H= e ,
2
onde γ é uma constante. Escreva as equações de Hamilton e deduza uma equação dife-
rencial de segunda ordem para x(t) . Dadas as condições iniciais x(0) = 0 e ẋ(0) = v0 ,
resolva a equação de movimento para u = eγx usando a fórmula (8.5.24) e daı́ determine
x(t) .
!
1 4 2 1
H= q p + 2 .
2 q
[p − g(q)]2
H= − kf (q) ,
2f 0 (q)
8.8. De acordo com o Teorema 2.3.1, as equações de Lagrange não se alteram pela
substituição da lagrangiana L(q, q̇, t) por L̄(q, q̇, t) = L(q, q̇, t) + df (q, t)/dt , onde f (q, t)
é uma função arbitrária. Prove que esta transformação é canônica e encontre uma função
geradora.
8.11. Uma partı́cula de massa m move-se ao longo de uma linha reta sob o potencial
V = mk/x2 . Dadas as condições iniciais x(0) = x0 e ẋ(0) = 0 , obtenha x(t) por meio
da solução em série envolvendo parênteses de Poisson sucessivos para u = x2 .
√ √ √
Q = ln(1 + q cos p) , P = 2(1 + q cos p) q sen p
↔ ↔
{F, L} = − 1 ×F = −F× 1
↔
onde 1 é o tensor unidade.
1 2 mω 2 2
H= (px + p2y ) + (x + y 2 ) .
2m 2
1 1
H = p21 + p22 + (q1 − q2 )2 + (q1 + q2 )2 ,
2 8
q q q q
q1 = Q1 cos P1 + 2Q2 cos P2 , q2 = − Q1 cos P1 + 2Q2 cos P2 ,
q q q q
p1 = Q1 sen P1 + Q2 /2 sen P2 , p2 = − Q1 sen P1 + Q2 /2 sen P2
L = (ẏ − z)(ẋ − y) .
(i) Se (t) é uma função infinitesimal arbitrária, que efeito a transformação infinitesimal
δx = , δy = ˙ , δx = ¨
são de primeira classe. (v) Mostre que as equações hamiltoniana de movimento coincidem
com as equações de Lagrange originais.
1 2
L= [ṙ + r2 (θ̇ − ξ)2 ] − V (r) ,
2
θ → θ + α(t) , ξ → ξ + α̇(t) ,
onde α(t) é uma fun cão arbitrária. (ii) Encontre os vı́nculos primários. (iii) Obtenha a
hamiltoniana canônica e a hamiltoniana total. (iv) Aplique o algoritmo de Dirac-Bergmann
e determine todos os vı́nculos do modelo. (iv) Prove que todos os vı́nculos são de primeira
classe. (v) Mostre que as equações hamiltonianas de movimento coincidem com as equações
de Lagrange originais. (vi) Verifique que a lagrangiana acima descreve uma partı́cula
movendo-se num plano mas observada de um referencial que gira com velocidade angular
ξ , sendo ξ tratada como uma variável dinâmica.
Capı́tulo 9
TEORIA DE HAMILTON-JACOBI
It is impossible to explain honestly the beauties of the laws of nature without some
deep understanding of mathematics.
Richard Feynman
Dado um sistema mecânico descrito pelas variáveis canônicas (q, p) e pela hamiltoni-
ana H(q, p, t) , efetuemos uma transformação canônica por meio de uma função geradora
S(q, P, t) . Suponhamos que S possa ser escolhida de tal modo que a hamiltoniana trans-
formada seja nula, isto é, K(Q, P, t) = 0 . Nessas circunstâncias as equações de Hamilton
transformadas são trivialmente solúveis:
∂K
Q̇i = =0 =⇒ Qi = βi , (9.1.1a)
∂Pi
331
332 CAPı́TULO 9. TEORIA DE HAMILTON-JACOBI
∂K
Ṗi = − =0 =⇒ Pi = αi , (9.1.1b)
∂Qi
∂S
0 = K = H(q, p, t) + , (9.1.2)
∂t
∂S
pi = , (9.1.3)
∂qi
∂S ∂S ∂S
H q1 , . . . , q n , ,..., ,t + =0 . (9.1.4)
∂q1 ∂qn ∂t
Esta é uma equação diferencial parcial de primeira ordem nas n+1 variáveis independentes
q1 , . . . , qn , t . Felizmente, não necessitamos de sua solução geral, que é muito difı́cil de ser
obtida por tratar-se de uma equação não-linear, e que envolve uma função arbitrária.
Como veremos por intermédio de numerosos exemplos, a equação de Hamilton-Jacobi
admite soluções particulares contendo n + 1 constantes arbitrárias α1 , . . . , αn+1 . Uma
vez que S não está envolvida diretamente na equação, mas apenas suas derivadas, uma das
constantes − digamos, αn+1 − é meramente aditiva. Em outras palavras, qualquer solução
contendo n + 1 parâmetros é da forma S + αn+1 . A constante aditiva αn+1 pode ser
descartada, pois não modifica a transformação gerada por S . A discussão no parágrafo
anterior sugere que, encontrada uma solução da equação de Hamilton-Jacobi da forma
S(q1 , . . . , qn , α1 , . . . , αn , t) onde os α’s são constantes de integração não-aditivas, fazendo
a identificação αi = Pi a função S(q, P, t) assim construı́da executa uma transformação
canônica que reduz a zero a nova hamiltoniana. Com essa identificação, o movimento do
sistema em termos das variáveis canônicas originais é determinado pelas equações
∂S
βi = , i = 1, . . . , n , (9.1.5)
∂αi
9.1. A EQUAÇÃO DE HAMILTON-JACOBI 333
que resultam da combinação de (8.1.15) com (9.1.1a). As n equações (9.1.5) podem ser
resolvidas para os q’s fornecendo
qi = qi (α, β, t) . (9.1.6)
pi = pi (α, β, t) . (9.1.7)
Estas duas últimas equações representam a solução geral das equações de Hamilton origi-
nais envolvendo 2n constantes de integraçãocujos valores são determinados pelas condições
iniciais.
Em face do caráter heurı́stico da discussão acima, vale a pena torná-la mais rigorosa
por meio de definições precisas e demonstrações dos resultados sugeridos anteriormente.
X ∂2S ∂2S
0 = β̇i = q̇j + . (9.1.10)
j ∂qj ∂αi ∂t∂αi
Por outro lado, lançando mão da Eq.(9.1.3), podemos escrever a equação de Hamilton-
Jacobi (9.1.4) na forma
∂S
H(q, p(q, α, t), t) + =0 . (9.1.11)
∂t
X ∂H ∂2S ∂2S
+ = 0 , (9.1.12)
j ∂pj ∂αi ∂qj ∂αi ∂t
X ∂2S ∂H
q̇j − =0 . (9.1.13)
j ∂qj ∂αi ∂pj
Como a matriz cujos elemento são ∂ 2 S/∂qj ∂αi é não-singular pela Eq.(9.1.8), o sistema
homogêneo de equações lineares (9.1.13) possui somente a solução trivial
∂H
q̇j − =0 , j = 1, . . . , n . (9.1.14)
∂pj
X ∂2S ∂2S
ṗi = q̇j + . (9.1.15)
j ∂qi ∂qj ∂t∂qi
∂H X ∂H ∂ 2 S ∂2S
+ + =0 . (9.1.16)
∂qi j ∂pj ∂qi ∂qj ∂qi ∂t
∂H X ∂ 2 S ∂H ∂H
ṗi = − + q̇j − = − (9.1.17)
∂qi j ∂qi ∂qj ∂pj ∂qi
1 ∂S 2 ∂S
+ =0 . (9.2.1)
2m ∂q ∂t
Uma integral completa desta equação pode ser obtida por separação de variáveis na forma de
soma:
1 dW 2 dT
=− . (9.2.3)
2m dq dt
Se fixarmos t e variarmos q o lado esquerdo de (9.2.3) deveria variar. No entanto, ele não pode
variar porque o lado direito permanece fixo. Logo, ambos os lados de (9.2.3) são iguais a uma
mesma constante positiva que, por conveniência, denotaremos por α2 /2m . Ficamos, assim, com
as duas equações diferenciais ordinárias
dW dT α2
=α , − = , (9.2.4)
dq dt 2m
donde
α2
S(q, α, t) = αq − t , (9.2.5)
2m
336 CAPı́TULO 9. TEORIA DE HAMILTON-JACOBI
∂S α
β= =q− t , (9.2.6)
∂α m
isto é,
α p0
q=β+ t ≡ q0 + t (9.2.7)
m m
já que
∂S
p= = α = constante = p0 . (9.2.8)
∂q
1 ∂S 2 mω 2 2 ∂S
+ q + =0 . (9.2.9)
2m ∂q 2 ∂t
S = W (q) − αt , (9.2.10)
onde W satisfaz
1 dW 2 mω 2 2
+ q =α . (9.2.11)
2m dq 2
A constante positiva α coincide com o valor constante da hamiltoniana (igual à energia total,
neste caso), pois dW/dq = ∂S/∂q = p . A solução de (9.2.11) é imediata:
Z q
W = 2mα − m2 ω 2 q 2 dq . (9.2.12)
Em conseqüência,
9.2. EXEMPLOS UNIDIMENSIONAIS 337
Z q
S(q, α, t) = 2mα − m2 ω 2 q 2 dq − αt , (9.2.13)
s !
∂S dq 1 mω 2
Z
β= =m p
2 2 2
− t = sen−1 q −t . (9.2.14)
∂α 2mα − m ω q ω 2α
r
2α
q(t) = sen(ωt + δ) , (9.2.15)
mω 2
Exemplo 9.2.3. (Lemos 1979) Use a teoria de Hamilton-Jacobi para resolver a equação de
movimento
q̈ + λq̇ + ω 2 q = 0 , (9.2.16)
mq̇ 2 mω 2 2
L = eλt − q , (9.2.17)
2 2
p2 mω 2 2 λt
H = e−λt + q e . (9.2.18)
2m 2
e−λt ∂S 2 mω 2 2 λt ∂S
+ q e + =0 . (9.2.19)
2m ∂q 2 ∂t
Devido à dependência temporal explı́cita de H , esta última equação não admite separação da
338 CAPı́TULO 9. TEORIA DE HAMILTON-JACOBI
∂F2 P2 mω 2 2 λ
K(Q, P, t) = H(q, p, t) + = + Q + QP (9.2.21)
∂t 2m 2 2
1 ∂S 2 mω 2 2 λ ∂S ∂S
+ Q + Q + =0 , (9.2.22)
2m ∂Q 2 2 ∂Q ∂t
S = W (Q) − αt , (9.2.23)
onde
1 dW 2 mω 2 2 λ dW
+ Q + Q =α . (9.2.24)
2m dQ 2 2 dQ
Note que α é igual ao valor constante da Hamiltoniana K . Resolvendo esta equação algébrica
do segundo grau para dW/dQ obtém-se
dW
= −ax ± [ b2 − (1 − a2 )x2 ]1/2 . (9.2.25)
dx
ax2
Z
W =− + [ b2 − (1 − a2 )x2 ]1/2 dx . (9.2.26)
2
ax2 2α
Z 1/2
S = −αt − + − γ 2 x2 dx , (9.2.27)
2 ω
donde
9.3. SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS 339
∂S 1 dx 1 −1 γx
Z
β= = −t + = −t + sen . (9.2.28)
∂α ω (b2 − γ 2 x2 )1/2 ωγ b
onde A e δ são constantes determinadas pelas condições iniciais. A Eq.(9.2.29) é a solução usual
para o oscilador amortecido no caso de amortecimento fraco.
Exercı́cio 9.2.1. (i) Confirme que a escolha do sinal negativo em (9.2.25) não afeta a forma
da solução (9.2.29). (ii) Complete o Exemplo 9.2.3 tratando os casos λ = 2ω (amortecimento
crı́tico) e λ > 2ω (amortecimento forte).
∂ S̄ ∂ S̄ ∂ S̄
H q1 , . . . , qn−1 , ,..., , αn , t + =0 , (9.3.2)
∂q1 ∂qn−1 ∂t
que só envolve as variáveis q1 , . . . , qn−1 , t . A motivação para buscar uma solução para a
equação de Hamilton-Jacobi da forma (9.3.1) provém de
∂S
= pn = αn , (9.3.3)
∂qn
onde
∂ S̄ ∂ S̄ ∂ S̄
H q1 , . . . , qn−2 , ,..., , αn−1 , αn , t + =0 . (9.3.5)
∂q1 ∂qn−2 ∂t
∂S ∂S ∂S
H q1 , . . . , q n , ,..., + =0 (9.3.6)
∂q1 ∂qn ∂t
S = W (q1 , . . . , qn ) − α1 t , (9.3.7)
9.3. SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS 341
∂W ∂W
H q1 , . . . , q n , ,..., = α1 . (9.3.8)
∂q1 ∂qn
Esta equação para W não contém o tempo e α1 é igual ao valor constante da hamiltoni-
ana. Uma solução completa S(q, α, t) de (9.3.6) fica determinada uma vez que se encontre
uma integral completa W (q, α) da equação de Hamilton-Jacobi independente do tempo
(9.3.8). A função W (q, α) , por si só, já produz uma transformação canônica que resolve
completamente as equações de movimento para os q’s.
Exercı́cio 9.3.1. Suponha que H não dependa explicitamente do tempo e seja W (q, α)
uma integral completa de (9.3.8). Encarando W como função geradora de uma transformação
canônica com αi ≡ Pi , mostre que as equações de Hamilton transformadas são
Ṗi = 0 =⇒ Pi = αi , i = 1, . . . , n ,
Q̇1 = 1 =⇒ Q1 = t + β1 , (9.3.9)
Q̇i = 0 =⇒ Qi = βi , i = 2, . . . , n .
∂W ∂W
= t + β1 , = βi , i = 2, . . . , n , (9.3.10)
∂α1 ∂αi
são determinados os qi (α, β, t) que obedecem às equações de Hamilton e contêm 2n constantes
de integração cujos valores são fixados pelas condições iniciais.
" #
1 ∂S 2 1 ∂S 2 1 ∂S 2 b(θ) ∂S
+ 2 + 2 2
+ a(r) + 2 + =0 . (9.3.12)
2m ∂r r ∂θ r sen θ ∂ϕ r ∂t
Visto que H não depende explicitamente do tempo e ϕ é coordenada cı́clica, podemos escrever
onde
2
" #
1 ∂W 2 1 ∂W 2 αϕ b(θ)
+ 2 + 2 2
+ a(r) + 2 = α1 . (9.3.14)
2m ∂r r ∂θ r sen θ r
somos conduzidos a
2
" #
1 dW1 2 1 dW2 2 αϕ b(θ)
+ 2 + 2 + a(r) + 2 = α1 . (9.3.16)
2m dr r dθ r sen2 θ r
2
" # " #
2 1 dW1 2 1 dW2 2 αϕ αθ2
r + a(r) − α1 = − + + b(θ) = − , (9.3.17)
2m dr 2m dθ 2m sen2 θ 2m
9.3. SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS 343
de modo que as variáveis r e θ foram separadas, a constante de separação tendo sido con-
venientemente denotada por −αθ2 /2m . A Eq.(9.3.17) equivale às duas equações diferenciais
ordinárias
s
dW1 αθ2
= 2m[α1 − a(r)] − , (9.3.18)
dr r2
s
αϕ2
dW2
= αθ2 − 2mb(θ) − . (9.3.19)
dθ sen2 θ
Integrando estas equações e inserindo os resultados em (9.2.15) e (9.2.13) resulta uma integral
completa de (9.2.12) na forma
∂S dr
Z
β1 = = −t + m i1/2 , (9.3.21)
∂α1
h
2m[α1 − a(r)] − αθ2 /r2
∂S αθ dr αθ dθ
Z Z
βθ = =− i1/2 + i1/2 , (9.3.22)
∂αθ
h h
r2 2m[α1 − a(r)] − αθ2 /r2 αθ2 − 2mb(θ) − αϕ
2 / sen2 θ
∂S αϕ dθ
Z
βϕ = =ϕ− i1/2 . (9.3.23)
∂αϕ
h
sen2 θ αθ2 − 2mb(θ) − 2 / sen2 θ
αϕ
É impossı́vel não notar a presteza e simplicidade impressionantes com que se reduz a quadraturas
a solução deste problema pelo método de Hamilton-Jacobi. A Eq.(9.3.21) fornece r(t) que, após
substituição em (9.3.22), determina θ(t) . Tendo encontrado θ(t) , mediante (9.3.23) obtém-se
ϕ(t) , completando a resolução das equações de movimento. Caso se esteja interessado apenas
na trajetória geométrica descrita pela partı́cula, basta utilizar as duas últimas equações para
exprimir a equação da curva na forma r = r(θ), ϕ = ϕ(θ) ou θ = θ(ϕ), r = r(ϕ) .
1 2
H= (p + p2y + p2z ) + mgz (9.3.24)
2m x
" #
1 ∂S 2 ∂S 2 ∂S 2 ∂S
+ + + mgz + =0 . (9.3.25)
2m ∂x ∂y ∂z ∂t
donde
dW 2
= 2m(α1 − mgz) − αx2 − αy2 . (9.3.27)
dz
1 h 2 2
i3/2
S = −α1 t + αx x + αy y − 2m(α1 − mgz) − αx − αy . (9.3.28)
3m2 g
∂S 1 h i1/2
β1 = = −t − 2m(α1 − mgz) − αx2 − αy2 , (9.3.29a)
∂α1 mg
∂S αx h i1/2
β2 = = x + 2 2m(α1 − mgz) − αx2 − αy2 , (9.3.29b)
∂αx m g
∂S αy h i1/2
β3 = = y + 2 2m(α1 − mgz) − αx2 − αy2 . (9.3.29c)
∂αy m g
αx
x=A+ t , (9.3.30a)
m
αy
y=B+ t , (9.3.30b)
m
gt2
z = C + Dt − , (9.3.30c)
2
onde A, B, C, D exprimem-se em termos dos α’s e β’s. As equações (9.3.30) coincidem com a
solução usual deste problema que se obtém por métodos elementares.
dS X ∂S ∂S X
= q̇i + = pi q̇i − H = L , (9.4.1)
dt i ∂qi ∂t i
Z
S= Ldt , (9.4.2)
demonstrando que, vista como função do tempo, S e a ação somente diferem por uma
constante. Infelizmente, a Eq.(9.4.2) é absolutamente inútil para determinar S(q, α, t)
porque para calcular a integral que nela aparece é preciso conhecer a solução qi (t) das
equações de movimento, mas é exatamente com esta finalidade que se busca S . Deve-se
a Hamilton a descoberta original de que a ação, encarada como função das coordenadas,
346 CAPı́TULO 9. TEORIA DE HAMILTON-JACOBI
satisfaz a Eq.(9.1.4), que por isso também é conhecida como equação diferencial parcial
de Hamilton.
Z t dq(τ )
S(q, q0 , t) = L q(τ ), , τ dτ . (9.4.3)
0 dτ
" # τ =t
Z t X ∂L d ∂L X ∂L X
δS = dτ − δqi (τ ) + δqi (τ ) = pi δqi , (9.4.4)
0 i ∂qi dτ ∂ q̇i i ∂ q̇i τ =0 i
∂S
pi = . (9.4.5)
∂qi
Estudemos, agora, como varia S como função de t . Por um lado, de (9.4.3) é claro que
dS
=L . (9.4.6)
dt
dS X ∂S ∂S X ∂S
= q̇i + = pi q̇i + , (9.4.7)
dt i ∂qi ∂t i ∂t
donde
∂S X
=L− pi q̇i = −H . (9.4.8)
∂t i
Exemplo 9.4.1. Encontre a função principal de Hamilton para uma partı́cula sujeita a uma
força constante F .
F 2
x(τ ) = x0 + v0 τ + τ . (9.4.9)
2m
x − x0 F
v0 = − t , (9.4.10)
t 2m
donde
τ Fτ
x(τ ) = x0 + (x − x0 ) + (τ − t) . (9.4.11)
t 2m
348 CAPı́TULO 9. TEORIA DE HAMILTON-JACOBI
Portanto,
" #
t m dx 2 m(x − x0 )2 x + x0 F 2 t3
Z
S(x, x0 , t) = dτ + F x(τ ) = + Ft − . (9.4.12)
0 2 dτ 2t 2 24m
1 ∂S 2 ∂S
− Fx + =0 (9.4.13)
2m ∂x ∂t
∂S
β= , (9.4.13)
∂q0
com β constante e S dada pela Eq.(9.4.12), fornece a solução geral para o movimento de uma
partı́cula sujeita a uma força constante.
Historicamente, coube a Hamilton perceber que, uma vez expressa em termos dos
pontos inicial e final de uma trajetória fı́sica, a ação satisfaz a equação (9.1.4). No
entanto, no tocante apenas à resolução das equações de movimento, a linha seguida por
Hamilton é um cı́rculo vicioso, pois a determinação da função principal de Hamilton requer
o conhecimento prévio da solução das equações de movimento. O mérito pelo rompimento
desse cı́rculo vicioso pertence a Jacobi, que foi o primeiro a compreender que qualquer
integral completa da Eq.(9.1.4) dá a solução do problema dinâmico. Isto não significa,
contudo, que as idéias de Hamilton tenham sido infrutı́feras. A analogia entre óptica e
mecânica por ele desenvolvida revelou-se de extrema importância para a formulação da
mecânica ondulatória por Schrödinger. Nessa analogia a função S(q, q0 , t) desempenha
um papel crucial, bem como na formulação de Feynman da mecânica quântica, na qual as
quantidades fı́sicas são expressas por meio das chamadas integrais de trajetória (Feynman
& Hibbs 1965).
9.5. VARIÁVEIS DE AÇÃO E ÂNGULO 349
Vale sublinhar que a construção de uma função unı́voca S(q, q0 , t) só é possı́vel se
existir somente uma trajetória dinâmica passando por q0 e q . Mas isto só pode ser
garantido em geral para |t − t0 | suficientemente pequeno, porque neste caso as órbitas
fı́sicas emanando de q0 em t = t0 não se cruzam. É por isso que a existência de integrais
completas da equação de Hamilton-Jacobi só é assegurada localmente. O problema da
existência global de uma integral completa é muito mais delicado.
∂S ∂Wi
pi = = = fi (qi , α1 , . . . , αn ) . (9.5.2)
∂qi ∂qi
Esta última equação é a projeção no plano (qi , pi ) do movimento que o sistema realiza no
espaço de fase.
Figura 9.5.1:
1 2 kx ky
H= (p + p2y ) + x2 + y 2 (9.5.3)
2m x 2 2
onde
1 dW1 2 kx 2
+ x = αx , (9.5.5a)
2m dx 2
1 dW2 2 ky 2
+ y = αy , (9.5.5b)
2m dy 2
com
H = α1 = αx + αy , (9.5.6)
9.5. VARIÁVEIS DE AÇÃO E ÂNGULO 351
Tendo em conta que px = dW1 /dx e py = dW2 /dy , as Eqs.(9.5.5) representam elipses nos planos
de fase (x, px ) e (y, py ) , respectivamente. Embora ambas as projeções sejam periódicas com
perı́odos τx = 2π/ωx = 2π(m/kx )1/2 e τy = 2π/ωy = 2π(m/ky )1/2 , o movimento no espaço de
fase só será periódico se as feqüências ωx e ωx forem comensuráveis, isto é, se a razão ωx /ωy
for um número racional. De fato, se τ é o perı́odo do movimento, a trajetória no espaço de fase
fecha-se no transcurso de um intervalo de tempo τ . As projeções também se fecham, de modo
que τ tem que ser um número inteiro de perı́odos τx e τy , ou seja, existem inteiros m e n tais
que τ = m2π/ωx = n2π/ωy , donde ωx /ωy = m/n é um número racional.
p2θ
− mg` cos θ = E . (9.5.7)
2m`2
Se E < mg` conclui-se que −θ0 ≤ θ ≤ θ0 com cos θ0 = −E/mg` . O pêndulo oscila
periodicamente entre −θ0 e θ0 , sendo traçada uma curva fechada no espaço de fase. Se
E > mg` qualquer valor de θ é possı́vel, e o pêndulo permanece girando indefinidamente
em torno do ponto de suspensão. O movimento se repete cada vez que o ângulo θ varia
de 2π , enquadrando-se no caso da Fig. 9.5.1b. Se E = mg` o pêndulo encontra-se numa
situação limite instável, pois ao atingir a posição vertical θ = π a energia cinética reduz-
se a zero e o pêndulo poderia permanecer nessa posição para sempre.2 Na Fig. 9.5.2 as
curvas 1 e 2 correspondem a E < mg` , a curva 3 ao caso limite E = mg` e a curva 4 a
E > mg` .
Para sistemas multiperiódicos é possı́vel lançar mão das chamadas variáveis de ação e
ângulo para efetuar o cálculo das freqüências associadas ao movimento, sem a necessidade
de integrar completamente as equações de Hamilton. Esta técnica foi introduzida original-
mente por Delaunay na astronomia, onde ela se revela bastante útil porque as freqüências
dos vários movimentos podem ser mais interessantes do que o comportamento dinâmico
detalhado.
I
Ji = pi dqi , i = 1, . . . , n , (9.5.8)
∂W
wi = . (9.5.10)
∂Ji
∂K ∂H
ẇi = = = νi , (9.5.11)
∂Ji ∂Ji
onde os νi também são constantes, pois só dependem das constantes J1 , . . . , Jn . A solução
das equações (9.5.11) é imediata:
wi = νi t + βi . (9.5.12)
A fim de elucidar o significado fı́sico dos ν’s, suponhamos que o sistema seja periódico
com perı́odo τ . Evidentemente, a projeção do movimento sobre cada plano de fase também
é periódica e as razões das freqüências correspondentes são números racionais. Em outras
palavras, depois de um tempo3 τ cada grau de liberdade terá executado um número
inteiro de voltas completas. A mudança correspondente em cada variável angular deve-se
à variação das coordenadas qk , pois os J’s são constantes. Portanto, num perı́odo do
movimento no espaço de fase temos
I X 2
I X
∂wi ∂ W ∂ I X ∂W
∆wi = dqk = dqk = dqk , (9.5.13)
k ∂qk k ∂qk ∂Ji ∂Ji k ∂qk
∂ I X ∂Wk ∂ I X
∆wi = dqk = pk dqk . (9.5.14)
∂Ji k ∂qk ∂Ji k
∂ X
∆wi = n k Jk = n i . (9.5.15)
∂Ji k
τ = n i τi , (9.5.16)
3
Geralmente longo para sistemas periódicos com um grande número de graus de liberdade.
354 CAPı́TULO 9. TEORIA DE HAMILTON-JACOBI
∆wi = νi τ . (9.5.17)
νi τi = 1 , i = 1, . . . , n , (9.5.18)
x2 p2x q √
+ 2 =1 , a= 2αx /kx , b= 2mαx , (9.5.19)
a2 b
que é a equação de uma elipse no plano de fase (x, px ) . A variável de ação Jx coincide com a
área dessa elipse, isto é,
m
r
Jx = πab = 2π αx . (9.5.20)
kx
Analogamente,
s
m
Jy = 2π αy . (9.5.21)
ky
Conseqüentemente,
s
1 m 1 m
r
H = α1 = αx + αy = Jx + Jy , (9.5.22)
2π kx 2π ky
donde
9.6. SISTEMAS INTEGRÁVEIS E TEOREMA KAM 355
s
∂H 1 m ∂H 1 m
r
νx = = , νy = = , (9.5.23)
∂Jx 2π kx ∂Jy 2π ky
mZ x dξ
r
t − t0 = q . (9.6.1)
2 x0 E − V (ξ)
Basta agora uma inversão adicional para se obter a solução x(t): o problema de uma
partı́cula em movimento unidimensional sob a ação de uma força conservativa pode ser
resolvido por uma quadratura. O pião simétrico com um ponto fixo é um sistema com três
graus de liberdade que possui três constantes de movimento independentes: pφ , pψ e H.
O parêntese de Poisson de qualquer par dessas três constantes de movimento é nulo. Como
vimos na Seção 4.10, as equações de movimento do pião resolvem-se por quadraturas.
{Fk , Fl } = 0 , k, l = 1, . . . , m . (9.6.2)
Parece, portanto, que a integrabilidade de uma sistema com n graus de liberdade está in-
timamente associada à existência de n constantes de movimento em involução. Em 1840,
Liouville demonstrou que se um sistema hamiltoniano com dois graus de liberdade possui
duas constantes de movimento independentes em involução, então suas equações de movi-
mento podem ser resolvidas por quadraturas. O teorema foi posteriormente generalizado
e, neste século, enriquecido pela contribuição de Arnold.
Demonstração. Aqui nos baseamos em Pars (1965), Berry (1978) e Scharan (1982).
Sejam F1 , . . . , Fn constantes de movimento em involução com det(∂Fk /∂pl ) 6= 0. Defina
os candidatos a novos momentos J1 , . . . , Jn por
Jk = Fk (q, p) , k = 1, . . . , n . (9.6.3)
Conforme o teorema da função implı́cita, estas equações podem ser resolvidas para os p’s
na forma
pk = ψk (q, J) , k = 1, . . . , n . (9.6.4)
Portanto,
Fk (q, ψ(q, J)) ≡ Jk , k = 1, . . . , n (9.6.5)
!
X ∂Fk ∂Fl ∂Fk ∂Fl
− =0 , (9.6.7)
j ∂qj ∂pj ∂pj ∂qj
X ∂ψs X ∂ψs
− Wks Wlj + Wkj Wls = 0 (9.6.8)
j,s ∂qj j,s ∂qj
!
X ∂ψs ∂ψj
Wks − Wlj = 0 . (9.6.9)
j,s ∂qj ∂qs
∂ψr ∂ψs
Xrs = − , (9.6.10)
∂qs ∂qr
W XWT = 0 . (9.6.11)
Como W tem inversa, multiplicando esta equação pela esquerda por W−1 e pela direita
W T )−1 resulta X = 0 , isto é,
por (W
∂ψr ∂ψs
= . (9.6.12)
∂qs ∂qr
∂Φ(q, J)
ψr (q, J) = . (9.6.13)
∂qr
∂Φ ∂Φ
wr = , pr = (9.6.14)
∂Jr ∂qr
é canônica com função geradora Φ(q, J) . Como os J’s são constantes de movimento,
as equações de Hamilton transformadas J˙k = −∂H/∂wk estabelecem que ∂H/∂wk = 0 .
Logo, H não depende dos w’s e a demonstração está completa. 2
358 CAPı́TULO 9. TEORIA DE HAMILTON-JACOBI
(a) {Fi , H} = 0 , i = 1, . . . , n ;
(b) {Fi , Fj } = 0 , i, j = 1, . . . , n ;
(c) os vetores ∇Fi são linearmente independentes em cada ponto do espaço de fase.4
Agora estamos prontos para enunciar o resultado central a respeito de sistemas hamil-
tonianos integráveis.
onde νk = ∂H/∂Jk .
(b) As equações de Hamilton nas variáveis originais (q, p) podem ser resolvidas por
quadraturas.
MC = (q, p) | Fk (q, p) = Ck , k = 1, . . . , n , (9.6.16)
n
X
mk νk = 0 ⇐⇒ m1 = · · · = mn = 0 . (9.6.17)
k=1
O teorema foi propositalmente enunciado numa forma um tanto qualitativa para não
afogar o leitor em tecnicalidades. Para a formulação precisa e a demonstração rigorosa,
que é longa, intrincada e sutil, o leitor interessado é remetido aos trabalhos originais de
Kolmogorov (1957), Arnold (1963) e Moser (1962). Demonstrações simplificadas − mas
ainda assim muito difı́ceis − de casos particulares do teorema encontram-se em Thirring
(1997) e Chandre & Jauslin (1998). As idéias essenciais da demonstração estão expostas
com preocupação didática em José & Saletan (1998) e, sobretudo, em Berry (1978).
O teorema KAM dá bons resultados no que tange à estabilidade a longo prazo, embora
sob hipóteses um pouco restritivas, e funciona bem na descrição de aspectos qualitativos do
problema restrito de três corpos, por exemplo. Infelizmente, a estabilidade do sistema solar
não fica inequivocamente estabelecida porque o sistema planetário como um todo parece
estar fora da gama de aplicabilidade do teorema, o qual, além do mais, é omisso quanto ao
destino dos movimentos com freqüências racionalmente dependentes. As órbitas às quais
o teorema não se aplica estão densamente distribuı́das no conjunto das órbitas abrangidas
pelo teorema, de modo que os sistemas hamiltonianos em geral apresentam uma mistura
complicada de movimentos regulares com movimentos irregulares, dando margem a sus-
peitas de comportamento caótico. As chamadas lacunas de Kirkwood (vazios no cinturão
de asteróides entre Marte e Júpiter a distâncias do Sol em que os perı́odos de revolução
não-perturbados do asteróide e de Júpiter são comensuráveis), descobertas em 1866, po-
dem ser interpretadas com base no teorema KAM como resultantes da destruição de toros
invariantes na vizinhança das freqüências ressonantes (Berry 1978). Esta explicação, no
entanto, não é considerada conclusiva nem a mais plausı́vel. Cálculos recentes parecem
6
Diz-se que as n freqüências racionalmente independentes ν1 , . . . , νn são suficientemente irracionais
se existem números reais positivos α > n e β tais que a condição diofantina | mk νk | ≥ β|m|−α é
P
satisfeita qualquer que seja o vetor m = (m1 , . . . , mn ) 6= 0 cujas componentes são números inteiros.
362 CAPı́TULO 9. TEORIA DE HAMILTON-JACOBI
k
V (r) = − , k>0 , (9.7.1)
r
I Z 2π
Jϕ = pϕ dϕ = αϕ dϕ = 2παϕ , (9.7.2)
0
I I
∂W I q
Jθ = pθ dθ = dθ = αθ2 − αϕ2 / sen2 θ dθ , (9.7.3)
∂θ
s
I I
∂W I
2mk αθ2
Jr = pr dr = dr = 2mα1 + − 2 dr , (9.7.4)
∂r r r
onde usamos as equações (9.3.18) e (9.3.19). As integrais (9.7.3) e (9.7.4) podem ser
elegantemente calculadas usando técnicas de integração no plano complexo (Goldstein
1980; Saletan & Cromer 1971), mas vamos preferir fazê-lo por métodos elementares.
√
Z ψ0 cos2 ψ0 1/2 Z ψ0
sen2 ψ0 − sen2 ψ
Jθ = 2αθ 1− dψ = 4αθ dψ , (9.7.6)
−ψ0 cos2 ψ 0 cos ψ
onde
cos ψ0 = sen θ0 = αϕ /αθ . (9.7.7)
que resulta em
Z
dx √
2 2
= (1 − k 2 )−1/2 tan−1 ( 1 − k 2 tan x) , |k| < 1 ,
1 − k sen x
obtemos, finalmente,
s
Z r+ 2mk αθ2
Jr = 2 2mα1 + − 2 dr , (9.7.11)
r− r r
364 CAPı́TULO 9. TEORIA DE HAMILTON-JACOBI
2mk αθ2
2mα1 + − 2 =0 . (9.7.12)
r r
q
k± k 2 − 2αθ2 /m
r± = . (9.7.13)
2
Z √ √ √
a + bx + cx2 2a + bx b 2cx + b
dx = a + bx + cx2 + −a sen−1 √ − √ sen−1 √ ,
x x ∆ 2 −c ∆
2m 1/2
Jr = −2παθ + − kπ . (9.7.14)
E
2π 2 mk 2
H=E=− , (9.7.15)
(Jr + Jθ + Jϕ )2
donde
∂H 4π 2 mk 2 8E 3 1/2
νr = = = − . (9.7.16)
∂Jr (Jr + Jθ + Jϕ )3 π 2 mk 2
m 2 mω 2 2
E= ẋ + x . (9.8.1)
2 2
A freqüência angular ω poderia estar variando lentamente porque ω 2 = g/` , como no caso
do pêndulo, com ` variando adiabaticamente. Qualquer que seja o mecanismo, podemos
escrever
dE dω
= mẋẍ + mω 2 xẋ + mωx2 . (9.8.2)
dt dt
Esta equação contém termos rápidos e termos lentos. Durante um intervalo de tempo
necessário para que os termos lentos E e ω variem significativamente, os termos rápidos
executam um grande número de oscilações, de modo que podemos substituı́-los por seus
valores médios num perı́odo de oscilação. Assim procedendo, ficamos com
dE dω
= hmẋẍ + mω 2 xẋi + hmωx2 i . (9.8.3)
dt dt
dE dω E
= =⇒ = constante . (9.8.4)
E ω ω
E
= invariante adiabático , (9.8.5)
ν
como se depreende de (8.1.13a). Quando λ varia com o tempo, W ∗ adquire uma de-
pendência temporal explı́cita e a hamiltoniana transformada é
∂W ∗ ∂W ∗
K(w, J; λ) = H(J; λ) + = H(J; λ) + λ̇ . (9.8.7)
∂t ∂λ
Agora a variável de ação J não é mais constante de movimento, mas satisfaz a equação
de Hamilton
∂K ∂2W ∗
J˙ = − = −λ̇ . (9.8.8)
∂w ∂w∂λ
D ∂2W ∗ E
J˙ = −λ̇ . (9.8.9)
∂w∂λ
Z
W = p dq , (9.8.10)
de modo que num ciclo do sistema não perturbado W aumenta de J . Ao mesmo tempo,
wJ também aumenta de J porque, de acordo com a Eq.(9.5.15), w cresce de uma unidade
em cada ciclo completo, ao passo que J permanece constante. Portanto, a Eq.(9.8.6)
assegura que W ∗ é uma função periódica de w com perı́odo 1 . O mesmo ocorre com sua
derivada parcial em relação a λ , que admite a expansão em série de Fourier
∞
∂W ∗
Am (J; λ)e2πimw .
X
= (9.8.11)
∂λ m=−∞
Conseqüentemente,
D ∂2W ∗ E DX E
2πimAm (J; λ)e2πimw = 2πimAm (J; λ)he2πimw i = 0 ,
X
= (9.8.12)
∂w∂λ m6=0 m6=0
porque o termo constante está ausente da soma em (9.8.12) e todos os outros termos têm
média zero num ciclo completo. Levando este resultado em (9.8.9) resulta
J˙ = 0 , (9.8.13)
Exercı́cio 9.7.1. Uma partı́cula desliza sobre uma superfı́cie horizontal sem atrito, oscilando
livremente entre duas paredes verticais separadas por uma distância L . Se as colisões da partı́cula
com as paredes são elásticas e a distância entre as paredes é variada lentamente, prove que
EL2 = invariante adiabático .
368 CAPı́TULO 9. TEORIA DE HAMILTON-JACOBI
I
Ji = pi dqi = ni h , (9.9.1)
Jr = n r h , Jθ = nθ h , Jϕ = nϕ h , (9.9.2)
me4
En = − , n = 1, 2, . . . , (9.9.3)
2h̄2 n2
" #
1 ∂S 2 ∂S 2 ∂S 2 ∂S
+ + + V (x, y, z) + =0 (9.9.4)
2m ∂x ∂y ∂z ∂t
p = ∇W (9.9.8)
Figura 9.9.1: Frentes de onda ou superfı́cies de fase constante na analogia entre mecânica
e óptica geométrica.
definida por (9.9.7). Em outras palavras, pode-se obter todas as trajetórias mecânicas
possı́veis por meio da construção das trajetórias ortogonais às superfı́cies S = constante .
Isto sugere interpretar as trajetórias mecânicas do mesmo modo que os raios luminosos
da óptica geométrica, sendo S encarada como a fase de um processo ondulatório fictı́cio.
A velocidade de fase do referido processo pode ser determinada como se segue. Considere
duas frentes de onda ou superfı́cies de fase constante nos instantes t e t + dt , respectiva-
mente. Seja d` a distância ao longo da normal entre um ponto P da primeira superfı́cie
e o ponto correspondente P 0 da segunda superfı́cie, como mostra a Fig. 9.8.1. Como S
tem o mesmo valor nas duas frentes de onda, a equação (9.9.7) fornece dW − Edt = 0 .
Por outro lado, de acordo com (9.9.6),
q
Edt = dW = |∇W |d` = 2m(E − V ) d` , (9.9.9)
d` E
u= =q . (9.9.10)
dt 2m(E − V )
Exercı́cio 9.7.1. (i) Mostre que a velocidade de fase (9.9.10) não coincide com a velocidade
da partı́cula. Esse descompasso parece inviabilizar a pretensão de encarar S como a fase de um
processo ondulatório associado à partı́cula. (ii) No entanto, pode-se mostrar (Jackson 1975) que
9.9. TEORIA DE HAMILTON-JACOBI E MECÂNICA QUÂNTICA 371
a velocidade de um pacote de ondas formado pela superposição de ondas numa faixa estreita
de freqüências é a velocidade de grupo dada por vg = dω/dk , onde k é o vetor número de
onda. Partindo da expressão para ω(k) determinada por meio de (9.9.6), (9.9.8), da relação de
Planck E = hν e da relação de de Broglie p = h̄k , prove que a velocidade de grupo é idêntica
à velocidade da partı́cula.
Essa analogia entre mecânica e óptica geométrica induziu Erwin Schrödinger a pensar
que se a mecânica clássica fosse apenas uma forma aproximada de uma mecânica com
caracterı́sticas ondulatórias, sua falha em escala microscópica poderia ser entendida como
análoga ao fracasso da óptica geométrica na explicação dos fenômenos de interferência
e difração (Schrödinger 1982). Assim, em sua segunda comunicação da série intitulada
“Quantização Como um Problema de Autovalores”, publicada em 1926, Schrödinger con-
jecturou que S deveria ser a fase de um processo ondulatório verdadeiro Ψ expresso
por9
( )
i i
Ψ = exp S = exp [−Et + W (x, y, z)] . (9.9.11)
h̄ h̄
1 ∂2Ψ
∇2 Ψ − =0 . (9.9.12)
u2 ∂t2
h̄2 2
− ∇ Ψ + V Ψ = EΨ , (9.9.13)
2m
h̄2 2 ∂Ψ
− ∇ Ψ + V Ψ = ih̄ , (9.9.14)
2m ∂t
9
A presença da constante h̄ = h/2π em (9.9.11) tem por finalidade garantir que a freqüência seja dada
pela relação de Planck E = hν .
372 CAPı́TULO 9. TEORIA DE HAMILTON-JACOBI
1 ∂S ih̄ 2
(∇S)2 + V + − ∇ S=0 . (9.9.15)
2m ∂t 2m
PROBLEMAS
9.1. Uma partı́cula move-se em uma dimensão no potencial V (x) = k/x2 , k > 0 . Dadas
as condições iniciais x(0) = x0 e ẋ(0) = 0 , determine x(t) pelo método de Hamilton-
Jacobi.
m 2
L= (ρ̇ + ρ2 ϕ̇2 + ż 2 ) − V (ρ, ϕ, z) .
2
q ξ−η
ρ= ξη , z=
2
q
ξ =r+z , η =r−z , onde r= ρ2 + z 2 .
2 ξ p2ξ + η p2η p2
H= + ϕ + V (ξ, η, ϕ) .
m ξ+η 2mξη
Se
a(ξ) + b(η)
V = ,
ξ+η
com a(ξ) e b(η) funções arbitrárias, mostre que a equação de Hamilton-Jacobi inde-
pendente do tempo é separável e obtenha uma integral completa. Considere o efeito
Stark, isto é, a ação de um campo elétrico uniforme sobre um átomo de hidrogênio.
Desprezando o movimento do próton e escolhendo o eixo z paralelo a E , mostre que
√
V = −k/ ρ2 + z 2 + eEz , k > 0 . Comprove que, expresso em coordenadas parabólicas,
este potencial é da forma acima e identifique as funções a(ξ) e b(η) . Finalmente, uti-
lizando a integral completa obtida para a equação de Hamilton-Jacobi, reduza a quadra-
turas a solução das equações de movimento do elétron.
374 CAPÍTULO 9: PROBLEMAS
9.3. Considere o problema de Kepler no plano, isto é, uma partı́cula de massa m no
√
potencial V (r) = k/r , onde r = x2 + y 2 . Obtenha a equação de Hamilton-Jacobi em
termos das variáveis u = r + x , v = r − x e encontre uma integral completa. Determine
a equação da órbita da partı́cula em termos das coordenadas (u, v) .
9.4. Uma partı́cula com energia total positiva move-se ao longo de uma linha reta sob
a influência do potencial V (x) = F |x| , onde F é uma constante positiva. Use variáveis
de ação-ângulo para encontrar o perı́odo do movimento como função da energia. Qual é o
espectro energético resultante da aplicação das regras de Wilson-Sommerfeld?
∂S ∂S ∂S
H − ,...,− , p1 , . . . , p n , t + =0 ,
∂p1 ∂pn ∂t
1 2 1 eB 2
H= px + py − x
2m 2m c
e obtenha a solução x(t), y(t), px (t), py (t) das equações de movimento pelo método de
Hamilton-Jacobi. (ii) Mostre que uma hamiltoniana alternativa para este sistema é
1 eB 2 1 eB 2
H= px + y + py − x .
2m 2c 2m 2c
9.7. Suponha que num problema com um grau de liberdade o potencial dependa linear-
mente do tempo, de modo que
p2
H= − Atx ,
2m
onde A é uma constante. Resolva as equações de movimento deste problema pelo método
de Hamilton-Jacobi.
9.8. Mostre que a equação de Hamilton-Jacobi (9.2.1) para uma partı́cula livre unidi-
mensional é separável na forma de produto, isto é, admite soluções da forma S(q, t) =
W (q)T (t) . Usando esta técnica de separação de variáveis, obtenha uma integral completa
e, a partir dela, a solução geral da equação de movimento para q(t) .
9.9. Uma partı́cula de massa m move-se numa linha reta sujeita ao potencial V (x) =
V0 / cos2 (x/`) , V0 > 0, , ` > 0 . (i) Esboce o gráfico de V versus x para x ∈ (−`π/2, `π/2) .
Para que valores da energia total o movimento é periódico? (ii) Supondo que a energia é
tal que o movimento é periódico, use o método das variáveis de ação ângulo para obter o
perı́odo de oscilação em função da energia. (iii) Quais são os nı́veis de energia da partı́cula
segunda as regras de quantização de Wilson-Sommerfeld?
9.10. Uma partı́cula num plano tem seu movimento descrito pela hamiltoniana
1
H = px py cos ωt + (p2x − p2y ) sen ωt .
2
(a) Encontre uma integral completa da equação de Hamilton-Jacobi associada. (b) Obtenha
a solução geral das equações demovimento para x(t) e y(t) .
1 p2x + p2y k
H= + ,
2 x2 + y 2 x2 + y 2
376 CAPÍTULO 9: PROBLEMAS
onde (x, y) são coordenadas cartesianas e k > 0 . (a) Use a equação de Hamilton-Jacobi
para obter a equação da trajetória da partı́cula. (b) Prove que a órbita é uma seção cônica
(elipse, parábola ou hipérbole).
q q
ξ= r(1 + sen θ/2) , η= r(1 − sen θ/2) ,
com inversa
ξ 2 + η2 ξ 2 − η2
r= , θ = 2 tan−1 ,
2 2ξη
ξ 4 + η4
L = 2m(ξ 2 + η 2 )(ξ˙2 + η̇ 2 ) − 2mg 2 ,
ξ + η2
1 p2ξ + p2η ξ 4 + η4
H= + 2mg .
8m ξ 2 + η 2 ξ 2 + η2
9.14. Uma partı́cula de massa m l0ve-se no campo gravitacional de duas massas muito
maiores m1 e m2 que permanecem fixas sobre o eixo z nas posições (0, 0, ±a) . Mostre
CAPÍTULO 9: PROBLEMAS 377
9.15. Uma partı́cula com energia total negativa move-se em uma dimensão no potencial
V = −V0 / cosh2 (αx) , onde α é uma constante positiva. Se V0 varia lentamente com o
√
tempo, prove que (V0 + E)/ V0 é um invariante adiabático.
9.16. Considere o sistema descrito no Problema 2.9 e suponha que o fio seja puxado
de modo a reduzir lentamente o raio r da circunferência descrita com velocidade v pela
partı́cula de massa m2 . Prove que o produto vr é um invariante adiabático. Apresente
também uma demonstração elementar desse resultado, sem recorrer a variáveis de ação.
Capı́tulo 10
That one body may act upon another at a distance through a vacuum, without the
mediation of any thing else, by and through which their action and force may be
conveyed from one to hhe other, is to me so great an absurdity, that I believe no
man who has in philosophical matters a competent faculty of thinking, can ever fall
into it.
Isaac Newton
378
10.1. TEORIA DE CAMPOS NA FORMA LAGRANGIANA 379
usaremos a notação tradicional ϕ(x, t) . Por exemplo, ϕ(x, t) poderia representar o deslo-
camento transversal no instante t do ponto x de uma corda vibrante.
A lagrangiana de um sistema discreto envolve uma soma sobre todos os graus de liber-
dade, de modo que a lagrangiana de um sistema contı́nuo deve ser expressa em termos
da integral espacial de uma função L , chamada de densidade lagrangiana. A densidade
lagrangiana deve conter um termo cinético, logo deve depender de ϕ̇(x, t) ≡ ∂ϕ/∂t . Em
contraste com a idéia de ação à distância, suporemos que um campo interage somente
com seu vizinhos infinitesimais, de modo que L deve depender de ϕ(x, t) e ϕ(x + dx, t) .
Alternativamente, em vez desta última quantidade é melhor usar ϕ0 (x, t) ≡ ∂ϕ/∂x . Ad-
mitindo uma possı́vel dependência explı́cita em x e t , a ação mais geral para uma teoria
de campos unidimensional tem a forma
Z t2 Z x2 ∂ϕ ∂ϕ
S= dt dx L ϕ, , , x, t . (10.1.1)
t1 x1 ∂x ∂t
Z t2 Z x2
δS = δ dt dx L = 0 . (10.1.2)
t1 x1
Como o exemplo da corda vibrante com extremos fixos sugere, a variação do campo deve
anular-se não apenas nos extremos temporais mas também nos extremos espaciais:
Z t2 Z x2 n ∂L ∂L ∂L 0 o
δS = dt dx δϕ + δ ϕ̇ + δϕ . (10.1.4)
t1 x1 ∂ϕ ∂ ϕ̇ ∂ϕ0
Usando
∂(δϕ) ∂(δϕ)
δ ϕ̇ = , δϕ0 = , (10.1.5)
∂t ∂x
Z t2 Z x2
∂L Z x2
∂L t2 Z t2 Z x2 ∂ ∂L
dt dx δ ϕ̇ = dx δϕ − dt dx δϕ
t1 x1 ∂ ϕ̇ x1 ∂ ϕ̇ t1 t1 x1 ∂t ∂ ϕ̇
Z t2 Z x2 ∂ ∂L
=− dt dx δϕ (10.1.6a)
t1 x1 ∂t ∂ ϕ̇
e, analogamente,
Z t2 Z x2
∂L 0 Z t2 ∂L x2 Z t2 Z x2 ∂ ∂L
dt dx 0 δϕ = dt 0 δϕ − dt dx δϕ
t1 x1 ∂ϕ t1 ∂ϕ x1 t1 x1 ∂x ∂ϕ0
Z t2 Z x2 ∂ ∂L
=− dt dx δϕ . (10.1.6b)
t1 x1 ∂x ∂ϕ0
( )
Z t2 Z x2 ∂L ∂ ∂L ∂ ∂L
dt dx − − δϕ = 0 . (10.1.7)
t1 x1 ∂ϕ ∂t ∂(∂ϕ/∂t) ∂x ∂(∂ϕ/∂x)
∂ ∂L ∂ ∂L ∂L
+ − =0 . (10.1.8)
∂t ∂(∂ϕ/∂t) ∂x ∂(∂ϕ/∂x) ∂ϕ
1 ∂ϕ 2 1 ∂ϕ 2
L= σ − τ (10.1.9)
2 ∂t 2 ∂x
∂L ∂L ∂ϕ ∂L ∂L ∂ϕ ∂L
≡ =σ , ≡ = −τ , =0 . (10.1.10)
∂(∂ϕ/∂t) ∂ ϕ̇ ∂t ∂(∂ϕ/∂x) ∂ϕ0 ∂x ∂ϕ
10.1. TEORIA DE CAMPOS NA FORMA LAGRANGIANA 381
∂2ϕ ∂2ϕ
σ − τ =0 , (10.1.11)
∂t2 ∂x2
η0 = ηN +1 = 0 , (10.1.12)
que incorpora a condição de contorno de extremos fixos. A Fig. 10.1.2 e a segunda lei de
Newton permitem escrever a equação de movimento da i-ésima partı́cula na forma
Figura 10.1.2: Diagrama de forças sobre a i-ésima partı́cula do modelo discreto para a
corda vibrante.
ηi − ηi−1 ηi+1 − ηi
tan α = , tan β = , (10.1.14)
a a
τ
mη̈i = [ (ηi+1 − ηi ) − (ηi − ηi−1 ) ] . (10.1.15)
a
N N
m τ
η̇k2 − (ηk+1 − ηk )2 .
X X
L= (10.1.16)
k=1 2 k=0 2a
Exercı́cio 10.1.1. Notando que na expressão para L somente os termos da soma com
k = i − 1 e k = i contribuem para ∂L/∂ηi , mostre que as equações de Lagrange geradas pela
lagrangiana (10.1.16) são exatamente as Eqs.(10.1.15).
" # !2
X 1 m ∂ϕ(x, t) 2 X τ ϕ(x + ∆x, t) − ϕ(x, t)
L= ∆x − ∆x . (10.1.18)
2 ∆x ∂t 2 ∆x
( )
Z ` σ ∂ϕ 2 τ ∂ϕ 2
L= dx − , (10.1.19)
0 2 ∂t 2 ∂x
Z ∂ϕ
δS = δ d4 x L ϕ, , ∇ϕ, x, t = 0 (10.1.20)
Ω ∂t
escrevem-se
∂ ∂L ∂L ∂L
+∇· − =0 , α = 1, . . . , N . (10.1.21)
∂t ∂(∂ϕα /∂t) ∂(∇ϕα ) ∂ϕα
N
( )
Z t2 Z
∂L ∂L ∂L
3
X
δS = dt dx δϕα + δ ϕ̇α + · δ(∇ϕα ) , (10.1.22)
t1 V α=1 ∂ϕα ∂ ϕ̇α ∂(∇ϕα )
Z t2 Z
∂L Z t2 Z
∂ ∂L
dt d3 x δ ϕ̇α = − dt d3 x δϕα . (10.1.23)
t1 V ∂ ϕ̇α t1 V ∂t ∂ ϕ̇α
384 CAPı́TULO 10. TEORIA CLÁSSICA DE CAMPOS
∇ · (f A) = A · ∇f + f ∇ · A , (10.1.24)
podemos efetuar uma integração por partes com a ajuda do teorema da divergência para
obter
Z t2 Z
∂L
dt d3 x · δ(∇ϕα )
t1 V ∂(∇ϕα )
Z t2 I
∂L Z t2 Z ∂L
= dt da · δϕα − dt d3 x ∇ · δϕα
t1 Σ ∂(∇ϕα ) t1 V ∂(∇ϕα )
Z t2 Z ∂L
=− dt d3 x ∇ · δϕα , (10.1.25)
t1 V ∂(∇ϕα )
pois as variações δϕα anulam-se na superfı́cie Σ que limita a região espacial V . Intro-
duzindo (10.1.23) e (10.1.25) em (10.1.22), o princı́pio de Hamilton toma a forma
t2 N n
Z Z
∂L ∂ ∂L ∂L o
d3 x
X
δS = dt − −∇· δϕα = 0 , (10.1.26)
t1 V α=1 ∂ϕα ∂t ∂ ϕ̇α ∂(∇ϕα )
h̄2
L = ih̄ψ ∗ ψ̇ − ∇ψ · ∇ψ ∗ − V (x, t)ψ ∗ ψ . (10.1.27)
2m
∂ψ h̄2 2
ih̄ =− ∇ ψ + V (x, t)ψ (10.1.28)
∂t 2m
∂ ∂L ∂ ∂L
= . (10.2.1)
∂t ∂(∂ϕα /∂t) ∂x0 ∂(∂ϕα /∂x0 )
∂L ∂L
∂µ − =0 , α = 1, . . . , N , (10.2.2)
∂(∂µ ϕα ) ∂ϕα
onde
∂ 1 ∂ ∂ ∂ ∂ ∂
∂µ ≡ = , , , ) = , ∇ . (10.2.3)
∂xµ c ∂t ∂x ∂y ∂x ∂x0
1 m2 2
L = ∂µ φ∂ µ φ − φ , (10.2.4)
2 2
∂L ∂ 1 νλ 1 1 1
= g φν φλ = g νλ δνµ φλ + g νλ φν δλµ = [ g µλ φλ + g νµ φν ] = φµ . (10.2.5)
∂(∂µ φ) ∂φµ 2 2 2 2
(2 + m2 )φ = 0 , (10.2.6)
onde usamos o operador d’Alembertiano definido pela Eq.(6.4.12). Na teoria quântica dos
campos esta equação descreve mésons escalares, que são partı́culas da massa m sem spin.
1
L = − Fµν F µν , (10.2.7)
4
com
Fµν = ∂µ Aν − ∂ν Aµ , (10.2.8)
Aµα ≡ ∂µ Aα . (10.2.9)
3
A lagrangiana (10.2.7) é correta no sistema de unidades de Heaviside-Lorentz (Jackson 1975), o qual
costuma ser usado na teoria quântica de campos. No sistema gaussiano, o fator 1/4 deve ser substituı́do
por 1/16π.
10.2. TEORIAS DE CAMPOS RELATIVı́STICAS 387
∂L
∂µ =0 . (10.2.10)
∂Aµα
De (10.2.7) deduz-se
∂L 1 ∂Fβγ βγ ∂F βγ 1 ∂Fβγ βγ
=− F + Fβγ =− F . (10.2.11)
∂Aµα 4 ∂Aµα ∂Aµα 2 ∂Aµα
∂Fβγ
= δβµ δγα − δγµ δβα . (10.2.12)
∂Aµα
Conseqüentemente,
∂L 1 1
= − (δβµ δγα − δγµ δβα )F βγ = − (F µα − F αµ ) = F αµ (10.2.13)
∂Aµα 2 2
∂µ F αµ = 0 , (10.2.14)
1
L = − Fµν F µν − J µ Aµ (10.2.15)
4
d Z
δF
F [f + σ] ≡ dn x σ(x) . (10.3.1)
d =0 In
R δf (x)
A partir desta definição implı́cita prova-se facilmente que a diferenciação funcional satisfaz
δ δF1 δF2
(c1 F1 + c2 F2 ) = c1 + c2 , (10.3.2)
δf (x) δf (x) δf (x)
δ δF1 δF2
(F1 F2 ) = F2 + F1 . (10.3.3)
δf (x) δf (x) δf (x)
Prova-se, ainda, que se Φ = Φ(F ) é uma função diferenciável do funcional F vale a regra
da cadeia da diferenciação funcional na forma
δΦ dΦ δF
= . (10.3.4)
δf (x) dF δf (x)
Z
F [f ] = dn x f (x) , (10.3.5)
In
R
então
10.3. DERIVADAS FUNCIONAIS 389
Z d Z
F [f + σ] = F [f ] + dn x σ(x) =⇒ F [f + σ] = dn x σ(x) , (10.3.6)
In
R d =0 In
R
donde
δF
=1 . (10.3.7)
δf (x)
δ
Z
dn y f (y)2 = 2 f (x) . (10.3.8)
δf (x) In
R
δF
+ f (x)F = 0 (10.3.9)
δf (x)
n 1Z o
F [f ] = C exp − dn x f (x)2 , (10.3.10)
2 In
R
Z
F [f ] = dn x dn y K(x, y) f (x) f (y) , (10.3.11)
onde K(x, y) é uma função conhecida. Temos, agora, omitindo o termo de segunda ordem
em , que não contribui para a derivada funcional,
Z Z
F [f + σ] = F [f ] + dn xdn yK(x, y)σ(x)f (y) + dn xdn yK(x, y)f (x)σ(y) , (10.3.12)
donde
390 CAPı́TULO 10. TEORIA CLÁSSICA DE CAMPOS
d Z Z
n n
F [f + σ] = d xd yK(x, y)σ(x)f (y) + dn xdn yK(x, y)f (x)σ(y) . (10.3.13)
d =0
δF Z
= dn y [ K(x, y) + K(y, x) ] f (y) . (10.3.14)
δf (x)
Z
Fx [f ] = dn x0 K(x, x0 ) f (x0 ) . (10.3.15)
In
R
δFx
= K(x, y) . (10.3.16)
δf (y)
Com o emprego da “função” delta de Dirac também se pode encarar f (x) como um
funcional da forma (10.3.15):
Z
f (x) = dn x0 δ(x − x0 ) f (x0 ) . (10.3.17)
In
R
δf (x)
= δ(x − y) . (10.3.18)
δf (y)
d N
Z
δF
dn x
X
F [f1 + σ1 , . . . , fN + σN ] ≡ σk (x) . (10.3.19)
d =0
k=1 δfk (x)
10.4. TEORIA DE CAMPOS NA FORMA HAMILTONIANA 391
N
Z
δF
dn x
X
δF = δfk (x) . (10.3.20)
k=1 δfk (x)
δfi (x)
= δij δ(x − y) . (10.3.21)
δfj (y)
δS ∂L ∂ ∂L ∂L
= − −∇· , (10.3.22)
δϕα (x) ∂ϕα (x) ∂t ∂ ϕ̇α (x) ∂(∇ϕα (x))
δS
=0 . (10.3.23)
δϕα (x)
∂L
π α (x) = . (10.4.1)
∂ ϕ̇α (x)
392 CAPı́TULO 10. TEORIA CLÁSSICA DE CAMPOS
Suponhamos que as Eqs.(10.4.1) sejam solúveis para os ϕ̇α . Neste caso, a densidade
hamiltoniana H definida por
π α ϕ̇α − L
X
H= (10.4.2)
α
Z
α
H[ϕα , π ] = d3 x H(ϕα (x), ∇ϕα (x), π α (x), ∇π α (x)) (10.4.3)
Z nX o
S= d4 x π α ϕ̇α − H(ϕα , ∇ϕα , π α , ∇π α ) (10.4.4)
Ω α
( )
Z
4 α α ∂H ∂H ∂H ∂H
δ(∇ϕα )− α δπ α − δ(∇π α )
X
δS = dx π δ ϕ̇α +δπ ϕ̇α − δϕα − α
Ω α ∂ϕα ∂(∇ϕα ) ∂π ∂(∇π )
( )
Z
4
X
α ∂H ∂H ∂H ∂H α
= dx −π̇ − +∇· δϕα + ϕ̇α − α + ∇ · δπ = 0 ,
Ω α ∂ϕα ∂(∇ϕα ) ∂π ∂(∇π α )
(10.4.5)
onde, como de hábito, uma integração por partes foi feita e termos de fronteira foram
descartados. Igualando a zero os coeficientes de δϕα e δπ α obtemos
∂H ∂H
ϕ̇α = α
−∇· , (10.4.6a)
∂π ∂(∇π α )
∂H ∂H
π̇ α = − +∇· , (10.4.6b)
∂ϕα ∂(∇ϕα )
4
Em todas as teorias de interesse fı́sico fundamental, H não depende dos gradientes dos π α .
10.4. TEORIA DE CAMPOS NA FORMA HAMILTONIANA 393
que são as equações de campo na forma hamiltoniana. Usando (10.3.22) com H no lugar
de S e notando que H não depende das derivadas temporais dos ϕα e π α , podemos
escrever as equações de Hamilton (10.4.6) na forma condensada
δH δH
ϕ̇α (x) = , π̇ α (x) = − , (10.4.7)
δπ α (x) δϕα (x)
1 2 1 m2 2
L= φ̇ − ∇φ · ∇φ − φ (10.4.8)
2 2 2
resulta
∂L
π(x) = = ϕ̇(x) . (10.4.9)
∂ ϕ̇(x)
Portanto,
1 1 m2 2
H = π 2 + ∇φ · ∇φ + φ (10.4.10)
2 2 2
É fácil verificar que estas equações são equivalentes à equação de Klein-Gordon (10.2.6).
Z
X[ϕ, π] = d3 x X (ϕα , ∇ϕα , π α , ∇π α ; x, t) , (10.4.12)
onde a integração estende-se por todo o espaço e supomos que ϕα (x) e π α (x) anulam-se
394 CAPı́TULO 10. TEORIA CLÁSSICA DE CAMPOS
no infinito espacial. Note que as variáveis dinâmicas são geralmente funções do tempo. O
parêntese de Poisson de duas variáveis dinâmicas é definido por
N
Z
δX δY δX δY
d3 x
X
{X, Y } = − . (10.4.13)
α=1 δϕα (x) δπ α (x) δπ α (x) δϕα (x)
N n
Z
δX δX ∂X o
d3 x ϕ̇α (x)δt + α π̇ α (x)δt +
X
δX = δt , (10.4.14)
α=1 δϕα (x) δπ (x) ∂t
dX ∂X
= {X, H} + , (10.4.15)
dt ∂t
∂X Z 3 ∂X
= dx . (10.4.16)
∂t ∂t
Uma das principais virtudes da notação funcional é tornar a equação de movimento para
uma variável dinâmica na teoria de campos formalmente idêntica à Eq.(8.4.3) para sistemas
discretos.
Considere os funcionais
Z
Xx [ϕα ] = ϕα (x, t) = d3 x0 δ(x − x0 ) ϕα (x0 , t) (10.4.17)
Z
Yx [π β ] = π β (x, t) = d3 x0 δ(x − x0 ) π β (x0 , t) . (10.4.18)
10.5. SIMETRIAS DA AÇÃO E TEOREMA DE NOETHER 395
N
δϕα (x, t) δπ β (y, t) δϕα (x, t) δπ β (y, t)
Z ( )
3 0
X
{Xx , Yy } = dx −
γ=1 δϕγ (x0 , t) δπ γ (x0 , t) δπ γ (x0 , t) δϕγ (x0 , t)
Z N
d3 x0 δαγ δ(x − x0 ) δγβ δ(y − x0 ) = δαβ δ(x − y) .
X
= (10.4.19)
γ=1
{ϕα (x, t), ϕβ (y, t)} = 0 , {π α (x, t), π β (y, t)} = 0 . (10.4.21)
µ
xµ −→ x0 = xµ + ∆xµ , (10.5.1)
de modo que
∆ϕα (x) = ϕ0 α (x0 ) − ϕα (x0 ) + ϕα (x0 ) − ϕα (x) = δϕα (x0 ) + ∂µ ϕα (x) ∆xµ , (10.5.4)
onde estamos empregando a convenção de soma sobre ı́ndices repetidos e a notação covari-
ante do Capı́tulo 6. Desprezando termos de segunda ordem nas variações infinitesimais, a
Eq.(10.5.4) se reduz a
É importante destacar que as derivadas ∂µ comutam com a operação δ mas não comutam
com a operação ∆ . Aplicando a Eq.(10.5.5) a ϕα;β resulta
Z Z
4 0 0 0 0 0 0
∆S = d x L(ϕ α (x ), ϕ α;β (x ), x ) − d4 x L(ϕα (x), ϕα;β (x), x) . (10.5.8)
Ω0 Ω
10.5. SIMETRIAS DA AÇÃO E TEOREMA DE NOETHER 397
L(ϕ0 α (x0 ), ϕ0 α;β (x0 ), x0 ) = L(ϕα (x) + ∆ϕα (x), ϕα;β (x) + ∆ϕα;β (x), x + ∆x)
∂L ∂L ∂L
= L(ϕα (x), ϕα;β (x), x) + ∆ϕα + ∆ϕα;β + µ ∆xµ
∂ϕα ∂ϕα;β ∂x
∂L ∂L dL dL
=L+ δϕα + δϕα;β + µ ∆xµ = L + δL + µ ∆xµ , (10.5.9)
∂ϕα ∂ϕα;β dx dx
onde usamos (10.5.5) e (10.5.7), e d/dxµ denota o que é lı́cito chamar de “derivada parcial
total” em relação à coordenada xµ ,
dL ∂L ∂ϕα ∂L ∂ϕα;β ∂L
= + + , (10.5.10)
dxµ ∂ϕα ∂xµ ∂ϕα;β ∂xµ ∂xµ
que leva em conta a dependência explı́cita e a dependência por intermédio dos campos.
∂(x0 0 , x0 1 , x0 2 , x0 3 ) 4 ∂∆xµ 4
d4 x0 = d x = 1 + dx . (10.5.11)
∂(x0 , x1 , x2 , x3 ) ∂xµ
Z h dL ∂∆xµ i Z 4 h d i
∆S = d4 x δL + ∆x µ
+ L = d x δL + (L ∆x µ
) . (10.5.12)
Ω dxµ ∂xµ Ω dxµ
∂L d ∂L
= µ (10.5.13)
∂ϕα dx ∂ϕα;µ
obtemos
∂L ∂L d ∂L ∂L ∂ d ∂L
δL = δϕα + δϕα;β = µ δϕα + (δϕ α ) = δϕ α ,
∂ϕα ∂ϕα;β dx ∂ϕα;µ ∂ϕα;β ∂xβ dxµ ∂ϕα;µ
(10.5.14)
onde, para obter a última igualdade, o ı́ndice mudo de soma β foi trocado por µ . Intro-
duzindo (10.5.14) em (10.5.12), a condição de invariância da ação torna-se
( )
Z
d 4 ∂L
∆S = d x µ δϕα + L ∆xµ =0 , (10.5.15)
Ω dx ∂ϕα;µ
que implica uma lei de conservação local na forma covariante (6.5.6). De fato, a natureza
arbitrária do domı́nio de integração exige que o integrando na Eq.(10.5.15) seja zero, o que
equivale à equação da continuidade para a quadricorrente definida pela expressão entre
chaves .
R R
µ µ (r)
Ψα(r) r .
X X
∆x = X r , ∆ϕα = (10.5.16)
r=1 r=1
Os ı́ndices α e r dos campos e dos parâmetros da transformação podem ou não ter caráter
tensorial, e persistiremos convencionando que ı́ndices repetidos de qualquer natureza in-
dicam uma soma. Substituindo (10.5.16) em (10.5.5) resultam
∆xµ = X µ (r) r , δϕα = Ψα(r) − ϕα;ν X ν (r) ) r , (10.5.17)
Z
∆S = − d4 x r ∂µ Θµ (r) = 0 , (10.5.18)
Ω
onde
∂L
Θµ (r) = − ( Ψα(r) − ϕα;ν X µ (r) ) − L X ν (r) . (10.5.19)
∂ϕα;µ
∂µ Θµ (r) = 0 , r = 1, . . . , R . (10.5.20)
Fazendo Θµ (r) = (Θ0 (r) , Θ(r) ) podemos escrever (10.5.20) na forma usual
donde
d Z 3 Z Z
(r)
I
d x Θ0 (r)
= d3
x ∂0 Θ0 (r)
= − d3
x ∇ · Θ = − Θ(r) · da , (10.5.22)
dx0 V V V Σ
Z
C (r) = d3 x Θ0 (r) , (10.5.23)
são quantidades conservadas, pois não dependem do tempo. Fica, assim, demonstrado que
5
Não havendo mais risco de ambigüidade, a partir da Eq.(10.5.18) passamos a denotar pelo sı́mbolo
∂µ a derivada parcial total em relação a xµ .
400 CAPı́TULO 10. TEORIA CLÁSSICA DE CAMPOS
µ
x0 = xµ + µ , (10.5.24)
que não modifica os campos, isto é, ∆ϕα = 0 . Como o jacobiano desta transformação é
1, as Eqs.(10.5.8) e (10.5.9) mostram que a ação é invariante desde que a lagrangiana não
dependa explicitamento das coordenadas do espaço-tempo. O ı́ndice r dos parâmetros da
transformação tem natureza quadrivetorial e, de acordo com (10.5.16), temos
X µβ = g µβ , Ψαβ = 0 . (10.5.25)
∂L ∂L ∂ϕα
T µν = ϕα;β g βν − L g µν = − L g µν . (10.5.26)
∂ϕα;µ ∂ϕα;µ ∂xν
Z
Pν = d3 x T 0 ν . (10.5.27)
Exercı́cio 10.5.1. Mostre que o tensor de energia-momento do campo escalar descrito pela
lagrangiana (10.2.4) é
1
T µν = ∂ µ ϕ ∂ ν ϕ − ( ∂α ϕ ∂ α ϕ − m2 ) g µν (10.5.28)
2
L = ∂µ ϕ∗ ∂µ ϕ − m2 ϕ∗ ϕ , (10.5.29)
donde
∂L ∂L
Jµ = − Ψ11 − Ψ11 = −i ( ϕ∗ ∂ µ ϕ − ϕ ∂ µ ϕ∗ ) , (10.5.33)
∂ϕ1;µ ∂ϕ2;µ
Z
Q=i d3 x ( ϕ ϕ̇∗ − ϕ̇ ϕ∗ ) . (10.5.34)
Note que não há densidade de corrente associada a um campo escalar real, de modo que
campos escalares complexos são necessários para descrever partı́culas carregadas sem spin.
402 CAPı́TULO 10. TEORIA CLÁSSICA DE CAMPOS
Se as Eqs.(10.4.1) não forem mutuamente independentes, elas não podem ser resolvidas
para as velocidades ϕ̇α em termos dos momentos π α e aparecem vı́nculos, isto é, relações
de dependência entre os campos e seus momentos conjugados. Com adaptações até certo
ponto óbvias, o formalismo desenvolvido na Seção 8.8 estende-se naturalmente às teorias
de campos.
∗ h̄2
L = ih̄ψ ψ̇ − ∇ψ · ∇ψ ∗ (10.6.1)
2m
∂L ∂L
π(x) = = ih̄ψ ∗ (x) , π∗ (x) = =0 . (10.6.2)
∂ ψ̇(x) ∂ ψ̇ ∗ (x)
h̄2
H = π ψ̇ + π∗ ψ̇ ∗ − L = ∇ψ · ∇ψ ∗ . (10.6.3)
2m
Z δX δY δX δY δX δY δX δY
{X, Y } = d3 x − + ∗ − ,
δψ(x) δπ(x) δπ(x) δψ(x) δψ (x) δπ∗ (x) δπ∗ (x) δψ ∗ (x)
(10.6.4)
6
Este exemplo é instrutivo porque exibe as principais caracterı́sticas do campo de Dirac, que descreve
partı́culas de spin 1/2 , sem as complicações algébricas inerentes a um campo com quatro componentes.
10.6. CAMPOS VINCULADOS 403
{ψ(x, t), π(y, t)} = δ(x − y) , {ψ ∗ (x, t), π∗ (y, t)} = δ(x − y) . (10.6.5)
As velocidades não aparecem em (10.6.2), de modo que a teoria possui os vı́nculos primários
Z Z n o
HT = H + d3 x [λ1 (x)φ1 (x) + λ2 (x)φ2 (x)] = d3 x H + λ1 (x)φ1 (x) + λ2 (x)φ2 (x)
Z n h̄2 o
= d3 x ∇ψ · ∇ψ ∗ + λ1 (x)[π(x) − ih̄ψ ∗ (x)] + λ2 (x)π∗ (x) . (10.6.7)
2m
De (10.6.5) deduz-se
{φ1 (x, t), φ2 (y, t)} = −ih̄ {ψ ∗ (x, t), π∗ (y, t)} = −ih̄ δ(x − y) , (10.6.8)
de modo que a matriz formada pelos parênteses de Poisson dos vı́nculos tem elementos
onde
404 CAPı́TULO 10. TEORIA CLÁSSICA DE CAMPOS
!
0 1
= (rs ) = . (10.6.10)
−1 0
A matriz (10.6.9) tem ı́ndices discretos e ı́ndices contı́nuos e, por analogia com (8.8.16),
sua inversa, caso exista, tem elementos Crs (x, y) definidos por
Z 2
d3 z
X
Crj (x, z) {φj (z, t), φs (y, t)} = δrs δ(x − y) . (10.6.11)
j=1
Esta definição justifica-se porque, no que se refere aos ı́ndices contı́nuos, os elementos
da matriz identidade são δ(x − y) . Notando que 2 = −I , verifica-se facilmente que
(10.6.11) é satisfeita por
1
Crs (x, y) = rs δ(x − y) . (10.6.12)
ih̄
XZ
{X, Y }∗ = {X, Y } − d3 xd3 y{X, φr (x, t)}Crs (x, y){φs (y, t), Y } (10.6.13)
rs
ou, explicitamente,
∗ 1 Z 3 h i
{X, Y } = {X, Y } − d x {X, φ1 (x, t)}{φ2 (x, t), Y } − {X, φ2 (x, t)}{φ1 (x, t), Y } ,
ih̄
(10.6.14)
os vı́nculos (10.6.6) podem ser tomados como equações fortes e a hamiltoniana total
(10.6.7) reduz-se à hamiltoniana canônica
Z
h̄2
H= d3 x ∇ψ · ∇ψ ∗ . (10.6.15)
2m
Os momentos canônicos são eliminados da teoria por intermédio das equações de vı́nculo
(10.6.6) e os parênteses de Dirac fundamentais são
10.6. CAMPOS VINCULADOS 405
De acordo com as regras de quantização de sistemas com vı́nculos de segunda classe, de-
vemos substituir os parêntese de Dirac por ih̄ vezes o comutador (para campos bosônicos).
Assim, o comutador fundamental dos operadores de campo Ψ̂ e Ψ̂† escreve-se
πα = F α 0 , (10.6.18)
ou, explicitamente,
π0 = 0 , π i = F i 0 = ∂ i A0 − Ȧi = E i , (10.6.19)
φ1 ≡ π 0 ≈ 0 . (10.6.20)
406 CAPÍTULO 10: PROBLEMAS
Z 1 1
H= d3 x π i π i + F ij Fij + π i ∂i A0 . (10.6.21)
2 4
φ2 ≡ −∂i π i ≈ 0 . (10.6.23)
Este vı́nculo não é outra coisa senão ∇ · E = 0 , daı́ ser conhecido como vı́nculo da lei de
Gauss. Não há outros vı́nculos porque φ2 tem parênteses de Poisson nulos tanto com H
quanto com φ1 .
Exercı́cio 10.6.2. Usando os parênteses de Poisson fundamentais, mostre que {φ2 (x, t), H} =
0 e {φ1 (x, t), φ2 (y, t)} = 0 . Sugestão: {∂i π i (x, t), X} = ∂i {π i (x, t), X} .
A hamiltoniana total é
Z 1 1
HT = d3 x π i π i + F ij Fij − A0 ∂i π i + λ1 φ1 , (10.6.24)
2 4
tendo sido realizada uma integração por partes com o abandono de um termo de superfı́cie
que não afeta as equações de movimento. Os vı́nculos φ1 e φ2 são de primeira classe e
a dinâmica envolve funções arbitrárias, como A0 , refletindo a invariância da teoria sob
transformações de calibre. A eliminação das funções arbitrárias requer a fixação do calibre.
Deve-se notar que A0 desempenha o papel de um multiplicador de Lagrange para a lei
de Gauss, de modo que as variáveis canônicas são as componentes espaciais do potencial
vetor e seus momentos conjugados. Outros aspectos e detalhes adicionais do tratamento
hamiltoniano da eletrodinâmica de Maxwell são deixados para os tratados especializados
(Dirac 1964; Henneaux & Teitelboim 1992).
CAPÍTULO 10: PROBLEMAS 407
PROBLEMAS
10.1. Prove que duas densidades lagrangianas que só diferem por uma quadridivergência
∂λ Φλ (ϕα , x) geram as mesmas equações de movimento.
δnZ
Kn (x1 , . . . , xn ) = .
δf (x1 ) · · · δf (xn ) f =0
Mαβγ = T αβ xγ − T αγ xβ ,
será conservado se
∂α Mαβγ = 0 .
de energia-momento é que ele atua como fonte do campo gravitacional nas equações de
Einstein, as quais exigem que as fontes da gravitação sejam representadas por tensores
simétricos. Caso o tensor de energia-momento canônico (10.5.26) não seja simétrico, pode-
se provar (Barut 1980; Soper 1976) que é sempre possı́vel simetrizá-lo pela adição de
uma quadridivergência ∂λ ψ λµν onde ψ λµν é um tensor anti-simétrico nos dois primeiros
ı́ndices λ, µ . Prove que se ∂µ T µν = 0 , também é verdade que ∂µ Θµν = 0 com Θµν =
T µν +∂λ ψ λµν . Sugestão: vide item (ii) do Problema 6.6. (iii) Desde que ψ λµν se anule com
suficiente rapidez no infinito, prove que as quantidades fı́sicas conservadas correspondentes
a Θµν e T µν têm o mesmo valor, o que justifica tomar Θµν como o tensor de energia-
momento fı́sico.
10.5. (i) Mostre que, de acordo com (10.5.26), o tensor de energia-momento canônico do
campo eletromagnético livre é
1 µν αβ
T µν = F αµ ∂ ν Aα + g F Fαβ .
4
Note que este tensor não é simétrico. Outra objeção fı́sica a este tensor é que ele não
é invariante sob transformações de calibre. (ii) Substituindo ∂ ν Aα = ∂ α Aν + F να na
expressão de T µν e usando as equações da Maxwell para o campo eletromagnético livre,
mostre que o tensor
1 µν αβ
Θµν = F αµ F να + g F Fαβ
4
1 µ λ2 2
L= ∂ σ∂µ σ − (a − σ 2 )2 ,
2 8
(calcule o seu valor) e conecta duas configurações de campo distintas com energia zero
para x → ±∞ . Esboce o gráfico da densidade de energia como função da posição e
confirme tratar-se de uma configuração de campo com energia espacialmente localizada.
(iii) Devido à invariância relativı́stica da teoria, se fizermos a substituição x → γ(x − vt)
com γ = (1 − v 2 )1/2 obteremos uma solução viajante para o campo (usando unidades tais
que c = 1 ). Verifique diretamente que
" #
aλ x − ξ − vt
σ(x, t) = a tanh √
2 1 − v2
é solução da equação de Lagrange obtida no item (i). (iv) Calcule a energia da onda
em movimento e compare com o valor encontrado em (ii). (v) Calcule o momento linear
da onda viajante e interprete o resultado obtido. [Configurações de campo com energia
finita e localizada que se deslocam sem mudança de forma nem diminuição da velocidade
são chamadas de ondas solitárias. Essas ondas solitárias, observadas pela primeira vez
em 1834 por J. Scott Russel, constituem um fenômeno tı́pico de teorias de campos não-
lineares (Lee 1981). Ondas solitárias que sempre se recompõem após colidirem entre si são
chamadas de sólitons.]
1 µ m4 h √ i
L= ∂ φ∂µ φ − 1 − cos( λ φ/m) .
2 λ
10.8. O sistema formado por um campo escalar carregado em interação com o campo
eletromagnético é descrito pela lagrangiana
1 µν
L = (∂ µ φ + ieAµ φ)(∂µ φ∗ − ieAµ φ∗ ) − F Fµν .
4
(a) Obtenha as equações de Lagrange. (b) Prove que a lagrangiana é invariante sob
a transformação de calibre local (também conhecida como transformação de calibre de
segunda espécie)
410 CAPÍTULO 10: PROBLEMAS
onde χ é uma função arbitrária. (c) Mostre que a Lagrangiana pode ser escrita na forma
1 µν
L = ∂ µ φ∂µ φ∗ − F Fµν − J µ Aµ ,
4
10.9. Considere uma teoria de campos com tensor energia-momento simétrico, de modo
que o quadrimomento P µ e o tensor momento angular Lµν são conservados. Mostre que
as componentes L0i do tensor momento angular podem ser escritas na forma
L0i = P i x0 − P 0 xic ,
onde P 0 é a energia total e xic são as componentes do vetor posição do centro de energia:
d3 xT 00 xi
R
xic = R 3 00 .
d xT
Conclua que, para um sistema relativı́stico, a lei de conservação dL0i /dx0 = 0 equivale a
dxic Pi
= .
dx0 P0
Notação Indicial
Este apêndice discute as regras básicas para a manipulação correta de somas envol-
vendo quantidades indexadas.
A soma
s = a1 + a2 + . . . + aN (A.1)
pode ser escrita numa forma compacta com o emprego do sinal de somatório:
N
X
s= ai . (A.2)
i=1
N
X
s= aj , (A.3)
j=1
N
X
s= ak , (A.4)
k=1
N
X N X
X N
σ= bij ≡ bij , (A.5)
i,j=1 i=1 j=1
411
412 APÊNDICE A. NOTAÇÃO INDICIAL
significa explicitamente
É claro que
N
X N
X N
X
σ= bji = bij = bji , (A.7)
i,j=1 j,i=1 j,i=1
e, ainda,
N
X N
X
σ= bkl = bmn , (A.8)
k,l=1 m,n=1
et cetera, toda estas somas representando exatamente a mesma quantidade expressa pela
Eq.(A.6). Combinando as Eqs.(A.5) e (A.7) obtemos um resultado útil:
N N
X 1 X
bij = (bij + bji ) . (A.9)
i,j=1 2 i,j=1
Somas triplas, quádruplas, etc, são definidas como generalizações imediatas da Eq.(A.5).
O sistema de equações
N
X
yi = aij xj , i = 1, . . . , M . (A.11)
j=1
Um ı́ndice que aparece apenas uma vez em cada termo da soma e que não indica nenhum
somatório, como i na Eq.(A.11), é chamado de ı́ndice “livre”. Note que
413
N
X
yj = ajl xl , j = 1, . . . , M (A.12)
l=1
ou
N
X
yk = akm xm , k = 1, . . . , M (A.13)
m=1
representam exatamente a mesma coisa que a Eq.(A.11). É claro que o ı́ndice livre que
aparece em cada termo de uma equação deve ser o mesmo. Assim, as equações
ai + b i = c i , (A.14)
N
X
ai + bij cj = di (A.15)
j=1
(
1 se i = j
δij = . (A.17)
0 6 j
se i =
N
X
δkl al = ak , k = 1, . . . , N . (A.18)
l=1
N
X
δkl al = δk1 a1 + . . . + δk k−1 ak−1 + δkk ak + δk k+1 ak+1 + . . . + δkN aN . (A.19)
l=1
Nesta última equação todos os termos são nulos exceto o termo δkk ak = ak , ficando
estabelecida a Eq.(A.18). Naturalmente, pelo mesmo argumento,
414 APÊNDICE A. NOTAÇÃO INDICIAL
N
X
δij Tjk = Tik , (A.20)
j=1
3
X
ci = ijk aj bk . (A.21)
j,k=1
3
X
ijk klm = δil δjm − δim δjl . (A.22)
k=1
Há certos cuidados que precisam ser tomados durante manipulações algébricas envol-
vendo a notação indicial. Consideremos, inicialmente, o processo de substituição. Se
N
X
ai = Uik bk (A.23)
k=1
e
N
X
bi = Vik ck , (A.24)
k=1
para substituir em (A.23) os b’s dados por (A.24), primeiro mudamos o ı́ndice livre em
(A.24) de i para k e o ı́ndice mudo k para outra letra ainda não utilizada, digamos l, de
modo que
415
N
X
bk = Vkl cl . (A.25)
l=1
N
X
ai = Uik Vkl cl . (A.26)
k,l=1
Se a transição de (A.24) para (A.25) com a mudança do ı́ndice de soma não tivesse
sido realizada, a troca de i por k em (A.24) seguida de sua introdução direta em (A.23)
resultaria em
N X
N
? X
ai = Uik Vkk ck , (A.27)
k=1 k=1
que é um resultado flagrantemente incorreto porque exclui termos não-diagonais, tais como
V12 , V23 , que teriam que aparecer. Para a substituição redundar numa equação correta
é indispensável que os ı́ndices de soma em (A.23) e (A.24) sejam distintos, uma vez que
os respectivos somatórios são mutuamente independentes. A mesma precaução deve ser
tomada na multiplicação de somatórios. Por exemplo, se
N
X
p= ak (A.28)
k=1
e
N
X
q= bk , (A.29)
k=1
N
X
pq = ak b l . (A.30)
k,l=1
Insistimos que
N X
X N
pq 6= ak b k = N ( a1 b 1 + a2 b 2 + . . . + aN b N ) , (A.31)
k=1 k=1
416 APÊNDICE A. NOTAÇÃO INDICIAL
ou seja, o produto de duas somas só pode ser expresso corretamente como soma dupla
se forem usados ı́ndices mudos distintos para representar os somatórios independentes a
serem multiplicados, como na Eq.(A.30).
N
X
Tij nj − λni = 0 , (A.32)
j=1
N
X
ni = δij nj , (A.33)
j=1
N
X N
X
Tij nj − λ δij nj = 0 , (A.34)
j=1 j=1
ou
N
X
( Tij − λδij ) nj = 0 , (A.35)
j=1
conforme se pretendia.
Apêndice B
Im → R
Uma função F : R I é dita homogênea de grau p se existe um número real p tal
que
F (λx1 , . . . , λxm ) = λp F (x1 , . . . , xm ) , λ>0 , (B.1)
Exemplo B.1. A função F (x, y) = (x4 + 2xy 3 − 5y 4 ) sen(x/y) é homogênea de grau 4, pois
F (λx, λy) = (λ4 x4 + 2λxλ3 y 3 − 5λ4 y 4 ) sen(λx/λy) = λ4 F (x, y) . Por sua vez, com A constante,
a função F (x, y, z) = A/(x2 + y 2 + z 2 )1/2 satisfaz F (λx, λy, λz) = A/(λ2 x2 + λ2 y 2 + λ2 z 2 )1/2 =
λ−1 F (x, y, z) , logo é homogênea de grau −1.
Im → R
Teorema de Euler. Se F : R I é uma função diferenciável e homogênea de
grau p, então
m
X ∂F
xk = pF . (B.2)
k=1 ∂xk
417
418 APÊNDICE B. FUNÇÕES HOMOGÊNEAS E TEOREMA DE EULER
m m
∂F ∂uk ∂F
= p λp−1 F = p λp−1 F .
X X
=⇒ xk (B.4)
k=1 ∂uk ∂λ k=1 ∂uk
m m
dg ∂F h ∂F i
= −p λ−p−1 F (u1 , . . . , um )+λ−p xk = λ−p−1 −p F (u1 , . . . um )+
X X
uk = 0
dλ k=1 ∂uk k=1 ∂uk
(B.6)
em virtude de (B.2). Portanto, g(λ) = constante . Mas de (B.5) infere-se que g(1) =
F (x1 , . . . , xm ) , de modo que g(λ) = g(1) = F (x1 , . . . , xm ) , o que prova (B.1) e estabelece
que F é uma função homogênea de grau p. 2
Apêndice C
A(c1 α + c2 β) = c1 Aα + c2 Aβ (C.1)
419
420 APÊNDICE C. ESPAÇOS VETORIAIS E OPERADORES LINEARES
Estas propriedades caracterizam A como uma aplicação injetora e sobrejetora, isto é,
como uma bijeção de V em V .
n
X
Aαj = aij αi , j = 1, . . . , n . (C.3)
i=1
P P
Sejam ξ = i xi αi e η = i yi αi vetores tais que η = Aξ . Sejam [ξ] e [η] as
matrizes-coluna
x1 y1
. .
[ξ] = ..
, [η] = ..
. (C.4)
xn yn
Então n n
n X
X X
η = Aξ = xj Aαj = xj aij αi , (C.5)
j=1 j=1 i=1
donde n
X
yi = aij xj , (C.6)
j=1
É para garantir a validade desta equação que se faz a escolha de ı́ndices aparentemente
perversa na Eq.(C.3). As operações algébricas entre operadores lineares transferem-se
422 APÊNDICE C. ESPAÇOS VETORIAIS E OPERADORES LINEARES
inalteradas para as matrizes correspondentes. Por exemplo, fica como um exercı́cio para o
leitor a comprovação de que se C = AB então [C] = [A] [B] . Em particular, se S é um
operador inversı́vel, de SS −1 = S −1 S = I segue-se que [S] [S −1 ] = [S −1 ] [S] = I , onde I
é a matriz identidade, e, conseqüentemente, [S −1 ] = [S]−1 . Um operador linear é inversı́vel
se e somente se sua matriz associada é regular ou não-singular, isto é, tem determinante
diferente de zero em alguma base (e, portanto, em todas as bases). Pode-se demonstrar
(Hoffmann & Kunze 1971) que os elementos da inversa de uma matriz não-singular M
são dados por
det M (j|i)
(M −1 ) ij = (−1)i+j , (C.8)
det M
onde M (i|j) é a matriz que se obtém apagando a i-ésima linha e a j-ésima coluna de
M.
De que forma a matriz associada a um operador linear A é afetada por uma mudança
de base? Para responder a esta pergunta, sejam X = {ξ1 , . . . , ξn } e Y = {η1 , . . . , ηn } duas
bases de V e considere o operador linear de mudança de base S definido por Sξi = ηi ,
ou, mais explicitamente,
X X
S( xi ξi ) = x i ηi . (C.9)
i i
P P
O operador S é claramente inversı́vel, pois S( i xi ξi ) = 0 equivale a i xi ηi = 0 , que
implica x1 = . . . = xn = 0 . Sejam [A]X = (aij ) , [A]Y = (bij ) e [S]X = (sij ) . Podemos
escrever
X
Aξj = aij ξi (C.10)
i
X
Aηj = bij ηi . (C.11)
i
Portanto,
X X X X X X
Aηj = ASξj = A( skj ξk ) = skj Aξk = skj ( aik ξi ) = ( aik skj )ξi , (C.12)
k k k i i k
C.3. AUTOVALORES E AUTOVETORES 423
X X X X X X
Aηj = bkj ηk = bkj Sξk = bkj ( sik ξi ) = ( sik bkj )ξi . (C.13)
k k k i i k
X X
aik skj = sik bkj , (C.14)
k k
isto é,
Duas matrizes M e N são ditas similares se estão relacionadas por uma transformação
de similaridade, isto é, se existe uma matriz inversı́vel P tal que M = P −1 N P . A
Eq.(C.16) mostra que, sob uma mudança de base, a matriz associada a um operador linear
sofre uma transformação de similaridade. Como tr (M N ) = tr (N M ) e det (M N ) =
(det M )(det N ) , verifica-se imediatamente que o traço e o determinante de uma matriz
são invariantes sob uma transformação de similaridade. Assim, podemos falar em traço de
um operador e determinante de um operador como quantidades independentes de qualquer
escolha particular de base.
Definição C.4. Seja A um operador linear num espaço vetorial V sobre o corpo F .
Um autovalor de A é um escalar c tal que existe um vetor não-nulo α em V que satisfaz
Aα = cα . Dizemos que α é um autovetor de A associado ao autovalor c . O espectro de
um operador linear A é o conjunto dos seus autovalores.
424 APÊNDICE C. ESPAÇOS VETORIAIS E OPERADORES LINEARES
Teorema C.2. Todo operador linear sobre um espaço vetorial complexo de dimensão
finita possui um autovetor.
Definição C.5. Seja F o corpo dos números reais ou o corpo dos números complexos
e seja V um espaço vetorial sobre F . Um produto interno ou produto escalar em V é
uma regra que a cada par ordenado de vetores α, β de V associa o escalar (α, β) de tal
maneira que:
Quando F é o corpo dos números reais, os complexos conjugados em (c) e (e) são
supérfluos. Outra conseqüência direta da definição de produto interno é (α, 0) = 0 .
Combinado com (d), este último resultado estabelece que (α, α) = 0 se e somente se
α = 0 . Vale a pena mencionar que os matemáticos preferem substituir a propriedade (b)
por (b0 ) (cα, β) = c(α, β) .
Num espaço vetorial dotado de produto interno o número real não-negativo ||α||
definido por
C.4. PRODUTO INTERNO E BASES ORTONORMAIS 425
q
||α|| = (α, α) (C.17)
q
||α|| = |x1 |2 + |x2 |2 + · · · + |xn |2 . (C.19)
Teorema C.3. Num espaço vetorial com produto interno valem a desigualdade de
Schwarz
|(α, β)| ≤ ||α|| ||β|| (C.20)
e a desigualdade triangular
||α + β|| ≤ ||α|| + ||β|| . (C.21)
|(α, β)|2
||β||2 − ≥0 , (C.23)
||α||2
= ||α||2 + 2Re (α, β) + ||β||2 ≤ ||α||2 + 2||α|| ||β|| + ||β||2 = (||α|| + ||β||)2 , (C.24)
Definição C.6. Num espaço vetorial V com produto interno dois vetores α e β são
ditos ortogonais se (α, β) = 0 , e escrevemos α ⊥ β . Dois subconjuntos R e S de V são
ditos ortogonais, e escrevemos R ⊥ S , se cada vetor de R é ortogonal a cada vetor de S .
Um conjunto de vetores tal que quaisquer dois vetores são ortogonais é dito um sistema
ortogonal de vetores. Um vetor α é dito normalizado se ||α|| = 1 . Um sistema ortogonal
de vetores é dito um sistema ortonormal se cada vetor do sistema é normalizado.
P
Qualquer conjunto ortonormal de vetores é linearmente independente porque se k ck ξk =
P P P
0 então 0 = (ξl , k ck ξk ) = k ck (ξl , ξk ) = k ck δkl = cl . Assim, qualquer conjunto
ortonormal de n vetores num espaço vetorial V de dimensão n é base de V . Numa base
ortonormal {ξ1 , . . . , ξn } um vetor α escreve-se α =
P
j aj ξj , donde
X X X
(ξk , α) = (ξk , aj ξj ) = aj (ξk , ξj ) = aj δkj = ak . (C.26)
j j j
Portanto,
X
α= (ξk , α) ξk . (C.27)
k
Um cálculo análogo mostra que, em termos das componentes relativas a uma base ortonor-
mal, o produto interno assume uma forma particularmente simples:
Teorema C.4. Todo espaço vetorial de dimensão finita com produto interno possui
uma base ortonormal.
n
X
α= (ξk , α) ξk + γ (C.30)
k=1
428 APÊNDICE C. ESPAÇOS VETORIAIS E OPERADORES LINEARES
onde n
X
γ =α− (ξk , α) ξk . (C.31)
k=1
Com o uso de (C.25) verifica-se facilmente que (ξi , γ) = 0 para todo ξi . Segue-se que
γ é ortogonal a qualquer combinação linear de {ξ1 , . . . , ξn } , portanto é um elemento de
W ⊥ . De acordo com (C.30), temos α = β + γ com β em W e γ em W ⊥ . Resta provar
que esta decomposição é única. Se α = β 0 + γ 0 com β 0 em W e γ 0 em W ⊥ , temos
β − β 0 = γ 0 − γ . Como W ⊥ também é um subespaço vetorial de V (verifique!), o vetor
β 00 = β − β 0 pertence ao mesmo tempo a W e a W ⊥ , isto é, (β 00 , β 00 ) = 0 , o que implica
β 00 = 0 . Logo β 0 = β e γ 0 = γ , o que estabelece a unicidade e completa a demonstração
do teorema. 2
Definição C.9. Um funcional linear Φ num espaço vetorial V é uma regra que
associa um escalar Φ(α) a cada vetor α de V de tal modo que
Teorema C.6. Seja V um espaço vetorial de dimensão finita com produto interno e
Φ um funcional linear em V . Então existe um único vetor β de V tal que Φ(α) = (β, α)
para todo α de V .
n
Φ(αj ) ∗ αj .
X
β= (C.34)
j=1
Então
n n n
(Φ(αj ) ∗ αj , αk ) =
X X X
(β, αk ) = Φ(αj ) (αj , αk ) = Φ(αj ) δjk = Φ(αk ) , (C.35)
j=1 j=1 j=1
P
e, para um vetor genérico α com α = k ck αk ,
n
X n
X n
X
Φ(α) = ck Φ(αk ) = ck (β, αk ) = (β, ck αk ) = (β, α) . (C.36)
k=1 k=1 k=1
Para provar a unicidade, suponha que γ seja outro vetor tal que Φ(α) = (β, α) = (γ, α)
para todo α de V . Então o vetor ρ = γ − β é ortogonal a todos os vetores de V , logo é
ortogonal a si próprio. Assim, (ρ, ρ) = 0 donde ρ = 0 e γ = β . 2
Demonstração. Como Φ(α) = (β, Aα) é um funcional linear para β fixo, o Teorema
C.6 nos diz que existe um único vetor β 0 em V tal que (β, Aα) = (β 0 , α) . O operador
A† é definido como a regra que associa β 0 a β :
1
Os matemáticos preferem denotar o complexo conjugado de um número complexo z por z̄ e o adjunto
de um operador linear A por A∗ .
430 APÊNDICE C. ESPAÇOS VETORIAIS E OPERADORES LINEARES
A† β = β 0 . (C.38)
(A† (c1 β + c2 γ), α) = (c1 β + c2 γ, Aα) = c∗1 (β, Aα) + c∗2 (γ, Aα) = c∗1 (A† β, α) + c∗2 (A† γ, α)
As seguintes propriedades valem num espaço vetorial de dimensão finita e são de fácil
comprovação:
(1) (A + B)† = A† + B † ;
(3) (AB)† = B † A† ;
(4) (A† )† = A .
U U † = U †U = I . (C.40)
n n n n
x∗k yl (βk , βl ) = x∗k yl δkl
X X X X
(U ξ, U η) = ( xk U αk , yl U αl ) =
k=1 l=1 k,l=1 k,l=1
n n n
x∗k yl (αk , αl ) = (
X X X
= xk αk , yl αl ) = (ξ, η) (C.41)
k,l=1 k=1 l=1
então
onde usamos o fato de c1 ser real. Da Eq.(C.43) deduz-se (c2 − c1 )(α1 , α2 ) = 0 , de modo
que (α1 , α2 ) = 0 se c1 6= c2 . 2
Um resultado crucial para aplicações à Fı́sica assegura que, dado um operador auto-
adjunto A num espaço vetorial de dimensão finita V , existe uma base de V constituı́da
por autovetores de A . Como veremos, isto equivale a dizer que qualquer matriz hermitiana
pode ser diagonalizada por uma transformação de similaridade efetuada por uma matriz
unitária. Para provar este resultado em sua completa generalidade, precisamos de uma
definição e de um teorema preliminar.
Teorema C.12. Seja V um espaço vetorial de dimensão finita com produto interno e
seja A um operador linear em V . Se W é um subespaço vetorial de V que é invariante
sob A , então o complemento ortogonal de W é invariante sob A† .
Agora estamos prontos para enunciar e provar o resultado que constitui o ponto cul-
minante deste apêndice: o teorema espectral para operadores auto-adjuntos.
Teorema C.13. Seja V um espaço vetorial de dimensão finita munido de produto in-
terno e seja A um operador linear auto-adjunto em V . Então existe uma base ortonormal
de V constituı́da por autovetores de A .
Se A é um operador auto-adjunto, de (C.29) deduz-se que sua matriz [A] numa base
ortonormal {α1 , . . . , αn } tem elementos
de modo que
434 APÊNDICE C. ESPAÇOS VETORIAIS E OPERADORES LINEARES
e [A] é uma matriz hermitiana. Deste resultado inferimos que um operador linear é auto-
adjunto se e somente se sua matriz em alguma (logo, toda) base ortonormal é hermitiana.
Por outro lado, se U é um operador unitário,
∗ ∗ ∗
X X X
δij = (αi , αj ) = (U αi , U αj ) = uki ulj (αk , αl ) = uki ulj δkl = uki ukj , (C.46)
k,l k,l k
donde
[U ]† [U ] = I . (C.47)
[U ]† = [U ]−1 (C.48)
[A]Y† = ([S]X† [A]X [S]X )† = [S]X† [A]X† [S]X†† = [S]X† [A]X [S]X = [A]Y , (C.50)
C.7. OPERADORES UNITÁRIOS E AUTO-ADJUNTOS 435
[U ]Y† [U ]Y = [S]X† [U ]X† [S]X [S]X† [U ]X [S]X = [S]X† [U ]X† [U ]X [S]X = [S]X† [S]X = I (C.51)
Teorema C.14. Qualquer matriz hermitiana pode ser diagonalizada por uma trans-
formação de similaridade executada por uma matriz unitária. Em particular, uma matriz
real simétrica pode ser diagonalizada por uma transformação de similaridade executada
por uma matriz real ortogonal.
Apêndice D
Diferenciais Exatas
N
X
Ω= fi dxi (D.1)
i=1
é dita uma diferencial exata em O se existe uma função F (x1 , . . . , xn ) tal que
N
X
dF = fi dxi (D.2)
i=1
∂F
fi = (D.3)
∂xi
436
437
∂fi ∂fj
= , i, j = 1, . . . , n (D.4)
∂xj ∂xi
em todos os pontos de O .
P
Demonstração. Provemos a necessidade de (D.4). Se Ω = i fi dxi é uma diferencial
exata em O existe uma função F tal que fi = ∂F/∂xi . Da continuidade das derivadas
parciais das funções fi segue-se que
de modo que
Z N
P X N Z
X 1
F (x) = fk (ξ) dξk = fk (λx) xk dλ . (D.7)
P0 k=1 k=1 0
Conseqüentemente,
N Z 1 N Z 1
∂F X X ∂fk
= δik fk (λx) dλ + λ (λx) xk dλ
∂xi k=1 0 k=1 0 ∂xi
1 N Z 1
Z X ∂fi
= fi (λx) dλ + λ xk (λx) dλ , (D.8)
0 k=1 0 ∂xk
438 APÊNDICE D. DIFERENCIAIS EXATAS
N
dfi (λx) X ∂fi
= (λx) xk , (D.9)
dλ k=1 ∂xk
podemos escrever
Z 1h Z 1 λ=1
∂F dfi (λx) i d
= fi (λx) + λ dλ = λfi (λx) dλ = λfi (λx) = fi (x) , (D.10)
∂xi 0 dλ 0 dλ
λ=0
Note que o teorema se aplica a qualquer região aberta O dotada da seguinte pro-
priedade: existe um ponto P0 ∈ O tal que para qualquer ponto P ∈ O o segmento de
I n deste
reta de P0 até P está inteiramente contido em O . Um subconjunto aberto de R
tipo é dito estrelado (“star-shaped”) no ponto P0 (Spivak 1965).
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