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Processo empreendedor: estudo de caso

na empresa ADM LOG Transportes


rodoviários ltda.
Rita de Cássia da Rosa Sampaio Brochier
Mestranda em Educação, Centro Universitário La Salle
E-mail: <ritadecassia.brochier@gmail.com>.

Vinícius Gehring Capellari


Mestre em Administração e Negócios pela PUCRS.
Diretor Executivo do IGEEP: Instituto de Gestão Estratégica Empresarial e Pública
Professor de Administração e Processos Gerenciais no Centro Universitário La Salle
E-mail: <vcapella@unilasalle.edu.br>.

Resumo

O tema empreendedorismo tem atraído muitos interesses, principalmente por estar relacionado ao
desenvolvimento econômico e social de uma região e/ou país. Este artigo busca apresentar o processo
empreendedor na Empresa ADM LOG Transportes Rodoviários Ltda. Os objetivos norteadores do tra-
balho foram: entender o processo empreendedor segundo a literatura, esclarecer as principais caracte-
rísticas do transporte excedente e compreender como se deu o processo empreendedor na organização
estudada. A pesquisa foi realizada utilizando-se da abordagem qualitativa e do enfoque exploratório.
A metodologia utilizada na pesquisa passou por fases distintas, como pesquisa bibliográfica, entrevis-
ta em profundidade e análise de conteúdo. Quanto ao método utilizado, o estudo de caso, permitiu
entender o fenômeno processo empreendedor no contexto da organização. O processo empreendedor
analisado neste estudo aconteceu por acaso, apesar da influência do fator externo histórico familiar. O
processo também foi dinâmico, devido à necessidade de atender uma demanda de um irmão (família),
o que, em seguida, foi um fator determinante para a mudança de estilo de vida do empreendedor e
dedicação exclusiva ao transporte excedente de cargas. Percebeu-se ainda que, no caso estudado, não
houve um processo exaustivo de análise e planejamento antes da ativação, bem como, no decorrer das
diversas etapas do empreendimento.
Palavras-chave: Processo Empreendedor, Empreendedorismo, Transporte Excedente.

Rev. de Empreendedorismo, Inovação e Tecnologia, 1(2): 20-30, 2014 - ISSN 2359-3539 20


DOI: 10.18256/2359-3539/reit-imed.v1n2p20-30
Processo empreendedor…

Introdução preendedor não desanime diante destes, que pode-


rão ser diversos.
Reconhecendo a importância do processo
O tema empreendedorismo tem atraído mui-
empreendedor nas organizações e compreenden-
tos interesses, principalmente por estar relaciona-
do o empreendedor como principal sujeito nes-
do ao desenvolvimento econômico e social de uma
te contexto, a questão que norteia este estudo é:
região e/ou país. Neste sentido, governos, institui-
Como se relacionam o processo empreendedor e
ções de ensino e organizações envolvidas com em-
empreendedor da Empresa Empresa ADM LOG
preendedorismo - públicas e privadas – incentivam
Transportes Rodoviários Ltda. Assim, o presente
o comportamento empreendedor. De acordo com
trabalho tem como objetivos entender o processo
Dornelas (2008), negócios que focam oportunida-
empreendedor segundo a literatura, esclarecer as
des de mercado geram desenvolvimento econômi-
principais características do transporte excedente
co. Já o desenvolvimento social ocorre quando o
e compreender como se deu o processo empreen-
processo contribui para o desenvolvimento local e
dedor na organização em estudo.
regional, para a sustentabilidade, para melhorar a
O presente artigo está estruturado em cinco
distribuição de renda, do poder e do conhecimento
seções, além desta introdução. Na segunda, são
e para gerar autonomia profissional para as pessoas.
tratados conceitos sobre processo empreendedor
O processo empreendedor em um país depen-
através de uma revisão bibliográfica. Na terceira
de, ao menos em parte, de indivíduos que sejam
seção, é apresentada a metodologia que foi utiliza-
capazes de detectar oportunidades no ambiente
da na pesquisa. A quarta apresenta a empresa e o
em que vivem e da capacidade de transformar tais
contexto em ela que opera. Na quinta seção, está
oportunidades em negócios reais (GEM, 2012).
a descrição e análise dos dados e a sua articulação
Ocorre que, para que haja maior possibilidade
com a teoria sobre processo empreendedor, tendo
de sucesso neste processo, a literatura sobre em-
como base, principalmente, o modelo proposto
preendedorismo recomenda, cada vez mais, que o
por Dornelas (2008). Finalmente, na última seção,
empreendedor estude as variáveis que envolvem
são apresentadas as conclusões, as considerações
o processo empreendedor e cumpra certas etapas
finais e as sugestões para futuras pesquisas.
antes de ativar um empreendimento.
A maneira como ocorre o processo em-
preendedor pode, portanto, determinar o sucesso
e/ou fracasso do empreendimento. Para Dornelas
Empreendedorismo
(2008), o empreendedorismo é um conjunto de
pessoas e processos que transformam ideias em Para Schumpeter (1949), o empreendedor é
oportunidades. Assim, uma pessoa que transfor- aquele que destrói a ordem econômica existente
ma uma ideia e oportunidade, é chamada de em- pela introdução de novos produtos e serviços, pela
preendedor. Ainda Dornelas (2008) menciona que criação de novas formas de organização ou pela ex-
empreendedor é aquele que capitaliza uma ideia ploração de novos recursos e materiais. Já Kirzner
através da criação de um negócio, assumindo ris- (1973), define que empreendedor é aquele que cria
cos calculados, levando em conta três aspectos: i) um equilíbrio, encontrando uma posição clara e
a iniciativa de criar um novo negócio e a paixão positiva em um ambiente de caos e turbulência, ou
pelo que faz; ii) transforma o ambiente social e seja, identifica oportunidades na ordem presente.
econômico onde vive através da utilização de re- Bolton (1997) destaca que empreendedores
cursos de forma criativa, e; iii) aceita assumir os são agentes de mudanças, que enxergam as opor-
riscos e a possibilidade de fracassar. Assim, é pos- tunidades e as tornam realidade. Para Dornelas
sível definir estes aspectos como as premissas do (2008), empreendedorismo é o envolvimento de
empreendedor, ou seja, estes aspectos norteiam o pessoas e processos que, em conjunto, levam à
processo empreendedor, desde o início – a ideias, transformação de ideias em oportunidades, e a
até o fim – o sucesso ou o fracasso. perfeita implementação destas oportunidades
Partindo do pressuposto de que se há um leva à criação de negócios de sucesso.
processo, há um caminho a ser percorrido, Dor- De acordo com Hisrich, Peters e Shepherd
nellas (2008) define o processo empreendedor em (2009), empreendedorismo é o processo de criar
quatro fases e menciona que cada fase deste pro- algo novo com valor, dedicando o tempo e o es-
cesso possui seus desafios e recomenda que o em- forço necessários, assumindo os riscos financei-

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ros, psíquicos e sociais correspondentes e rece- Dornelas (2008) destaca que, embora as fases:
bendo as consequentes recompensas da satisfação 1) identificar e avaliar a oportunidade; 2) desen-
e independência econômica e pessoal. volver o plano de negócios; 3) determinar e captar
A seguir, serão abordadas as principais me- os recursos necessários e 4) gerenciar o negócio,
todologias que versam sobre processo empreen- sejam apresentadas de forma sequencial, não ne-
dedor, objeto central de análise deste artigo. cessariamente as etapas ocorrem nesta ordem. É
comum que uma nova fase se inicie sem que a an-
terior termine. Exemplifica o autor que, ao identi-
Processo Empreendedor ficar e avaliar uma oportunidade (fase 1), prova-
velmente o empreendedor terá em mente o tipo de
Dornelas (2008) destaca as fases do proces- negócio que deseja criar e seguir (fase 4).
so empreendedor envolvendo todas as funções, Mesmo que as fases se alternem, ou sigam
ações e atividades do processo. Através da figura sua ordem natural, é necessário compreender a
1 é possível perceber as diferentes fases do pro- importância de cada uma delas no processo. A
cesso empreendedor. fase 1 – identificar e avaliar a oportunidade: é a

Figura 01 - As fases do processo empreendedor

Fonte: Dornelas (2008).

fase onde se cria a ideia, mas também, é a fase de preendimento, identificando o que é prioridade
identificar como utilizar esta ideia, de transformá- ou que é crítico para o negócio. Também, a par-
-la num produto ou serviço. A fase 2 – desenvolver tir desta fase o empreendedor passa a ser menos
o plano de negócio: pode ser determinante para o empreendedor e inicia uma etapa onde a gestão
sucesso do negócio, pois, neste momento, as estra- é o principal componente para o sucesso de seu
tégias para o desenvolvimento e crescimento do negócio. Ou seja, o empreendedor deixa de ser
futuro empreendimento são criadas e devem es- um empreendedor/gestor para ser um gestor/em-
tar de acordo com a realidade e o contexto do ne- preendedor.
gócio. A fase 3 – determinar e captar os recursos Um empreendedor pode empreender por di-
necessários: é consequência da fase 2, pois, se o versos motivos. Segundo Dornelas (2008), basta
planejamento não estiver claro e bem estruturado, fazer um teste com qualquer empreendedor fa-
dificilmente o projeto será um captador de recur- zendo uma pergunta básica: o que o levou a criar
sos, tampouco chamará a atenção de investidores. sua empresa? Muitas serão as respostas que sur-
Já na fase 4 – Gerenciar o negócio: muitas vezes girão, por acaso, por oportunidade, por desejo
as 3 fases anteriores acontecem sem problemas e ou simplesmente não saberão responder. Mas, o
nesta fase é que eles começam a surgir, porque é a que de fato ocorre, é que os motivos que levam
hora de colocar em prática todas as ações planeja- uma pessoa a empreender são, segundo Dornelas
das, e nem sempre se tem a experiência necessária (2008), o somatório de diversos fatores como, fa-
ou nem tudo que se planejou deu certo. tores externos (governo, histórico familiar), am-
Dada à continuidade do negócio, é o mo- bientais (cultura, influências) e sociais (estilo de
mento de minimizar os problemas iniciais do em- vida) e aptidões pessoais (domínio de uma deter-
minada atividade).

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Processo empreendedor…

O autor destaca ainda que estes fatores influenciam durante todo o processo, que o chama, de
aventura empreendedora. Conforme apresenta a figura 2:
Figura 02 - Os fatores que influenciam no processo empreendedor

Fonte: Dornelas (2008).

A Figura 2 demonstra que os diversos fa- Metodologia


tores: pessoais, sociológicos, organizacionais,
ambientais compõem o processo empreendedor.
A metodologia utilizada nesta pesquisa pas-
Os fatores pessoais, por exemplo, estão presen-
sou por fases distintas, como pesquisa bibliográ-
tes em todas as etapas – inovação, evento inicial,
fica, entrevista em profundidade e análise de con-
implementação e crescimento -, apenas mudando
teúdo. Por se tratar de uma técnica fundamental
o tipo de influência que exerce conforme a eta-
da pesquisa qualitativa, através da qual se buscou
pa. Os fatores sociológicos circulam nas etapas
entender a perspectiva do entrevistado, uma en-
evento inicial e implementação como um fator de
trevista em profundidade foi realizada através um
influência pessoal. Também os fatores organiza-
roteiro adaptado de Jeffry Timmons, com 26 ques-
cionais estão vinculados à etapa de crescimento,
tões abertas. A entrevista foi realizada (gravada,
justamente por se tratarem da etapa de desenvol-
com duração de aproximadamente 50 minutos)
vimento do empreendimento, onde há influência
no dia 11 de março de 2013, na sede da empresa
de pessoas, estrutura, produto. Já o ambiente ex-
ADMLOG Transportes Rodoviários Ltda, com o
terno circula por todas as fases e, também, muda
Sr. Daniel Ouriques Machado, o empreendedor
conforme a etapa do processo empreendedor.
desta organização.
A partir deste momento também é possível
A partir da entrevista, com o objetivo de
perceber, com maior clareza, os fatores favoráveis
analisar seu conteúdo, construiu-se um texto e
no processo empreendedor. Verifica-se a figura 3:
aplicou-se a técnica de análise de conteúdo, que
Conforme a figura 3, os fatores favoráveis
consiste na identificação das inferências válidas
estão estruturados em três eixos: pessoas, oportu-
do texto. Para tal análise, foram definidas as cate-
nidade e recursos. A maior parte dos fatores que
gorias analíticas, utilizando o modelo misto, o que
compõem o eixo foram, também, fatores influen-
permitiu que categorias fossem adaptadas durante
ciadores do processo de gestão. O que os difere nes-
a análise de dados; ao final do processo, 5 catego-
te momento do processo, é que, dada a experiência
rias foram definidas: 1) Antecedentes do proces-
do empreendedor, este pode utilizar estes fatores
so empreendedor; 2) O início das atividades; 3)
como ferramentas no processo de gestão para a
Momentos relevantes da trajetória; 4) Momentos
captação de recursos, expansão dos negócios e a
frágeis da trajetória e; 5) Panorama atual. Quanto
melhor estruturação de seu empreendimento.

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Figura 03 – Fatores favoráveis no processo empreendedor

Fonte: Dornelas (2008).

ao método utilizado, o estudo de caso, permitiu (Departamento Autônomo de Estradas e Roda-


entender o fenômeno processo empreendedor no gem do Rio Grande do Sul) e DNIT (Departa-
contexto da organização. mento Nacional de Infraestrutura de Transpor-
tes), órgãos reguladores deste tipo de transporte.
A Instrução Normativa nº 63/2007 emitida
Caracterização da Empresa pela Secretaria de Estado dos Transportes, De-
partamento Autônomo de Estradas de Rodagem,
Diretoria de Operações e Concessões e Divisão de
A empresa ADM LOG Transportes Rodo-
Trânsito, estabelece regras para a normatização,
viários Ltda, foi constituída em junho 2007, é uma
fiscalização e emissão de Autorização Especial
sociedade entre dois irmãos, um apenas investi-
de Trânsito - AET para veículos transportadores
dor e o outro, o Sr. Daniel Ouriques Machado,
com excesso de peso e/ou dimensões, para trafe-
que concedeu a entrevista, atua à frente do ne-
gar nas rodovias do Estado do Rio Grande do Sul.
gócio, é o administrador do negócio. A ativida- Para a realização do transporte excedente,
de principal da empresa é o transporte de cargas o transportador deve solicitar junto ao DAER-RS
excedentes, mas também realiza outros tipos de uma AET (Autorização Especial de Trânsito), que
transportes. Sua sede, alugada, está estabelecida acompanhará a carga por todo seu trajeto. Esta
na Cidade de Nova Santa Rita – RS, região metro- autorização deve ser solicitada sempre que uma
politana de Porto Alegre-RS. Possui 24 funcioná- carga comprovar ser indivisível e ultrapassar os
rios, entre administrativo e operacional. A frota é limites, conforme quadro 1.
composta por 10 cavalos mecânicos e 25 semirre- Quadro 1: Limites para o transporte excedente
boques, que são próprios. Utiliza-se, também, de
I Comprimento total > 25,00 m
frota terceirizada, contando assim, com mais 10
cavalos mecânicos. II Largura total > 3,20 m
III Altura total > 5,00 m
IV Excesso longitudinal traseiro > 3,00
O transporte excedente V Escesso longitudinal dianteiro > 2,00 m
VI > 45 Ton (1)
Peso Bruto Total (PBT)
Segundo a Revista Manutenção e Tecnolo- > 57 Ton (2)
gia (2011), o transporte de cargas excedentes tem – Limite de PBT por unidade de veículo
crescido proporcionalmente à expansão do setor – Limite de PBTC por Combinação de Veículos de
industrial de infraestrutura. O transporte exce- Carga - CVC
dente de cargas é aquele cujas cargas horizontais e Fonte: DAER (2007).
especiais, realizados por carretas, são indivisíveis
e ultrapassam os limites permitidos pelo DAER-RS Também, uma tarifa, denominada TUR
(Tarifa de Utilização da Rodovia), é cobrada pelo

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DAER para a liberação do transporte. A norma- Drucker (2002) enfatiza que a inovação é
tiva ainda destaca a forma de sinalização das car- o instrumento específico dos empreendedores, o
gas e, para casos especiais, a utilização de escolta. meio pelo qual eles exploram a mudança como
Bem como, orienta para as multas e penalidades uma oportunidade para um negócio ou um ser-
caso suas normas não sejam cumpridas. viço diferente. Neste sentido, o empreendedor é
constantemente um agente crucial de inovação
na medida em que entende que esta pode ser um
Empreendedorismo Versus importante mecanismo de diferenciação e de ob-
tenção de vantagem competitiva.
Inovação No caso da ADM LOG Transportes Rodo-
viários Ltda, a inovação esteve presente ao longo
A inovação é, cada vez mais, uma força pre- do processo de criação e de crescimento da or-
sente no cotidiano dos países e das organizações. ganização. Isso se deu tanto pelas características
Entende-se que as fontes de inovação são as mais comportamentais do empreendedor, quanto pe-
diversas possíveis. As mudanças econômicas, so- las particularidades do segmento em que a em-
ciais e tecnológicas constituem-se em importan- presa foi estruturada. A seguir, apresenta-se um
tes eventos originários de transformações que quadro 2 com a síntese das principais inovações
podem redesenhar diversos setores da atividade implementadas pela empresa ao longo do proces-
econômica de um país. so empreendedor.
Quadro 2 - Síntese das principais inovações implementadas pela empresa ao longo do processo em-
preendedor
Quanto ao grau do
Tipos de Inovação
impacto gerado

Inovações implementadas pela empresa ao longo Inovação Or-


ganizacional

Incremental
Inovação de

Inovação de

Inovação de
Marketing

do processo empreendedor

Inovação

Inovação

Inovação
Processo
Produto

Radical
básica
O transporte excedente. X X

Contratação de mão de obra especializada. X X

Foco no atendimento ao cliente através de projetos. X X X

Fonte: Elaborado pelos autores (2014).

A análise do processo em- de empreender no ramo do transporte, traba-


lha como gerente de operação numa empresa do
preendedor ramo da engenharia. Cursava direito, depois de
ter passado por cursos de eletrotécnica, eletrôni-
Para a análise de dados, a partir da entrevis- ca e engenharia elétrica. Segundo Daniel, o tem-
ta, utilizou-se a análise de conteúdo, com a defi- po que esteve na graduação, principalmente no
nição de cinco categorias analíticas, conforme a curso de direito, hoje lhe proporciona uma maior
estruturação a seguir. capacidade para negociação nos seus negócios. O
pai de Daniel era caminhoneiro e seu irmão tinha
um caminhão como alternativa de renda. Segun-
Antecedentes do processo do Dornelas (2008), o histórico familiar é um dos
empreendedor fatores externos influenciadores no processo em-
preendedor, entre outros, como fatores ambientas
e sociais, assim como, aptidões pessoais.
O entrevistado, Sr. Daniel Ouriques Ma-
chado, 33 anos, casado há 11, tem 2 filhos. Antes

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O início das atividades financeiros que, naquele momento, compromete-


ram a sustentabilidade econômica da organização.
Naquele período, seu irmão, Alcione, sugeriu que
Com o objetivo de entender o processo em-
parassem as atividades, não queria mais partici-
preendedor, a entrevista iniciou-se com uma per-
par do negócio. Mas, Daniel resolveu continuar
gunta, que Dornelas (2008) chama de pergunta
e seu irmão passou a ter 10% de participação no
básica de teste: “O que o levou a criar sua em-
capital da empresa e não mais 50% da constitui-
presa?” E, sem surpresa, a resposta de Daniel foi
ção original. Demonstrando consciência do risco
básica também: “Na verdade, foi por acaso.” O
que estava assumindo, Daniel relatou: “Se caso eu
mesmo relatou que seu irmão, que possuía o ca-
ver que vai quebrar, ou coisa parecida, eu tiro um
minhão como renda alternativa, foi transferido,
caminhão para mim e uma carreta, eu pego vou
a trabalho, para a Amazônia, e pediu que ele cui-
viajar e minha vida vou viver igual”. O entrevis-
dasse/administrasse o trabalho de seu caminhão
tado relatou que, investiu na empresa todas a suas
aqui no Estado. Daniel, então, assumiu a ativi-
reservas pessoais, até as reservas de sua esposa e
dade paralelamente ao seu trabalho na empresa
o carro que possuíam. Mencionou ainda, ter sido
de engenharia. Segundo Ele, o envolvimento no
uma fase muito difícil. Era necessário dedicar de
ramo do transporte foi lhe instigando, e um mês
14 a 16 horas diárias de trabalho, conforme re-
depois decidiu comprar um caminhão, como de-
latou: “O trabalho em primeiro lugar. Abdiquei
clarou: “Quem cuidava de um, cuidava de dois.”
da minha vida pessoal, do meu esporte, do meu
Pouco tempo depois surgiu a demanda do
lazer, muitas vezes, da minha família.” Além
trabalho com transporte excedente, Daniel men-
das dificuldades financeiras, Daniel, também não
cionou que investigaou o mercado e percebeu que
conseguiu mais conciliar o curso de Direito, in-
poucas empresas trabalhavam neste ramo. Nesta
terrompendo seus estudos. Relatou que foi um
busca ao mercado, encontrou, em Santa Catarina,
período de muitas dificuldades e de muito traba-
uma fábrica de carretas extensivas que lhe servi-
lho, conforme mencionou: “Abraçamos todos os
riam no trabalho demandado. Relatou que: “Sem
trabalhos que apareciam.”
dinheiro, compramos uma carreta, e em um
Mas, em 2010, conforme Daniel, a situação
mês, tivemos um retorno de 40% do que tinha
começou a melhorar e em 2011 foi, segundo Ele,
pago nela [...] e o que aconteceu no segundo mês,
“interessante”. Salientou ainda que, o transporte
compramos outra.” . Naquele momento, consti-
de carga excedente agrega valor pela dimensão e
tuiu-se então, a ADM LOG, uma sociedade entre
especificidade de cada projeto. Foi este diferen-
os irmãos Daniel e Alcione Machado, que atual-
cial financeiro que manteve a empresa no período
mente mora no Recife. Ainda, segundo Daniel, em
de crise. Mencionou, em sua entrevista, que um
5 meses haviam adquirido 4 carretas extensivas.
transporte de cargas normais se podem cobrar
Seu irmão continuava na Amazônia e Da-
“x”, e no transporte de cargas excedentes é pos-
niel na empresa de engenharia. Conforme Da-
sível cobrar “3x”, pois é um trabalho especial que
niel: “O negócio começou a dar certo, isso já era
demanda muita organização e planejamento para
2008”. Houve a necessidade de ampliação da fro-
que tudo ocorra bem.
ta, recorreram, então, a financiamento bancário e
Após o relato do processo empreendedor,
às reservas pessoais para a compra de novos veí-
algumas perguntas específicas sobre metas, pla-
culos. Daniel relatou que estava difícil conciliar
nejamento, mercado, cliente e gestão lhe foram
os dois trabalhos e destacou a sua decisão: “Re-
feitas. Sobre metas, Daniel explicou: “Nunca co-
solvi apostar na transportadora”. Deixou a em-
loquei metas”. No seu entendimento metas são
presa de engenharia para dedicar-se ao trabalho
frustrantes e é o trabalho e o mercado que o im-
na ADM LOG. Conforme Dornelas (2008), uma
pulsionam, segundo Ele, costuma planejar seu
das características do comportamento empreen-
dia de trabalho, apenas, e conhece bem seu fatu-
dedor é a mudança de estilo de vida atual, que,
ramento mínimo necessário, por mês. Destacou
neste caso, pode-se identificar no processo em-
que planeja para os próximos anos adquirir a
preendedor de Daniel, visto que optou em deixar
sede própria para a empresa, localizada em Nova
seu emprego para “apostar” na transportadora.
Santa Rita mesmo, ou arredores; destacou que a
Já em 2009, segundo Daniel, em função da
cidade é a “vitrine do estado”, em função do eixo
crise econômica e do roubo de um de seus cami-
rodoviário. Referente ao mercado, Daniel men-
nhões, a empresa apresentou sérios problemas

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Processo empreendedor…

cionou que o transporte excedente cresce prati- da hoje fica muito tempo longe de sua família. O
camente nas mesmas proporções do setor indus- entrevistado sempre gostou de praticar esporte, e
trial, e que sua empresa possui uma carteira de não mais teve tempo para tal. Também deixou de
clientes consolidada no mercado e, atualmente, fazer muitas coisas que gostaria em função das
desenvolve o trabalho através de parcerias. Se- horas necessárias de dedicação ao trabalho.
gundo Daniel, seus trabalhos focam a satisfação
do cliente, independente do tamanho do proje-
to, e, mesmo que não seja um projeto, sendo uma Panorama atual
carga única, esporádica, salientou que, este clien-
te pode sempre voltar. Sobre gestão, Daniel afir- Conforme o roteiro de perguntas que se uti-
mou ser uma pessoa centralizadora. Mas pensa, lizou na entrevista, as perguntas de fechamento
para o futuro, construir um novo modelo de contemplam o momento em que o entrevistado
gestão, que permita que sua empresa “ande” no motiva-se a analisar o panorama atual, conforme
mesmo ritmo na sua presença ou ausência. se descreve a seguir.
Percebe-se que a etapa inicial do processo A primeira pergunta de fechamento lhe
empreendedor foi caracterizada pela ausência de questionou sobre como se sente hoje em relação
processos estruturados de planejamento e pelo ao seu empreendimento; se ainda é um empreen-
improviso. Como aspectos positivos, destaca-se dedor, ou se atualmente é um gestor. Daniel re-
a alta capacidade de adaptação do empreendedor latou que ainda se sente um empreendedor, alega
ao ambiente econômico daquele momento e a ve- faltar-lhe conhecimento para ser um gestor. Tem
locidade com que este realizou as mudanças com certeza de que é um bom operacional. Mas pensa
a finalidade de manter a empresa aberta. numa reestruturação e na implantação de ferra-
mentas e pessoas que lhe deem suporte na gestão.
Segundo Dornelas (2008), entre as dez fases de
Momentos relevantes da tra- um empreendimento, o empreendedor, num de-
jetória terminado momento, deixa de ser empreendedor/
gestor, para ser um gestor/empreendedor. E isto se
Ao ser questionado sobre os momentos re- faz necessário para o crescimento de seu negócio
levantes da trajetória do processo empreendedor, em diversos estágios.
Daniel destacou duas fases importantes: o reco- Também lhe foi perguntado sobre o seu
nhecimento profissional no mercado brasileiro maior ativo hoje, e Daniel disse que: “O ativo mais
e, em 2012, a recuperação financeira da empresa. valioso da empresa é a sua marca”. Mencionou
Sobre o reconhecimento profissional, relatou que que é possível recomeçar sem nenhum veículo,
é muito gratificante ser reconhecido, por seu tra- apenas com sua marca e caminhões terceirizados.
balho e dinamismo, por empresas que já estão no Na sequência de perguntas, foi questionado
ramo há mais tempo, mencionou que: “Me reco- sobre o que faria diferente se começasse hoje. Foi
nhecem como aquela pessoa que resolve”. Sobre categórico e respondeu que se fosse começar hoje,
a recuperação financeira da empresa em 2012, não faria aplicação de recursos pessoais na empre-
relata que naquele ano quitou todas as pendên- sa, trabalharia apenas com recursos bancários.
cias financeiras, conforme destacou: “No ano de Daniel encerrou a entrevista mencionando,
2012, eu cumpri com todas as minhas obriga- com orgulho, que se sente muito recompensado
ções financeiras.” Depois de um período muito em saber que venceu os problemas e que tudo que
difícil, onde quase foi necessário fechar as portas, possui é fruto de seu trabalho, e que pode hoje ofe-
atualmente se trabalha totalmente enxuto, sem recer “boas coisas” à sua família, principalmente
passivos, disse Daniel, com orgulho. a seus filhos, conforme relatou: “É gratificante
saber que tudo que tenho hoje é fruto do meu
trabalho”.
Momentos frágeis da trajetória
Articulação dos resultados da
Daniel destacou que o excesso de trabalho o pesquisa com o modelo proposto por
ausentou da família, do esporte e do lazer. E ain- Dornelas

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A seguir, apresenta-se no quadro 3 um re- organização estudada, e como já foi descrito, não
sumo que tem por finalidade comparar o proces- houve planejamento explícito, mas Daniel, como
so empreendedor proposto por Dornelas (2008) principal empreendedor, demonstra grande do-
com o caso estudado. Percebe-se que há lacunas mínio de seu negócio, podendo este, ser o fator
entre o que versa a literatura e a prática desenvol- determinante para seu sucesso.
vida pelo empreendedor estudado.

Referências
Conclusões e sugestões para Bolton, W. K. (1997). The university hanbook on
enterprise development. Paris: Columbus.
futuros estudos
Dornelas, J. C. A. (2007). Empreendedorismo na
Prática: mitos e verdades do empreendedor de sucesso.
O processo empreendedor analisado neste 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier.
estudo aconteceu por acaso, apesar da influên- Dornelas, J. C. A. (2008). Empreendedorismo: trans-
cia do fator externo histórico familiar citado por formando ideias em negócios. 3. ed. Rio de Janeiro:
Dornelas (2008). O processo também foi dinâ- Elsevier.
mico, devido à necessidade de atender uma de- Drucker, P. (2002). Inovação e espírito empreendedor:
manda familiar, o que, em seguida, foi um fator prática e princípios. São Paulo: Pioneira Thomson.
determinante para a mudança de estilo de vida e Greco, S. M. S. S. (2011). Empreendedorismo no Bra-
dedicação exclusiva ao transporte excedente de sil/2011. Recuperado em: 04 maio, 2013, de, <http://
cargas. www.gemconsortium.org/docs/download/2406>.
O surgimento de uma demanda de transpor- Hisrich, R. D., Peters, M. P., & Shepherd, D. A.
te de cargas excedentes foi o que se pode chamar (2009). Empreendedorismo. 7. ed. Porto Alegre:
de “divisor de águas”, pois, a partir deste momen- Bookman.
to, houve uma grande expansão no negócio atra- Kirzner, I.M. (1973). Competition and entrepreneur-
vés de investimentos em veículos, consolidando, ship. Chicago: Chicago University Press.
assim, a sua frota. A crise financeira mundial, em Revista Manutenção e Tecnologia. (2013). Quando
2009, fez com que Daniel enfrentasse sérios pro- a carga impõe desafios à operação. Recuperado em:
blemas financeiros. Mas, em 2012, já recuperado, 06 março, 2013, de, <http://www.revistamt.com.br/
pensa em investimentos. index.php?option=com_conteudo&task=viewMate-
Daniel percebe-se ainda um empreendedor ria&id=588>.
e não um gestor. Reconhece a necessidade de or- Roesch, S. M. A. (2012). Projetos de Estágio e de Pes-
ganização no processo de gestão de sua empresa, quisa em Administração. 3. ed. São Paulo: Atlas.
iniciando pela descentralização de tarefas. Não Schmidt, S., & Bohnenberger, M. C. (2013). Per-
realiza planejamento explícito, mas sabe o seu fa- fil Empreendedor e Desempenho Organizacional.
turamento mínimo necessário, apesar de traba- Recuperado em: 06 março, 2013, de, <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
lhar com sua capacidade máxima de produção no
d=S1415-65552009000300007>.
momento. Mantém um trabalho focado no clien-
te, o que determina seu fator crítico de sucesso. Schumpeter, J. (1949). The theory of economic develo-
pment. Harvard University Press.
Por último, percebe-se que, no caso estuda-
do, não houve um processo exaustivo de análise
e planejamento antes da ativação, bem como, no
decorrer das diversas etapas do empreendimento.
A falta de planejamento formal tem sido aponta-
da pela literatura como um dos fatores que podem
contribuir para a alta taxa de mortalidade de em-
presas antes de completarem dois anos de vida.
A ausência de um processo de planejamento e de
criação de um plano de negócio não permite ao
empreendedor evidenciar e avaliar todos os riscos
que estão presentes na ativação de um empreen-
dimento, mas podem minimizá-los. No caso da

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Processo empreendedor…

Abstract

|The topic Entrepreneurship has attracted many interests mainly because it is related to economic and
social development of a region and/or country. This article aims to present the entrepreneurial process
at the Company ADM LOG Road Transport Ltda. The guiding objectives of this article were to un-
derstand the entrepreneurial process according to the literature, explain the main features of surplus
transportation and understand how was the entrepreneurial process in the studied organization. The
survey was conducted using a qualitative and also an exploratory approach. The methodology used
in the study went through some different phases, such as literature, in-depth interviews and content
analysis. Regarding the method that was used, the case study allowed to understand the phenomenon
of the entrepreneurial process in the context of the organization. The entrepreneurial process analyzed
in this study happened by chance, despite the influence of family history as an external factor. The
process was also dynamic, due to the necessity of supplying the demand of a brother (family), which
then was a determining factor to change the lifestyle of the entrepreneur and his exclusive dedication
to the surplus cargo transportation. In addition, in the case studied was further noted that there was
an exhaustive process of analysis and planning before activation, as well as during the several stages
of the project.
Keywords: Entrepreneurial Process. Entrepreneurship. Surplus transportation.

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R. C. R. S. Brochier, V. G. Capellari

Quadro 3 - Síntese do processo empreendedor: comparativo da teoria com o caso em estudo


Processo empreendedor segundo a teoria Como ocorreu o processo em-
preendedor no caso estudado:
Dimensão Categorias Variáveis linha do tempo
Realização pessoal
Antes de 2007:
Antecedentes Assumir riscos - Trabalhava numa Empresa de
do processo Valores pessoais Engenharia Civil;
empreendedor: Educação - Cursava Direito;
fatores pessoais Experiência - Administrava um caminhão de
seu irmão.
Idade
Modelos (pessoas de sucesso) Antes de 2007:
Recursos - Pai caminhoneiro e irmão dono
Antecedentes do
Incubadoras de caminhão;
processo em-
- Utilização de recursos próprios
preendedor: fato- Políticas públicas para investimento;
res ambientais Acesso a modelo de negócio - Experiência própria para a
Influência dos pais e família criação do negócio.
Criação e abrangência da oportuni-
dade
Valores percebidos e reais da opor- 2007
Identificar e tunidade - Demanda de mercado para o
avaliar a oportu-
Riscos e retornos da oportunidade transporte excedente;
nidade
Oportunidade versus habilidades e - Poucos concorrentes.
metas pessoais
Situação dos competidores

Processo em- Sumário executivo


preendedor O conceito do negócio
Equipe de gestão 2007
Desenvolver o Mercado e competidores - Não houve registro de tipo al-
plano de negócios Marketing e vendas gum de planejamento. Utilizou-
Estrutura e operação se apenas de sua experiência.

Análise estratégica
Plano financeiro
Recursos pessoais
Recursos de amigos e parentes
2007 – 2008/1
Determinar e Angels - Utilização de recursos pessoais
captar os recur- Capitalistas de risco para investimento na frota;
sos necessários Bancos - Financiamento bancário para
aquisição de veículo novo.
Governo
Incubadoras
Estilo de gestão 2008/2 em diante
Fatores críticos de sucesso - Gestão centralizadora;
Identificar problemas atuais e po- -Atendimento ao Cliente como
Panorama atual:
tenciais foco;
gerenciar o ne-
- Desejo de criação de um novo
gócio Implementar sistemas de controle modelo de gestão;
Profissionalizar a gestão - Trabalha com sua total capaci-
Entrar em novos mercados dade produtiva.
Fonte: Adaptado de Dornelas (2008).

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