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2 - Análise Funcional - o Comportamento Do Cliente Como Foco Da Análise Funcional PDF
2 - Análise Funcional - o Comportamento Do Cliente Como Foco Da Análise Funcional PDF
38 • Muly Pcllltl
ansiedade ou dor nas mãos) emite um comportamento que parece estar sendo punido,
mas que, na realidade, é reforçado negativamente pela remoção dos estímulos aversivos
relacionados aos comportamentos encobertos.
Portanto, a primeira consideração que precisa ser feita é que o comportamento
do cliente tem uma função. Cabe ao terapeuta descobrir porque (em que contingências)
este comportamento se instalou e como ele se mantém. Esta descoberta se faz pela
análise funcional que, em clínica, envolve pelo menos três momentos da vida do cliente:
sua história passada, seu comportamento atual, e sua relação com o terapeuta.
Vou agora traçar algumas considerações acerca de cada um destes momentos.
Para exemplificar, escolhi fragmentos de sessões de um mesmo cliente em diferentes
etapas do processo terapêutico.
O cliente é um homem de 34 anos, a quem chamarei de P.; é engenheiro
eletrônico, e trabalha em uma empresa de telecomunicações. Mora com os pais, com
quem tem um péssimo relacionamento, falando com eles apenas o essencial. Tem um
irmão mais velho que já se casou e com quem quase não tem contato. Sua queixa
refere-se a uma extrema dificuldade de relacionamento em geral, com ênfase no contato
social e afetivo com mulheres. Nunca teve uma namorada, não tem amigos ou amigas e,
embora o quisesse, nunca teve experiência sexual, pela dificuldade de aproximação.
Passa seu tempo livre em casa, assistindo televisão ou em frente ao computador. É
inteligente, bem articulado, percebe seu défícit comportamental, e relata sentir muita
solidão, tristeza e ansiedade, tendo uma “vida chata, vazia, cinzenta” (sic.).
Em relação à história passada, o acesso é feito via relato verbal, embora haja
casos em que seja difícil analisar a aquisição do padrão comportamental. Isto é comum
quando o cliente tem dificuldade de se lembrar, ou se esquiva de falar de situações
passadas por serem aversivas. O terapeuta pode se utilizar então de outros recursos
para acessar estas contingências pouco claras. Estou me referindo ao uso de análise
funcional através do relato de sonhos, fantasias, ou a utilização de poemas ou músicas
que possam funcionar como estímulos discriminativos para evocar eventos da história
passada do cliente.
De modo geral, entretanto, através do relato verbal, o terapeuta tem acesso à
história de vida do cliente (sua história de aprendizagem, desde processos de modelação,
instrução ou reforçamento diferencial, esquemas de reforçamento, contingências
aversivas, etc.).
O terapeuta poderá então avaliar o repertório existente no passado, a capacidade
de discriminação do cliente e as contingências que atuaram na instalação ou não daquele
conjunto de padrões comportamentais. A partir desta avaliação, e da análise de sua
relação com o ambiente, será possível levantar hipóteses acerca de porque determinados
padrões comportamentais permanecem (mantidos por regras) mesmo quando as
contingências são totalmente diferentes. O primeiro exemplo que quero citar refere-se a
dados da história passada de P. aos quais tive acesso através de seu relato e do
depoimento de sua mãe, que o mesmo fez questão que comparecesse a urna das
sessões.
P. relatou que “era um adolescente tímido, constantemente curioso e assustado
com as meninas", que riam dele, por achá-lo desajeitado. Seu pai referia-se a ele como
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P: - Ai, você nem imagina, estou super gripado.
M; - Que chato.
P: - Pois é, uma gripe horrível, com dor de garganta, febre, e nariz escorrendo.
M: - Puxa!
P: - Pois 6, eu comecei a tomar aspirina, mas me deu dor de estômago. Aí tomei um
remédio para azia, me deu dor de cabeça. Nem sei mais o que fazer.
M: - Tenta descansar e tomar vitamina C. Aquele dia no trabalho, vocô se queixou que
estava cansado.
P: - Também já tomei, mas nâo adiantou. E você, está legal?
M: - Ah, eu estou. Hoje é sábado, não tem trabalho, pude dormir até tarde, e estou
ótima. E você, vai fícar em casa hoje ?
P: - Acho que vou. Também com esta dor horrível no corpo, indisposição e cansaço.
Acho que vou tomar um dorflex.
M: - Olha, faz assim, vamos desligar, você descanse bem, outro dia a gente conversa.
P: - Bom, tá bem, já que você quer assim.
M: - Não, é que vocô está muito mal. Tchau.
P: - Tchau
Pode-se claramente perceber que o conteúdo desta conversa não se enquadra
em nenhuma categoria de comportamentos que podemos chamar de paquera ou
aproximação social; ao contrário, é um comportamento que poderia ser considerado
adequado se ocorresse entre o cliente e seu módico, farmacêutico, ou em uma situação
cujo objetivo não fosse namorar. Além da constatação do défícit deste repertório, também
pode-se perceber que o comportamento verbal do cliente foi reforçado pela atenção da
jovem, com quem falava. Percebe-se também que esta, gradualmente foi se mostrando
aborrecida. Quando ela pergunta o que ele vai fazer no sábado, parece que está
sinalizando alguma possibilidade de reforçamento para ele (talvez pudessem sair), mas
quando ele recomeça a se queixar da doença, ela encerra a conversa (punição). O
registro desta interação verbal me deu oportunidade de observar e analisar com o cliente
como o comportamento dele influía no dela e vice-versa.
Nesta sessão, P. me relatou que não tinha assunto, que não sabia sobre o que
conversar. Levantamos então alguns assuntos que seriam adequados para uma conversa
social, como cinema, política, poesia, música, etc. Ele me perguntou se eu gostava de
poesia, e ficou satisfeito ao saber que sim. Foi interessante perceber que, nesta ocasião,
ele discriminou que assuntos que achava serem chatos para os outros (como poesia)
podiam, na verdade, ser interessantes. Nessa interação, ele aprendeu via modelação do
terapeuta.
Além disso pude ainda questionar o por que deste cliente ter me trazido este
registro. Ou seja, qual foi a função deste comportamento em sua interação comigo? Ele
me trouxe a fita porque achava que eu não conseguiria imaginar como ele se comportava
e portanto duvidava da minha capacidade de discriminação? Ou duvidava da sua
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P. chegou, sentou-se e me disse: *Maly, abre aspas..
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes réles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu, tantas vezes, irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
(...)
Sou um evadido,
Logo que nasci, fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi
Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser,
Por que nâo se cansar ?
(...)
Bibliografia
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