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empreendedorismo
O que sabem as
pequenas empresas?
POR GILMAR CHAGAS E ANDERSON DE SOUZA SANT’ANNA
Na busca por diferenciais competitivos, não ape- socioespaciais e culturais, as novas abordagens
nas as grandes corporações, mas também as micro e visam valorizá-los como formas de construção de
pequenas empresas têm-se dedicado à identificação suas estratégias de desenvolvimento, crescimento e
e incorporação de novas tecnologias de gestão – mais diferenciação. O ponto de partida são os saberes e as
aderentes às transformações de um mundo cada vez competências que permitiram ao empreendimento
mais globalizado, impessoal e tecnologicamente chegar onde está.
interconectado –, demandando soluções customi- Para isso, noções como Bricolagem, Ação Prática
zadas, singulares e personalizadas. e Efetuação ganham espaço, possibilitando pro-
Como resultado, uma nova gama de estudos vem cessos dinâmicos e criativos de geração de novas
se orientando à melhor compreensão do contexto, ideias, leituras de mercado e comportamento de seus
da história e das dinâmicas particulares de cada clientes e prospects. Tendo como base o “aprender
empreendimento, valorizando o conhecimento do fazendo”, os empreendedores mobilizam e articulam
seu entorno, herança e capitais distintivos (sociais, os conhecimentos, habilidades, atitudes e recursos
culturais, econômicos e simbólicos). Ao invés da que têm à mão, ao mesmo tempo em que assimi-
mera transposição de instrumentos de gestão, desen- lam, antropofagicamente, as novidades e inovações
volvidos para organizações em outros contextos emergentes no cenário do seu negócio.
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QUADRO 1 | TIPOLOGIA DE EMPREENDEDORES que se tornam evidentes apenas no desenrolar de
suas ações no tempo (in progress).
Categorias Subcategorias Ao invés do Isomorfismo, em que todos seguem
Empreendedores as mesmas prescrições e regimes de gestão, a
Empreendedores Remanescentes Efetuação valoriza o conhecimento local, os valores
Tradicionais Empreendedores e capitais que o empreendedor e sua equipe têm à
Pioneiros mão e que os diferenciam aos olhos de seus clientes.
Contrariamente ao Mimetismo, à replicação de
Empreendedores
Negociais práticas de gestão forjadas em outros contextos e
Empreendedores
realidades, a abordagem da Ação Prática, conjugada
Modernos Empreendedores com a metodologia da Efetuação, visa permitir ao
Profissionais
empreendedor uma melhor compreensão da dinâ-
Empreendedores mica do ecossistema de negócios em que se insere,
Empreendedores Bricoleurs colocando no centro do processo o cliente e suas
pós-Modernos Empreendedores próprias competências, como empreendedor.
Vanguardistas
RESULTADOS DA PESQUISA Entre as conclusões do
FONTE: SANT’ANNA, 2011.
estudo, constatamos no Shopping a “céu aberto”
o predomínio de dois tipos de empreendedores: os
Tradicionais e os Modernos. Apesar de sua localiza-
ção na região de comércio popular, não foi possível
Nesse contexto, desenvolvemos uma pesquisa identificar Empreendedores pós-Modernos, em
direcionada à análise comparativa entre dois centros particular os Bricoleurs, tão presentes nos demais
de compras da cidade de Montes Claros (MG): um espaços da região central da cidade.
Shopping a “céu aberto”, resultante do processo Esses achados podem ser explicados pelo pro-
de revitalização de uma tradicional rua da região cesso de revitalização urbana, promovido na cidade.
central da cidade, e seu principal Shopping Center, A tônica na remodelação dos edifícios, das vitrines e
localizado na região centro-sul. fachadas, assim como a intensificação dos aparatos
Explorando dimensões vivenciais e experienciais, de segurança pública e privada, foi acompanhada
o estudo visou diagnosticar, a partir da fala dos pró- da valorização imobiliária e consequente seletivi-
prios empresários, os principais capitais definidores dade dos empreendimentos. A ideia subjacente de
de seus estilos de empreendedorismo. Para isso, “modernização”, inspirada no modelo de negócios do
utilizamos uma tipologia de empreendedores, desen- Shopping Center, sugere uma reprodução, no espaço
volvida pelo orientador da dissertação no Mestrado central, desse estilo de empreendimento e gestão.
Profissional em Administração da FDC, a partir da Essa estratégia evidencia cuidados quanto à
sociologia de Pierre Bourdieu (Quadro 1). gentrificação do espaço. Derivada do termo gentry,
Buscamos também identificar potencialidades que significa "de origem gentil, nobre", essa noção
de diferenciação competitiva, considerando os cinco diz respeito às dinâmicas de enobrecimento e eli-
passos da teoria da Efetuação, propostos por Saras tização de um espaço urbano, por meio de uma
Sarasvathy (Quadro 2). reestruturação que leva à mudança de sua dinâmica
As lógicas “Causal” e “Efetual” não se excluem social e econômica.
mutuamente. Ao contrário, são complementares, per- Como efeito, pode-se enfraquecer a vitalidade
mitindo ao empreendedor repensar continuamente os dos espaços que, segundo Jane Jacobs, autora de
fatores de distinção do seu negócio, ao mesmo tempo estudos importantes sobre o tema, está associada
em que acompanha o percurso, a partir de dispositi- a quatro condições espaciais indispensáveis nos
vos tradicionais de gestão. A diferença consiste em distritos e ruas. A primeira sugere que o espaço e o
perseguir uma racionalidade que leve em conta os maior número possível de segmentos que o compõem
meios que lhe são disponíveis, trazendo resultados devem atender a mais de uma função principal: de
emergentes e o delineamento de novos objetivos, preferência, a mais de duas. Elas devem garantir a
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QUADRO 2 | PASSO A PASSO DA EFETUAÇÃO
Comece com Se você já tentou empreender, pode ter parado porque não tinha dinheiro
o que você tem suficiente, faltava conhecimento técnico ou clientes. É assim que um não
empreendedor pensa. Se esperar o momento ideal, correrá o risco de manter
suas ideias presas no papel. Empreender pede que você execute logo seus
projetos, a partir do que já tem. Lembre-se: comece listando quem você é, o que
você sabe e quem você conhece.
Defina as perdas Estabeleça seus limites [até quanto e até quando?]. Pense e enumere quais
aceitáveis perdas você conseguiria suportar. De que você estaria disposto a abrir mão para
empreender?
Explore as Imagine as inúmeras possibilidades que seu negócio poderia ter, seja para seus
possibilidades clientes ou para você. Listar possibilidades permite que você sempre tenha
“cartas na manga” caso algo não funcione.
Cresça por meio Ninguém cresce sozinho. Pense nas pessoas que você conhece e que estariam
de parcerias dispostas a colaborar com você. Ter bons parceiros é fundamental para
empreender
Reconheça que o Um dos achados mais incríveis de Sarasvathy é como uma pessoa “Causal” e
futuro é imprevisível outra “Efetual” veem o futuro. O “Causal” pensa: “Como sou eu quem decide o
caminho para o futuro, eu posso prevê-lo”. Já o “Efetual” pensa: “Como sou eu
quem constrói o futuro, então eu não preciso prevê-lo”.
presença de pessoas que saiam de casa em horá- ser considerado, para que não destrua competências
rios diferentes e estejam nos lugares por motivos locais essenciais, respeitando o comportamento dos
diferentes, mas sejam capazes de utilizar boa parte consumidores e a diversidade que promove a vita-
da infraestrutura. A segunda condição define que lidade do espaço.
os cruzamentos entre as vias de circulação sejam Por outro lado, coerente com sua proposta de
curtos, permitindo ao indivíduo maior mobilidade valor, o Shopping Center se propõe a ser um espaço
na movimentação entre diferentes espaços. Uma de compras e lazer capaz de oferecer aos seus fre-
terceira condição defende que o espaço tenha uma quentadores uma experiência única de conforto,
combinação de edificações com idades e estados de comodidade, opções, entretenimento, mobilidade e
conservação variados, incluindo boa porcentagem de segurança. Quanto ao perfil de seus empreendedo-
prédios antigos, para permitir empreendimentos de res, em comparação com o Shopping a “céu aberto”,
diferentes portes e status econômicos. Essa mistura há um maior número de franqueados e investidores,
deve ser compacta. E, finalmente, a espacialidade muitos deles sem relação direta com o dia a dia dos
deve contemplar uma densidade suficientemente negócios. Em consequência, as interações sociais
alta de pessoas, sejam quais forem seus propósitos. são menores, aparentemente mais superficiais e
Isso inclui uma alta concentração de pessoas cujo marcadas por maior competitividade.
propósito é também morar lá. Seguindo a tipologia de Sant’Anna, a análise
Surgem, portanto, questionamentos sobre a dos principais capitais mobilizados pelos empreen-
sustentação do ecossistema de negócios no médio dedores do Shopping Center revela a predominância
e longo prazo. Em outros termos, vem à tona uma de Empreendedores Modernos. Geralmente, esses
questão sobre o ponto ótimo de “modernização” a empreendedores se associam à busca frenética
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QUADRO 3 | ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE CAPITAIS DISTINTIVOS NOS DOIS ESPAÇOS PESQUISADOS
QUADRO 4 | PRINCÍPIOS DA EFETUAÇÃO SEGUNDO A PERSPECTIVA DOS EMPREENDEDORES DOS ESPAÇOS PESQUISADOS
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e incansável por resultados e a adoção de uma dando um “jeitinho” nos modos de constituição e
“lógica de negócio”, centrada em dispositivos do desenvolvimento de seus empreendimentos, pode
Management de base norte-americana. Costumam também agregar elementos significativos às ações de
ser focados no curto prazo, no lucro imediato, nas capacitação de empreendedores. Em particular, nas
estratégias de Marketing e nas novidades da gestão. espacialidades do “circuito inferior” da economia.
Em linhas gerais, destacam-se pela valorização da O Quadro 4 sintetiza diferentes reações dos
instrução de nível superior, em especial em gestão, empreendedores pesquisados, quanto aos princí-
e de experiências prévias e competências em moder- pios que compõem a abordagem da Efetuação, em
nas práticas de gerenciamento. O Quadro 3 permite que uma dimensão menos prescritiva é evidenciada.
uma visão geral dos principais capitais mobilizados
Gilmar Chagas é consultor de Marketing do Sebrae Minas, Mestre em
nos dois espaços, alvos do estudo. Administração pela FDC e MBA pela USP.
Apesar da importância de padrões, normas e
modelos, entender como o negócio evolui e como Anderson de Souza Sant’Anna é professor da Fundação Dom Cabral,
pós-Doutor em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, Doutor em Administração e
utilizar recursos por meio da improvisação, infor- em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG.
CONCLUSÕES
Nessa incursão, pelos shoppings a “céu aberto” e convencional de Montes Claros, foi possível
perceber que o espaço, problema e contexto devem balizar a tomada de decisões, assim como a escolha
dos dispositivos de gestão, permitindo alternativas que efetivamente levem em conta a razão de ser
da gestão de qualquer negócio: os clientes e demais agentes envolvidos em seu ecossistema social.
Os achados do estudo apontam para a relevância de maior interação entre as perspectivas
Causais, da Bricolagem e da Efetuação, que podem trazer contribuições significativas à assimilação
e desenvolvimento de modelos e instrumentos de gestão, capazes de gerar resultados mais inclusivos
e sustentáveis, que levem em conta a construção de espaços de diversidade e vitalidade.
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