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Economia da educação, inovação

tecnológica e o conceito de capital humano


André Sathler Guimarães1 e Valdemir Pires 2

Resumo: Identificam-se as teorias econômicas fundadoras dos argumentos que sustentam


a racionalidade justificadora do predomínio financeiro-tecnológico nas relações sociais atu-
ais, submetendo-as ao crivo da crítica emanada da Escola de Frankfurt. No campo teórico da
economia da educação, discute-se o conceito de capital humano a partir de suas dimensões
econômicas, apresentando suas afinidades e contradições com as linhas de pensamento key-
nesiana, neoclássica e da economia evolucionista schumpeteriana.
Palavras-chave: Economia da educação; Capital humano

Education economy, technological innovation and the concept of human capital


Abstract: The paper shows the basic economic theories that support the rationality
behind the financial and technological dominance in present social relations, and try to
demonstrate the paradoxes and contradictions of the theoretical system, having as ba-
ckground elements from the Frankfurt School. From the field of theoretical economics of
education, authors discuss the concept of human capital with its economical dimensions,
presenting their affinities and disparities with Keynesians, neoclassical economics and the
evolutionary economics of Schumpeter.
Keywords: Education economy; Human capital

A cultura ocidental contemporânea tem como marcas distintivas a subordinação


de quase todos os aspectos da vida às lógicas financeira e tecnológica e a ênfase na neces-
sidade de promoção da educação. Esses dois aspectos se amparam mutuamente e geram
a configuração de um tipo específico de sociabilidade, legitimado por teorias econômicas
cujo questionamento torna-se cada dia mais difícil, a não ser que se recorra a formas de
pensar capazes de flagrar as contradições do discurso predominante, que tende a obscu-
recer a tríade liberdade-igualdade-fraternidade (princípios para o ser humano, acalentados
por uma revolução política definitiva) em favor dos dizeres da bandeira de uma revolução
mais recente (tecnológica): produtividade-competitividade-governabilidade (princípios a
partir do ser humano, mas não necessariamente em seu benefício).
O presente artigo busca o caminho de uma promissora tentativa de identificar as
teorias econômicas fundadoras dos argumentos que sustentam a racionalidade justifi-

1
Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos. Mestre em Informática. Mestre em Comunicação.
Docente do Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da
Câmara dos Deputados (Brasília, DF). E-mail: andre.sathler@gmail.com.
2
Doutor em Educação. Mestre em Economia. Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara (Unesp).
E-mail: vapires@fclar.unesp.br
ECONOMIA DA EDUCAÇÃO, INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E O CONCEITO DE CAPITAL HUMANO

DOSSIÊ
cadora do predomínio financeiro-tecnológico nas relações sociais atuais, submetendo-
-as ao crivo da crítica emanada da escola de Frankfurt. Essa tentativa pode fornecer
elementos bastante interessantes para a compreensão das contradições, desconfortos e
angústias que marcam a experiência individual sob um modo de vida sub-repticiamente
regulado, que em muitas circunstâncias faz parecer emancipação o que é subordinação,
esclarecimento o que é obscurantismo, civilização o que é selvageria.
Situado no campo teórico da economia da educação, o artigo discute o conceito
de capital humano a partir de suas dimensões econômicas, apresentando suas afinidades
e contradições com as linhas de pensamento keynesiano, neoclássico e da economia evo-
lucionista schumpeteriana. Aponta-se como possível síntese o pensamento frankfurtiano,
que, por sua vez, tem forte inspiração marxista.

Inovação tecnológica, economia da educação e sociedade do conhecimento


Dois tipos de relação entre educação e tecnologia são abundantemente estabe-
lecidos na discussão corrente sobre a importância do conhecimento nas sociedades
contemporâneas: uma que faz o avanço tecnológico depender do nível educacional da
população e outra que aponta as novas tecnologias educacionais como promessa de
aumento da produtividade no aprendizado. Esta última com frequência remete para
a apologia das potencialidades dos novos aparatos tecnológicos como forma de am-
pliar o alcance e a qualidade do processo de ensino-aprendizado, inclusive aliviando
(através do ensino a distância) o seu caráter presencial. Essa segunda abordagem não 21
é objeto de discussão no presente artigo, que visa explorar a primeira relação, na qual
a educação (mais propriamente o ensino) aparece como fator explicativo da melhoria
das condições necessárias às inovações tecnológicas e à geração das novas habilidades
humanas demandadas por elas.
O discurso que justifica a elevação do nível educacional dos indivíduos e popula-
ções, associando-o ao progresso tecnológico, tem pressupostos eminentemente econô-
micos. Nele, a educação merece atenção por contribuir para a elevação da capacidade de
geração e apropriação de riqueza, no sentido capitalista da palavra.
A fonte contemporânea reforçadora dessa leitura (já presente nos primórdios da te-
oria econômica) é a chamada economia evolucionista, desenvolvida ao longo das últimas
décadas do século XX, por diversos autores (ver Nelson; Winter, 1982), tendo como
matriz a ideia-força de “destruição criadora”, do economista austríaco Joseph I. Schumpeter
(1883-1950), uma das referências necessárias no debate sobre pós-modernismo e sociedade
pós-industrial (intensiva em conhecimento). Para Schumpeter (1984, p. 112),

o capitalismo […] é, pela sua própria natureza, uma forma ou método de mudança
econômica, e não apenas nunca está, mas nunca pode estar, estacionário. […]. O
impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista
decorre dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou
transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial que
a empresa capitalista cria.

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Ou seja, na essência do capitalismo está a inovação tecnológica. Essa afirma-


ção muda radicalmente à noção de concorrência, fundamental para a explicação do
comportamento empresarial e dos mercados, pois a sobrevivência da empresa passa a
depender de sua capacidade de inovar e não apenas da habilidade do empresário para
produzir ao menor custo possível, dada a tecnologia. Nas palavras de Schumpeter, as
empresas têm que evitar a própria queda, equilibrando-se sobre um terreno movediço;
e somente as mais aptas sobrevivem a essa provação. Daí o caráter evolucionista do
pensamento schumpeteriano, trazendo para a economia metáforas biológicas (sobrevi-
vência e adaptação), em contraposição às metáforas físicas (lei da oferta e da demanda
= lei da ação e reação) típicas do pensamento econômico anterior, o neoclássico.
No contexto adaptativo do mercado schumpeteriano, sobrevivem às empresas
aptas para o processo de inovação tecnológica constante, que engendra um ciclo inter-
minável de destruição criadora: uma empresa desenvolve um novo produto (o automó-
vel, por exemplo) que torna obsoleto outro (os veículos de tração animal); assim destrói
toda uma indústria (criação de cavalos e dos carros por eles movidos) e outras indústrias
ligadas àquela (alimentação animal, consertos etc.), mas coloca outra, mais eficiente,
em seu lugar. A capacidade de acumulação de capital pode até mudar de mãos nesse
processo, mas seu nível geral aumenta, criando novas oportunidades, novos empregos
etc. Essa é, para Schumpeter, uma das mais importantes características do capitalismo.
São evidentes os reflexos de uma economia funcionando dessa maneira e mo-
22 vida por agentes interessados em obter o máximo de resultado para si (maiores ren-
dimentos pecuniários, sob a forma de lucros ou de salários) sobre a valorização do
conhecimento. Educação, aprendizado (como fluxo — aprender a aprender — e não
como estoque — educação bancária3), know-how (habilidade para fazer) são elevados à
condição de armas para a sobrevivência de pessoas e instituições. No que diz respeito
ao que deve ser priorizado no processo de ensino, a ênfase recai sobre o conhecimen-
to tecnológico, não se restringindo este, todavia, às engenharias, por exemplo, mas
estendendo-se às técnicas administrativas e mercadológicas.
Cada vez mais, o excedente econômico está se originando do emprego tecno-
lógico da ciência, em detrimento do dispêndio de trabalho humano abstrato. Assim, o
grande desafio para a educação termina sendo operacionalizar condições para que os
indivíduos desenvolvam habilidades de aprendizado constante (educação continuada) e
atualização (inovação curricular) e para que as empresas e instituições de pesquisa con-
sigam urdir um tipo de conhecimento coletivo (que, embora esteja “depositado” nos
indivíduos, carrega a “marca”, o jeito específico de ser e fazer da empresa, sendo um de
seus ativos intangíveis mais valiosos, justificando até mesmo a criação de universidades
corporativas para mantê-lo em crescimento).

3
Educação bancária no sentido atribuído por Paulo Freire, como um processo educativo no qual o professor
tem proeminência, as aulas são expositivas, valorizando a absorção e memorização de uma grande quantidade de
informações, com o aluno assumindo uma postura passiva.

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O conhecimento em constante atualização pode ser tomado, num mundo assim
desenhado, como o antídoto, nem sempre seguro, para as incertezas da competição in-
tercapitalista no mercado de bens e serviços, e intertrabalhadores, no mercado de mão-
-de-obra. Isso é o que hoje muitos chamam de sociedade do conhecimento: a sociedade
organizada e movida pelo conhecimento, tomado como fator de produção cuja proprie-
dade, em contrapartida, argumentam alguns (não sem argumentações contrárias), faz do
trabalhador um sócio e não um empregado do capitalista!
Ocorre que, na prática, o que se verifica não é uma transformação da natureza do
vínculo de subordinação do trabalhador, tampouco um processo verdadeiro de enrique-
cimento que afete a divisão vertical do trabalho (pretensamente chamado pelos gurus da
Administração de empowerment). Conforme Lojkine (2002, p. 61),

ao mesmo tempo em que a indústria moderna requer mudanças no trabalho, ‘a


fluidez de funções, a mobilidade universal do trabalhador’, ela reproduz, sob sua
forma capitalista, a antiga divisão do trabalho, destrói as garantias vitais, conduz às
periódicas hecatombes do desemprego.

Os trabalhadores que aprendem a aprender constituem, é fato, um ativo valioso


para indústrias que passaram, por conta de mudanças em seus processos produtivos, a
necessitar de pilotos polivalentes para suas instalações automatizadas. Porém, não per-
deram seu caráter de recursos humanos (fatores de produção) inseridos na grande roda
do sistema capitalista. Antes, pelo contrário, enredados pelo canto da sereia dos capita- 23
listas e seus representantes4, que agora os chamam de colaborares, parceiros, associados,
dentre outras bonitas alcunhas, e que os promovem a pessoas (não mais gerenciadas
pelo setor de recursos humanos, mas pelo departamento de gestão de pessoas) os traba-
lhadores se veem às voltas com a necessidade de prover, por si mesmos, o investimento
em sua capacitação. É a lógica do Você SA — seu sucesso depende só de você mesmo.
Na contramão do mito taylorista de que o trabalho fragmentado ao extremo se
tornaria independente da ação inteligente humana, as empresas constataram que muitas
das inovações tecnológicas eram devidas a descobertas de funcionários de linha, que
conseguiram otimizar e aperfeiçoar seus meios de trabalho. Ato contínuo, procurariam
desenvolver pessoas com esse perfil e encontraram um caminho fértil no discurso do
aprender a aprender, fracassadas as tentativas de solucionar a questão apenas com téc-
nicas motivacionais e treinamento tradicional.
A transformação do trabalhador em Você SA é o meio para superar os limites,
outrora inultrapassáveis, entre o indivíduo e a empresa. Essa barreira, verdadeira pièce de
resistance — era o símbolo máximo da heterogeneidade entre força de trabalho e capital,
que deixava aberta a brecha para, em última instância, o trabalhador retirar-se do jogo,

4
Distinção feita entre capitalistas e seus representantes para acentuar o predomínio de uma nova camada de
administradores executivos, os CEOs (Chief Executive Officers) Chairmans, PDGs (President-Directeur-Generale),
Presidentes etc. que exercem o poder nas sociedades anônimas, em nome dos acionistas.

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recusando a imersão total no trabalho. Para Gorz (2005, p. 25), “essa é a visão neoliberal
do futuro do trabalho: abolição do regime salarial, autoempreendimento generalizado,
subsunção de toda pessoa, de toda vida pelo capital, com o qual cada um se identificará
inteiramente”. O melhor dos mundos para a empresa capitalista: a unidade produtiva
Você SA entrega seu produto [trabalho + conhecimento] e é a única responsável por man-
ter esse perfil de produto ao longo do tempo, sob pena de ser trocada por outra unidade
produtiva (é a velha lógica capitalista aqui presente).
Uma tarefa bem distinta, mobilizar a iniciativa de assalariados versus a de ‘peque-
nos empresários independentes’. Desfeitas as relações tradicionais entre capital e traba-
lho, resolve-se a questão de como o capital conseguirá exercer poder sobre os homens e
mobilizá-los — os trabalhadores, mesmo quando a serviço de grandes empresas, devem
se tornar empresas individuais, as únicas responsáveis pela rentabilidade de seu trabalho.
Gorz entende que, ao final desse processo,

o trabalhador não se apresenta mais apenas como o possuidor de sua força de trabalho
hetero-produzida (ou seja, de capacidades predeterminadas inculcadas pelo empregador),
mas como um produto que continua, ele mesmo, a se produzir (GORZ, 2005 p. 19).

Além disso, o aprender a aprender, e sua contrapartida ideológica da educação


permanente5 traz em si as sementes justificadoras de seu fracasso como utopia. Para fazer
frente a uma massa de novos bacharéis que não encontram ocupações à altura de sua
24
qualificação universitária, lança-se mão de uma inversão do ônus da culpa: o culpado é o
trabalhador, que parou de estudar e, portanto, de aprender. Talvez mais cruel ainda seja
o destino dos que aderem de corpo e alma ao novo mantra: educação permanente é, por
definição, processo infinito, interminável, inalcançável.

Capital humano e educação como investimento


Enquanto Schumpeter, como já se viu, desenvolveu uma nova compreensão do
capitalismo, como processo de produção em que se engajam agentes individuais voltados
para o ganho pessoal (aprofundando o conhecimento microeconômico disponível), John
Maynard Keynes (1883-1946) foi o responsável por uma verdadeira revolução na com-
preensão da natureza monetária do mesmo capitalismo, merecendo o título de criador da
Macroeconomia: uma explicação para os resultados agregados de uma economia (nível
geral de emprego, de preços, de produção etc.).
Sem a contribuição de Keynes, também um dos proponentes da criação das atuais
instituições do sistema financeiro internacional, até hoje o dinheiro continuaria sendo
interpretado como “mero veículo das trocas” (economia neoclássica) ou um simples “véu
monetário” (economia marxista). Assim, pouco haveria a ser dito sobre os mercados fi-

5
Os autores não pretendem assumir posturas conservadoras ou obscurantistas. Entendem que há mudanças na
sociedade, técnicas, culturais, econômicas, que levam à necessidade de atualização dos saberes disponíveis. O que se
questiona aqui é o uso ideológico do discurso da educação permanente e do aprender a aprender.

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nanceiros, a não ser que equalizam a demanda e oferta de dinheiro (ligando unidades
deficitárias a unidades superavitárias por meio da taxa de juros) ou, ainda, que elevam o
“fetiche da mercadoria” ao máximo de suas possibilidades.
Foi Keynes quem demonstrou a necessidade de os governos praticarem políticas eco-
nômicas (uso de recursos de poder para interferir no rumo e no ritmo da atividade econômica
visando resultados de curto prazo), derrubando a crença precedente de que isso deveria ser
evitado a todo custo. O motivo para tal defesa, impopularíssima à época (1930), foi a sua com-
preensão de que a “propensão marginal a consumir” (tendência a gastar a renda monetária
adicional obtida), numa sociedade cuja riqueza é medida em dinheiro, é sempre menor do
que 1 (o total da renda), atingindo percentuais menores em sociedades mais ricas (constante a
distribuição da renda). Ou seja, o mesmo processo que gera a riqueza física (bens e serviços)
gera também a renda necessária para adquiri-la (lucros, salários, juros, dividendos e aluguéis),
mas nem toda a renda é utilizada em consumo, uma parte sendo subtraída (poupada) para
outros fins: precaução contra desastres ou infortúnios futuros e, principalmente, especulação
(possibilidade de ganhar dinheiro com dinheiro, sem o engajamento em processo produtivo).
No processo intrínseco ao capitalismo, quando as expectativas dos agentes eco-
nômicos individuais que especulam se tornam baixistas (pessimistas), eles tendem a se
defender buscando refúgio na liquidez (posse de dinheiro), desfazendo-se de papéis re-
presentativos do capital das empresas (ações, por exemplo). Assim procedendo, retiram
dessas empresas as fontes vitais de seu financiamento e expectativas. O mesmo fazem os
capitalistas produtivos, reduzindo seus investimentos, tanto os em curso quanto os pro- 25
gramados. O dinheiro torna-se mais caro (sobe a taxa de juros) e toda a economia tende
à estagnação, com redução da renda total e do nível de emprego.
Segundo Keynes (1983), configurada tal situação (estagnação e recessão) somente o
governo dispõe de condições suficientes para retirar a economia do “fundo do poço”. Isso
porque somente ele tem capacidade de manejar a oferta de moeda e a possibilidade de agir
visando metas de longo prazo (ao contrário de consumidores, produtores e especuladores
individuais, presos aos interesses de curto prazo — sobrevivência e ganhos imediatos).
Para isso, o governo deve, fundamentalmente, gastar mais do que arrecada (pra-
ticar orçamento público deficitário), aquecendo a demanda por bens que, uma vez pro-
duzidos geram mais emprego, mais renda e, portando, as condições necessárias para a
retomada do crescimento que fora interrompida. Diante da situação contrária — cres-
cimento exagerado da economia, o governo deve enxugar liquidez (reduzir o volume
de dinheiro em circulação, através das políticas monetária e fiscal), para evitar a inflação
(perda de poder de compra da moeda).
Nesse esforço para manter a liquidez sob controle, o governo cumpre um papel
essencial no interior do mercado financeiro, tentando, através de seus movimentos
(emissão de moeda, venda de títulos públicos, controle da taxa de juros, tributação,
gastos públicos, encaixe bancário etc.) influenciar o comportamento dos agentes,
moldar suas expectativas, evitando que sejam demasiado altistas ou baixistas, para
que as atividades econômicas fluam o mais suavemente possível, sem sobressaltos,
lubrificadas pelo financiamento de investidores (interessados no retorno de negócios

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produtivos) e de especuladores (à caça de ganhos obtidos de quem precisa de dinheiro


e não o possui na quantidade necessária, para produzir ou consumir).
Expectativa, pois, é o conceito chave keynesiano. É ele que explica a decisão do
agente individual acerca do destino a ser dado ao dinheiro reservado para obter ganhos. Ele
será investido (aplicado produtivamente) ou aplicado no mercado financeiro (convertido em
papéis de dívida de empresas, de indivíduos ou do governo), em função da relação existente
entre a taxa de juros e a taxa de retorno dos investimentos. Quando maior que a taxa de
juros, a taxa de retorno de uma atividade produtiva induz ao investimento e vice-versa.
A teoria do capital humano não logrou responder à questão de como enquadrar-se
no modelo keynesiano. Schultz (1961b, tradução livre), respondendo à críticas ao seu arti-
go Investment in human capital, também de 1961, assumiu essa dificuldade e continuou sem
respondê-la: “seguir o procedimento convencional de tratar todos esses custos apenas
como consumo corrente não funcionará. Mas alocar todos esses custos como investimen-
tos, visando a receitas futuras, é igualmente extremo e não garantido”6.
Becker, ao propor um modelo conceitual para a teoria do capital humano, em
seu artigo Investment in human capital: a theoretical analysis (Becker, 1962), trata o as-
sunto todo o tempo na perspectiva dos efeitos microeconômicos, apenas sugerindo,
em um único momento, sem qualquer explanação adicional, a extrapolação da ques-
tão para o nível macroeconômico: “países, estados, ou épocas que tenham, relativa-
mente, altos salários e ingressos de capital físico também tendem a ter muito capital
26 humano”7 (Becker, 1962, p. 44, tradução livre).
Vale ressaltar que a teoria do capital humano nasce no seio do pensamento econô-
mico neoclássico (Schultz, Friedman, Becker), que, por sua vez, viria a ser o sustentáculo
teórico do chamado pensamento neoliberal. Para Kurz (1998, p.145),

tanto o efetivo processo econômico quanto a ideologia neoliberal tendem a


dissolver as relações humanas na economia. O economista norte-americano Gary
S. Backer foi laureado, em 1992, com o Prêmio Nobel por desenvolver a hipótese
de que todo comportamento humano (até mesmo o amor) é orientado pela relação
custo-benefício e pode ser representado matematicamente.

Do ponto de vista do modelo agregado keynesiano, o gasto que o indivíduo assu-


me com sua própria educação é computado na função agregada de consumo. O gasto do
governo na sustentação de escolas públicas é computado como gastos do governo. Os
gastos das empresas com treinamento de seus funcionários acabam entrando, de forma
agregada, na função consumo. Portanto, embora contribuam para melhorar a situação
econômica (via crescimento da demanda efetiva) os gastos com educação não teriam o

6
“to follow the conventional procedure of treating all such costs as serving only current consumption will not do. But to allocate all of these
costs to investment in future earnings, is fully as extreme and unwarranted”.
7
“countries, states, or time periods that have relatively high wages and inputs of physical capital also tend to have much human capital”..

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efeito multiplicador atribuído, na perspectiva keynesiana, ao fator investimento8 e não
teriam poder explicativo suficiente para determinar grandes diferenças de renda entre
países com mesmo estoque de capital (uma das questões que intrigam os economistas).
A resposta para o aumento da renda não encontra suas respostas nos pressupostos
keynesianos ou neoclássicos, mas na economia marxista. O próprio Friedman, analisando a
situação, afirma que o efeito do investimento em capital humano é “aumentar a produtivida-
de econômica do ser humano”9 (FRIEDMAN, 1982, p. 101, tradução livre). O aumento da
renda nacional, considerados constantes fatores como tecnologia, número de trabalhadores e
tempo, só encontra sua explicação no aumento da produtividade. Contudo, considerando-se
que o conceito usual de aumento de produtividade envolve a incorporação de novas tecnolo-
gias (mantidos constantes a quantidade de mão de obra e o tempo), na verdade o que se verifi-
ca é uma intensificação do trabalho, ou seja, os trabalhadores, melhor qualificados, produzem
mais com um mesmo equipamento e em um mesmo tempo. O que ocorre é uma maior ex-
ploração do sobretrabalho (mais-valia), do que verdadeiramente o aumento da produtividade.

Tecnologia, especulação financeira, mudança política e instabilidade


Uma característica distintiva da atual fase da economia mundial é a sua instabilidade
face à rapidez das inovações tecnológicas, à possibilidade de especulação financeira em
tempo real e no âmbito planetário e à desagregação do padrão de relacionamento político
entre estado e sociedade civil e entre as nações. O lado real e o lado monetário/finan-
ceiro da economia estão sofrendo mudanças muito rápidas e profundas, enquanto que, 27
simultaneamente, as relações de poder estão cada vez mais se pautando por novas lógicas,
que se anunciam no interior de um discurso que exacerba o valor da individualidade e da
liberdade individual, geralmente condenando o padrão anterior de maior intervenção do
estado, tanto na atividade econômica como em outras esferas da vida.
Um novo tipo de sociedade se desenha, sob os auspícios de um conjunto de novas
possibilidades tecnológicas de alcance sem precedentes, mas mediadas por instituições
formuladas com base em visões de mundo que ainda não puderam ser totalmente re-
formuladas para abarcar o novo poder do homem frente à natureza e as consequentes
modificações de suas relações sociais básicas. Assim, a instabilidade e a incerteza tomam
conta dos corações e mentes dos indivíduos e minam a capacidade de resposta das insti-
tuições, configurando um cenário de “salve-se quem puder”, no interior do qual soluções
simplificadas e simplificadoras para problemas complexos são concebidas e aceitas, com
consequentes decisões desastrosas sobre as condições de vida de pessoas e nações.

8
Vale ressaltar a crítica do pensamento clássico ao próprio efeito multiplicador do investimento em modelos
keynesianos: “Considerar o investimento como não tendo efeitos multiplicadores é uma aproximação inicial
muito melhor do que considerar o investimento como o primeiro a se mover, pelo menos com respeito às
mudanças na renda real per capita” (FRIEDMAN & BECKER, 1957, p. 74, tradução livre). Texto original:
“regarding investment as having no multiplier effects is a much better first approximation than regarding
investment as the prime mover, at least with respect to the changes in real per capita income”.
9
No original: “raise the economic productivity of the human being”.

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A barbárie se produz em cada esquina, sob a máscara do progresso. O qual se apresenta


quase sempre associado ao discurso do crescimento econômico. Para Bauman (1997, p. 244),
“o ‘crescimento econômico’ representa a fome insaciável da indústria de novos e maiores lu-
cros, mas lucros (ou seja, o plus-valor do dinheiro no fim do ciclo produtivo) não passam de
pretensões por novas fontes de energia a serem queimadas no próximo ciclo”. A sina do sis-
tema capitalista é pagar sempre menos pelas matérias primas e fatores de produção, processo
que revela tendência inexorável a um esgotamento. Contudo, tem se perpetuado com base na
descoberta de novas fontes de recursos acessíveis à exploração, como o capital (intelectual e
social) dos trabalhadores, chamados a ajudarem a si mesmos. A cura da tendência catastrófica
do capitalismo seria, portanto, mais capitalismo (similia similibus curantur) cuja fórmula encontra
um de seus ingredientes na apropriação das unidades produtivas do tipo Você SA.
A tecnologia (face da amplificada capacidade humana frente à natureza) caminha
lado a lado com a prepotência de discursos aparentemente progressistas. Ao mesmo tem-
po em que o acesso a aparatos de comunicação inimagináveis há pouco mais de duas
décadas se torna possível e relativamente barato, as dificuldades de diálogo se reduzem.
Na rede mundial de computadores, que enseja espaço virtual de debate como nunca se
previu, é muito comum adolescentes criarem comunidades do tipo “odeio tal professor”,
“liberdade e prazer é tudo”. O lixo industrial cresce numa proporção muito superior ao
de iniciativas de valor, revelando que a capacidade de construir novos instrumentos ainda
é muito superior à capacidade de dar-lhes destinos emancipadores.
28 Produtividade é tudo, competitividade é condição de sobrevivência. A lógica eco-
nômica se basta. E no interior dela o individualismo é enaltecido, desembocando em
consumismo puro e simples, enquanto que a política é execrada, acusada de contrapro-
ducente. Com isso se submete tudo que é coletivo, tudo que é público, tudo que fica fora
da alçada do interesse individual imediato ao ostracismo. É exatamente nesse ponto de
chegada da “sociedade global do conhecimento e da liberdade” que a teoria crítica pode
oferecer o que tem de melhor para que venha a ser possível desarmar certas armadilhas
em que os indivíduos e sociedades estão se metendo enquanto consomem bugigangas e
discursos edênicos, que afirmam estar próximo o paraíso, logo ali, no fim da história.

Teoria crítica e educação na sociedade do conhecimento e do capital humano


Pucci (2003, p. 46-55), num esforço para identificar sinteticamente alguns elemen-
tos da teoria crítica que possam servir de pistas para a construção de uma teoria pedagógi-
ca, apresenta cinco grandes linhas de raciocínio da escola de Frankfurt com potencial para
oferecer essa contribuição: 1) função educativa do refletir; 2) resgate da formação cultural
como postulado pedagógico da emancipação; 3) importância da educação e responsabili-
dade da escola no processo de civilização; 4) assimilação do passado como esclarecimento
(dimensão da hermenêutica); 5) papel dos intelectuais coletivos no processo de civilização.
Esse autor explica cada uma dessas dimensões, deixando claro que para a teoria críti-
ca: a) “a educação é antes de tudo esclarecimento” (PUCCI, 2003, p. 47); b) a semicultura é
uma das causas obstrutoras do esclarecimento, pela via da semiformação (que é pior do que
a não-formação); c) “a educação […] tem uma importância primordial na questão da forma-

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ção das gerações atuais no sentido de uma sociedade que se guie mais pela razão, na luta pela
autonomia, pela emancipação” (PUCCI, 2003, p. 51); d) a hermenêutica deve contribuir para
o resgate do sujeito e afirmação de sua autoconsciência, e) os intelectuais coletivos, com seu
compromisso com a transformação da realidade, jogam na educação um papel no âmbito de
várias atividades formativas além da escola. Pucci (2003, p. 23) afirma que,

na leitura de Adorno e Horkheimer, a Razão Iluminista, desenvolvida pela burguesia


desde os inícios da era moderna, continha em sua afirmação primeira as dimensões
emancipatória e instrumental, a segunda integrada a serviço da primeira. A emancipação
do homem estava vinculada à emancipação da natureza, sob orientação da Razão. […]
A burguesia, porém, na medida em que foi impondo seu domínio às outras classes
sociais, foi ofuscando a dimensão emancipatória da Razão e privilegiando sua dimensão
instrumental. A ciência, a tecnologia e o conhecimento, sonhados pelos primeiros
pensadores modernos como possibilidade de minorar os sofrimentos dos homens, de
instrumentalizá-los para a criação de um novo mundo, vão perdendo cada vez mais o
seu potencial libertário. A razão emancipatória vai se tornando reprimida, ofuscada.

Daí a necessidade, colocada pela teoria crítica, de ir à busca do esclarecimento, de


combater o afastamento da razão emancipadora. Assim, “mais do que buscar uma propos-
ta pedagógica na teoria crítica, cabe apreendê-la globalmente como abordagem formativa,
educacional, da sociedade contemporânea”, conforme Maar (2003, p. 61). Nesse sentido:
29
Na medida em que a emancipação seria travada pela própria instrumentalização da
racionalidade social — da ‘razão’, como diriam Horkheimer e Adorno — o sentido
principal da educação para a emancipação está na dissecação visceral do nexo entre
dominação e racionalidade, que constitui o meio ´subjetivo´ de reprodução social existente.
A partir daí, a educação crítica só poderia se efetivar nos termos da ´reconstrução crítica´
da racionalidade social, revelando a deformação que produz em face da sua reificação, e
conduzindo-a a uma clara exposição de suas contradições e, por esta via, apreendendo
nela as possibilidade alternativas. […] o sentido presente da educação estaria na crítica e na
resistência às formas pelas quais a racionalidade social é instrumentalizada com o objetivo
de manutenção de uma determinada estrutura de dominação (MAAR, 1994, p. 79).

De fato, sem a reconstrução crítica da racionalidade social característica da socie-


dade do conhecimento e do capital humano (tal como antes tipificada sobre os esteios
teóricos de Schumpeter e Keynes), não é possível sequer imaginar a possibilidade de uma
educação para o esclarecimento e genuinamente emancipadora. Isso implica romper um
processo tenebroso no qual as ideias do dominante se tornam ideias dominantes10, com
os trabalhadores buscando alcançar para si os valores ostentados pela elite, por meio da
fundação de sua própria nanoempresa capitalista — Você SA. Com isso, olvidam-se de
questionar as regras do jogo, permanecendo no nível superficial de criticar a sua má-sorte

10
Esse trocadilho encontra-se em Bauman (1997, p. 246).

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quando do início da partida ou decisões momentâneas do juiz de plantão — e então qual-


quer esperança de emancipação fica irremediavelmente perdida.
Tanto em Schumpeter e nos neoclássicos (abordagem microeconômica) quanto em Key-
nes (abordagem macroeconômica), o comportamento econômico, individual e coletivo (este
através da intervenção governamental), se pauta pelo esforço para fugir à incerteza (tecnológica,
em Schumpeter e financeira, em Keynes). A educação, como capacitação tecnológica (na vertente
schumpeteriana) e como opção para o destino de recursos interessados em acumular (na vertente
keynesiana/schultziana), surge como alternativa bastante razoável para empreender essa fuga.
São essas mesmas expectativas que influenciarão, segundo a teoria do capital humano
(SCHULTZ, 1971), a decisão que um indivíduo toma diante das opções de gastar seu tempo
e seu dinheiro em obtenção de educação ou outra atividade. Caso opte por frequentar uma
escola ou universidade terá avaliado que o investimento em educação (na ampliação de seu
capital humano) lhe trará maiores benefícios pecuniários ao longo do tempo futuro do que,
por exemplo, gastar o dinheiro e o tempo disponível em lazer ou numa atividade produtiva
qualquer. Para tornar a taxa de retorno do investimento em educação mais atraente, justifica-se
que o governo a subsidie em parte, em determinados níveis (reduzindo sua contribuição na
medida em que se vai do ensino básico para o superior), minimizando os custos envolvidos.
Do contrário, as pessoas, egoístas e hedonistas, fugirão do esforço que a educação exige.
A natureza do dinheiro, como riqueza líquida por excelência, oferece aos indivíduos
e instituições uma ponte entre o presente e o futuro, diante das incertezas quanto ao acesso
30 a bens e serviços necessários à sobrevivência e ao conforto. O conhecimento, na forma de
capital humano, coloca-se como uma alternativa para acumular capital, propiciador das con-
dições de acesso ao dinheiro: a educação torna-se uma alternativa de investimento.
É impressionante o quanto esses argumentos, não tão elaborados, evidentemente, po-
voam o imaginário atual acerca do papel e da potencialidade da educação (PIRES, 2005), tendo
ascendido ao status de lugar-comum. E como tal, submetê-los ao crivo da teoria crítica é uma
necessidade, como contribuição para a redução do risco de embaçamento das consciências
engajadas na definição e na crítica das políticas educacionais e das propostas pedagógicas.
Numa perspectiva não conformista, capaz de alguma resistência, graças ao uso da dialé-
tica negativa, é possível interpretar a sociedade organizada com base na razão instrumental do
capital humano e da inovação tecnológica como pertencente a uma “racionalidade irracional”:
na busca pessoal por certo tipo de emancipação (representada pelas ilhas de certeza precárias
possibilitadas pelo refúgio na liquidez e pela capacitação tecnológica constante) os indivíduos,
agindo isoladamente, constroem um arcabouço de relações sociais que é a própria causa da
negação da emancipação. Constroem relações de trabalho e de troca que, por sua vez, encetam
um ambiente social e cultural que, fora de seu controle individual, é o gerador das incertezas
de que querem se livrar, incertezas geradas pela concorrência tecnológica desenfreada e pelo
avanço da lógica financeira, inevitáveis no capitalismo maduro e globalizado.

Considerações finais
A sociedade do conhecimento, tal como vivenciada na atualidade, apresenta uma ten-
dência a transformar a educação quase que exclusivamente num processo gerador de capital

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ECONOMIA DA EDUCAÇÃO, INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E O CONCEITO DE CAPITAL HUMANO

DOSSIÊ
humano, propício à inovação tecnológica exigida pelo desenvolvimento capitalista, em um
contexto extremamente financeirizado, instável, arriscado e excludente. A racionalidade eco-
nômica se impõe em praticamente todos os âmbitos da vida, legitimando-se pelo seu discurso
de máxima produtividade e de diversificação crescente da produção, propiciadoras de maiores
e melhores confortos a partir de menos esforços físicos extenuantes (menor utilização de força
física muscular humana). Sendo essa uma racionalidade meramente instrumental e falsamente
emancipadora (posto que coisifica mais do que nunca o ser humano, tornando-o simples re-
ceptáculo do capital humano e servo da lógica financeira), é preciso submetê-la a uma reflexão
capaz de explorar as contradições presentes na subordinação do conhecimento e da educação
quase que exclusivamente à busca da elevação das forças produtivas, sem questionamento aos
efeitos antiemancipação e pró-barbárie que ela traz consigo.
A teoria crítica carrega excepcional potencialidade para contribuir nessa reflexão. A
partir do seu método dialético negativo, pode-se esclarecer que a teoria econômica, que dá
sustentação aos discursos dominantes que subordinam a educação aos objetivos da inovação
tecnológica e da especulação financeira, mais do que migrar de uma metáfora física (mercados
impessoais se equilibrando por força e graça da lei da oferta e da procura) para uma metáfora
biológica (mercados como espaço de construção de monopólios temporários baseados em
vantagens competitivas oriundas do domínio de novas tecnologias), está de fato se pautando
por uma lógica anunciada no campo da química, por Lavosier: “nada se cria, nada se perde,
tudo se transforma”, para permanecer como era — metamorfose da conservação.
O advento da chamada sociedade do conhecimento não reduziu os confrontos de 31
poder que estão na base do sistema capitalista e entremeados em suas grandes organiza-
ções e estruturas. Em que se pesem as recomposições, cada vez mais sistemáticas, do tra-
balho dos funcionários de linha, não há um genuíno questionamento à estrutura piramidal
do poder informacional e inexiste uma verdadeira descentralização. As experiências que,
em seu conjunto, vem recebendo a etiqueta luxuosa de empowerment são abruptamente in-
terrompidas quando colidem com os processos de direção estratégica das empresas, com
os capitalistas e seus representantes não dispostos, nem um pouco, a dividirem sua visão
quanto à política empresarial. Mas é preciso cuidado ao manejar a própria teoria crítica
para compreender o novo quadro da era da acumulação flexível, pois:

A mesa foi virada, por assim dizer: a tarefa da teoria crítica foi invertida. Essa tarefa
costumava ser a defesa da autonomia privada contra as tropas avançadas da ‘esfera
pública’, soçobrando sob o domínio opressivo do Estado onipotente e impessoal
e de seus muitos sustentáculos burocráticos ou réplicas em escala menor. Hoje a
tarefa é defender o evanescente domínio público, ou, antes, reequipar e repovoar o
espaço público que se esvazia rapidamente […] (BAUMAN, 2000, p. 49).

A retomada do público, do coletivo, quando se almeja a autonomia do indivíduo, é hoje


fundamental porque “não há indivíduo autônomo sem uma sociedade autônoma, e a auto-
nomia da sociedade requer uma autoconstituição deliberada e perpétua, algo que só pode ser
uma realização compartilhada de seus membros” (BAUMAN, 2000, p. 50), que fica cada vez

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mais distante quando o discurso estritamente econômico, inclusive no campo da educação, é o


único capaz de obter legitimidade. É preciso flagrar essa racionalidade irracional.

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