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Condicionantes Legais para a Educação das Relações Étnico-Raciais.

Book · November 2014

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1 author:

Everkley Magno Freire Tavares


Academia de Ciências Jurídicas e Sociais de Mossoró ACJUS
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Condicionantes Legais
para Educação das Relações
Étnico-Raciais
EVERKLEY MAGNO FREIRE TAVARES
Condicionantes Legais
para Educação das Relações
Étnico-Raciais
EVERKLEY MAGNO FREIRE TAVARES
Conselho Editorial da EdUFERSA

Mário Gaudêncio, Me.


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mario@ufersa.edu.br | http://lattes.cnpq.br/4055279202294793

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Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão


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Catalogação da Publicação na Fonte


Setor de Informação e Referência (SIR-BCOT/UFERSA)

T197c Tavares, Everkley Magno Freire.


Condicionantes legais para educação das
relações étnico-raciais / Everkley Magno Freire
Tavares. – Mossoró: EdUFERSA, 2014.
72 p. : il.
ISBN: 978-85-63145-79-6
1. Educação. 2. Relações étnico-raciais. I.
Título.
UFERSA/BCOT CDD 370

Bibliotecário-Documentalista
Mário Gaudêncio – CRB-15/476
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

Prezado aluno!
Seja bem-vindo ao módulo “Condicionantes Legais para Educação das
Relações Étnico-raciais”.
Além da importância do conhecimento dos pressupostos legais que
auxiliam na definição da Educação das Relações Étnico-raciais, você
será estimulado a desenvolver um diálogo interdisciplinar entre a
Ciência do Direito e a Educação. Os educadores que trabalham com
a temática “Educação das Relações Étnico-Raciais” se deparam com
diferentes provocações e pontos de tensão por parte dos educandos em
suas práticas educativas.
Uma das provocações mais latentes por parte dos alunos nos diferentes
níveis de ensino, desde a educação básica à educação superior, está
associada à relevância da disciplina no processo de formação, da qual
derivam questionamentos sobre os conteúdos programáticos e seu lugar
na estrutura curricular dos cursos, principalmente nas graduações.
Neste prisma, problematizaremos a relevância da temática “Educação
das Relações Étnico-raciais” sob a ótica da Ciência do Direito em
conexão com a educação crítica social das realidades de Paulo Freire e,
mais especificamente, sobre os condicionantes legais para a inclusão no
currículo da escola básica da história e cultura afro-brasileiras, por meio
da Lei 10.639/2003, bem como as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a temática (Parecer 003/2004).
A oferta desta disciplina no curso de pós-graduação lato sensu em
Educação para as Relações Étnico-Raciais - UNIAFRO na modalidade
à distância encontra suas justificativas e relevância por estar dirigida
ao entendimento de uma demanda específica na esfera da educação:
a compreensão dos princípios constitucionais do Estado Democrático
de Direito que estabelecem o reconhecimento das diversidades étnico-
raciais e socioculturais da sociedade brasileira. O reconhecimento da
diversidade é um princípio básico para a dignidade da pessoa humana.
Desta forma, caro aluno, vale ressaltar que a formação e a prática docente
direcionada para as transformações culturais e políticas não se fazem com
discursos isolados, mas com reflexão e prática interdisciplinar acerca da
Educação das Relações Étnico-raciais, justificando a abordagem jurídica
e educacional sobre a disciplina (TAVARES & BEZERRA, 2006).
No intuito de viabilizar a dinamicidade do processo de ensino-
aprendizagem, sugerimos, visando ao acompanhamento da disciplina
e à sua autoavaliação, a realização de um check-list por unidade,
destacando os conteúdos da disciplina sistematizados em 30 horas-aula.
O check-list é uma exigência para o êxito qualitativo do processo de
ensino-aprendizagem e para sua avaliação. A cada unidade de 15 horas-
aula, o discente deverá apresentar o check-list, considerado uma lista
das principais competências (saber-saber), habilidades (saber-fazer)
e atitudes (saber ser e saber conviver) apreendidas com a disciplina
(DELORS, 2000).
O check-list pode ser uma estratégia didática a ser assimilada pelos
senhores professores e pelas senhoras professoras na gestão do seu
conhecimento e em seus planejamentos de aula. Esta estratégia objetiva
sintetizar os principais conceitos e noções de uma disciplina, estimulando
sua compreensão conceitual e analítica, na medida em que somos
estimulados e estimulamos nossos educandos ao desenvolvimento de
uma genealogia do conceito, isto é, à investigação sobre a origem e os
sentidos dos conceitos perante as ciências. A compreensão conceitual,
o diálogo com os principais autores indicados e suas bases teóricas
formam o saber-saber ou a competência.
Casada à competência vem a habilidade entendida como o saber-fazer,
ou seja, a utilização do conceito para a compreensão das realidades e
explicação dos problemas (objetos de estudo e casos apresentados pelo
professor mediante os eixos temáticos da disciplina e pelos estudos de
caso ligados à realidade do educando). Quando adquirimos a habilidade,
sabemos fazer uso do conceito para explicar problemas da realidade
nacional e da realidade do educando. Toda habilidade pressupõe uma
competência. A dimensão atitudinal revela a etapa da aprendizagem
mediada pela relação entre teoria e prática do processo formativo do
CHA (Competência, Habilidade e Atitude). É o momento da tomada de
consciência do educando sobre sua aprendizagem, o que está marcando
e transformando sua vida, dando sentido à aprendizagem.
Para isso, vejamos o modelo a ser adotado:
Competência Habilidade Atitude
Saber-saber Saber-fazer Saber ser e Saber conviver
O que é? Como aplicar? Qual a importância?
Compreensão dos principais conceitos Apresentar como os conceitos e as Promover novas ações e valores
da disciplina. noções podem ser utilizadas para na vida do educando.
interpretar, compreender e
explicar problemas.
Na competência o educando define Como fazer uso dos conceitos Saber reconhecer a importância
a sua compreensão teórica dos diante de situações práticas. teórica e prática da disciplina
conteúdos apresentados. no seu processo de formação
como educador das relações
étnico-raciais.
Deve dialogar com autores Estimular a reflexão sobre a
apresentados pelo professor mediador realidade vivenciada pelos
da disciplina através de citações educandos, bem como a realidade
diretas das obras nacional.
de referência.

Este é o modelo adotado pelo professor há dez anos e tem como foco principal
a aprendizagem das competências, habilidades e atitudes – CHA da disciplina.
A fim de possibilitar a apresentação clara das conexões conceituais ao fim de
cada unidade, também será apresentado um mapa conceitual para a orientação
dos alunos em termos dos conteúdos ministrados.
A prática do check-list deve promover a capacidade do aluno em sintetizar as
principais Competências, Habilidades e Atitudes – CHA construídas a partir das
temáticas apresentadas no conteúdo programático da disciplina Condicionantes
Legais para Educação das Relações Étnico-Raciais. Ao fim de cada unidade, ele
será o instrumento de avaliação. Para isso, no tocante à competência, você deve
realizar a leitura e fichamento dos textos de referência indicados pelo professor.
A partir de sua leitura, a definição (interpretação do aluno) deve ser articulada
com as citações diretas dos conceitos, mediante paráfrase dos autores. Além
disso, a avaliação será feita continuamente, considerando as participações e
interações nos fóruns e chats, nas questões e atividades propostas. Quanto à
estrutura, nossa disciplina está dividida em duas unidades:
Unidade 1: Pressupostos da Teoria Geral do Direito;
Unidade 2: Condicionantes legais para a Educação das Relações Étnico-Raciais:
da Constituição Federal de 1988 ao Decreto nº 4887/2003
Bom estudo!
Everkley Magno Freire Tavares
SOBRE O AUTOR

Graduado em Ciências Sociais pela Universidade


do Estado do Rio Grande do Norte (2002), ex-
bolsista do PET (CAPES - Sesu-MEC) e mestre
em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Rede
PRODEMA - UERN (2004). Atua principalmente
nos campos da sociologia e da ciência política.
Atualmente, é professor da Universidade Potiguar
- UnP. Também tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em
Filosofia política e do direito, atuando principalmente nos seguintes
temas de pesquisa e extensão: políticas públicas, participação,
desenvolvimento rural sustentável, agricultura familiar, terceiro setor
e empreendedorismo, gestão social e economia solidária.
SUMÁRIO
UNIDADE I - FUNDAMENTOS DA TEORIA GERAL DO DIREITO

PRESSUPOSTOS DA TEORIA GERAL DO DIREITO 15


• As Funções dos Princípios 18
• A Eficácia Constitucional 22
• O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana 24
• O princípio da igualdade e da liberdade 29
• A alteridade como princípio 32
ATIVIDADES AVALIATIVAS 32

UNIDADE II - CONDICIONANTES LEGAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS


RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
AO DECRETO Nº 4887 DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003
• A Educação como Direito do Cidadão e Dever do Estado:
pressupostos constitucionais. 39
• Educação das Relações Étnico-Raciais: pressupostos infraconstitucionais 52
• A lei Nº 9394/1996 52
• A Lei 10.639/2003 54
• A Resolução CNE/CP Nº 01/2004, o Parecer CNE/CP Nº 03/2004 e
O Plano Nacional para a implementação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. 56
• O Decreto nº 4887 de 20 de novembro de 2003 e a
Resolução Nº 8, de 20 de novembro de 2012. 60
ATIVIDADES AVALIATIVAS 63
REFERÊNCIAS 65
I FUNDAMENTOS DA TEORIA
GERAL DO DIREITO

Seja bem-vindo à nossa primeira aula de Condicionantes


Legais para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Nesta
unidade, vamos conhecer os posicionamentos sobre as formas
de interpretar e explicar o direito positivo.
Apresentaremos os seguintes temas: a abordagem
Tridimensional do Direito versus o Positivismo Jurídico; os
princípios e suas funções para a interpretação do ordenamento
jurídico; a eficácia jurídica e social das normas; a ideia de Justiça
com equidade; os princípios da Dignidade da Pessoa Humana,
da igualdade formal e material, da liberdade, da legalidade e,
por último, o princípio da Alteridade.

Objetivos:
• Mostrar que a interpretação do direito vai além da mera
aplicação da lei ao fato;
• Demonstrar a importância dos princípios na interpretação
diante de lacunas da lei;
• Apresentar os sentidos e a aplicação dos princípios.
• Discutir a justiça com equidade levando em conta a alteridade.
15

Pressupostos da Teoria Geral do Direito


UN 01
www.sintetufu.org

O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para


consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às
ameaças da injustiça – e isto perdurará enquanto o mundo
for mundo, ele não poderá prescindir da luta. A vida do
direito é a luta: luta dos povos, dos governos, das classes
sociais, dos indivíduos (IHERING, 2006, p. 27).

O consenso social de que existe um distanciamento entre o direito


positivo e a justiça social tem colocado em xeque o Estado Democrático
de Direito, principalmente diante da histórica desigualdade social entre
brancos, negros e pardos no Brasil, bem como diante da não efetividade
do ordenamento jurídico pátrio, principalmente na promoção dos direitos
fundamentais (CF/88, art. 5º) e sociais (CF/88, art. 6º) a todos os homens
e mulheres, sem distinção social.
Neste contexto, a crescente sensibilização e tomada de consciência da
sociedade civil sobre o necessário reconhecimento e respeito à diversidade
sociocultural, bem como sobre a importância da contribuição dos negros
e índios para a construção do povo brasileiro e da nossa identidade
nacional têm estimulado a avaliação do papel articulador da Educação na
promoção da justiça com equidade. Uma educação baseada na equidade
deverá promover a valorização das diferenças que possa ser entendida e
estimulada como imperativo para os condicionantes Legais da Educação
das Relações Étnico-raciais (RAWLS, 2008).
Para o filósofo político John Rawls (2008), a justiça não resulta

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
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automaticamente de qualquer igualdade (equivalência entre as partes)
e, concretamente, não advém somente da igualdade diante das leis.
Ela é resultante da equidade, compreendida como a administração de
recompensas desiguais para situações desiguais, buscando recompor
a igualdade idealizada e não existente de fato. Para instituí-la, o
preceito de que todos são iguais perante a lei é relativizado. Se a lei,
em certas situações, trata igualmente quem carrega
desigualdades, ela não é justa, mas injusta. A justiça
se fará pelo tratamento desigual aplicado a desiguais.
O reconhecimento da equidade implica em justiça e
iguais direitos sociais, civis e políticos, bem como na
valorização da diversidade daquilo que particulariza
os diferentes grupos étnico-raciais que compõem a
população brasileira, o que requer mudanças nos
discursos e nas práticas ao referenciar e no modo de
tratar as pessoas nos diferentes espaços relacionais.
Essas mudanças exigem um processo de tomada de
consciência de professores e alunos ao inculcarem
o diálogo entre o Direito e a Educação em prol do
compromisso político com a autonomia dos sujeitos
(FREIRE, 1996) e ao respeito à diversidade sociocultural
brasileira.
Entendemos que a efetividade da Educação das
relações étnico-raciais não depende apenas da
produção normativa constitucional e infraconstitucional, da criação de norma
e leis que acabam por dar densidade ao ordenamento jurídico do país,
requerendo também que o Estado e a Sociedade busquem constantemente
sensibilizar e conscientizar sobre o aspecto político e jurídico da Educação
para a justiça com equidade. Em meio a isso, podemos problematizar, por
exemplo, a necessidade de por em prática conteúdos relativos à história e
a cultura afro-brasileiras que não fizeram parte da formação dos docentes,
na educação básica ou superior, tarefa árdua diante das ações e percepções
discriminatórias que mesmo os professores não conseguem enxergar e
minimizar nos ambientes da escola ou da universidade.
Não basta positivar o direito, ou seja, editar normas e leis, como a
10.639/2003, que alterou a LDB 9394/96 e tornou obrigatório o ensino
de conteúdos pertinentes ao afro-brasileiro e ao étnico-racial nas escolas,
mas é preciso entender o ser e a eficácia jurídica e social dos pressupostos
legais. Do nosso ponto de vista, tal entendimento seria possível na
consideração de uma abordagem reflexiva do dispositivo jurídico e sua
CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Autor: Everkley Magno Freire Tavares
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relação com uma perspectiva política da educação.
Neste sentido, a abordagem tridimensional do direito proposta por Reale
(2002) se faz oportuna, pois avalia as relações entre os pressupostos
factuais, axiológicos e normativos que integram os casos concretos.
Assim, o pressuposto factual é entendido como o fato e suas evidências,
sendo que todo fato é analisado à luz da previsão legal fixada na
Constituição Federal de 1988 e nas normas infraconstitucionais (Códigos
e Leis vigentes), ou seja, na consideração do pressuposto normativo para
a análise do fato.
Na proposta de Reale (2002), a relação entre o fato e a previsão legal
é problematizada em conjunto com o pressuposto axiológico, os valores
sociais constructos do consciente coletivo sobre a relação, considerando
o reprovável ou o aceitável socialmente. Aplica-se também numa
abordagem tridimensional do direito o pressuposto científico nos termos
de uma previsão das ciências afins ao caso concreto, articulando a teoria
necessária para a compreensão integral do fato em sua subsunção à
norma jurídica. Como exemplo de aplicação da tridimensionalidade aos
casos concretos, vejamos:

Caso Pressuposto Pressuposto Pressuposto


Factual Normativo Valorativo
Coordenação Falta de respeito Art. 215 da CF O fato coloca
Pedagógica da às expressões 88 – O Estado os seguintes
Escola X proíbe da cultura garantirá a todos questionamentos:
a capoeira afrodescendente. o pleno exercício qual a percepção da
como atividade dos direitos coordenação sobre a
do programa culturais e acesso capoeira?
Mais Educação. às fontes da cultura
A capoeira é uma
nacional, apoiará
representação
e incentivará a
cultural
valorização e
afrodescendente
a difusão das
que mistura esporte,
manifestações
luta, dança, música
culturais.
e cultura popular?

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
18
Diante do exposto, podemos perceber que a interpretação do direito
exige uma abordagem para além da mera relação de subsunção, ou
seja, do fato se adequando à norma. Em outras palavras, para um fato
ser considerado legal, é necessária a previsão da lei; este é o princípio
da legalidade. Queremos destacar, porém, que a perspectiva positivista
do direito , entendida apenas como a aplicação do ordenamento jurídico
ao fato, não substancializa o ideal de justiça com equidade para todos
os casos. Neste sentido e de acordo com o que estamos discutindo,
se exige uma interpretação à luz de outras fontes do direito. Uma
das fontes de destaque na atualidade são os princípios, entendidos
como premissas ou ideias fundamentais que constituem o núcleo
do ordenamento jurídico, auxiliando o intérprete a compreender os
condicionantes legais, constituídos em normas, leis, regras, decretos,
resoluções e medidas provisórias de um ordenamento.

As Funções dos Princípios


Preconceitos são
atitudes, ideias,
pensamentos
ou opiniões Há um entendimento no Campo da Ciência do Direito sobre a
desfavoráveis relevância dos princípios como fontes auxiliares da interpretação
que um indivíduo
dos condicionantes legais, principalmente diante da probabilidade de
ou grupo
demonstra de lacunas de sentido nos enunciados das leis vigentes. Os princípios
maneira emotiva são fontes integradoras no exercício de interpretação e argumentação
e categórica com
com base no direito positivo, principalmente quando se quer conhecer
relação a outro
indivíduo ou a essência da lei diante dos litígios. Para isso, buscamos apoio nos
grupo. princípios para o estabelecimento do ideal de justiça com equidade e
fundamentação técnica. Por exemplo, quando somos questionados ou
nos deparamos com situações que
ferem o respeito à diversidade
sociocultural, evidenciando práticas
preconceituosas, discriminatórias,
de racismo ou de injúria racial,
Banco de dados do NEaD

podemos aplicar os princípios para


uma decisão justa e legal.
Os princípios, que têm valor de
norma jurídica, formam as ideias
fundamentais por meio das quais se
estrutura o conteúdo das regras e

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
19
leis. Em outras palavras, concordamos com a ideia estabelecida pelo
neoconstitucionalismo de que os princípios são fontes auxiliares para
a interpretação e sustentação da argumentação jurídica. Sobre a
relevância dos princípios, Ávila (2006, p. 24-26) acrescenta:

Disponível em:
O decisivo, mesmo, é saber qual o modo mais seguro de <http://www.
garantir sua aplicação e sua efetividade. Ocorre que a planalto.gov.
aplicação do Direito depende precisamente de processos br/ccivil_03/
leis/2003/
discursivos e institucionais sem os quais ele não se torna l10.639.htm>.
realidade. A matéria bruta utilizada pelo intérprete – o Acesso em data
texto normativo ou dispositivo – constitui uma mera + mês abrevia-
possibilidade de Direito. A transformação dos textos do + ano.
normativos em normas jurídicas depende da construção
de conteúdos de sentido pelo próprio intérprete.
Esses conteúdos de sentido, em razão do dever de
fundamentação, precisam ser compreendidos por aqueles
que os manipulam, até mesmo como condição para que
possam ser compreendidos pelos seus destinatários. É
justamente por isso que cresce em importância a distinção
entre as categorias que o aplicador do Direito utiliza

A priori, a interpretação da lei exige o conhecimento do sentido


e da aplicação dos princípios fundamentais do direito, que estão
explícitos e implícitos nos textos e nos conteúdos normativos
postos na Constituição Federal 1988, na Lei 10.639/2003 e na
Lei 11.645/2008 , servindo como mediadores ou tipos ideais para a
interpretação objetiva dos casos concretos.
Vale acrescentar a necessidade que todo intérprete do direito tem de Disponível em:
conhecer integralmente o texto da lei diante dos fatos, tendo também <http://www.pla-
como fonte auxiliar os princípios fundamentais do direito para lidar com os nalto.gov.br/cci-
vil_03/_ato2007-
litígios no cotidiano, razão pela qual reconhecemos o papel e a relevância 2010/2008/lei/
dos princípios na construção de uma interpretação significativa dos casos l11645.htm>.
em litígio. Acesso em data
+ mês abreviado
Nessa direção, torna-se fundamental para o fazer dos professores uma + ano.
aprendizagem dos pressupostos científicos do Direito e o conhecimento
das leis mediadas pelos princípios fundamentais.
Os princípios possuem três funções que auxiliam na interpretação das leis,
a saber: a função fundamentadora; a função orientadora da interpretação
e a função de fonte subsidiária do direito, imperativos que estabelecem

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
20
a interpretação e a aplicação razoável das leis aos casos concretos. Além
disso, nos casos de omissão ou de lacunas da lei, bem como da falta de
previsão legal, podemos assumir posicionamentos em prol da justiça com
equidade com base nos princípios.
A função fundamentadora constitui, como o próprio nome sinaliza, a base
de validez da interpretação do direito positivo. Quando o legislador se
apresta a normatizar a realidade social, o faz tomando como referência
o tipo ideal postulado no princípio. Portanto, os princípios são as ideias
básicas que servem de fundamento ao direito positivo. Daí a relevância
de seu conhecimento para a interpretação do direito e como elemento
integrador nos casos das lacunas legais ou de omissões das leis. Os
princípios são as fontes máximas do direito e quanto mais o intérprete
estiver embasado no seu conhecimento, mais estará habilitado à
compreensão da norma e sua aplicação ao caso concreto. Na nossa
Carta Magna, vale destacar:

Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República


Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.

Podemos visualizar no conteúdo das normas constitucionais supracitadas


os princípios da liberdade, da solidariedade, da justiça, da igualdade
e da dignidade da pessoa humana como fundamentos do Estado
Democrático de Direito. Da mesma forma, ao compreender o conteúdo e
a aplicação dos princípios, maiores serão as probabilidades da efetividade
dos condicionantes legais que justificam a promoção da Educação das
Relações Étnico-raciais.
A função orientadora da interpretação desenvolvida pelos princípios
decorre logicamente de sua função fundamentadora do direito. Observa-
se, portanto, que as leis são fundamentadas nos princípios, devendo ser
interpretadas em conformidade com eles, que dão sentido às normas. Já
a função de fonte subsidiária do direito significa, em linhas gerais, que

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
21
nos casos de lacunas ou omissões dos dispositivos legais e normativos
devem ser aplicados os princípios.
A função de fonte subsidiária exercida pelos princípios não está em
contradição com sua função fundamentadora, mas, ao contrário, é
decorrência dela. De fato, a fonte formal do direito é a lei. Como, porém, a
lei funda-se nos princípios, estes servem como guia para a compreensão de
seu sentido (interpretação), e para o intérprete suprir a lacuna da lei, isto
é, como critério para o intérprete aplicar a norma ao caso concreto mesmo
sem a imposição legal a priori existente.
Para se revelarem os princípios que orientam e estruturam o preceito
normativo, vejamos o Artigo 26, parágrafo primeiro da Lei 10.639/2003:

§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput


deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do Brasil

O parágrafo traz em sua essência o princípio da alteridade, que hoje conta


com amplo reconhecimento jurídico e que, em seu sentido originário, o
antropológico, significa o reconhecimento da diversidade sociocultural.
Observa-se, portanto, que os princípios jurídicos orientam a aplicação
do direito e auxiliam na interpretação dos dispositivos constitucionais
e infraconstitucionais. O princípio da alteridade presente no art. 26
da Lei 10.639/2003 reivindica a necessidade de reconhecimento das
contribuições dos negros na formação da sociedade brasileira.
Nessa esteira, gostaríamos de alertar sobre a relevância da compreensão
dos sentidos e aplicações dos princípios na fundamentação da
interpretação, compreensão e explicação dos condicionantes legais para
a educação das relações étnico-raciais.

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
22
A Eficácia Constitucional

Além da compreensão
dos princípios para
a interpretação do
ordenamento jurídico,

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a avaliação da
eficácia das normas
constitucionais tornou-
se objeto de interesse
público e acadêmico,
pois a Constituição não
é um mero conjunto
de normas positivas,
mas o fundamento que dá coerência lógico-normativa a todo o sistema
infraconstitucional, demandando uma avaliação da eficácia de seus
dispositivos.
Avaliar a eficácia dos condicionantes legais é um imperativo diante da
necessidade de materialidade dos efeitos positivos da Lei na vida do
cidadão.
Assim sendo, a observância da eficácia é uma exigência para estudar
a efetividade ou o impacto social das normas constitucionais e
infraconstitucionais. Neste aspecto, reconhecemos que Silva (2001),
na obra “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, sistematizou o
assunto em várias abordagens acerca da aplicabilidade da norma nos
planos jurídicos, social e lógico, explicitando os conceitos de eficácia
e aplicabilidade em conexão com a ideia de execução do conteúdo da
norma tanto nos planos fático como lógico-normativo. Além disso, ele
resgata a classificação clássica que serve de referência para a discussão,
a saber: normas constitucionais de eficácia plena, normas constitucionais
de eficácia contida e normas constitucionais de eficácia limitada.
Antes de analisarmos a classificação das normas constitucionais quanto à
eficácia, cumpre ressaltar a distinção entre validade e eficácia.
• VALIDADE: A validade da norma é ponderada de acordo com o que
determina a Constituição Federal, fundando-se, portanto, na obediência
ao rito de sua produção pelo órgão competente, mediante procedimento
adequado previsto pela norma superior;

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
23
• EFICÁCIA JURÍDICA: A noção de eficácia jurídica consiste na aptidão da
norma para produzir os efeitos propostos no seu conteúdo, ou seja, de
produzir os efeitos jurídicos propostos inicialmente em sua redação.
A eficácia jurídica refere-se à capacidade da norma para produzir efeitos
no plano jurídico e formal. A norma de eficácia plena é aquela de imediata
aplicação porque possui todos os elementos e condições necessárias à
sua plena execução. Exemplo de normas constitucionais de eficácia plena
na CF/88 são: art. 1º, art. 2º, art. 14, art. 15 e o art. 44.
Já as normas de eficácia contida são aquelas para as quais o legislador
constitucional já normatizou suficientemente sobre o assunto, porém o
legislador infraconstitucional possui a faculdade de estabelecer restrições
adicionais. Nestes casos, os limites estão regulados pelas normas
constitucionais.
A terceira classificação, entendida como eficácia limitada ou programática,
apesar de não ter aplicação imediata, determina a direção básica, os
princípios e as finalidades que o legislador infraconstitucional deverá
seguir na aplicação da norma.
Com a questão da eficácia, caro educador, somos estimulados a pensar
a estrutura de sentido proposta pelo legislador e o alcance das leis
que fazem previsão sobre a Educação das Relações Étnico-Raciais.
O que se quer dizer com maior clareza é que do ponto de vista dos
condicionantes legais existem diferentes dispositivos constitucionais que
já promovem a educação integral e a formação cidadã sem demandar
legislação específica. Por outro lado, a existência de leis específicas,
como a 10.639/2003, reflete a necessidade de maior eficácia social de
dispositivos constitucionais.
A educação é um direito e dever de todos, sendo garantida por vários
condicionantes legais, a exemplo da própria Constituição Federal vigente.
No entanto, a sociedade brasileira é marcada pela desigualdade social
e discriminação no universo educacional e nas práticas educativas. Tal
constatação nos provoca, na condição de educadores, a diferenciar a
eficácia jurídica e social em termos do acesso e do gozo dos direitos
fundamentais e sociais garantidos na CF/88.

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
24
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um dos


princípios mais relevantes ao ordenamento jurídico
pátrio e ao Estado Democrático de Direito, o que
significa dizer que seu sentido, amplamente defendido
no Artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de
1988, reflete o amplo respeito aos direitos humanos
Banco de dados do NEaD

e fundamentais da pessoa, sem distinção de origem,


raça, sexo ou quaisquer formas de discriminação.
A dignidade da pessoa humana deve ser compreendida
como aquilo que ressalta as garantias ao desenvolvimento
integral da pessoa humana e promove a aceitação do
outro, do diferente, na plenitude de sua liberdade de
ser, pensar, sentir, criar e agir (BARCELLOS, 2008). O
princípio da dignidade da pessoa humana tem estreita
relação com os demais direitos fundamentais e sociais, estabelecendo
não somente o respeito entre Estado e sociedade, bem como entre os
integrantes desta, reciprocamente.
No que tange ao princípio da dignidade da pessoa humana e sua relação
com o direito, a educação das relações étnico-raciais lhe tem caráter
vinculado, tendo em vista que a dignidade humana é instituto apto a
promover a efetividade dos demais direitos humanos fundamentais,
principalmente os de caráter social, se é que se pode escaloná-los.
Neste sentido, a promoção de uma formação crítica e reflexiva do
educando para lidar com as questões da nossa identidade nacional torna-
se fundamental para o estabelecimento da função social da educação.
Sobre a dignidade, acrescenta Barcellos (2008, p. 29-30):

[...] as pessoas têm uma dignidade ontológica e devem


ter condições de existência compatíveis com essa
dignidade, aí se incluindo a liberdade de se desenvolverem
como indivíduos, a possibilidade de participarem das
deliberações coletivas, bem como condições materiais
que as livre da indignidade [...]

Tal como conceitua Barcellos (2008), a dignidade da pessoa humana


é entendida como condição para a plenitude do desenvolvimento das

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
25
capacidades e potencialidades humanas. Para tanto, é preciso minimizar
os impedimentos à expansão destas capacidades, ampliando, em
contrapartida, a autonomia e a participação ativa do sujeito de direitos. Este
entendimento também pode ser refletido à luz de diferentes documentos
jurídicos internacionais e pátrios: a dignidade como qualidade intrínseca
da personalidade e da condição humana.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada
pela Organização das Nações Unidas em 1948 , traz em seu artigo 1º
o seguinte: Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. Na Constituição Federal de 1988, observa-se: Todos são iguais
perante a lei [...]. A dignidade como princípio máximo do ordenamento
jurídico reforça que cada um e todos os homens e as mulheres, os quais
haverão de ser reconhecidos como sujeitos de direitos, nascem dotados
de liberdade e igualdade em dignidade de direitos. Ainda a este respeito,
a Constituição sustenta o objetivo de equilibrar uma situação desigual por
meio da igualdade de oportunidades.
Inicialmente, o preâmbulo da Constituição de 1988 indica a instituição do Disponível em:
<http://unesdoc.
Estado democrático visando a assegurar os direitos sociais e individuais, a unesco.org/images/
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, 0013/001394/
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, o que 139423por. pdf>.
Acesso em data
demonstra preocupação do constituinte com as discriminações sofridas + mês abreviado
pelas minorias sociais – minorias em termos de acesso aos direitos e à + ano.
justiça social.
Logo no início do texto constitucional, o art. 3º da Carta Magna institui
os objetivos fundamentais da República: a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização; a
redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
Isto significa dizer que o art. 3º, que institui os objetivos fundamentais da
República, deve ser interpretado conjuntamente com o art. 5º da Carta
Constitucional de 1988, o que permite a equidade no tratamento em favor
das minorias sociais. A Constituição traz outros dispositivos que de pronto
consagram a igualdade material, dentre os quais destacamos o artigo
7º, XX – da proteção do mercado de trabalho da mulher – e o artigo 37,
VIII, da reserva de percentual de vagas para pessoas com deficiência no
serviço público.
Ainda neste aspecto, vale lembrar que o artigo 170, que trata da instituição
da ordem econômica, também institui políticas de ação afirmativa, de tal
CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Autor: Everkley Magno Freire Tavares
26
modo que o inciso VIII prevê a redução das desigualdades regionais e
sociais, o que pode ser remetido ao inciso III do artigo 3º, ratificando
a intenção do constituinte em proporcionar uma vida digna e um bem
estar social, compreendidos como a satisfação dos direitos fundamentais
e sociais, contribuindo para o amplo desenvolvimento da pessoa humana
e sua inserção competitiva na sociedade.
Para o economista indiano Amartya Sen, nas obras “Desenvolvimento como
Liberdade” (2000) e “A ideia de Justiça” (2011), a noção de dignidade e
sua promoção ocorrem na extinção das privações de liberdade que inibem
o potencial humano. Para este autor, a dignidade aponta para no mínimo
dois aspectos com aproximações, porém distintos, a saber: aquele que
é inerente à pessoa, pelo simples fato de ser, nascer pessoa humana;
outro dirigido à vida das pessoas, à possibilidade e ao direito que têm as
pessoas de viver dignamente.
Deste modo, a dignidade consiste na eliminação das privações de
liberdade, que, por sua vez, limitam as escolhas e oportunidades que as
pessoas têm de exercer ponderadamente sua condição de agentes, isto é,
de sujeitos de direitos, com ação política autônoma e transformadora de
sua realidade. Conforme observa Sen (2000), entre as formas de privação
da liberdade que ferem a dignidade humana estão a pobreza, a tirania,
a carência de oportunidades econômicas, a exclusão social, baixo índice
de desenvolvimento humano (IDH) e a ausência de direitos e liberdades
democráticas.
A liberdade é uma condição essencial para a promoção do desenvolvimento
e da dignidade da pessoa humana. Nas palavras de Sen (2000, p. 10):

A expansão da liberdade é vista, por essa abordagem, como


o principal fim e o principal meio do desenvolvimento. O
desenvolvimento consiste na eliminação de privações de
liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das
pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente.

Refletindo junto com o autor, o processo de desenvolvimento se dá


no compartilhamento e integração de vários tipos de liberdade que se
complementam para reforçar a condição de agente que as pessoas detêm
– seu empoderamento. Uma sinergia que exige posição participativa dos
agentes e que estes não sejam apenas os beneficiados, mas que também
sejam sujeitos históricos dos processos e das políticas de desenvolvimento
e ações afirmativas. Neste ponto, as garantias de oportunidades

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
27
econômicas, as liberdades políticas, as facilidades sociais, as garantias
de transparência e a segurança protetora são estímulos que reforçam a
posição sinérgica dos agentes. Com isso, acreditamos que a expansão
das liberdades é uma forma de promover a dignidade da pessoa humana.
Esta reflexão pode ser entendida como uma crítica à noção tradicional
de desenvolvimento que equipara a noção de crescimento econômico
ao dinamismo do Produto Nacional Bruto (PNB) e do Produto Interno
Bruto (PIB), representados pela balança comercial, a industrialização e o
avanço tecnológico.
Amartya Sen, com esta perspectiva que vai além dos determinantes
formais e econômicos, adverte que o desenvolvimento não está apenas
nas oportunidades econômicas. Neste sentido, torna-se imperiosa
uma dimensão mais qualitativa do desenvolvimento, pois nem sempre
excelentes indicadores econômicos e sociais, do ponto de vista factual,
representam a felicidade e o desenvolvimento humano. Sobre a expansão
das liberdades, argumenta Sen (2000, p. 18):

O desenvolvimento requer que se removam as principais


fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania,
carência de oportunidades econômicas e destituição social
sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância
ou interferência excessiva de Estados repressivos. A
despeito de aumentos sem precedentes na opulência
global, o mundo atual nega liberdades elementares a um
grande número de pessoas – talvez até mesmo à maioria.
Às vezes, a ausência de liberdades substantivas relaciona-
se diretamente com a pobreza econômica, que rouba
das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma
nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a
oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de
ter acesso a água tratada ou saneamento básico. Em outros
casos, a privação de liberdade vincula-se estreitamente à
carência de serviços públicos e assistência social, como, por
exemplo, a ausência médica e educação ou de instituições
eficazes para a manutenção da paz e da ordem locais. Em
outros casos, a violação da liberdade resulta diretamente
de uma negação de liberdades políticas e civis por regimes
autoritários e de restrições impostas à liberdade de participar
da vida social, política e econômica da comunidade.

Sen (2000) adverte que a liberdade é essencial ao desenvolvimento


por duas razões: a razão avaliatória e a razão da eficácia. A primeira é
CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Autor: Everkley Magno Freire Tavares
28
uma avaliação de processo que acompanha o aumento das liberdades
individuais. A segunda significa que o desenvolvimento depende
fundamentalmente da livre condição dos agentes. Em outras palavras,
a liberdade está relacionada ao nível de engajamento, envolvimento e
pertencimento das pessoas.
Quando se trata de avaliar o desenvolvimento ou o impacto das políticas
afirmativas, é preciso considerar que as liberdades estão em um processo
de interação e complementaridade, sobre o qual Sen (2000, p. 19)
acrescenta:

A ligação entre liberdade individual e realização de


desenvolvimento social vai muito além da relação
constitutiva – por mais importante que ela seja. O que as
pessoas conseguem positivamente realizar é influenciado
por oportunidades econômicas, liberdades políticas,
poderes sociais e por condições habilitadoras, como boa
saúde, educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de
iniciativas. As disposições institucionais que proporcionam
essas oportunidades são ainda influenciadas pelo exercício
das liberdades das pessoas, mediante a liberdade para
participar da escolha social e da tomada de decisões
públicas que impelem o progresso dessas oportunidades

Observa-se diante do exposto que o desenvolvimento nos remete


ao exame das liberdades constitutivas, substantivas, institucionais,
sobretudo a liberdade das pessoas e a disposição das instituições em
promovê-las. As relações entre liberdades substantivas, entendidas como
as liberdades políticas unidas às liberdades institucionais, oportunidades
econômicas e suas relações são fundamentais para mensurar a proposta
de desenvolvimento enunciada pelo autor.
Com isso, a concretização da dignidade da pessoa humana se dá mediante
a promoção da expansão das liberdades e das capacidades humanas no
âmbito social e educacional. Junta-se a isso, na perspectiva seniana, que a
liberdade e a dignidade se vinculam ao processo de desenvolvimento por
duas razões: a razão avaliatória – indicando que a avaliação do progresso
das capacidades humanas deve ser feita verificando-se fundamentalmente
o aumento da liberdade das pessoas – e a razão da eficácia, que implica
na compreensão da razão desse progresso como dependente da livre

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
29
condição de agente das pessoas.
Por isso, garantir a liberdade de todos ao invés de uma minoria significa
agir no sentido de proporcionar oportunidades igualitárias, bem como
agir no intuito de compensar as diferenças surgidas historicamente.
Só um cidadão/agente será responsável pelo seu próprio bem estar e o das
pessoas que o cercam, cabendo aos atores sociais relevantes as decisões
das estratégias de desenvolvimento para o lugar onde eles vivem. Para
isto acontecer, é preciso que o Estado proporcione não só em discursos,
mas com ações efetivas, as condições que incentivem a mobilização e
participação destes agentes na tomada de decisão.
É preciso efetividade dos canais de participação direta da sociedade civil
no controle social das ações do Estado por meio de políticas afirmativas.
Nesse ponto, argumenta Sen (2000, p. 326): “Entre as liberdades
relevantes inclui-se a liberdade de agir como cidadão que tem sua
importância reconhecida e cujas opiniões são levadas em conta, em vez
de viver como vassalo bem alimentado, bem vestido e bem entretido”.
É necessária, portanto, uma ação política ativa por meio da qual os atores
sociais se afirmam como cidadãos participativos, discutindo, decidindo
e deliberando em prol do interesse coletivo, provocando sinergia ao
desenvolvimento e ao empoderamento dos sujeitos.

O princípio da igualdade e da liberdade

A igualdade e a liberdade são princípios fundamentais à dignidade


da pessoa humana. Dito isto, situamos as palavras de Bobbio (1997)
alertando-nos para o fato de que a liberdade é um valor do indivíduo em
face da sociedade, um estado. A igualdade, por sua vez, é um valor na
relação com o outro.
Afirmativamente, a igualdade e a liberdade no pensamento político
são valores fundamentais na constituição da cidadania, da justiça e da
democracia (ARENDT, 1991). Por outro lado, o mesmo Bobbio (1997)
adverte que é uma utopia considerar a existência nas sociedades
históricas daquela que foi composta de livres e iguais. A história revela
uma diversidade e uma desigualdade, a ponto de o autor afirmar que a
igualdade e a liberdade na sociedade contratual são relativas. Sobre a
relação entre estes valores e a democracia, escreve Bobbio (1997, p. 8):

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
30

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Liberdade e igualdade são os valores que servem de
fundamento à democracia. Entre as muitas definições
possíveis de democracia, uma delas – a que leva em
conta não só as regras do jogo, mas também os princípios
inspiradores – é a definição segundo a qual a democracia
é não tanto uma sociedade de livres e iguais (porque,
como disse, tal sociedade é apenas um ideal-limite), mas
uma sociedade regulada de tal modo que os indivíduos
que a compõem são mais livres e iguais do que em
qualquer outra forma de convivência. A maior ou menor
democraticidade de um regime se mede precisamente
pela maior ou menor liberdade de que desfrutam os
cidadãos e pela maior ou menor igualdade que existe
entre eles

A igualdade formal ou isonomia consiste no estabelecimento de tratamento


igualitário perante a lei, sem distinção social, princípio presente na
essência do Art. 5º da Constituição Federal de 1988, que ressalta: Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à segurança e a propriedade [...] (BRASIL,
2004, p. 15). Por outro lado, desde que se erigiu a propriedade privada
na história da humanidade também foram criadas as diferentes formas
de desigualdade social e de acesso aos direitos fundamentais e sociais.
O artigo 5º, em seu inciso I, reforça o princípio da igualdade formal e
material, o qual, aplicado à Educação das Relações Étnico-raciais, chama
a atenção para a necessidade de garantir e promover uma educação
em condições de igualdade, respeitando as especificidades culturais e
a contribuição dos afrodescendentes na formação do povo brasileiro e

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
31
da nossa identidade nacional, o que do ponto de vista fático denota a
necessidade dos professores e alunos evidenciarem nas instituições de
ensino brasileiras e na vida em sociedade a materialidade do direito à
igualdade.
Neste sentido, lembremos que o princípio da igualdade assinala a
necessidade de avaliar os diferentes direitos e deveres que constituem o
status social dos sujeitos, exigindo, desta forma, o tratamento dos iguais
como iguais e dos diferentes na medida de suas diferenças.
A liberdade como princípio, embora seja um valor individual e polissêmico,
consiste em fazer o que se deve e não o que se quer. A liberdade na
sociedade contratual exige a observação dos limites impostos pelo social
e pelo direito positivo substancializado no conjunto das leis do país.
Ao definir a liberdade como a capacidade que cada pessoa possui de
decidir e agir de forma que lhe agrada, somos provocados a colocar este
conceito sob o prisma da justiça. Desta forma, deve-se acrescentar que
a pessoa deverá respeitar os limites impostos por lei, o que implica em
assumir a ideia de liberdade como capacidade de fazer tudo aquilo que
não é proibido por lei. Desta forma, a lei permite o uso e não o abuso.
O direito à liberdade ou isegoria, em consonância com a legalidade, é
assegurado pelo Inciso II do art. 5º da CF/88, que prevê: ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei
(BRASIL, 2004, p. 15). Nenhuma pessoa poderá, então, ser obrigada a
fazer algo que não aceita ou, mais ainda, que fere sua identidade.
A liberdade de escolha e de ação possibilita à pessoa humana a liberdade
de orientação e de consciência, garantindo a cada pessoa o direito de
expressão das suas convicções de ordem ideológica ou filosófica. A
consciência não poderá ser controlada pelo Estado, até mesmo por causa
de sua natureza íntima, sendo o direito a exercê-la de interesse exclusivo
do indivíduo. A liberdade de consciência é de tamanha importância que
dela deriva a escusa de consciência.
Desta forma, alguém alegando convicções religiosas poderá se recusar a
manifestar expressões culturais contrárias à sua identidade ou não aceitar
formas padronizadas de comportamento que subjuguem sua identidade e
suas convicções étnico-raciais.
Por sua vez, a liberdade religiosa é assegurada em diferentes condicionantes
legais internacionais e nacionais. A Declaração Universal dos Direitos Humanos
defende a liberdade de opinião e religião, no seu art. 18, do seguinte modo:

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
32
Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; este direito inclui a liberdade de
mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar
essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo
culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em
público ou em particular

Esta liberdade consiste no direito concedido à pessoa de escolher livremente


a orientação religiosa a seguir. Estão envolvidos todos os aspectos
oriundos desta liberdade, como a prática religiosa e a manifestação de
suas convicções religiosas perante a sociedade. O limite dado a este
direito é o de não ferir os valores éticos e morais da sociedade, cabendo,
portanto, ao Estado fiscalizar o exercício dos direitos individuais para
compatibilizá-los com o bem comum.
Diferentemente da liberdade de pensamento, que atinge apenas o íntimo
da pessoa, a liberdade religiosa procura uma exposição, ou seja, a prática
religiosa envolve ritos e cerimônias que manifestam os pensamentos de
seus membros. Esta exposição poderá realizar-se em qualquer local,
durante todos os momentos da vida do indivíduo.
Por último, cabe lembrar que a Constituição Federal brasileira consagra
como direito fundamental a liberdade religiosa, considerando o Brasil um
país laico. Desse modo, o Estado deverá proporcionar aos cidadãos um
ambiente de respeito à diversidade e plena compreensão religiosa.

A alteridade como princípio

Quando reconhecemos e aceitamos a diversidade e respeitamos as


diferenças encontradas na sociedade, estamos usando a alteridade,
característica bem definida nas seguintes palavras: a alteridade é a
capacidade de se pôr no lugar do outro, imaginar exatamente como
seria ter vivenciado todas as experiências e aprendizados que levaram a
pessoa em tal momento a realizar tal ação. Evidentemente, não é uma
tarefa fácil se colocar no lugar do outro, o que exige uma consciência
política e cidadã que só a educação pode construir e reafirmar.
Uma sociedade marcada pela diversidade ou pluralidade
sociocultural exige cada vez mais do cidadão competente

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
33
uma percepção das diferenças de credo, cor, origem, cultura, gênero e
orientações sociais, bem como da contribuição histórica dos diferentes
grupos sociais para a formação da sociedade.
Desta forma, a noção antropológica de alteridade vem conquistando
espaço no campo principiológico da Ciência do Direito. A alteridade como
produto do choque entre o etnocentrismo e o relativismo, que reproduziram
historicamente diferentes valores e atitudes na sociedade brasileira, tem
contribuído para combater as posturas das pessoas que buscam impor sua
cultura e referenciais de mundo ao outro, a ponto de excluir e discriminar
o outro por suas diferenças. Esta atitude etnocêntrica segundo a qual um
avalia o outro considerando apenas sua cultura e valores como superiores
tem reproduzido diferentes formas de discriminação, injúria e preconceito.
No caso brasileiro, o etnocentrismo foi uma herança da
cultura lusitana, do colonizador que impôs aos outros
seus modelos culturais como ideais. E o outro, tomado

Banco de dados do NEaD


como o diferente, passou a ser vítima da exclusão.
Nas práticas etnocêntricas, não há elo de comunicação
com os diferentes; a sociabilidade e a socialização não
são construídas harmonicamente.
O relativismo foi uma visão cultural de mundo que se
opôs ao etnocentrismo, exigindo dos avaliadores maior
sensibilidade ao encarar o outro, o diferente de mim e o
diferente de nós. Essa postura na qual consideramos o
outro em suas especificidades culturais produziu maior
aceitabilidade nas relações humanas. Daí afirmarmos que o relativismo pode
produzir as condições para uma alteridade, que promove, por sua vez, o
valor inestimável do cuidado de si na relação com os outros, do saber ser e
conviver em um mundo marcado pela diversidade.
Os educadores devem fazer uso desta noção de alteridade, princípio por
meio do qual poderão visualizar a pluralidade cultural e de orientações sociais
não apenas do seu ponto de vista, mas sob a ótica do outro. Devemos,
portanto, levar em conta a dignidade da pessoa humana como bem moral e
espiritual coletivo, considerando a autonomia do ser humano em sua busca
de segurança contra a ação do outro e do respeito aos seus direitos.
Na perspectiva de Rawls (2008), a alteridade encontra respaldo na justiça
com equidade, ideal de justiça que reconhece a diversidade e a histórica
desigualdade social, tendo como orientação o tratamento dos iguais como
iguais e dos diferentes na medida de suas diferenças. A justiça com equidade

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
34
perante os condicionantes legais da Educação das Relações Étnico-raciais
nos chama a atenção para o direito de sermos iguais quando a lei nos
inferioriza e de sermos diferentes quando ela nos singulariza.

Pressupostos da Teoria Geral do Direito

A tridimensionalidade do direito de
Miguel Reale versus o Positivismo
Jurídico de Hans Kelsen

Interpretar a Lei

FATO VALOR NORMA

A EFICÁCIA OS
PRESSUPOSTO JURÍDICA E PRINCÍPIOS E
CIENTÍFICO SOCIAL AS SUAS
FUNÇÕES

O sujeito do
A Dignidade da
Conhecimento O ESTADO
Pessoa Humana.
possui autonomia DEMOCRÁTICO DE
Igualdade e
nos processos do DIREITO
Liberdade.
conhecimento.

O diálogo de
saberes.
O conhecimento
A alteridade e a
que possuímos e HIERARQUIA
necessitamos sobre Justiça com
DAS LEIS
os objetos dos equidade
nossos
questionamentos.

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
35

Atividades Avaliativas

PROPOSTA 1: Leia o texto básico, tendo à disposição para uso


imediato um dicionário. Consulte o mapa conceitual no fim de
cada unidade para a elaboração do check-list. Faça um fichamento
destacando os conceitos dos autores indicados pelo professor.
Também é importante anotar o sentido, a aplicação e a importância
dos conceitos trabalhados. Consulte as bibliografias básica e
complementar indicadas pelo professor e visualize o e-book
disponibilizado no ambiente virtual.

PROPOSTA 2: Responda às questões propostas:


a) Qual a relação entre o princípio da Dignidade da Pessoa Humana
e a promoção da Educação das Relações Étnico-raciais?

b) Explique a afirmativa da justiça com equidade do filósofo político


John Rawls (Apud Tavares, 2014).

A justiça não resulta automaticamente de qualquer igualdade


(equivalência entre as partes); e, concretamente, não advém somente
da igualdade diante das leis. Ela é resultante da equidade. Esta é a tese
de John Rawls, filósofo americano. Equidade é compreendida como a
administração de recompensas desiguais para situações desiguais. A
equidade busca recompor a igualdade idealizada e não existente de
fato. Para instituí-la, o preceito de que todos são iguais perante a lei
é relativizado. Se a lei, em certas situações, trata igualmente quem
carrega desigualdades, ela não é justa, mas injusta. A justiça se fará
pelo tratamento desigual aplicado a desiguais.

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
II CONDICIONANTES LEGAIS PARA A EDUCAÇÃO
DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: DA CF/88 AO
DECRETO Nº 4887, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003

Nesta unidade, você vai conhecer os condicionantes legais


presentes na CF/88 sobre a matéria da educação como um
direito social do cidadão e, em seguida, os condicionantes
legais infraconstitucionais acerca da Educação das
Relações Étnico-raciais. Verá que o diálogo entre o direito
e a educação é fundamental para a construção de uma
educação para a cidadania na sociedade democrática,
despertando a possibilidade de uma aprendizagem crítica
mais ajustada à sociedade dos direitos.
39

A Educação como Direito do Cidadão e Dever


do Estado: pressupostos constitucionais
UN 02

Ecoa como consenso social


que a educação é um direito de
todos. Entretanto, muitos não
compreendem propriamente o
significado dessa afirmação ou
em quais pressupostos ela se
baseia. De fato, legalmente ela o
www.joaonegrao.net

é, e mais do que acesso cobra-se


a qualidade da educação.
A educação na contemporaneidade
estimula saberes científicos numa
perspectiva multidisciplinar e
interdisciplinar em conexão com
os desafios do mundo do trabalho e de uma formação cidadã orientada
para o saber-saber, o saber fazer, o saber ser e o saber conviver no mundo Disponível em:
<http://unesdoc.
marcado pela diversidade (TAVARES & BEZEERRA, 2006). unesco.org/images/
0013/ 001394/
Em geral, muitas são as leis, tratados e políticas públicas que tratam das 139423por. pdf>.
garantias, acesso e participação de todos à educação. Como marco destes Acesso em
documentos, temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos data + mês
abreviado + ano.
(1948) , que apregoa tão logo em seu Art. 1º que “Todos os seres
humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos. Dotados de razão
e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade”. O art. 1º expressa os princípios da liberdade e da igualdade
como fundamentais para a humanidade. Desta forma, a garantia do direito
à educação a todos fundamenta-se na igualdade do acesso ao direito a
todos sem distinção. Consoante aos princípios postos no art. 1º e em
correlação com o direito à educação, a DUDH/1948 estipula no seu art. 26:

I – Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução


será gratuita, pelo menos nos graus elementares e
fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A
instrução técnica-profissional será acessível a todos, bem
como a instrução superior, está baseada no mérito.
CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Autor: Everkley Magno Freire Tavares
40
II – A instrução será orientada no sentido do pleno
desenvolvimento da personalidade humana e do
fortalecimento do respeito e pelos direitos humanos e
pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá
a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da
paz.
III – Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero
de instrução que será ministrada a seus filhos.

Refletindo sobre essas orientações, Huberman (Citado por Cury e


Ferreira, 2010, p. 126) enfatiza como o direito à educação diferencia-
se de outros direitos, como o direito à saúde ou ao socorro em caso de
catástrofe. Tais direitos só são usados quando necessário e seu uso é
facultativo. Para o autor:

Disponível em:
<http://www.
A educação, ao contrário, é, via de regra, obrigatória, e
planalto.gov.br/ as crianças não se encontram em condições de negociar
ccivil_03/leis/ as formas segundo as quais receberão. Paradoxalmente,
l8069.htm>. encontramo-nos assim diante de um direito que é, ao
Acesso em data
mesmo tempo, uma obrigação. O direito a ser dispensado
+ mês abreviado
+ ano. da educação, se esta fosse preferência da criança ou de
seus pais, não existe. Assim, ao direito de educar por parte
do Estado corresponde a obrigatoriedade escolar para
determinada camada da população infanto-juvenil

Embora o direito tenha antecedido historicamente a obrigatoriedade,


hoje eles estão interligados em sua existência. Vale ressaltar que essa
obrigatoriedade nas legislações é dever do Estado primeiramente quanto
à sua oferta, como também da família em matricular e acompanhar a
vida escolar do aluno, como vemos no Estatuto da Criança e Adolescente
(ECA) em seu Art. 129, V: ... “Obrigação de matricular o filho ou pupilo e
acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar”.
Moreira (2007, p. 83) enfatiza justamente essa realidade da educação
como interesse e responsabilidade de todos;

Deve-se ressaltar justamente que a educação não é um


direito cuja responsabilidade seja imposta exclusivamente

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
41
a um determinado órgão ou instituição. Na verdade, é
um direito que tem seu fundamento na ação do Estado,
mas que é compartilhado por todos, ou seja, pela família,
comunidade e sociedade em geral

Disponível em:
A Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990) foi outro <http://unesdoc.
documento significativo nas diretrizes para o ensino, como vemos em seu unesco.org/images/
Artigo 3o, que trata da universalização do acesso à educação e promoção da 0008/ 000862/
086291por. pdf>.
equidade: A educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças, Acesso em data
jovens e adultos. Para tanto, é necessário universalizá-la para reduzir as + mês abreviado +
desigualdades. ano.

Esse documento, assim como outros, serviu de norte para muitas outras
legislações no Brasil e no mundo, embora longo tenha sido (e ainda o é) o
processo de implementação da Educação como direito. Se considerarmos
os recônditos de nossa nação, veremos que existem muitos lugares onde
a lei existente não é aplicada, principalmente onde não foi proporcionada
instrução desde cedo e por isso mesmo perpetua-se um círculo vicioso de
desestímulo ao ensino escolar.
A Carta Magna brasileira fundamenta e ressalta
a relevância da Educação como direito de todos.
Contudo, até que se chegasse à positivação desse
Direito, demandou-se um processo histórico que
atravessou séculos de relativização do assunto.
Como forma de refletirmos a atualidade da
A título de ilustra-
constituição pátria no que concerne à educação ção de tal realidade,
como direito, citemos os estudos de Cury e Ferreira sugerimos a anima-
pt.wikipedia.org

(2010) analisando cada uma das constituições ção “Vida Maria”, de


Márcio Ramos. Pro-
brasileiras. Ao se referirem à Constituição Imperial duzido em computa-
de 1824, os autores mostram como à época a ção gráfica 3D e fi-
instrução pública era um direito apenas de parte nalizado em 35mm,
o curta-metragem
dos cidadãos – os escravos eram excluídos – e de 9 minutos mos-
que ainda assim, não era de forma obrigatória e tra personagens e
essencial. Ao longo dos anos e das legislações vigentes de cada época, cenários modelados
com texturas e co-
percebem-se avanços, mas somente na Constituição atual vislumbra-se res pesquisadas e
expressivo progresso no sentido de que a educação é considerada a uma capturadas no ser-
cidadania ativa e participativa, retomando-se a questão da obrigatoriedade tão cearense, no
nordeste do Brasil,
do ensino para todos. criando uma atmos-
fera realista e huma-
A Constituição atual, embora tenha passado por diversos complementos nizada.
(por meio de Emendas, principalmente) contemplou situações complexas.
CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Autor: Everkley Magno Freire Tavares
42
Ela possui um vasto raio de abrangência relacionado à educação, como
“autonomia das universidades (art. 207), da obrigação do Estado para com
a educação (art. 208), da organização do sistema de ensino (art. 209), da
aplicação dos recursos (art. 212), entre outros temas” (FERREIRA, 2010,
p. 35).
Disponível em: Historicamente, houve por parte do legislador interesse em temas
<http://www.
planalto.gov.br/
relacionados à educação, embora não com o mesmo enfoque ou sendo
ccivil_03/leis/ dada a mesma importância em meio a outros direitos. Moreira (2007, p.
l8069.htm>. 108) ressalta tal realidade em sua afirmação:
Acesso em data
+ mês abreviado
+ ano.
As nações civilizadas e democráticas têm como Lei Maior
uma Constituição, onde devem estar definidos os principais
direitos e deveres da sociedade. Assim, o Brasil, ao longo
de sua história, teve sete constituições. Passando ao largo
da questão política e das fases autoritárias e democráticas
que sacudiram a nação, a verdade é que sempre houve
uma preocupação, pelo menos na teoria, com as questões
educacionais

Nessa proposta, de sempre legislar a favor da educação para todos, vemos


como a Constituição Federal de 1988 teve seus princípios e comandos
relacionados à área (bem como outras) seguidos e detalhados em Leis
promulgadas posteriormente, como, por exemplo, o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) e a Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Dos artigos 53 a 55 na Lei de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente
- ECA) , o assunto é o direito à educação, ressaltando a questão do acesso,
gratuidade, permanência e obrigatoriedade do Estado na oferta do ensino
Disponível em: e da responsabilidade dos pais em relação à matrícula, seguindo até o art.
<portal.mec.gov.br/ 59 tratando de pesquisas e fomentos para um ensino de qualidade.
index.php? option=
com_docman A Lei de Diretrizes e Bases (1996) e outras que a sucederam tratam de
&task= doc>.
Acesso em data + modalidades específicas da educação e de uma variedade de necessidades
mês abreviado + relacionadas ao tema, inclusive a proposta de um Plano Nacional de
ano. Educação (PNE) , que deveria estar em sintonia com a Declaração Mundial
sobre Educação para Todos (art.87 § 1o). Nesse sentido, o Plano Nacional
de Educação (PNE) surgiu como uma proposta desde a Constituição
Brasileira de 1934, que em seu artigo 150 declarava ser da Competência
da União fixar o Plano Nacional de Educação, apresentando diretrizes e
metas governamentais na área da Educação. Entretanto, foi somente na
Constituição atual que o PNE passou a ser uma iniciativa aprovada por lei
CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Autor: Everkley Magno Freire Tavares
43
(antes era mais uma competência do Ministério da Educação e Cultura).
Assim está disposto no Art. 214:

A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração


decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de
educação em regime de colaboração e definir diretrizes,
objetivos, metas e estratégias de implementação para
assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino
em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio
de ações integradas dos poderes públicos das diferentes
esferas federativas que conduzam a: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.
VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos
públicos em educação como proporção do produto interno
bruto (Incluído pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

Como resolução mais recente, o Projeto de Lei no 8.035, de 2010, é a


aprovação do Plano Nacional de Educação de 2011 a 2024, com diretrizes
e metas específicas dirigidas ao ensino nos próximos anos.
Por meio desse sucinto panorama legal, percebemos que a maioria das
leis engloba propostas das mais diversas em relação à educação, sempre
interessadas em torná-la acessível a todos afim de que seja o que deve
ser: um instrumento de transformação. Por isso, ao pensá-la como direito,
dever ou obrigação, percebemos sua força como meio para a cidadania e
vida em comunidade. É deste modo que Ferreira (2010, p. 50) assevera:

Pensar na obrigatoriedade da educação básica é pensar no


desenvolvimento social, social e político do ser humano.
É pensar num país melhor. O desafio, no entanto, é
gigantesco em face das peculiaridades que envolvem o
tema. Para isso, todos são convocados: poder público,
família e sociedade

Pensar a educação na sua totalidade é pensar nas bases para se chegar


ao fim, pois como o supracitado autor mencionou, vislumbramos assim o
CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Autor: Everkley Magno Freire Tavares
44
desenvolvimento integral do ser humano. Porém, historicamente muitos
foram (e são) os percalços e descaminhos enfrentados para a implementação
das leis e de uma realidade do ensino de qualidade.
De forma geral, no Brasil acreditamos que a educação cumpre seu
propósito quando o aluno passa por todos os níveis de ensino, obtendo
Dados e as competências, habilidades e atitudes adequadas ao seu momento de
pesquisas
disponíveis em: formação. Tomemos como exemplo o investimento em pesquisas como o
<http://portal. IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que desde 2007
inep.gov.br/web/ avalia o fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações. Segundo
portal-ideb/o-que-
e-o-ideb>. Acesso os resultados das pesquisas do IDEB, o Brasil avança na obtenção das
em 23 fev. 2014. médias desejadas . Temos também números que comprovam a realidade
do acesso às universidades, avançando significativamente ano a ano.
O direito à educação é tratado na CF/88 como um direito social posto no
art. 6º dessa forma: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade
e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição
(EC Nº 26/2000) (BRASIL, 2004, p. 20). Com isso, devemos ter em mente
que a educação para a cidadania contribui diretamente para a formação
autônoma e emancipatória da pessoa humana na sociedade democrática e,
portanto, na constituição de um sujeito de direitos (BOBBIO, 2004).
O texto constitucional também contempla a educação como um direito
do cidadão e um dever do Estado, cuja responsabilidade é compartilhada
Disponível em:
com a sociedade a fim de promovê-la integralmente. A educação como
<http://noticias. direito é sistematizada na CF/88 nos seus artigos 205 ao 214, os quais
terra.com. citam os princípios para o ensino na Educação Básica - composta por
br/educacao/
censo-aponta-
educação infantil, ensino fundamental e ensino médio - bem como para a
aumento-de-4- Educação Superior. Estes artigos colocam em discussão e regulamentam os
nas-matriculas-do- princípios do ensino, a autonomia universitária, as competências da União,
ensino-superior-
em-2012,517d90
dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios sobre a organização e a
3850a02410VgnV gestão do ensino, além da criação específica de fundos públicos nacionais
CM20000099cce para o financiamento das políticas educacionais, ressaltando as diretrizes
b0aRCRD.html>.
Acesso em 23 fev.
nacionais para o ensino brasileiro (LENZA, 2014).
2014.
A CF/88 contempla no seu art. 206 os princípios universais para a gestão
pedagógica e andragógica do ensino:
O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios: (EC Nº 19/98).
I – igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola;

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
45
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, e
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos
oficiais;
V – valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na
forma da lei, planos de carreira para o magistério público,
com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente
por concurso público de provas e títulos;
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da
lei;
VII – garantia de padrão de qualidade (BRASIL, 2004, p.
121).

A relação entre a previsão constitucional e a efetividade do direito à


educação no Brasil reivindica um contínuo processo de autoavaliação das
instituições reguladoras, dos educadores e da sociedade civil, no intuito
de avaliar a universalização do ensino, o acesso e o acolhimento dos
alunos em respeito às suas especificidades. Tal contexto também implica
na definição de ambientes de aprendizagem pautados no diálogo franco
e no respeito às opiniões divergentes, na valorização dos profissionais da
educação, principalmente com políticas bem definidas de capacitação,
formação e qualificação de professores, além de políticas de reconhecimento
do desempenho e do mérito profissional dos educadores. Desse modo,
almejamos que a Escola e a Universidade sejam espelhos da gestão
democrática no conjunto dos seus processos organizacionais, elaborando,
portanto, políticas com foco na qualidade do ensino e no impacto positivo
da Educação na vida do cidadão.
A partir desse contexto apresentado pela CF/88, pode-se afirmar a
existência da preocupação com a autonomia nos processos de tomada
de decisão das instituições de ensino e que a prática educativa seja
permeada pela indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão,
respeitando a pluralidade das referências sociais e culturais. Assim, o
art. 7º especifica que “As universidades gozam de autonomia didática-
científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão
ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (EC nº
11/96) (BRASIL, 2004, p. 121).
O preceito constitucional nos conduz à reflexão sobre alguns pontos para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e a sua implementação na educação
CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Autor: Everkley Magno Freire Tavares
46
básica e superior. Primeiramente, devemos considerar que o processo de
formação dos educadores deve promover uma práxis educativa direcionada
à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Além disso, o
professor, como sujeito articulador desses processos formativos, precisa
refletir sobre as possibilidades de aprendizagem nos seus espaços de
atuação, estimulando a vontade de aprender pesquisando, confrontando
os saberes adquiridos fora de sala de aula com os saberes socializados na
escola e vivenciados pelos alunos nos seus espaços de vida. O professor
tem/terá a possibilidade de uma prática mais significativa do seu exercício
profissional, uma prática educativa construída e mediada pela leitura da
palavra e pela leitura do/sobre o mundo, uma aprendizagem por meio
da qual os saberes construídos pelos alunos e professores possam ser
socializados com os demais sujeitos da comunidade (FREIRE, 1996).
Para Freire (2012), a educação problematizadora se faz na capacidade
crítica e reflexiva por meio da qual o cidadão vai sentindo e percebendo
criticamente como está sendo no mundo em que se encontra, se questiona,
atua e transforma sua realidade. Ao possibilitar que os alunos desfrutem
dessa aprendizagem desde a educação básica fundamental, os professores
inculcarão as possibilidades de inovação educacional, uma nova realidade
educacional na qual evidenciaremos também uma Educação Superior
diferente em termos das aprendizagens e das atitudes dos alunos na
Universidade. A busca por aulas motivadoras encontra seu ponto de partida
nos diálogos de saberes entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Esse
diálogo precisa ser construído na Educação Básica e não é mérito exclusivo
da Educação Superior.
O educador Paulo Freire (1996, p. 16-7), na obra Pedagogia da autonomia,
afirma que saberes necessários à prática educativa nos fazem diferentes
provocações sobre a prática educativa e os processos de formação
educativa da autonomia dos educandos, além das formas de repensar a
ação e formação docentes:

O preparo científico do professor ou da professora deve


coincidir com sua retidão ética. É uma lástima qualquer
descompasso entre aquele e esta. Formação científica,
correção ética, respeito aos outros, coerência, capacidade
de viver e de aprender com o diferente, não permitir
que o nosso mal-estar pessoal ou a nossa antipatia com
relação ao outro nos façam acusá-lo do que não fez são
obrigações a cujo cumprimento devemos humilde mas
perseverantemente nos dedicar

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
47
De acordo com as palavras de Freire (1996), o professor deve ser um
facilitador da aprendizagem, ou seja, estimular a aprendizagem por meio
de relações entre o saber científico e a realidade do educando, tendo
como princípio ético orientador o cuidado de si na relação com os outros,
tão necessário às relações humanas e especialmente para a Educação na
contemporaneidade. Afinal, não há docente sem discente.
O docente incumbido da educação étnico-racial deverá cultivar a
sensibilidade para incentivar a Ciência com consciência, observando
também as contribuições das comunidades epistêmicas formadas por
professores e pesquisadores negros e os impactos de suas produções para
a Ciência no mundo e no Brasil.
O artigo que detalha o direito à Educação na CF/88 é o art. 208, formulado
nos seguintes termos:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante


a garantia de:
I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada,
Exemplos de
inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não comunidades:
tiverem acesso na idade própria; <http://www.abpn.
II – progressiva universalização do ensino médio gratuito; org.br/novo/>.
Acesso em
III – atendimento educacional especializado aos portadores data + mês
de deficiência, preferencialmente na rede regular de abreviado + ano.
ensino;
IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de
zero a seis anos de idade;
V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa
e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às
condições do educando;
VII – atendimento ao educando, no ensino fundamental,
através de programas suplementares de material didático-
escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito


público subjetivo;
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder
público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade
da autoridade competente.
§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
48
no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar,
junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola
(BRASIL, 2004, p. 122)

O caput do art. 208 traz a responsabilidade do Estado em promover a


educação gratuita e de qualidade. Esta responsabilidade do Estado
Democrático de Direito sintetiza a premissa sobre a importância de
garantir a todas as pessoas o acesso à educação, não excluindo ninguém e
possibilitando a ampla garantia da inclusão e do acolhimento. Desse modo,
o artigo apresenta o princípio da universalização do ensino.
A CF/88, em seu art. 210, também elenca a preocupação com o respeito à
diversidade sociocultural brasileira:

Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino


Sobre este fundamental, de maneira a assegurar formação básica
apontamento, comum e respeito aos valores culturais e artísticos,
recomendamos:
<http://www.
nacionais e regionais.
institutobuzios.org. § 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá
br/ documentos/ disciplina dos horários normais das escolas públicas de
CONVEN% C3%87%
ensino fundamental.
C3%83O%
20NACIONAL% 20 § 2º O ensino fundamental regular será ministrado em
DO% 20NEGRO% língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas
20PELA% também a utilização de suas línguas maternas e processos
20CONSTITUTINTE%
201986.pdf>. próprios de aprendizagem.

No entanto, há uma explícita lacuna na redação do citado artigo no sentido de


garantir o reconhecimento do negro como sujeito da história, identificando,
valorizando e respeitando seus processos históricos, culturais, religiosos e
artísticos de matriz africana, os quais contribuem no processo de afirmação
da identidade nacional.
Vale ressaltar que, por mais que tenha sido atuante o Movimento Negro
nas suas reivindicações e proposições durante a Assembleia Constituinte
da década de 1980, a Constituição Federal de 1988 não garantiu o amplo
reconhecimento das suas demandas, tratando de forma isonômica e
equiparada as especificidades , embora no texto constitucional possamos
visualizar o § 1º, do art. 242, que positiva: O ensino da História do Brasil
levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a
formação do povo brasileiro (BRASIL, 2004, p. 135), acrescentando na
matéria Cultural o art. 205, cuja redação prescreve:

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
49
O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará
e incentivará a valorização e a difusão das manifestações
culturais
§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas
populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros
grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas
de alta significação para os diferentes segmentos étnicos
nacionais (BRASIL, 2004, p. 124).

É preciso um exercício de interpretação contextualizada da Lei em face da


realidade, pois para muitas situações há uma distância entre a lei formulada
e o real. É nesse contexto que se apela para outras previsões constitucionais
quando da necessidade primeira de defesa do direito à educação, bem
como da sua eficácia jurídica e social.
O artigo 5º, inciso 1º, reforça o princípio constitucional da igualdade formal
e material. Este princípio aplicado à Educação das Relações Étnico-raciais
chama a atenção para a necessidade de garantir e promover uma educação
em condições de igualdade, respeitando as especificidades culturais e a
contribuição dos afrodescendentes na formação do povo brasileiro e da
nossa identidade nacional, o que do ponto de vista fático não estava em
evidência nas instituições de ensino brasileiras, tampouco na formação dos
professores.
A perspectiva de uma educação problematizadora adverte sobre a
necessidade de redefinição das práticas docentes em resposta à construção
histórica e à contribuição dos brancos, negros e índios na definição de nossa
identidade nacional, marcada pela miscigenação étnico-racial e, sobretudo,
pela negritude.
Ao discutir os conteúdos e eixos temáticos orientadores do ensino básico
e superior, os professores devem estar capacitados mediante o exercício
contínuo da pesquisa aplicada à realidade dos educandos para se fazer
inculcar um processo de consciência de classe em respeito à pluralidade
sociocultural e à negritude, destacando-se sobretudo o combate a toda
forma de discriminação e racismo no ambiente escolar e na sociedade em
geral.
Esta tomada de decisão política não é mérito exclusivo do Brasil, mas
fruto de entendimentos e do compromisso assumido pelo país em fóruns

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
50
internacionais em face de consensos políticos, discutidos, deliberados
decididos entre os países, bem como diante das reivindicações dos
movimentos sociais internos. O primeiro desses compromissos é a Convenção
sobre a luta contra a discriminação no campo do ensino, adotada em 15
de dezembro de 1960, pela Conferência Geral da Organização das Nações
Disponível em: Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a qual foi recepcionada pelo
<http://portal.
mj.gov.br/sedh/
Brasil por meio do Decreto nº 63.223, de 6 de setembro de 1968.
ct/legis_intern/
conv_discriminacao_ Nesse prisma, o Brasil é consignatário de acordos internacionais de
ensino.htm>. Acesso prevenção e combate ao racismo e a todas as formas de preconceito.
em data + mês Por exemplo: o Brasil assumiu compromisso em Durban, na África do
abreviado + ano.
Sul, durante a III Conferência Internacional contra o Racismo, Xenofobia
e outras intolerâncias Correlatas (2001), reforçando propostas de ações
afirmativas na educação nacional em conformidade com as resoluções da
Conferência .
O reconhecimento desses documentos no Plano Internacional foi de
suma importância, pois eles elevaram os direitos sociais à condição de
direitos humanos, dando-lhes universalidade e tornando obrigatório seu
cumprimento pelo Estado Democrático de Direito.

Veja-se, por
Veja-se, por exemplo,
exemplo, os os seguintes
seguintes parágrafos
parágrafos do do texto
texto do
do relatório
relatório fifinal
nal
da conferência: “128. Insta os Estados, se necessário,
da conferência: “128. Insta os Estados, se necessário, em cooperação em cooperação
com outras
com outras organizações
organizações pertinentes,
pertinentes, incluindo
incluindo organizações
organizações de de jovens,
jovens, aa
apoiarem e implementarem programas de educação pública
apoiarem e implementarem programas de educação pública formal e informal formal e informal
desenhadas para promover o respeito pela diversidade cultural;
desenhadas para promover o respeito pela diversidade cultural; 129. Insta 129. Insta os
os
Estados aa introduzirem
Estados introduzirem ee aa reforçarem,
reforçarem, se se necessário,
necessário, os os componentes
componentes anti- anti-
discriminatórios ee anti-racistas
discriminatórios anti-racistas nos
nos programas
programas de de direitos
direitos humanos
humanos nos nos currículos
currículos escolares
escolares
para desenvolverem e melhorarem o material didático, inclusive os livros de história ee outros
para desenvolverem e melhorarem o material didático, inclusive os livros de história outros
livros didáticos, e a assegurarem que todos os professores sejam bem formados
livros didáticos, e a assegurarem que todos os professores sejam bem formados e devidamente e devidamente
motivados para
motivados para moldar
moldar atitudes
atitudes ee padrões
padrões comportamentais
comportamentais baseados
baseados nos nos princípios
princípios da da não-
não-
discriminação, respeito e tolerância mútuos; 131. Insta os Estados a incentivarem
discriminação, respeito e tolerância mútuos; 131. Insta os Estados a incentivarem todas as todas as
escolas a considerarem o desenvolvimento de atividades educacionais,
escolas a considerarem o desenvolvimento de atividades educacionais, incluindo aquelas incluindo aquelas
extra-curriculares, para
extra-curriculares, para aumentarem
aumentarem aa conscientização
conscientização contra
contra oo racismo,
racismo, discriminação
discriminação racial,
racial,
xenofobia e intolerância correlata, inter alia, através da comemoração do Dia Internacional
xenofobia e intolerância correlata, inter alia, através da comemoração do Dia Internacional pela pela
Eliminação da Discriminação Racial (21 de março); 132. Recomenda aos Estados
Eliminação da Discriminação Racial (21 de março); 132. Recomenda aos Estados a introduzirem a introduzirem
ou reforçarem
ou reforçarem aa educação
educação em em direitos
direitos humanos,
humanos, visando
visando aoao combate
combate de de preconceitos
preconceitos que que
levam à discriminação racial e a promoverem o entendimento, a tolerância
levam à discriminação racial e a promoverem o entendimento, a tolerância e a amizade entre e a amizade entre
diferentes grupos
diferentes grupos raciais
raciais ou
ou étnicos
étnicos nas
nas escolas
escolas ee emem instituições
instituições de de ensino
ensino superior
superior ee aa
apoiarem os programas de educação formal e não-formal desenhados para promover oo respeito
apoiarem os programas de educação formal e não-formal desenhados para promover respeito
pela diversidade
pela diversidade cultural
cultural ee pela
pela auto-estima
auto-estima das das vítimas”.
vítimas”. Disponível
Disponível em: em:
<http://www.oas.org/dil/port/2001%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20
<http://www.oas.org/dil/port/2001%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20
e%20Programa%20de%20A%C3%A7%C3%A3o%20adotado%20pela%20
e%20Programa%20de%20A%C3%A7%C3%A3o%20adotado%20pela%20
Terceira%20Confer%C3%AAncia%20Mundial%20contra%20o%20Rac-
Terceira%20Confer%C3%AAncia%20Mundial%20contra%20o%20Rac-
ismo,%20Discrimina%C3%A7%C3%A3o%20Racial,%20Xenofobia%20
ismo,%20Discrimina%C3%A7%C3%A3o%20Racial,%20Xenofobia%20
e%20Formas%20Conexas%20de%20Intoler%C3%A2ncia.pdf>. Acesso
e%20Formas%20Conexas%20de%20Intoler%C3%A2ncia.pdf>. Acesso em em
data +
data + mês
mês abreviado
abreviado + + ano.
ano.

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
51
Com a evolução dos direitos ao longo da história humana, a dignidade
da pessoa humana vem sendo um fator primordial para a criação,
reconhecimento e concretização de direitos, não apenas no sentido dos
Estados como nação, mas também no sentindo de garantia universal desses
direitos (SARLET, 2012).
Diante do exposto, percebe-se que a dignidade da pessoa humana é um
valor imensurável e cabe ao Estado sua total garantia, não podendo ser
diminuído ou retirado, atribuindo à pessoa humana o usufruto de seus
direitos fundamentais e sociais.
Os diretos fundamentais ligam-se ao
princípio da dignidade da pessoa humana
ao garantir as condições mínimas de
existência, ao passo que os direitos
sociais estão atrelados à necessidade de
uma vida digna, concretizada no acesso
igualitário a direitos como a educação,
saúde, alimentação, moradia, entre outros.
Esses direitos diminuem as desigualdades

tvhumana.com
sociais e enaltecem a pessoa humana,
pois estabelecem um padrão de vida
igualitário entre a sociedade, garantindo a
melhoria de vida social ao garantir que a
pessoa humana individualmente pertença
ao padrão coletivo.
A tessitura política provocada pelos movimentos sociais nas três últimas
décadas produziu os lobbies necessários à atitude legislativa nacional e
multilateral ajustada ao reconhecimento da diversidade étnica, além das
contribuições históricas, artísticas, culturais, políticas e econômicas dos
negros para todos os Estados-nação. Dessa forma, a materialidade das
reivindicações e das leis produzidas pelo Brasil implica na gestão e avaliação
de políticas afirmativas para a promoção da Educação das Relações Étnico-
Raciais e combate a toda forma de discriminação e racismo.

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
52

Educação das Relações Étnico-Raciais:


pressupostos infraconstitucionais
UN 02

H
á uma extensa produção legislativa no tocante à matéria da Educação
das Relações Étnico-Raciais no Brasil, demandando por parte das
Instituições de Ensino, dos professores e da militância a avaliação da
eficácia social das leis no sentido de produzir efeitos positivos na vida do
Cidadão.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –


Lei 9.394, de 17 de dezembro de 1996.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi aprovada


Disponível em: como lei ordinária no Congresso Nacional, sancionada pelo presidente da
<http://portal. República em 20 de dezembro de 1996 e publicada no Diário Oficial da
mec.gov.br/
arquivos/pdf/
União em 23 de dezembro de 1996 (PINO, 2001, p. 19).
ldb.pdf>. Acesso
em data + mês Os princípios e fins a que se refere a LDB, de modo formal e explícito,
abreviado + ano. foram literalmente retomados do texto constitucional (artigos 205 a 214).
Estranhamente, o legislador não se preocupou em ampliar as conceituações
feitas, especificando e melhorando a significação desses princípios,
concretizando-os mediante o alcance dos efeitos das leis. Esse é o papel do
legislador ao elaborar leis complementares.
No tocante à Educação das Relações étnico-raciais, o art. 26-A da Lei
9.394/1996 sistematizou os indicativos do Ensino de conteúdos de História
e Cultura Afro-brasileira nos currículos do ensino fundamental e médio.
Porém, foi a Lei 10.639/2003 que normatizou a obrigatoriedade do ensino,
ao contemplar na sua redação:
Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,
oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre
História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1º - O conteúdo programático a que se refere o caput

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
53
deste artigo incluirá o estudo da história da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política, pertinentes à História do Brasil.
§ 2º - Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-
Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de
Literatura e História Brasileiras (LDB, 2006, p. 26. Redação
adaptada em face da Lei 10.639/2003).

atitudelgbtsocial.blogspot.com

A LDB foi um marco na diretriz nacional para a educação das Relações Étnico-
raciais e a partir dela novas demandas legais foram se estruturando para
dar conta da complexidade do fazer pedagógico diante das especificidades
do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana. Nessa perspectiva,
a LDB estimulou a necessidade de refletir os currículos das disciplinas, as
relações no ambiente escolar, a formação docente, os recursos materiais,
didáticos e pedagógicos. Além disso, como bem assevera Rocha (2011, p.
28), “o trabalho pedagógico com a temática racial pelo ensino da História e
da Cultura Afro-Brasileira e Africana, bem como a educação para as relações
étnico-raciais, está intimamente ligado à educação para a cidadania”.
Apresentaremos adiante normas infraconstitucionais que contemplam esse
desafio pedagógico e que são reflexos do intenso debate do Movimento
Negro em prol de uma educação formal que ressignifique as referências
afrodescendentes e africanas no conjunto das práticas pedagógicas.

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
54
A Lei 10.639/2003

É válido acrescentar que do ponto de vista infraconstitucional a Lei


10.639/2003 passou por revisão e foram acrescentadas modificações
Disponível em: à Lei 11.645/2008. Para comparação e avaliação, seguem o texto
<http://www. integral das supracitadas leis, seus objetivos e as principais inovações
planalto.gov.
br/ccivil_03/ legais para o currículo escolar.
leis/2003/l10.639.
htm>. Acesso
em data + mês
abreviado + ano. Ordenamento Infraconstitucional Interpretação Principiológica

Artigos 26-A da Lei 10.639/2003 Nos es- O princípio da alteridade.


tabelecimentos de ensino fundamental
e médio, oficiais e particulares, torna-se
obrigatório o ensino sobre história e cultu-
ra Afro-Brasileira.
§ 1º O conteúdo programático a que se
refere o caput deste artigo incluirá o es-
tudo da História da África e dos Africa-
nos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
negra brasileira e o negro na formação
da sociedade nacional, resgatando a con-
tribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à histó-
ria do Brasil;

Disponível em: § 2º Os conteúdos referentes à História e


http://www.
planalto.gov. Cultura Afro-Brasileira serão ministrados
br/ccivil_03/_ no âmbito de todo o currículo escolar, em
ato2007- especial nas áreas de Educação Artística
2010/2008/lei/ e de Literatura e História Brasileiras.
l11645.htm.
Acesso em data
+ mês abreviado
+ ano. Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o
dia 20 de novembro como Dia Nacional da
Consciência Negra.

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
55
Artigo 26-A da Lei 11.645/2008. Nos esta- O princípio da alteridade.
belecimentos de ensino fundamental e de
ensino médio, públicos e privados, torna-
-se obrigatório o estudo da história e cultu-
ra afro-brasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se
refere este artigo incluirá diversos aspectos
da história e da cultura que caracterizam a
formação da população brasileira, a partir
desses dois grupos étnicos, tais como o es-
tudo da história da África e dos africanos,
a luta dos negros e dos povos indígenas
no Brasil, a cultura negra e indígena bra-
sileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas
contribuições nas áreas social, econômica
e política, pertinentes à história do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à história e
cultura afro-brasileira e dos povos indíge-
nas brasileiros serão ministrados no âmbito
de todo o currículo escolar, em especial nas
áreas de educação artística e de literatura
e história brasileiras.

A principal modificação advinda com a Lei 10.639/2003 em relação à Lei


9.394/1996 ou LDB foi a obrigatoriedade da Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, de vez
que o texto da LDB não normatizava a obrigatoriedade em seu dispositivo.
Foi graças à Lei 10.639/2003 que se materializou a questão da educação
das relações étnico-raciais como um dever do Estado e da sociedade diante
da necessidade de um novo projeto civilizador brasileiro, onde a questão do
respeito às raízes e matrizes culturais, religiosas, econômicas, históricas e
sociais dos negros na construção da sociedade brasileira fosse reconhecida
não como uma questão de tolerância, mas de justiça com equidade.
A Lei 10.639/2003 é amplamente reconhecida como política afirmativa do
Estado Democrático de Direito que busca humanizar as relações entre as
pessoas negras e não negras, tendo como princípio orientador a alteridade.
Seu objetivo é a promoção de uma educação direcionada ao reconhecimento

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
56
da pluralidade étnico-racial presente na sociedade brasileira, o que perpassa
necessariamente o estudo da História da África como ponto de partida para
a história brasileira e da humanidade.

Disponível em: O Parecer CNE/CP Nº 03/2004, a Resolução CNE/CP


<http://portal.
mec.gov.br/cne/ Nº 01/2004 e o Plano Nacional para a implementação
arquivos/pdf/003.
pdf>. Acesso das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
em data + mês
abreviado + ano.
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

É importante observar que o Parecer do Conselho Nacional de Educação/


Conselho Pleno – CNE/CP 03/2004, de 10 de março de 2004,
e a Resolução do Conselho Nacional de Educação/ Conselho Pleno
CNE/CP Nº 01, de 17 de junho de 2004 , sintetizam as diretrizes nacionais
para a oferta de uma educação crítica e reflexiva, em especial aos alunos negros,
no sentido de reforçar sua identidade, o sentimento de pertencimento ao seu
grupo e sobre si mesmos, estimulando a conscientização de classe e o sentimento
de negritude. Sobre esta síntese, podemos visualizar no texto do parecer:

Pedagogias de combate ao racismo e à discriminação


elaboradas com o objetivo de educação das relações étnico-
raciais positivas têm como objetivo fortalecer entre negros
e despertar entre os brancos a consciência negra. Entre
os negros poderão oferecer conhecimentos e segurança
Disponível em:
<http://www. para orgulharem-se de sua origem africana; para os
prograd.ufba.br/ brancos poderão permitir que identifiquem as influências,
Arquivos/CPC/ a contribuição, a participação e a importância da história
res012004.pdf>. e da cultura do negro no seu jeito de ser, viver, de se
Acesso em data
+ mês abreviado
relacionar com as outras pessoas, notadamente as negras.
+ ano. Também farão parte de um projeto de reconhecimento, por
parte do Estado, da sociedade e da escola, da dívida social
que têm em relação ao segmento negro da população,
possibilitando uma tomada de posição explícita contra o
racismo e a discriminação racial e a construção de ações
afirmativas nos diferentes níveis de ensino da educação
brasileira (p. 238)

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
57
Entende-se do exposto que as principais competências, habilidades e
atitudes a serem promovidas com a Educação das Relações Étnico-Raciais
são: entender o etnocentrismo presente no imaginário social e nas práticas
culturais de professores e alunos; compreender o processo de formação
da consciência de classe proposta pelo movimento negro brasileiro, além
de redefinir as sociabilidades nos ambientes organizacionais para inculcar
e produzir novos padrões de relacionamento baseados no respeito mútuo
entre brancos e negros no Brasil.
O parecer e a resolução se complementam na seguinte ordem, ao
entendermos primeiramente que o parecer, como documento de análise
técnica e jurídica, aponta as recomendações referentes à eficácia de uma
matéria relevante em apreciação pelas câmaras técnicas e a resolução
é um documento que decide e delibera um ato. Assim sendo, o CNE/CP
se manifestou com o intuito de elaborar as diretrizes nacionais em face
das demandas apresentadas pelo movimento negro, as quais convergem
para os desafios da implementação e do impacto desejados na educação
brasileira com a Lei 10.639/2003.
A base legal na qual se estrutura o parecer tem fundamentação constitucional
e infraconstitucional, ou seja, condicionantes legais para a educação e a
educação das relações étnico-raciais previstos da Constituição Federal de
1988, bem como em outras leis vigentes pós-constituição e que podem
ser referenciadas desde a Lei 9.394/1996 – LDB e a Lei 10.639/2003. Sua
principal inovação está em especificar as principais questões para produzir
os meios para a efetividade das leis anteriormente promulgadas.
O objetivo central do parecer é a sistematização de uma política curricular
ajustada à realidade dos educandos negros, principalmente na seara da
valorização da identidade negra e, consequentemente, do tratamento de
sua identidade na educação formal no conjunto das práticas docentes,
recursos didáticos, metodológicos e na produção do conhecimento.
Nesse contexto, o parecer é estabelecido mediante o consenso político de
afirmação de políticas de reparações, de reconhecimento e valorização de
ações afirmativas para a população negra, as quais, ao serem abordadas sob
perspectiva de uma educação problematizadora, demandam a redefinição
das práticas docentes em resposta à construção histórica e à contribuição
dos brancos, negros e índios na definição de nossa identidade nacional,
marcada pela miscigenação étnico-racial e negritude, pois não podemos
em hipótese alguma explicar a história brasileira pelo viés eurocêntrico
da colonização.

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
58
Ao discutir os conteúdos e eixos temáticos orientadores do ensino básico
e superior, os professores devem estar capacitados mediante o exercício
contínuo da pesquisa adequada à realidade dos educandos para se fazer
inculcar um processo de tomada de consciência de classe e de respeito à
pluralidade sociocultural. Neste âmbito, um dos pontos mais comuns de
contestação, seja por parte dos professores ou dos alunos, é a falta de
sensibilidade para ressignificar as ações de identificação étnico-racial dos
referenciais africanos e afro-brasileiros no seio da sociedade e nas suas
territorialidades. Sobre este ponto, podemos visualizar como exemplo de
preocupação no plano infraconstitucional e nas proposituras de projetos de
Lei para a discussão da Educação das Relações Étnico-Raciais, o Projeto de
Lei nº 1.332, de 1983, que já dispunha acerca do tratamento isonômico
do ensino das questões étnico-raciais. Vejamos o texto do artigo 8º e sua
propositura para o ensino de História e Cultura Afro-brasileiras:

Art. 8º. O Ministério da Educação e Cultura, bem como


as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação,
conjuntamente com representantes das entidades negras
e com intelectuais negros comprovadamente engajados
na matéria, estudarão e implementarão modificações nos
currículos escolares e acadêmicos, em todos os níveis
(primário, secundário, superior e de pós-graduação), no
sentido de:
I – Incorporar ao conteúdo dos cursos de História brasileira
o ensino das contribuições positivas dos africanos e seus
descendentes à civilização brasileira, sua resistência
contra a escravidão, sua organização e ação (a nível
social, econômica e política) através dos quilombos, sua
luta contra o racismo no período pós-abolição;
II – Incorporar ao conteúdo dos cursos de História Geral
e ensino das contribuições positivas das civilizações
africanas, particularmente seus avanços tecnológicos e
culturais antes da invasão europeia do continente africano;
III – Incorporar ao conteúdo dos cursos optativos de
estudos religiosos o ensino dos conceitos espirituais,
filosóficos e epistemológicos das religiões de origem
africana (candomblé, umbanda, macumba, xangô, tambor
de minas, batuque, etc.);
IV – Eliminar de todos os currículos referências ao africano
como “um povo apto para a escravidão”, “submisso” e
outras qualificações pejorativas;

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
59
V – Eliminar a utilização de cartilhas ou livros escolares
que apresentem o negro de forma preconceituosa ou
estereotipada;
VI – Incorporar ao material de ensino primário e secundário
a apresentação gráfica da família negra de maneira que a
criança negra venha a se ver, a si mesma e a sua família,
retratadas de maneira igualmente positiva àquela que se
vê retratada a criança branca;
VII – Agregar ao ensino das línguas estrangeiras europeias,
em todos os níveis em que são ensinadas, o ensino de
línguas africanas (yorubá ou kiswahili) em regime opcional;
VIII – Incentivar e apoiar a criação de Departamentos,
Centros ou Institutos de Estudos e/ou Pesquisas Africanos
e Afro-brasileiros, como parte integral e normal da
estrutura universitária, particularmente nas universidades
federais e estaduais.

O referido projeto de lei apresenta uma sensibilização para a questão da


Educação das Relações Étnico-raciais anterior à Constituição Federal de 1988,
bem à Lei nº 10.639/2003 e sua regulamentação com o parecer 03, de 2004,
do CNE. Observa-se diante dos condicionantes legais apresentados no Projeto
de Lei 1.332/1983 que a formação de professores ou a constituição de um
coletivo criativo de pesquisadores e professores vocacionados à questão do
ensino de história e cultura afro-brasileiras e à promoção da educação nos
diferentes níveis de ensino é um debate antigo e uma demanda histórica,
principalmente do Movimento Negro Nacional e da sociedade civil, provocando
a publicização da demanda social e sua positivação perante o Direito.
Cabe ressaltar que o referido projeto de Lei se encontra arquivado desde
1989 e nos referimos a ele neste momento para ilustrar as discussões sobre
Educação para as Relações Étnico-Raciais sob o enfoque dos textos legais, bem
como para apontar as evidências de uma luta constante de reivindicações e
produções legislativas que em cada contexto histórico demanda uma revisão
dos seus efeitos e alcances. Nesse ponto, os professores, como formadores
de opinião, precisam inculcar a necessidade de leitura contínua dos textos
legais que fundamentam e orientam suas práticas educativas, um incentivo
diante da necessidade de maior sistematização das diretrizes nacionais.
Ao fim, para possibilitar a aprendizagem sobre os valores da pluralidade
sociocultural e da igualdade no ensino, se faz obrigatória a leitura dos textos
legais em prol do respeito aos capitais culturais dos grupos sociais que
contribuíram no processo de formação do povo brasileiro e sobre a diáspora.

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
60
Uma das inovações apresentadas pela Resolução do CNE/CP 01/2004 foi
contemplar no parágrafo primeiro do art. 1º a inclusão da Educação das
Relações Étnico-Raciais, seja como disciplina específica ou tema transversal
nas disciplinas afins, além de estimular ações de pesquisa, extensão e
divulgação científica em consonância com a temática, bem como de definição
dos seus Projetos Políticos Pedagógicos por Curso e de definir políticas
afirmativas no conjunto das ações das Instituições de Ensino Superior.
O Conselho Nacional de Educação, por meio dos citados parecer e resolução,
contribui para o processo de revisão da política curricular brasileira por
meio do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o ensino de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana, além de apresentar no conjunto
das ações as competências dos entes federados, ou seja, dos Estados,
Municípios, União e Distrito Federal na implementação e regulamentação
da Lei 10.639/2003.
Disponível em:
<http://www. Com o Plano Nacional, o MEC, através das suas secretarias especializadas,
planalto.gov. tem como foco estratégico seis eixos orientadores: fortalecimento do marco
br/ccivil_03/
decreto/2003/
legal, política de formação para gestores e profissionais da educação,
D4887.htm>. política para o material didático e paradidático, gestão democrática e
Acesso em: mecanismos de participação social, avaliação e monitoramento, além das
18 set 2014.
condições institucionais.

O Decreto nº 4887, de 20 de novembro de 2003,


e a Resolução Nº 8, de 20 de novembro de 2012

Uma das reivindicações dos grupos indígenas, comunidades quilombolas


e das populações tradicionais mais pujantes no cenário da agenda pública
nacional nas duas últimas décadas é o reconhecimento de sua identidade
e a posse da terra, dimensões socialmente reconhecidas para a afirmação
do seu desenvolvimento e sentimento de pertencimento ao espaço de vida
e de ressignificação das suas referências étnico-raciais.
A partir das reivindicações dos movimentos sociais quanto à identificação, ao
reconhecimento, à delimitação, à demarcação e à titulação da propriedade
definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos
quilombos, é positivado o Decreto Nº 4.887, de 20 de novembro de 2003 ,
com o intuito principal de promover a titularidade da terra aos remanescentes.
CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Autor: Everkley Magno Freire Tavares
61
A experiência docente no campo da Educação para as Relações Étnico-
Raciais tem apresentado que esta é uma das áreas mais sensíveis diante do
descaso por parte das Instituições do Estado na promoção dos direitos aos
afro-brasileiros remanescentes de comunidades quilombolas, sobretudo na
redefinição de paradigmas que muitas vezes orientam os professores a
desenvolverem ações nas comunidades sem pensar a própria comunidade.
Um exercício de repensar as práticas educativas no sentido de uma
continuidade e não somente ações pontuais de um estranho no ninho, que
observa, chega, sai e pouco participa ou transforma.
No sentido de complementaridade ao Decreto Nº 4887/2003, há também
a Resolução Nº 8, de 20 de novembro de 2012, que trata das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na
Educação Básica , que avança em sua eficácia ao positivar claramente as
orientações para a Educação Escolar Quilombola, ao estabelecer no Art. 1º,
parágrafo primeiro da Resolução as seguintes competências e habilidades:

Art. 1º Ficam estabelecidas Diretrizes Curriculares Nacionais Ver o texto na


íntegra disponível
para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica, em: <http://
na Forma desta Resolução. etnicoracial.mec.
§1º A Educação Escolar Quilombola na Educação Básica: gov.br/images/pdf/
resolucao_8_201112.
I – Organiza precipuamente o ensino ministrado nas pdf>. Acesso em:
instituições educacionais fundamentando-se, informando- 19 set. 2014.
se e alimentando-se:
a) da memória coletiva;
b) das línguas reminiscentes;
c) dos marcos civilizatórios;
d) das práticas culturais;
e) das tecnologias e formas de produção do trabalho;
f) dos acervos e repertórios orais;
g) dos festejos, usos, tradições e demais elementos
que conformam o patrimônio cultural das comunidades
quilombolas de todo o país;
h) da territorialidade.

Para finalizar, e no sentido de abrir novas discussões, precisamos entender


que esta nova agenda curricular também exige revisões profundas nos
livros didáticos, silentes sobre essas questões, reprodutores do racismo e da
imagem subordinada da população negra diante do paradigma eurocêntrico.
Evidentemente, esses estudos produzem impacto na formação, na subjetividade

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
62
e na identidade dos educandos, além de permitir que se amplie sua visão de
mundo e do outro, sobretudo como sujeitos do processo educacional. Dessa
forma, devemos entender que os textos legais apresentados e discutidos são
marcos que estimularão a cultura antirracista no Brasil.

Condicionantes Legais para a Educação


das Relações Étnico-Raciais

A educação como um direito do


cidadão e dever do Estado e a
Educação das Relações Étnico-Raciais.

Pressupostos Constitucionais

Convenções A Constituição Normas


Internacionais Federal de 1988 Infraconstitucionais

A Declaração
Universal dos A educação como
Direitos Humanos direito social A Lei 9.394/1996 -
(1948) art. 6º da CF/88 LDB

A Lei 10.639/2003.
A Declaração A Lei 11.645/2008
Mundial sobre Normas O Parecer CNE/CP
Educação para Constitucionais Nº 03/2004
Todos (1990) A Resolução CNE/CP
Nº 01/2004
Plano Nacional

III Conferência O Decreto nº 4887,


Internacional contra de 20 de novembro de
Artigos 205 a 214
o Racismo, Xenofobia 2003, e a Resolução
da CF/88
e outras intolerâncias Nº 8, de 20 de
Correlatas (2001) novembro de 2012

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
63

Atividades Avaliativas

PROPOSTA 1: Responda a seguinte questão:

A Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, inclui no currículo dos


estabelecimentos de ensino fundamental e médio, publico e
particulares, a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e determina que o conteúdo programático incluirá o
estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do Brasil, além de instituir,
no calendário escolar, o dia 20 de novembro como data comemorativa
do “Dia da Consciência Negra”. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 27 jul. 2010 (adaptado).

A referida lei representa um avanço não só para a educação nacional,


mas para a sociedade brasileira, por que:
a) Legitima o ensino das ciências humanas nas escolas.
b) Divulga conhecimentos para a população afro-brasileira.
c) Reforça a concepção etnocêntrica sobre a África e sua cultura.
d) Garante aos afrodescendentes igualdade no acesso à educação.
e) Impulsiona o reconhecimento da pluralidade étnico-racial do país.
Com base na compreensão principiológica do Direito, justifique a
alternativa escolhida, argumentando em no mínimo 15 linhas. (Nota
da Atividade 1,0 ponto)

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
64

PROPOSTA 2: Para avaliar o conhecimento e aplicação da Lei 10.639/2003


por gestores e profissionais da educação da sua área de atuação profissional
ou de militância. Desenvolva um roteiro de entrevista com 8 questões, duas
questões para cada eixo analítico com base nos dispositivos da Lei, a saber:
• Primeiro Eixo: Qual o nível de conhecimento sobre a Lei?
• Segundo Eixo: Quais são as práticas educativas desenvolvidas para a
implementação da Lei?
• Terceiro Eixo: Quais são os recursos didáticos e paradidáticos
disponibilizados pela Escola?
• Quarto eixo: Quais os principais desafios na prática da Educação das
Relações Étnico-raciais?
Para a realização da entrevista é preciso identificar dois atores relevantes,
explicar a natureza e os fins do trabalho, com o intuito de contar com a
contribuição dos mesmos. A entrevista deverá ser gravada, transcrita e
analisada conforme modelo a ser socializado pelo professor por meio do
Moodle. Os participantes da entrevista (o entrevistador/os entrevistados)
irão assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE para a
devida utilização das informações em futuros trabalhos acadêmicos e de
pesquisa.

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
65

Referências Bibliográficas

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constitucionais: o princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
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Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Contém as emendas constitucionais
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Pontos de vista impopulares. Porto Alegre: Penso, 2014.
CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre:
Fabris, 1988.
CURY, Carlos Roberto Jamil & FERREIRA, Luiz Antonio Miguel. Obrigatoriedade
da Educação das crianças e adolescentes: uma questão de oferta ou de
efetivo atendimento? Nuances: estudos sobre Educação. Ano XVII, v. 17, n.
18, p. 124-145, jan./dez. 2010,
FERREIRA. Luiz Antonio Miguel. Temas de direito à educação. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Escola Superior do Ministério
Público, 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2009
_____. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 18º ed. São Paulo:
Saraiva, 2014.

CONDICIONANTES LEGAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Autor: Everkley Magno Freire Tavares
MOREIRA, Orlando Rochadel. Políticas Públicas e direito à educação.
Belo Horizonte: Fórum,2007.
MOTTA, Íride Luiza de Oliveira Murari. Dificuldades na escrita de alunos
de ensino superior: uma análise das narrativas escritas dos alunos
da Faculdade Eduvale. Disponível em: http://www.eduvalesl.edu.br/site/
edicao/edicao-27.pdf > acesso em 18 de abril de 2014.
RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
RELATÓRIO DA UNESCO. Os quatro pilares da educação. In: Jacques
Delors – Educação: um tesouro a descobrir. 4ª ed. São Paulo; Cortez, Brasília-
DF: MEC: UNESCO, p. 89-101, 2000.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. Educação das Relações Étnico-
raciais: pensando referenciais para a organização da prática
pedagógica. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2011.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos
Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9ª ed. Porto Alegre –
RS: Livraria do Advogado, 2012.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
______. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5.
ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.
SYSS, Ahyas (Org.). Diversidade étnico-racial e educação superior
brasileira: experiências de intervenção. Rio de Janeiro: Quartet, 2008.
TAVARES, Everkley Magno Freire. Gestão participativa e políticas públicas:
uma avaliação do PRONAF. Mossoró, RN: Sarau das Letras, 2011.
TAVARES, Everkley Magno Freire. Condicionantes Legais para a Educação das
Relações Étnico-raciais . Mossoró-RN: EdUfersa ano.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

TAVARES, Everkley Magno Freire & BEZERRA, Gilvanete Correa.


Interdisciplinaridade: uma concepção emergente no Ensino Superior do
Direito. Revista Direito e Liberdade, Natal, v. 3, n. 1, p. 231-240, set.
2006 (ISSN – 1809-3280).
ANOTAÇÕES
ANOTAÇÕES
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Campus Leste da UFERSA
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Formato: 20cm x 24,5cm
Capa: Couchê, plastificada, alceado e grampeado
Papel: Couchê liso
Número de páginas: 72
Tiragem: 400
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