Você está na página 1de 4

CORONAVÍRUS E DIREITO PÚBLICO: UMA ANÁLISE DA ORDENAÇÃO,

REGULAMENTAÇÃO E EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS


CONTRATOS
18 de março de 2020

A declaração do estado de emergência no município de São Paulo (Decreto


n. 59.283/20), de 17 de março, lançou luz sobre um aspecto determinante da crise
global desencadeada pela pandemia do novo Coronavírus (COVID-19): seus efeitos
generalizados sobre diversas áreas do direito brasileiro e internacional.
Entre os vários desafios impostos a esta análise jurídica encontram-se a
inviabilidade do cumprimento das obrigações contratuais e a consequente perda de
funcionalidade dos contratos comerciais, a potencial responsabilidade dos
empregadores e / ou prestadores de serviços por infecções contraídas nas suas
instalações, ou o aumento do risco de insolvência e insustentabilidade das dívidas
corporativas.
A pandemia também tem uma série de implicações para o direito público no Brasil,
resultantes especialmente (i) da necessidade urgente de leis e regulamentos
específicos para lidar com esta calamidade pública; (ii) o possível conflito entre, de
um lado, as medidas propostas para prevenir a contaminação e, de outro, os direitos
individuais ou outros aspectos do ordenamento jurídico brasileiro; e (iii) as
repercussões dessa crise para os serviços públicos, os setores de infraestrutura e
quaisquer de seus fornecedores privados.
A regulamentação destinada ao enfrentamento do coronavírus tem origem na
Portaria 188 do Ministério da Saúde, de 3 de fevereiro de 2020, responsável pela
declaração de estado de emergência em saúde pública de importância nacional
(conforme Decreto nº 7.616 / 11). A portaria ministerial inicialmente buscou emitir
diretrizes para as autoridades sanitárias e de saúde conterem a epidemia.
Imediatamente após a declaração do estado de emergência, em 6 de fevereiro de
2020, foi aprovada a Lei nº 13.979 (Lei do Coronavírus, posteriormente
regulamentada pela Portaria MS nº 356, de 11 de março), que dispõe sobre as
medidas relativas ao combate à covide. 19 surto, tais como: (i) provisão para
isolamento, quarentena, exames e testes obrigatórios ou fechamento temporário das
fronteiras do Brasil; (ii) dispensa de licitação para aquisição de bens e serviços
destinados ao atendimento de emergência e autorização para solicitação de bens e
serviços de pessoas físicas e jurídicas (notadamente hospitais privados, sem a
necessidade de celebração de contrato administrativo, e saúde profissionais, sem a
formação de vínculo empregatício), garantindo assim uma justa remuneração; e (iii)
a obrigação,
Após a declaração oficial da pandemia do coronavírus pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) em 11 de março, uma série de decretos estaduais (e até municipais),
como a recente declaração de estado de emergência no município de São Paulo,
foram acrescentados ao programa federal. Entre os estados que dispõem de
medidas de prevenção emergencial estão: (i) Minas Gerais (Decreto nº 47.886, de
12 de março de 2020); (ii) São Paulo (Decreto nº 64.862, de 13 de março de
2020); (iii) Rio de Janeiro (Decreto nº 46.970, de 13 de março de 2020); (iv) Rio
Grande do Sul (Decreto nº 55.115, de 13 de março de 2020); (v) Espírito Santo
(Decreto nº 4.593-R, de 13 de março de 2020); e (vi) Distrito Federal (Decreto nº
40.520, de 14 de março de 2020).
As disposições dos referidos decretos estaduais vão desde a mera internalização,
nos respectivos ordenamentos jurídicos estaduais, das disposições e instrumentos
contidos na Lei Coronavírus; emissão de comandos vinculando órgãos e entidades
governamentais estaduais, para suspensão de eventos, atividades coletivas e aulas
por determinado período de tempo. Alguns dispositivos, porém, ganham destaque,
principalmente nas portarias do Distrito Federal e do Rio de Janeiro. O instrumento
de Brasília, em seu artigo 5º, afirma que será considerado abuso de poder
econômico aumentar preços, sem justa causa, com o objetivo de aumentar
arbitrariamente os lucros sobre insumos e serviços relacionados ao enfrentamento
da covid-19 (ambos na forma prevista na Lei nº 12.529 / 11 e no Decreto nº 52.025 /
63). O decreto do Rio de Janeiro, por sua vez, prevê,
No entanto, apesar da gravidade do surto que assola o país (em termos sociais,
econômicos e políticos), podem surgir conflitos quanto às intervenções propostas
para conter a covid-19, especialmente os remédios mais graves, como a internação
obrigatória de pessoas contaminadas ou encerramento obrigatório de
estabelecimentos comerciais.
 
Por um lado, há quem defenda que, mesmo nessas circunstâncias, tais restrições
estritas aos direitos individuais, como a liberdade de circulação ou de iniciativa,
exigiriam um decreto do estado de emergência, com vista a "preservar ou
prontamente restaurar, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz
social ameaçada por grave e iminente instabilidade institucional ou afetada por
calamidades de grandes proporções da natureza ”(conforme artigo 136 da
Constituição Federal). Por outro lado, pode-se argumentar que, no equilíbrio entre os
direitos individuais e os direitos coletivos à saúde, proteção, segurança e
assistência, estes últimos prevaleceriam, principalmente em um contexto tão crítico
como a pandemia.
 
Outra questão jurídica a ser considerada envolve a regulamentação das
recomendações divulgadas por diversos poderes públicos no contexto atual (como o
próprio Ministro da Saúde, governadores, prefeitos e centrais de operação
emergencial de saúde em diversos níveis), além dos efeitos jurídicos decorrentes do
seu descumprimento, especialmente no que diz respeito aos regimes de
responsabilidade, pelo menos na esfera cível.
 
Do ponto de vista do direito público brasileiro, o surto de coronavírus também traz
profundos desafios relacionados à prestação de serviços públicos e infraestrutura
pública essencial por parceiros privados. Exemplos incluem riscos como (i)
frustração das projeções de demanda nos contratos de concessão, seja por queda
espontânea na circulação de pessoas, seja pela obrigatoriedade de toque de
recolher para prevenir o contágio; (ii) variações agudas das taxas de câmbio
decorrentes da volatilidade dos mercados financeiros nacional e internacional, ainda
mais acentuada pela simultânea crise do petróleo; ou (iii) o aumento generalizado
dos riscos identificados pelas agências de rating que afetam a bancabilidade dos
projetos estratégicos.
 
Embora o tratamento de cada caso dependa fundamentalmente da forma como
esses riscos foram tratados nos respetivos contratos, alguns institutos ganharão
particular relevância e deverão em breve ser apresentados a órgãos judiciais e
administrativos. Provisões de força maior (para as quais a China sozinha já emitiu
mais de US $ 38 bilhões em certificados para isentar seus exportadores de culpa por
quebra de contrato), circunstâncias imprevistas e pedidos de reequilíbrio econômico
e financeiro devem desempenhar um papel fundamental na acomodação de
contratos e possibilitando a continuidade dos serviços afetados.

Você também pode gostar