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Estratégias para Gerir esta Pandemia 

 
Hoje foi a nossa última live da sequência de lives “Estratégias para Gerir 
esta Pandemia”. 
 
O convidado de hoje é o Marco Filipe Simão Martins e vai dar-nos algumas 
dicas de como podemos reagir em momentos de crise. 
 
O Marco iniciou os estudos académicos na Escola Josefa de Óbidos, 
completando o ensino secundário na Escola Rafael Bordalo Pinheiro em 
Caldas da Rainha. No ano de 2007 inicia a licenciatura em Engenharia da 
Proteção Civil no Instituto Superior de Educação e Ciências em Lisboa, 
concluindo-a em 2010, estando presentemente a finalizar um mestrado em 
Riscos e Proteção Civil. 
 
No ano de 2008 transita da ENB para a Força Especial de Bombeiros (FEB) 
para exercer funções de adjunto de operações até Fevereiro de 2013. Entre 
outras funções foi responsável por superintender toda a atividade da FEB 
no âmbito operacional, assegurando em permanência o funcionamento das 
operações adstritas às missões da FEB. Na vertente operacional esteve 
presente na missão de cooperação internacional no Haiti no ano de 2010. 
 
Entre 01 de Março de 2013 e 31 de Maio de 2017 exerceu funções de 
Adjunto de Operações Nacional no Comando Nacional de Operações de 
Socorro da Autoridade Nacional de Proteção Civil, frequentando todos os 
cursos dos módulos do Mecanismo europeu de Proteção civil. 
 
Em junho de 2017 foi requisitado em regime de interesse público para 
desempenhar as funções de Técnico Superior de Segurança Contra 
Incêndios em Edifícios na Câmara Municipal de Óbidos, até Julho de 2019, 
onde presentemente desempenha as funções de Coordenador Municipal de 
Proteção Civil da Câmara Municipal de Óbidos. 
 
Iniciou a carreira de Bombeiro no ano de 1992 no Corpo de Bombeiros 
Voluntário de Óbidos ascendendo à categoria de subchefe em 2004. Em 
2007 ingressa no quadro de comando com a categoria de 2º 
Comandante, passando a exercer as funções de Comandante em Junho 
de 2019.

Quais os maiores desafios que sentes 


enquanto comandante? 
 
Marco: E​ u já estou como segundo comandante dos Bombeiros Voluntários 
de Óbidos desde 2007 e em 2008 integrei a força especial de Bombeiros. 
 
A equipa em que estou inserido é extremamente dinâmica, o que nos 
permitiu desenvolver um conjunto de ações bastante significativas. 
 
Podemos dizer que em Junho de 2019 fiz um “​upgrade”​ e passei a exercer 
as funções de primeiro comandante. Agora com mais responsabilidade 
comparativamente quando exercia o cargo de segundo comandante. 
 
Considero que qualquer pessoa que esteja num cargo de liderança, para 
poder desenvolver as suas missões ou atividades, precisa de encontrar um 
conjunto de soluções, de se expor a um conjunto de desafios para que 
sejam criadas dinâmicas que permitam motivar as pessoas que estão 
sobre a nossa responsabilidade.  
 
Caso contrário, e enquanto voluntários e altruístas, se não sentirem 
dinamismo e vontade de estar associados a um projeto, acabam por sair. 
 
Hoje felizmente, as alternativas são tantas que qualquer líder enquanto 
comandante ou procura um conjunto de soluções para que as pessoas se 
afirmem no seio dos bombeiros, enquanto voluntários, ou então corre 
sérios riscos das pessoas abandonarem e procurarem outras alternativas. 
Aquilo que eu sinto mais necessidade de implementar são acções que 
permitam criar dinâmicas motivacionais para que os voluntários continuem 
motivados como quando se inscreveram nos Bombeiros. 
 
Pela primeira vez, na história da associação ultrapassamos os 100 
voluntários e isso é muito gratificante. 
Há uma máxima que gostamos de usar que é “Não se explica, sente-se”, 
mas quem passa por esta função tem uma ambição muito grande de poder 
ajudar os outros. E se nós enquanto líderes não criarmos formas de os 
motivar que lhes permitam desenvolver as suas missões, corremos sérios 
riscos das pessoas procurarem outros objetivos de vida. 
 
Outra coisa que também me preocupa bastante é a inovação. Sempre fui 
apologista de novas tecnologias, novos conhecimentos, novas experiências 
e se nós estagnamos acabamos por não transmitir o processo de inovação 
aos nossos subordinados. Por isso, considero fundamental que exista 
capacidade de inovar nas nossas funções do dia a dia. No socorro, por 
exemplo, temos muita capacidade de implementar novos mecanismos e 
dinâmicas. 
 
Outra vertente muito importante, é a capacitação dos recursos humanos. 
Hoje mais do que nunca os líderes têm de ter capacidade de incutir nos 
seus operacionais um conjunto de dinâmicas, de conhecimento, de 
experiências, que lhes permita ter uma maior capacitação para realizar as 
suas funções. Não só nas missões de proteção e socorro, mas acima de 
tudo para que possam alimentar-se de conhecimento, da sua forma de ser e 
estar e que desenvolvam mecanismos que lhes permitam crescer no seio 
do altruísmo que desenvolveram. 
 
Outra questão relevante e que considero um desafio, é criar alguma 
sustentabilidade no desenvolvimento do corpo de Bombeiros. Precisamos 
encontrar mecanismos de sustentabilidade que permita que as pessoas 
criem dinâmicas e desenvolvam as suas ações num crescimento contínuo, 
caso contrário a capacidade de perdermos aquilo que construímos é muito 
elevada. 
Paulo: T
​ ocaste num ponto importante, os bombeiros são bombeiros 
voluntários, por isso aquilo que fazem é mesmo por paixão, por amor a 
ajudar o próximo. 
 
Marco: E​ mbora nós tenhamos um quadro de Bombeiros Profissionais que 
garantem a primeira intervenção. 
 
Hoje em dia é insustentável um corpo de Bombeiros estar dependente 
apenas de voluntários, caso contrário o socorro é posto em causa. Grande 
parte das corporações, mais de 99% eu penso, têm elementos que são 
profissionais que desempenham a sua atividade profissional do corpo de 
Bombeiros. E depois são apoiados na sua intervenção pelos voluntários. 
 
 

Quais os pedidos que mais têm surgido no 


corpo de Bombeiros, desde o início desta 
pandemia? 
 
Marco: H​ á uma máxima que diz que “quando estamos em crise devemos 
aproveitar as oportunidades” e neste contexto em específico isso também 
tem acontecido. 
 
Além de continuarmos a realizar as atividades normais, temos sido 
procurados também, para dar algum apoio a iniciativas solidárias noutras 
vertentes. Como por exemplo, colaboramos com o Hospital das Caldas da 
Rainha por forma a suprir algumas necessidades logísticas. Temos 
recebido também muito apoio de várias empresas municipais e não só, que 
disponibilizaram equipamentos e bens alimentares, por forma a dar suporte 
às nossas necessidades logísticas. 
 
Existiam aqui um conjunto de ações que fogem àquilo que é a rotina normal 
do nosso serviço. 
 
Naturalmente que houve uma diminuição significativa no transporte de 
doentes não urgentes, porque as consultas foram suspensas. Bem como, 
de transporte urgente porque as pessoas têm medo de ir para o hospital e 
serem contagiadas. 
Sentimos estas alterações muito significativas. No entanto, continuamos a 
ter missões normais de prestação de socorro e da proteção à população. 
 
Basicamente, a grande alteração que sentimos durante o último mês e 
meio, foi a sensibilidade das pessoas em nos procurarem para ajudar, bem 
como para ajudarmos noutro tipo de missões que não nos são legalmente 
confiadas.  
 
Paulo: R
​ elativamente ao que disseste sobre as pessoas estarem com 
receio de ir ao hospital, ontem vi uma notícia que dizia que o número de 
mortes, não relacionadas com o Covid-19, tinham aumentado. O receio das 
pessoas está a impedi-las de terem comportamentos preventivos e cuidar 
da sua saúde. E por vezes é ainda pior e agrava o estado de saúde. Tens 
notado isso? 
 
Marco: S​ im, claramente. É um indicador muito objetivo e que tem a ver com 
a sensibilidade e com a informação que todos os dias é partilhada pelos 
vários órgãos de comunicação social. 
 
Existe um sentimento de medo muito grande. O medo é um estímulo que 
faz com que as pessoas se retraiam por forma a não se expor ao risco. 
 
Temos sido chamados para fazer intervenção, no âmbito das doenças 
súbitas, e depois de avaliarmos, aconselhamos a que as pessoas não se 
desloquem ao hospital, quando não apresentam sintomas graves,​ ​por 
estarem mais protegidas dos riscos em casa. E as pessoas têm aceite essa 
sugestão muito bem. 
 
O que aconselhamos quando não existe necessidade de acompanhamento 
hospitalar é que as pessoas mantenham o contacto com os seus médicos 
de família ou com a Saúde 24, para resolver grande parte dos problemas e 
desta forma evitamos os constrangimentos nas urgências. 
 
Paulo: N
​ esse caso estás a falar de uma parte das pessoas que 
normalmente se deslocava logo às urgências quando apenas apresentava 
pequenos sintomas. No entanto, existe o outro extremo. Ou seja, as 
pessoas que necessitam mesmo de assistência médica mas não se 
deslocam ao hospital com medo de se expor, e ainda agravam a sua saúde. 
 
Marco: S​ im, isso é claro. Embora a experiência que temos tido e em 
particular no que respeita à sintomatologia inerente ao Covid, 
aconselhamos sempre a ida ao hospital e inclusive acompanhamos no 
transporte. 
 
Isto também é um indicador claro de que a grande parte das mortes que 
têm surgido, acabaram por ocorrer no hospital. 
 
Aqui em Óbidos temos sentido uma boa conscientização por parte das 
pessoas. As que não necessitam de ir ao hospital têm ficado em casa e as 
que de facto necessitam, devido à sintomatologia que apresentam essas 
estão a ser transportadas ao hospital. 
 
 

Considerando que o estado de emergência 


foi levantado, como é que achas que as 
pessoas se deverão comportar? 
 
Marco: E
​ ssa é de facto uma preocupação muito relevante. Ainda hoje 
tivemos uma reunião no âmbito da proteção civil, porque além de 
comandante sou profissional na proteção civil, sou coordenador municipal 
da proteção civil e esta questão foi debatida.  
 
Estamos extremamente preocupados com aquilo que será o 
comportamento das pessoas. 
 
A minha percepção é que as pessoas já estão tão saturadas do isolamento 
social e na primeira oportunidade que tenham para sair vão se expor. 
 
De facto, há um risco agravado muito significativo. Se não houver a 
capacidade de conscientização das pessoas de implementar um conjunto 
de medidas preventivas, nomeadamente o uso da máscara, por exemplo, 
nós podemos correr sérios riscos de revertermos todo o processo de 
melhorias que temos vindo a desenvolver. 
 
É um indicador que estamos a monitorizar juntamente com a GNR, 
Proteção Civil e Bombeiros. Estamos no terreno a tentar perceber quais as 
movimentações das pessoas. 
 
É um assunto preocupante e se não tivermos a capacidade de monitorizar e 
perceber o que está a acontecer para agir e corrigir no imediato algo que 
seja abusivo, podemos correr sérios riscos. 
 
Paulo: E
​ u partilho da tua opinião, porque em termos comportamentais isso 
acontece.  
 
Ainda há pouco falaste do medo que foi uma emoção muito presente 
quando tudo isto começou, bem como a incerteza e a ansiedade. E nós 
acabamos por nos habituar, até mesmo aos estímulos mais negativos. 
 
As pessoas estão fartas do confinamento social e a chegada do bom 
tempo também vai “estimular” a que existam mais saídas. Para além disso, 
as pessoas começam a ver outras a circular e questionam-se porque é que 
têm de continuar fechadas se os outros não o estão a fazer. 
 
Concordo contigo, e penso que na próxima segunda-feira vai existir uma 
grande demanda nas saídas, mas acredito que se as pessoas tiverem 
consciência e adotarem alguns cuidados, como o uso da máscara, e evitar 
exporem-se ao máximo podemos reduzir alguns riscos. 
 
 

Que boas práticas aconselhas que as 


pessoas adotem? 
 
Marco: A​ cima de tudo a proteção individual. 
 
Sempre que estejamos perante um situação de risco, como é o caso da 
exposição ao Covid-19, de preferência devemos neutralizar ou eliminar o 
risco. 
 
Como esta hipótese está completamente fora de questão, o que devemos 
fazer é tentar isolar o risco. Ou seja, criar uma barreira que não permita que 
o vírus se expanda. 
 
Sabendo que o vírus está nas pessoas e é transmitido pelas mesmas, se 
conseguirmos isolar as pessoas contaminadas não existe propagação do 
mesmo. Através do isolamento social e da quarentena conseguimos isso 
mesmo. 
 
Outra alternativa, é protegermo-nos a nível individual e a nível coletivo uma 
vez que não sabemos se estamos ou não contaminados. 
 
Há dois dias atrás no programa Prós e Contras, a Drª Maria Souto Maior 
(Bióloga) estava a dar um exemplo muito pragmático daquilo que é o uso 
das máscaras. Ou seja, o vírus não é um ser vivo e não estando em 
contacto com as pessoas, tem muito poucas horas de vida acabando por 
morrer. 
 
Quem transporta o vírus são as pessoas e se as mesmas estiverem 
isoladas o risco de nos contaminarmos é mínimo. 
 
O verdadeiro risco está na deslocação das pessoas e consequentemente 
no transporte e propagação do mesmo. 
 
Sabemos que o vírus é propagado através das gotículas que projetamos ao 
falar, tossir, espirrar. Se todos usarmos máscara corretamente vamos evitar 
a propagação do vírus com outras pessoas, bem como evitarmos levar a 
mão à boca depois de tocar numa superfície contaminada, por exemplo. 
 
A solução mais adequada é a proteção individual. E caso seja necessário 
partilhar espaços com outras pessoas devemos manter o distanciamento 
social aconselhado também. 
 
Devemos cumprir com todas as recomendações da DGS, quer se concorde 
ou não. A DGS é a entidade que tem a competência legal para determinar o 
que podemos ou não fazer e fazem-no com base científica. 
 
Com base nos resultados obtidos pela experiência destes últimos tempos, 
considero que estas são as indicações mais relevantes que as pessoas 
devem ter em consideração. 
 
Paulo: N ​ ão conseguindo eliminar o risco, devemos individualmente assumir 
essa responsabilidade com boas práticas. 
  
 

Sabemos que estão a ser implementadas 


várias regras de segurança. Quem as está a 
monitorizar? 
 
Marco: P ​ ela experiência que temos, que penso que seja transversal a todos 
os municípios, estamos juntamente com a GNR, com a Autoridade de 
Saúde local, Proteção Civil e Bombeiros a monitorizar o cumprimento das 
regras. 
Por norma, a GNR é a entidade competente para monitorizar o cumprimento 
dessas regras. Aqui em Óbidos, em particular, têm-no feito de uma forma 
excepcional.  
Tem havido uma relação muito próxima entre a GNR, Delegada de Saúde, 
Proteção Civil e Bombeiros que nos permite diariamente ter um contacto 
permanente através de grupos que criámos e qualquer inconformidade que 
seja identificada a nível local é reportada ao Presidente da Junta, que 
também tem poderes legais para chamar à atenção das pessoas para o 
cumprimento das regras estipuladas. 
 
Caso isso não se verifique, entram em contacto com a Proteção Civil e GNR 
para que possam sensibilizar as pessoas. 
 
Ainda assim se a sensibilização não for bem sucedida, apenas a GNR pode 
tomar outro tipo de medidas, como coimas ou outra medida a ser 
implementada. 
 
 

O que é que as pessoas devem ter em 


atenção em momentos de crise/pânico? 
 
Marco: I​ sso é um assunto muito premente e sentimos durante esta 
pandemia alguns comportamentos atípicos em situações de pânico. Como 
a corrida aos supermercados, o papel higiénico a esgotar... 
 
E isto são indicadores claros daquilo que é a falta de cultura de segurança 
que as pessoas têm. Isto não aconteceu, em países nórdicos, por exemplo, 
em que a cultura de segurança é maior e onde as pessoas têm 
comportamentos muito assertivos. 
 
Sempre que falamos em crise, precisamos de ter a percepção que até 
nestas situações, muitas vezes surgem oportunidades. 
 
Enquanto elementos responsáveis por dar a resposta, na prevenção, 
mitigação, temos de sensibilizar as pessoas acima de tudo sobre os riscos 
a que estão expostos. 
 
A maior preocupação das pessoas é não saber o que fazer perante um 
determinado cenário. A melhor forma de conseguirmos controlar estes 
cenários, é dar a conhecer o que está associado a uma crise e quais as 
suas consequências. 
 
Neste caso concreto, enquanto cidadão e responsável pela proteção civil, 
temos uma função muito importante que é implementar uma cultura de 
segurança nas pessoas. 
 
Por mais que queiramos é muito difícil fazer isto com os adultos, porque 
eles não vão ter a capacidade de alterar os seus comportamentos. A única 
forma de conseguirmos trabalhar isto, por forma a que seja um reflexo 
daqui a 10, 20, 30 anos, é nas crianças. 
 
Em Óbidos desenvolvemos um projeto muito importante, em que a 
Proteção Civil visita os agrupamentos escolares para ensinar práticas sobre 
cultura de segurança às crianças e dar-lhes a conhecer os riscos a que 
estão expostas e como devem reagir. 
 
Estou nesta área há cerca de 30 anos e vejo muito pouca evolução neste 
aspecto em concreto. 
 
Estamos muito vocacionados para aquilo que é a resposta às 
necessidades, ou seja, somos muito reativos e muito pouco proativos. 
 
No que respeita a crises, e não havendo capacitação das pessoas sobre 
como devem reagir às mesmas, estas vão entrar nesse registo de 
indicadores psicológicos que fazem com que percam a capacidade racional 
e emotiva e não consigam gerir as suas necessidades primárias. 
 
É essencial que se crie uma preparação prévia, no que respeita à resposta 
às crises. 
 
Paulo: O
​ comportamento de pânico faz-nos ficar mais focados em nós e na 
nossa sobrevivência. 
 
Concordo contigo quando dizes que devemos começar a sensibilizar os 
mais novos e enraizar esse tipo de comportamentos.  
 
Mas nestes momentos de crise e de pânico nós perdemos os recursos 
cognitivos. Ou seja, tornamo-nos muito mais instintivos, muito mais 
emocionais e pensamos muito mais em nós a curto prazo. 
 
No que respeita à parte comportamental e em concreto nos momentos de 
“sequestro” nós não conseguimos pensar. Apenas consigo executar um 
plano simples previamente pensado. 
 
Nesse tipo de sensibilização, deverá haver algum tipo de treino 
comportamental? Ou pensas que uma exposição acerca do assunto é 
suficiente para que as pessoas consigam reagir em determinado 
momento? 
 
Marco: A​ exposição por si só é completamente insuficiente, até porque 
passado algum tempo ela é esquecida. 
 
O que faz a diferença são a criação de rotinas e mecanismos à base da 
repetição que fazemos questão de incutir já no projeto das escolas.  
 
Todos os anos realizamos simulacros de evacuação, onde há um indicador 
sonoro, luminoso ou verbal. O nosso objetivo é serem criadas rotinas por 
parte das crianças para que se um dia houver necessidade real de 
evacuação elas não tenham de pensar o que têm de fazer e reajam de 
forma automática ao risco. 
 
A única forma dos adultos conseguirem ser sensibilizados para a 
realização destas tarefas, é serem sensibilizados pelas crianças. 

Como podemos treinar o nosso 


comportamento para reagir, de forma 
menos egoísta, em momentos de crise? 
 
Marco: A​ í entra a parte da psicologia bem como a nossa capacidade de 
gerir as emoções e comportamentos. 
 
Desde que nos conhecemos, em 2018, eu tenho desenvolvido um conjunto 
de auto didatismos no âmbito daquilo que é a inteligência emocional, e tem 
sido uma lição de vida para mim. 
 
Essa é uma competência que também deve ser incutida nas pessoas. Mas 
não é fácil se não forem elas próprias a querer mudar e a perceber a 
importância que terá nas suas vidas. 
 
Neste momento estou a frequentar um curso de Educação Emocional que 
tem sido muito interessante, e que direciona a educação das emoções nas 
pessoas e pode ser trabalhada nas várias idades. 
 
Tenho aprendido indicadores muito relevantes daquilo que podemos fazer 
na gestão das emoções. 
 
Acredito que dentro de algum tempo isto possa ser uma disciplina que vai 
integrar a componente académica. 
 
Tenho estudado bastante e sinto que cada vez tenho mais ferramentas que 
me permitem ser mais capacitado para lidar com comportamentos e 
emoções.  
 
Quando faço uma ponderação sobre o meu comportamento, faço sempre 
uma associação direta sobre aquilo que são os meus conhecimentos 
adquiridos. Ou seja, não ajo de forma imediata sem antes gerir a minha 
emoção e só depois agir com alguma racionalidade. 
Devemos incutir nas pessoas o desenvolvimento de competências que lhes 
permitam conhecer as suas emoções. Porque quando uma determinada 
pessoa entra em pânico, este sentimento é propagável por todas as 
pessoas que estejam ao seu redor.  
 
Paulo:​ Sabias que há estudos que mostram que o contágio emocional pode 
ser feito sem comportamento e sem verbalizar nada? 
 
Ou seja, fecham dois participantes em laboratório sem falarem um com o 
outro e aquele que é mais dominante acaba por contagiar o outro. 
 
 

Queres partilhar connosco algumas das 


atividades que tens desenvolvido no corpo 
de Bombeiros relacionadas com a temática 
Inteligência Emocional? 
 
Marco: D ​ e facto, no corpo de Bombeiros eles não me vêem com 
comportamentos normais para um comandante. 
 
A parte da Inteligência Emocional é um mundo novo para os Bombeiros. 
 
Eu já tive oportunidade de fazer alguma palestras a nível nacional sobre 
liderança, nos corpos de Bombeiros e não só, e sempre que falo sobre esta 
temática nunca desassocio o fator Inteligência Emocional. 
 
No início deste ano lancei um desafio inspirado em ti, em que são 
propostos exercícios para realizar mensalmente e depois são apresentados 
os resultados, apenas pelas pessoas que se sentem à vontade. E temos 
tido resultados muito positivos. 
 
Em março e abril não fizemos porque surgiu a pandemia e eu tenho e 
estado extremamente ativo noutras áreas. No entanto, as pessoas que 
estavam com a rotina e a cumprir esse desafio, já mostraram necessidade 
e interesse em querer continuar a desenvolver esse trabalho. 
 
Há um indicador que eu tenho implementado e que as pessoas têm 
comentado muito que é a gratidão.  
 
Eu tenho dito a todas as pessoas nos Bombeiros que nós temos o dever 
moral de motivar e sempre que alguém fizer algo de positivo agradecer à 
pessoa pelo trabalho que fez. E podes não acreditar mas isto não é um 
comportamento nada normal nos Bombeiros. Normalmente o que acontece 
é o contrário, ou seja, quando alguém faz algo menos bem apontam o dedo. 
 
E isto é transversal! 
 
Grande parte dos problemas que existem nos Bombeiros estão 
relacionados com a crítica destrutiva. Ou seja, as pessoas tentam ganhar 
protagonismo à custa dos erros dos outros. 
 
No nosso comando temos tentado mudar este paradigma. Ou seja, 
valorizar aquilo que é feito de bom e aquilo que é feito de menos bom 
devemos chamar atenção em privado e não de uma forma depreciativa.  
 
As pessoas que estão associadas ao corpo de Bombeiros de Óbidos têm 
sido incansáveis e extraordinárias na sua missão e têm surpreendido muito 
pela positiva, e fiz questão de lhes dizer isso mesmo. 
 
Paulo: M​ uito bom. E o que é que estás a planear fazer? Podes partilhar 
connosco qual é o teu plano para o futuro? 
 
Marco: N ​ ós queremos incidir muito sobre a formação nesta área.  
Vamos sair fora da caixa, começamos logo no início do ano mas 
infelizmente por causa do Covid tivemos de interromper. 
 
Começamos a ter formação fora daquilo que é o contexto normal dos 
Bombeiros, ou seja, formação técnica. Fizemos um curso de gestão de 
stress, outro de liderança e tínhamos previsto também um curso de gestão 
de equipas bem como um curso de inteligência emocional, que inclusive eu 
já frequentei. 
 
Gostava que até ao final do ano conseguíssemos realizar esse curso de 
inteligência emocional com uma entidade formadora das Caldas da Rainha. 
 
Queremos que os nossos profissionais desenvolvam capacidades que vão 
além daquilo que é a capacidade técnica dos Bombeiros. E que cada vez 
mais sejam capazes de controlar as suas emoções e valorizarem o que é 
bem feito e deixarem de criticar o que não é. 
 
Só assim vamos conseguir alterar comportamentos, atingir objetivos e ter 
uma visão muito concreta sobre aquilo que são os nossos valores. Só desta 
forma é que conseguiremos trazer novas pessoas para o corpo de 
Bombeiros. 
 
Porque a tendência é saírem quando existem conflitos. Muitas das pessoas 
estão lá de forma voluntária e não dependem dos Bombeiros para a sua 
vida pessoal e profissional. 
 
Ou conseguimos mudar este paradigma ou o voluntariado acaba por ser 
posto em causa. 
 
E nós felizmente desde Junho de 2019 temos aumentado os nossos 
recursos humanos o que é um excelente indicador. 
 
Paulo: S​ im, sem dúvida. E disseste uma coisa muito interessante, não só 
sair como também a rejeição social. 
 
O nosso cérebro experiencia a rejeição social como se fosse uma dor física. 
As áreas que são ativadas são similares. 
 
Há um investigador chamado Roy Baumeister, que mostrou que quando 
estamos a experienciar rejeição social e estamos a desenvolver atividades 
técnicas o nosso desempenho pode cair até cerca de 25%. 
 
E quando alguém se sente rejeitado que pode ser apenas não incluído, irá 
desempenhar pior ainda a sua tarefa, vai falhar mais e consequentemente 
vai ser mais criticado o que alimenta esta bola de neve. Isso que fazes é 
mesmo muito importante. 
 
Marco: S​ im, claramente. Nós na prática sentimos muito isso, e 
contrariamente à grande parte das instituições a nível nacional, nas várias 
vertentes, temos o público mais heterogêneo que é possível imaginar. 
 
O que sinto mais dificuldade em gerir e liderar é o relacionamento 
interpessoal e o confronto entre duas dimensões diferentes. Por um lado, 
temos pessoas muito orientadas para os seus princípios e valores e por 
outro, pessoas que não estão tão orientadas mas que são extremamente 
importantes e muito capacitadas para a missão que desenvolvem, mas 
quando não estão em missão criam conflitos. Porque não têm a 
capacidade de gerir as suas emoções. 
 
Muitas vezes as pessoas não se sentem bem com elas próprias e 
exponenciam o seu sentimento negativo para as pessoas que estão em seu 
redor. 
 

Gostava que partilhasses connosco uma 


aprendizagem que tiveste com alguém e 
transportas até hoje? 
 
Marco: P
​ osso dizer que fiquei uma pessoa muito mais rica após nos 
termos cruzado. 
Tenho muito para partilhar nesta questão, porque como tu disseste 
aprendemos diariamente muito com as pessoas e nos Bombeiros tenho 
histórias que são extremamente relevantes. 
 
Mas a maior lição de vida que tive que moldou enquanto pessoa foi a minha 
doença. Em 1994 foi-me diagnosticado uma leucemia linfoblástica aguda e 
foi extremamente marcante porque percebi a importância que as pessoas 
têm para mim. Não só a vertente familiar como dos amigos. 
 
Não tenho dúvida alguma que o sucesso da minha recuperação deveu-se 
em grande parte a estas pessoas que me acompanharam sempre em 
permanência, ainda que com barreiras físicas devido ao tratamento que 
estava a fazer. 
 
Não só a família e amigos mas também os profissionais de saúde que 
foram extraordinários no que respeita às questões emocionais. 
 
Foi de facto um episódio que me fez ver a vida de outra forma. 
 
Gostava de partilhar convosco exemplos muito pragmáticos que passam 
por essa gestão das emoções.  
 
Vou partilhar convosco uma situação que aconteceu à relativamente pouco 
tempo que tem a ver com as aprendizagens que temos vindo a partilhar. Eu 
prezo muito a disciplina e o rigor e dificilmente consigo compactuar com 
faltas de disciplina. 
 
A disciplina faz parte daquilo que são as minhas recomendações de 
cumprimento e quando isto não se verifica dou tolerância de quase zero. 
 
Há uns tempos atrás, na escola de infantes e cadetes, com cerca de 50 
crianças dos 6 aos 16 anos e um elemento com 16 anos foi para o hospital 
das Caldas da Rainha mal fardado. 
 
E as pessoas que o viram assim no hospital entraram em contacto comigo 
a dizer que não era correto porque não passava boa imagem para os 
Bombeiros de Óbidos. 
 
Depois de perceber quem era a pessoa em questão entrei em contato e 
tentei perceber qual o motivo para isto ter acontecido e ele nem sequer me 
foi capaz de explicar. 
 
No dia seguinte, quando cheguei ao quartel e já estava para lhe aplicar uma 
medida disciplinar, sem perceber o que é que efetivamente tinha 
acontecido a minha adjunta veio ter comigo e perguntou-me se tinha sabido 
o que tinha acontecido com a mãe desse rapaz. Foi então que fiquei a 
saber, pela minha adjunta, que a senhora tinha tido um AVC e estava muito 
mal no hospital. E foi aí que comecei a ligar as coisas. 
 
Voltei a entrar em contacto com ele para tentar perceber o que tinha 
acontecido e foi aí, que mais calmo, ele me contou que não tinha mais 
roupa nenhuma lavada e que já estava há dois dias sem comer em casa 
mais o irmão. 
 
Isto fez-me pensar que não devemos fazer qualquer tipo de julgamento 
antecipado sem primariamente percebermos o que é que está por trás das 
consequências.  
 
Obviamente não ia tomar nenhuma medida disciplinar sem antes ouvir 
quais eram as causas, no entanto já estava incutido para um caminho que 
não era o correto. 
 
Depois disto implementámos um conjunto de ações para o ajudar a ele e ao 
irmão, mas o meu pensamento inicial foi: ele está em incumprimento logo 
tem de ser punido. 
 
A situação mais recente que também gostava de partilhar até está 
relacionado com o Covid. 
 
Nós temos três brigadas repartidas a fazer o serviço operacional, está uma 
a trabalhar 15 dias e as outras estão a descansar. 
 
E a primeira brigada, quando chegou ao último dia de trabalho ainda não 
tinha realizado nenhum transporte que fosse considerado suspeito, no 
entanto nesse último dia são chamados para fazer um transporte de um 
jovem de 22 anos que apresentava muitas dificuldades respiratórias. 
 
Equiparam-se antes de sair como se se tratasse de um caso positivo, 
deram a máscara ao doente e transportaram-no até ao hospital em 
situação de segurança. 
 
O doente foi transferido para Leiria e fomos sempre acompanhando o 
desenvolvimento e estado de saúde. 
 
Após os resultados do raio-x a médica começou a achar que a 
probabilidade dele estar infectado era muito grande. No entanto a análise é 
muito morosa. 
 
E a sensação de insegurança da Brigada foi gigante, mesmo com todos os 
cuidados e medidas que tiveram. 
 
O jovem acabou por falecer às 14h em Leiria e o pânico por parte da 
Brigada foi ainda maior. 
 
Foi uma tarde horrível porque a Brigada ia sair à meia noite para junto das 
suas famílias com a consciência de que podiam estar infectados criou uma 
instabilidade emocional horrível.  
 
Senti necessidade de ligar à Delegada de Saúde para perceber o que 
poderíamos fazer. E ela conseguiu tranquilizar a Brigada, o risco de estarem 
contaminados era muito reduzido porque tinham tido todos os cuidados de 
segurança no transporte do doente. 
 
E a minha atitude de confiança para conseguir tranquilizar essa colega que 
apresentava um estado de pânico maior, foi dar-lhe um abraço, sabendo 
que deveríamos evitar o contacto.  
 
Tive esta atitude porque tinha plena confiança na equipa e naquilo que tinha 
sido a execução das medidas de autoproteção implementadas.  
 
No final do dia recebemos a notícia de que o jovem não estava infetado. 
 
Por isso considero que isto foi uma grande lição.  
 
Já fizemos testes a todos os nossos operacionais e nenhum deles está 
infectado o que é um excelente indicador. 
 

Muito obrigada a todos! 


 
E com este resumo concluímos a última Live que tivemos no Instagram 
com o tema “Estratégias para Gerar esta Pandemia”! 
 
Ao longo deste mês tivemos o privilégio contar com grandes convidados 
que nos entregaram conteúdo muito valioso. 
 
Começamos esta sequência com o Jorge Coutinho que nos mostrou como 
criar um Mindset Lendário e de seguida tivemos o Alexandre Monteiro que 
nos ensinou a Decifrar Pessoas na Quarentena. 
 
Depois destes dois temas dentro do desenvolvimento pessoal, contamos 
com o Paulo Faustino e a Regina Santana que nos deram dicas preciosas 
sobre como Adaptar os Negócios à Nova Realidade.  
 
Dentro da parentalidade, tivemos a Magda Dias, que ajudou com a 
Parentalidade no Meio do Caos.  
 
O Nuno Santos foi o próximo convidado que nos inspirou com a sua história 
de vida ajudando-nos a Tomar Decisões Difíceis. Tivemos ainda 
oportunidade de aprender Exercícios Físicos para Fazer em Casa e a sua 
importância, com o Gonçalo Magalhães. 
 
O tema das finanças foi abordado pelo Rui Bairrada que nos ensinou a 
Poupar e Gerir as Nossas Finanças e concluímos com o Comandante 
Marco Martins, que nos mostrou Como Reagir nos Momentos de Crise. 
 
Para mim foi uma honra ter estado estas 8 Lives contigo e com estes 
convidados e quero agradecer-te teres estado desse lado. 
 
Espero que o conteúdo passado tenha sido útil e que apliques as 
estratégias aprendidas para ultrapassar esta situação de forma mais 
positiva. 
 
Até breve. 
 
Um abraço, 
Paulo Moreira

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