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CASO WAGNO

NA DÚVIDA, “PAU” NO RÉU.

Os bastidores de um dos
maiores erros judiciários do
Brasil.

Dino Miraglia Filho

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Todos os direitos reservados sob legislação em vigor. É proibido
reproduzir este livro, no todo ou em parte, ou transmitir seu texto
sob qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico,
sendo especialmente interditada a sua reprodução em fotocópias,
por gravação ou qualquer outro sistema, em antologias, livros
didáticos etc., a não ser após autorização por escrito do autor.
Esta autorização só não se faz necessária em caso de citação nos
meios de comunicação com finalidade crítica.

Registro: Dino Miraglia Filho, 2007

Produção Editorial e Visual: Luciano Dias

Revisão: Álisson Campos

Bigráfica
Av. Petrolina, 823 - Sagrada Família
Belo Horizonte
CEP: 31030-370

Fone: [31] 3481-0688


Fax: [31] 3482-5457

ISBN em homologação. Protocolo nº 22.539,


de 03 de setembro de 2007.

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“O livro é inédito, traz à tona um conteúdo
interessante, mescla assuntos
jurídicos com o cotidiano da violência
contra o ser humano, aborda-os de
maneira desco licada e identifica os
personagens com o que o leitor espera. Na
minha opinião, este tipo de livro se escreve
com a alma, com os pulmões cheios de
adrenalina, com o coração vivenciando os
fatos, externando todas as emoções a pleno
vapor. Isso significa escrever de dentro
para fora. E assim o fez
Dino Miraglia Filho.”

Álisson Campos

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Com saudades do meu pai...

Em homenagem à Família Miraglia,


que enfrenta os males e as doenças
com a coragem dos guerreiros,
a altivez dos honrados e a humildade
dos vencedores.

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NESTE MOMENTO DE COMEMORAÇÕES, POR
MAIS UMA ETAPA VENCIDA EM UM CASO DE TANTAS
VITÓRIAS, É NECESSÁRIO RECONHECER O APOIO DAS
PESSOAS QUE AJUDARAM A ETERNIZAR UM TRABALHO
MEMORÁVEL.

CIMCOP CONSTRUÇÕES E ENGENHARIA LTDA.,


nas pessoas de seus diretores, ACHILLES MIRAGLIA NETO
(in memoriam) e EDMUNDO MARIANO LANNA, pelo arrojo e
confiança, ao acreditar no trabalho de nossa equipe desde o início,
quando ainda lutávamos por algum espaço e reconhecimento
profissional.

UBALDO DE SOUZA MARTINS E MARTA MIRAGLIA


MARTINS, meus padrinhos-pais, que souberam ocupar as
lacunas deixadas pelos que já se foram, de forma natural e ética,
fazendo com que a falta deles fosse menos notada.

AGÊNCIA ORGÂNICA, representada aqui por seu


diretor Rodrigo Simões e Bruna Ladeira, que geraram e geriram,
com dedicação e profissionalismo, um projeto embrionário e
utópico nascido de um sonho louco.

LUCIANO DIAS, fiel escudeiro de Joinville, que conseguiu


germinar a semente deste projeto, criando seu conceito gráfico,
bem como, a capa e a contracapa, deixando a marca da sua força
criativa.

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Sumário

1. Título
2. Resumo do resultado do julgamento
3. Introdução
4. Agradecimentos
5. Família jurídica
6. Luciano Huck
7. Caso dos irmãos Naves
8. Colegas do escritório
9. Nilmário Miranda
10. Caroline Bastos
11. A fita
12. Wagno
13. Joilson
14. As cópias do processo
15. Leitura
16. Convicção
17. A falha – o início do erro
18. Inquérito
19. A denúncia
20. Processo criminal
21. A condenação
22. Provas insuficientes – in dubio pro reo
23. Presunção de inocência e ônus da prova
24. Tio Nicolau e tia Glorinha
25. O reinício das investigações
26. A coincidência – audiência em Contagem
27. Prova emprestada
28. Justificação
29. Primeira audiência – surpresa – nasce a esperança
30. A família da vítima
31. Segunda audiência – a esperança prossegue
32. A família de Wagno – Sr. Benedito e as meninas
33. O papel do Juiz na Condenação
34. O papel do Juiz na Justificação
35. Terceira audiência – novas testemunhas – surge a
verdade
36. A verdade do caso vem à tona
37. O pedido revisional
38. Férias forenses

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39. O Desembargador Relator 80. O encontro com a família e com a filha
40. A torcida dos escreventes judiciais 81. Euforia na imprensa – o caso vira assunto nacional
41. A Procuradoria Geral do Estado 82. Ana Maria Braga
42. O parecer favorável 83. O Brasil descobre Wagno
43. O excitamento toma conta da defesa 84. Ele descobre o filho
44. O formalismo do Relator 85. Outros programas e emissoras
45. Parecer ratificado 86. OJuízo dos formadores de opinião
46. A liberdade está mais próxima 87. Ratinho
47. O voto do Desembargador Relator 88. A fala do Governador
48. Festas de fim de ano 89. O pedido ao Governador Aécio Neves
49. Pedido para aguardar o julgamento em liberdade 90. O silêncio do Governador
50. Não-inclusão em pauta antes do Natal 91. O pedido indenizatório
51. A liminar do filho de Pelé 92. A opção jurídica
52. Um habeas corpus desesperado 93. Dando uma satisfação à sociedade – honorários
53. Indeferimento da liminar – desistência premeditada 94. Wagno visto por Waguinho
54. A conclusão ao Desembargador Revisor 95. O tratamento de dente
55. Voto célere 96. A inglória luta pelo renascimento
56. Inclusão em pauta 97. A advocacia criminal
57. A diverticulite 98. Conclusão
58. Semanas de ansiedade – a saúde piora 99. O último ato
59. A imprensa aperta o cerco 100. Moral da história
60. A fé de Wagno e sua certeza na absolvição
61. O julgamento
62. O voto do Relator
63. O voto do Revisor
64. O voto do presidente
65. Demais votos
66. Absolvição – unanimidade
67. Explosão de alegria no Tribunal
68. Explosão de alegria na Cadeia
69. O assédio da mídia
70. O alvará de soltura
71. O carimbo do Setarin
72. A ida para a Penitenciária
73. O encontro com meus colegas
74. A rebelião da alegria
75. A chegada do alvará
76. O último carcereiro
77. As últimas algemas
78. A saída da Penitenciária
79. O encontro com a liberdade

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1. Título

Quando ainda me decidia por um título e uma direção


a ser tomada, hesitando entre uma narrativa de teor jurídico
ou factual, para contar a experiência em que estive envolvido,
optei, para titular estas linhas, por uma expressão juridicamente
popular, no intuito de dar um tom informal quase técnico, sem
usar do ”juridiquês”, tão comum aos profissionais do Direito,
quando aventuram neste tipo de incursão.
A essência deste caso histórico é que a dúvida no processo
penal deve e deverá ser, a todo o tempo, operada em favor do
réu.
Tenho como certeza absoluta que será sempre menos
gravoso para a sociedade, como um todo, absolver um culpado do
que condenar um inocente, atendendo aos ditames processuais,
em caso de dúvidas, do princípio in dubio pro reo.
Este foi o princípio processual renegado no Caso Wagno e
que culminou com toda a injustiça a seguir narrada e amplamente
divulgada pela imprensa nacional.
Por ser uma narrativa de um fato público e notório, nomes
reais foram mantidos.
Justificando o título, nos meandros forenses existe um
antagonismo em relação ao princípio traduzido da expressão
latina, na dúvida pro réu, quando este não é aplicado, que é o
na dúvida, “pau” no réu.
No momento em que cláusulas e garantias constitucionais
são desprezadas, pretendendo condenar um inocente – geralmente
pobre e carente juridicamente – com base em provas frágeis ou
mesmo inexistentes, nos deparamos com a aplicação do malfadado
princípio na dúvida, “pau” no réu, título desta triste narrativa
e espelho do ocorrido no Caso Wagno.
Este caso é particularmente impressionante, mesmo
tendo conhecimento de vários outros semelhantes ou tão graves
quanto.
Ocorreu enquanto o Brasil já se dizia democrático,
sob a tutela do Estado Democrático de Direito, na vigência da
Constituição Cidadã, em pleno século XXI, na época da Internet
e do celular de última geração, em um estado geográfico que se
situa à frente dos cenários político e econômico nacional.
Isso o diferencia de outros casos, ocorridos durante

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governos de exceção, locais longínquos, épocas remotas, e sem 2. Resumo do resultado do julgamento
amparo de uma legislação pátria humanística.
Antes de definir este caso ou outros casos como o Maior REVISÃO CRIMINAL – 1.0000.05.423126-1/000 – COMARCA
Erro Judiciário do País ou não, é importante ressaltar que isso DE CONGONHAS – PETICIONÁRIO: WAGNO LÚCIO
não tem relevância em valor de grandeza, pois toda injustiça DA SILVA – Relator: EXMO. SR. DES. ELI LUCAS DE
dessa natureza é grandiosa por si só, cabendo tão-somente a MENDONÇA.
quem recebe a agressão determinar o grau de intensidade da EMENTA: REVISÃO CRIMINAL – PROVA NOVA DA
violência sofrida. INOCÊNCIA DO PETICIONÁRIO, OBTIDA SOB O
Esta narrativa está colocada em ordem cronológica de CRIVO DO CONTRADITÓRIO – PEDIDO JULGADO
acontecimentos, procurando preservar sentimentos e aflições PROCEDENTE – Se as novas provas obtidas sob o crivo
à época, hoje amenizados pelo resultado obtido, inclusive do contraditório são suficientemente robustas para
apresentando as peças processuais que foram feitas em cada um evidenciar a injusta condenação do peticionário, este
desses momentos. deve ser absolvido das imputações que lhe foram feitas,
Coincidentemente, John Grisham, internacionalmente com fulcro no art. 386, IV, do CPP.
famoso autor americano de livros envolvendo a advocacia
criminal, com inúmeros best sellers nos últimos tempos, no ACÓRDÃO
mesmo ano em que os fatos ocorreram lançou um livro intitulado
“O INOCENTE”, sobre uma história real de crime e injustiça Vistos etc., acorda o 2o GRUPO DE CÂMARAS CRIMINAIS
ocorrida nos Estados Unidos. do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, incorporando
É, mais uma vez, a história do Caso Wagno se repetindo no neste relatório de fls. na conformidade da ata dos
maior país do mundo, demonstrando que as mazelas jurídicas e julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
sociais independem da graduação econômica em que se enquadra de votos, EM DEFERIR O PEDIDO REVISIONAL E
o local da injustiça. ABSOLVER O PETICIONÁRIO, DETERMINANDO A
Ele narra, na orelha do livro, que: EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA.

“(...) Pressionada para dar uma solução ao crime que Belo Horizonte, 14 de fevereiro de 2006.
chocou a cidade, resolve fazer que as principais suspeitas
recaiam sobre Ron Williamson e seu amigo Dennis
Fritz (...). Sem nenhuma evidência concreta de culpa de
ambos, o processo de acusação é todo construído a partir
de comprovações científicas duvidosas e testemunhos
repletos de contradições. (...) para traçar um retrato da
corrupção em que está mergulhada a polícia americana,
as falhas do sistema judiciário (...)” .

“É a desesperança daqueles que parecem ter sido


esquecidos pela lei e pela justiça.”

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3. Introdução 4. Agradecimentos

O destino nos prega peças que não podem ser Escrevo este relato na primeira pessoa, como bom
explicadas. descendente de italiano que sou, lamentando não poder
Certo dia, ao final do ano de 2002, estava trabalhando usar os braços e as expressões faciais para completar toda a
no escritório e recebo um relato de minha sócia e professora de encenação costumeira de meus patrícios, durante as tradicionais
graduação e pós-graduação de algumas das melhores faculdades narrativas.
de Minas Gerais, Flaviane Barros, sobre o pedido de uma colega Deverá ser entendido como EU toda uma estrutura
da PUC-MINAS, professora Cíntia Carneiro, para atuar em advocatícia envolvendo meus sócios, estagiários, funcionários e,
um caso criminal, atendendo a solicitação do então secretário por que não, os amigos e familiares que também participaram
nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda. indiretamente de todo o processo.
Pela credibilidade das pessoas envolvidas, aceitei de Definitivamente, os méritos não foram somente meus, e
imediato a incumbência, mesmo sem saber dos meandros do sim, de nosso grupo profissional.
caso, e jamais pensando em um dia freqüentar os maiores meios Mesmo aqueles não afeitos à área criminal estiveram
de comunicação de todo o Brasil. presentes todo o tempo, auxiliando, apoiando, lutando por
O êxito e a repercussão do caso ultrapassaram as jurisprudências e doutrinas, cobrindo a lacuna dos ausentes e,
fronteiras do País e os benefícios dessa atuação serão colhidos principalmente, solidários na causa e no sofrimento de um ser
pelo resto de nossas vidas, não só pela Flaviane e por mim, mas humano injustiçado.
por todas as pessoas nele envolvidas, de qualquer maneira e em É assim que funciona um grande time, cada um fazendo
qualquer tempo. a sua parte e ocupando seu espaço.
Estas linhas relatam uma visão personalíssima de quem Nada seria possível sem eles, e todos nós sabemos muito
atuou nas infindáveis diligências e etapas processuais de um dos bem disso.
mais escandalosos erros judiciários do Brasil, principalmente Esse resultado extraordinário aconteceu porque
nesta fase pós-Constituição de 1988 – ironicamente, para Wagno formamos uma equipe unida e homogênea, sem sermos iguais.
Lúcio da Silva, também conhecido como Waguinho, denominada Complementamo-nos em nossas virtudes e nos superamos em
a Constituição Cidadã –, sob uma análise crítica, de cunho nossas falhas, e isso caracteriza um grupo vencedor.
estritamente particular. Juntos, ao final de mais de quarenta meses de trabalho,
Muito mais que a vontade de escrever este texto e logramos êxito em nossa pretensão, reparando um dos maiores
deixar registrado um fato marcante na vida do mundo jurídico erros judiciários do País, somente comparado ao Caso dos Irmãos
brasileiro, queria narrar e contar uma história real de Justiça e Naves, por suas coincidências e semelhanças.
injustiças, possibilitando, a cada um, adentrar nos bastidores de Desde a fundação de nosso escritório, nos sentimos unidos
um processo criminal, sem que, com isso, pretendesse me tornar por nossas convicções profissionais, por nossos propósitos pessoais
um escritor doutrinário, ditando regras ou ensinamentos. e por nossa opção societária, mas, hoje, estamos definitivamente
Em alguns momentos, as peças processuais foram atrelados por uma atuação impecável a favor do ser humano e da
transcritas, mais com o objetivo de ilustrar a fase nos seus justiça, independentemente de nossos destinos e do futuro que se
detalhes do que como referência jurisprudencial, mesmo em se avizinha.
tratando de obras técnicas de inegável valor jurídico.

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5. Família jurídica Na minha adolescência, em razão de minha paixão eterna
e desenfreada, literalmente, pelas motocicletas, estive envolvido
Não agradecer a minha esposa Denise Alamy Botelho em ocorrências policiais, por falta de habilitação e outras coisas
também seria uma heresia. Sua participação data do início do do gênero, que foram acompanhadas pelo “bambambã” da
nosso namoro, vinte e oito anos atrás, quando ela me apresentou advocacia criminal do Estado, Dr. Ariosvaldo de Campos Pires,
seu avô materno, Dr. João Alamy Filho, coincidentemente amigo de minha família e de meu sogro.
advogado do Caso dos Irmãos Naves. Tempos depois, ele se transformaria em meu padrinho de
Ela atravessou comigo meu período de estudos até os dias casamento, meu ídolo e meu objetivo de vida, como profissional
de hoje, onde me apóia incondicionalmente em minha carreira e da área criminal.
em minha vida pessoal. Portanto, o meu lado familiar jurídico “não me pertence”,
Neste casamento de mais de vinte anos, fomos premiados utilizando-me, aqui, do jargão popular televisivo. Fui adotado
com a chegada e a presença de nossa filha Joana, que participou por este lar, de onde se exalava saber jurídico – parafraseando
ativamente do Caso Wagno, não só escutando os relatos de um antigo professor de adoráveis lembranças, e outras nem
maneira atenta e solidária, bem como, indo assistir ao julgamento tantas –, e através desses laços, fui recebido como integrante
no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E que, para orgulho meu do Escritório de Advocacia Dr. Pedro Aleixo, onde iniciei minha
e de toda a família, já manifesta interesse pela área jurídica. carreira advocatícia com a Dra. Maria Lúcia de Freitas, e defini
Revolvendo um pouco mais o passado, e dele tirando meu caminho pela área criminal, atuando ao lado dos professores
lições da minha trajetória profissional, segue-se que, mesmo não Maurício Aleixo e Haroldo Andrade.
sendo originário de família jurídica, o destino me colocou ao lado
de uma família de juristas.
No começo de meu namoro, descobri que meu sogro,
Mauro Belém Botelho, além de excepcional advogado, era Juiz
do Tribunal de Justiça Desportiva, e atleticano. Para um fanático
e irracional cruzeirense, como eu, o fato de o Juiz do TJD ser
atleticano e sogro era por demais danoso. Porém, com o passar
dos anos pude comprovar que sua opção clubística não interferia
em seus ideais de justiça.
Além do sogro reconhecidamente competente e talentoso,
a família de minha esposa abrigava em si um verdadeiro mito da
advocacia criminal, o já citado Dr. João Alamy Filho, advogado
que participou do também anteriormente mencionado Caso dos
Irmãos Naves, onde ocorreu o mais famoso erro judiciário do
País.
Contava ainda com minha cunhada, Clarice Alamy
Botelho, bacharela em Direito e competente servidora do TJMG;
com Ricardo Alamy, atual escrivão de uma das varas cíveis de
Belo Horizonte; e com o estudante de Direito à época – hoje
Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a
caminho, com certeza, das Instâncias Superiores –, Dr. Fernando
Neto Botelho.

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6. Luciano Huck fragilizado e descrente de seus semelhantes, ela me ponderou
como uma pessoa realmente diferenciada. Em contrapartida,
Eu começo quase pelo fim. acredito que eu não estivesse fazendo nada além de me valer do
O programa Caldeirão do Huck, por meio de seu bom-senso e precaução.
comandante Luciano Huck, em um ato também humanitário, Para completar, um Promotor de Justiça, então no Fórum
permitiu que esta vítima de erro judiciário grosseiro recebesse Lafayette, fez-me a alusão de que eu estava sorrindo durante a
uma ajuda financeira concreta. exibição do programa porque eu pretendia lançar mão do dinheiro
O apoio do apresentador e de seu programa veio em proveito próprio.
substanciar o caminho de Wagno para o seu retorno à sociedade, Em razão desses comentários tendenciosos, o programa
já que ele fora abandonado por um Estado prisional simplesmente trouxe uma mescla de resultados: um final empolgante, mas,
cumpridor de ordem judicial, e que o lançou às ruas sem nenhum por outro lado, trágico e desumano. Por isso, faço questão
amparo após ter ficado oito anos e três meses segregado de forma de esclarecer o motivo de toda a minha satisfação, quando da
equivocada e injusta. gravação do Caldeirão do Huck.
Ele foi sacado de sua vida, de sua casa, de sua cidadania, Foi o último programa em que gravamos, quase vinte
de seus rendimentos, de sua família, de seus filhos, de seus pais, dias depois da libertação do Wagno.
de seus sonhos e de tudo o mais que o rodeava. Estávamos, ele e eu, muito mais relaxados. Minha vida
Tamanha perda, ocasionada pelo mesmo Estado que, voltava à normalidade, pouco a pouco, assim como a dele. Além do
além do desencargo em compensar o injustiçado pelos danos a ele mais, o Rio de Janeiro, por sua beleza e alegria, provoca risadas
causados, ao reconduzi-lo de volta à sociedade deixou-o largado até no mais ranzinza dos mal-humorados.
à mercê de sua histórica má-sorte, sem ajuda e sem suporte, Quando lá cheguei, o Wagno já treinava para a prova
“lavando as próprias mãos”. havia cinco dias, e já era reconhecido por várias estrelas globais.
Assim, a oportunidade que lhe foi dada por Luciano Huck Eu me encontrei com ele no camarim do estúdio e,
e sua produção, e que culminou com a conquista do prêmio no enquanto aguardávamos o momento certo de gravarmos, nos
quadro “Agora ou Nunca”, ganha espaço de destaque em nosso deparamos com as meninas que dançam no Caldeirão. Eram
relato, pois em nenhuma outra ambiência, estatal ou não, Wagno seis assistentes de palco, todas elas espetaculares, ainda mais
encontrou essa guarida. quando envoltas por uma aura de música, dança e tudo o mais,
Ao término da gravação, depois da sofrida e aflitiva prova, complementando um quadro quase irreal até para mim, que
fomos encaminhados ao Departamento Administrativo do Projac, estive em liberdade a vida toda. Imagine para o Wagno, após mais
nome do local dos estúdios da Rede Globo. O encantamento pelo de oito anos preso só na companhia de homens ou de “sacudos”,
caso e por Waguinho era visível no rosto das pessoas. Naquele conforme sua própria expressão...
momento, era necessário que se fornecesse um documento para Portanto, Dr. Promotor, o meu sorriso de felicidade se
que fosse expedido o cheque do prêmio, e a Cátia, funcionária dava pelo momento pessoal e profissional que na ocasião estava
responsável por essa operação, requisitou os meus dados pessoais. sendo vivido por mim, por estar rodeado de mulheres de beleza
Incomodado, informei a ela que não queria aquele dinheiro na fantástica, e pela vitória do Wagno, meu cliente e agora amigo,
minha conta, pois era tudo o que as más-línguas precisavam para retomando seu caminho de volta à vida com dignidade e respeito,
dizer que eu estava me aproveitando de um coitado. Haveria de interrompido arbitrariamente com a ajuda decisiva de um de
ser feito um cheque em nome do Wagno, para que ele levantasse seus pares do órgão ministerial.
o valor do prêmio e gastasse da maneira que lhe conviesse. Depois de um sufoco incrível durante a prova – para
Sem querer jogar confete em mim mesmo, mas tão- conseguir vencer o desafio –, ficamos aguardando a exibição do
somente para demonstrar como o ser humano está se sentindo programa, o que ocorreu dois finais de semana após a gravação.

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Nesse dia, já antecipadamente anunciado, a audiência do 7. Caso dos Irmãos Naves
Caldeirão na Penitenciária Nelson Hungria atingiu a totalidade
dos televisores ligados. A solidariedade do preso é sincera, As coincidências do Caso dos Irmãos Naves com o Caso
assim como a raiva e o ódio, pois sentem os mesmos medos e Wagno chegam a causar espanto até mesmo naqueles que não
têm as mesmas esperanças, e se encontram trancafiados no crêem no sobrenatural.
mesmo lugar e da mesma forma. Quando Waguinho atingiu os Inúmeras situações semelhantes em ambos os casos me
pontos que lhe garantiram o prêmio, houve uma explosão de fazem questionar se alguma coisa em nossas vidas ocorre por
alegria na cadeia, mais uma vez causando aflições nos agentes acaso ou estamos todos dentro de um contexto previamente
penitenciários, como será descrito a seguir. Aquele momento programado.
talvez fique marcado como a conclusão de um caso significativo Considerado o mais famoso erro judiciário do Brasil, o fato
de injustiça e de confiança mútua, que não pode ser esquecido. aconteceu em Minas Gerais, na cidade de Araguari, há setenta
Assim como me disse um importante magistrado mineiro, anos.
se “o brasileiro não consegue guardar a história de seu próprio O Caso do Wagno ocorreu em Congonhas do Campo,
país”, quanto mais uma história de injustiças praticadas contra também interior de Minas Gerais.
um pobre coitado. Joaquim Naves e Sebastião Naves eram sócios de Benedito
Trinta dias na mídia nacional foram muito mais do que Caetano, comerciante de arroz da região, e que recentemente
qualquer um poderia jamais imaginar, mas muito menos do que havia negociado expressiva quantidade de mercadoria. Logo
o tamanho da injustiça praticada contra ele mereceria receber. após, Benedito abandona Araguari, levando o dinheiro obtido no
Esta narrativa tenta perpetuar um caso histórico, antes negócio.
que nossa vã e ocupada memória o apague para sempre. Acusados pelo Delegado de Polícia como responsáveis
pelo pretenso latrocínio de Benedito, que não ocorreu, Sebastião
e Joaquim foram submetidos a torturas, que foram extensivas a
suas esposas e mãe.
Wagno, também acusado de ser pretensamente o autor de
um latrocínio que efetivamente ocorreu, teve seu maxilar superior
quebrado por uma agressão, dentro da delegacia da cidade, que
o fez perder os dentes frontais, antes de ser submetido a mais de
doze horas de espancamentos ininterruptos.
Na defesa dos irmãos Naves atuou o Dr. João Alamy
Filho, um advogado brilhante, que, com coragem e perseverança,
jamais desistiu de provar a inocência de seus clientes. Ele, já
falecido, é avô de minha esposa Denise e bisavô da Joana, minha
filha. Processados e julgados, os irmãos foram absolvidos pelo
Tribunal do Júri. A Promotoria recorreu ao Tribunal de Justiça
de Minas Gerais, que anulou o julgamento.
Este mesmo Tribunal de Justiça, primeiramente, condenou
Wagno, confirmando a sentença condenatória, e, posteriormente,
o absolveu.
Em novo julgamento, foram mais uma vez absolvidos.
O Tribunal de Justiça, de ofício, resolve alterar o resultado,

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condenando os irmãos Naves a vinte e cinco anos de reclusão, 8. Colegas do escritório
quantum posteriormente reformado.
Wagno também foi condenado a vinte e cinco anos de Em uma estrutura advocatícia diversificada, a parte mais
reclusão e, da mesma forma, teve o “quantum” da sua pena ativa, que necessita de procedimentos mais urgentes e imediatos,
reformado pelo mesmo Tribunal. é, sem dúvida, a área penal.
Joaquim Naves e Sebastião Naves cumpriram oito anos e Os penalistas convivem diariamente com o sofrimento do
três meses reclusos e saíram em livramento condicional. cliente e com o desespero da família, todos querendo o resultado
Wagno também cumpriu oito anos e três meses, mas, para “ontem”. Para os familiares dos envolvidos, eles são sempre
diferentemente dos irmãos Naves, saiu absolvido. inocentes, e quem está errado são os outros.
Com o surgimento da vítima do latrocínio, “completamente Portanto, é muito difícil para as pessoas acreditarem em
viva”, foi proposta a Revisão Criminal para os irmãos Naves, mais um inocente preso injustamente.
mesmo procedimento judicial utilizado por nós, da defesa de Para mim, confesso que foi mais fácil acreditar, desde o
Wagno. Tanto os irmãos Naves quanto Wagno necessitaram de princípio.
duas Revisões Criminais para restabelecer a verdade e para que Inicialmente, sou um amante da liberdade, um inimigo
a justiça fosse, finalmente, feita. voraz das penas de reclusão impostas como são, para serem
A imprensa, à época, tratou o caso com grande destaque, cumpridas nas condições e na forma em que são determinadas.
assim como o caso Wagno, que freqüentou todos os maiores Segundo, o caso vinha recomendado por pessoas sérias, de
programas de entrevistas e jornalismos do País. reputação inatacável, o que, por si só, já seria motivos suficientes
A revolta e a manifestação populares ocorridas em para eu assumir tão árdua missão.
Araguari, setenta anos atrás, em razão de tamanha injustiça, se Desconstituir uma sentença condenatória, transitada em
repetiram em Congonhas. julgado, não é tarefa das mais fáceis em nosso país, e creio que
O Caso dos Irmãos Naves ficou nacionalmente conhecido, em nenhum lugar do mundo. E demanda investimentos, não só
passando a freqüentar o imaginário de estudantes e estudiosos intelectual e profissional, mas financeiros.
do Direito, como exemplo clássico de erro judiciário, e todas Porém, como disse anteriormente, sou parte de uma
essas semelhanças alçam o Caso Wagno ao mesmo patamar, estrutura advocatícia, e decidimos nossas questões de maneira
transformando-o em um dos maiores erros judiciários do País, democrática e consensual.
comparado ao que sofreram Sebastião Naves e Joaquim Naves. Portanto, deveria, em primeiro lugar, obter o apoio de
meus colegas, para determinar se iríamos assumir a causa, e,
em caso afirmativo, definirmos a forma de atuação.
Nossa reunião se desenvolveu amistosa, com todos rindo
de minhas convicções absolutórias.
Para sorte de Wagno, que não sabia que isso estava
ocorrendo, nosso escritório é composto por advogados na essência,
que lutam por ideais de justiça, e, mesmo em dúvida, abraçaram
imediatamente a causa, já delineando tarefas e objetivos.
Assim, o Caso Wagno passou a ser cuidado pelos
integrantes do Escritório Barros, Magalhães, Miraglia, Vieira,
Advogados Associados, responsáveis diretos pelo sucesso técnico
desta empreitada jurídica.
A mim coube lutar muito, fazer o “trabalho braçal”,

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participar ativamente das funções intelectual e estratégica, e 9. Nilmário Miranda
aparecer na mídia.
A principal integrante do Escritório, a já referida mestre Infelizmente, para nós, brasileiros, Direitos Humanos
e doutora em Processo Penal, a caminho de Roma (Itália) para virou uma pecha de direitos de bandidos, em todo o País.
cursar seu pós-doutorado, é a professora Flaviane Magalhães Nada mais justo que seja aberto um espaço para dignificar
Barros, que trouxe ao processo a consistência jurídica e a força do um verdadeiro defensor dos Direitos Humanos, daqueles humanos
conhecimento doutrinário, afastando de vez os vícios existentes, que têm direitos e merecem que estes sejam defendidos.
não deixando lacunas para questionamentos protelatórios. Foi Conhecido por suas posturas ponderadas, seu jeito
ela quem sustentou oralmente a defesa de Wagno, no Tribunal calmo e franco, seu passado de prisioneiro político, de vítima da
de Justiça. Ditadura, e pela sua luta por justiça, Nilmário Miranda, à época
Outra cabeça pensante deste time é a engenheira e Secretário Nacional dos Direitos Humanos, teve uma participação
advogada Cláudia Magalhães do Amaral, que agregou profundos fundamental no Caso Wagno, reconhecida no próprio acórdão do
saberes jurídico e lógico, atuando diretamente na estratégia Tribunal de Justiça.
escolhida, além de emprestar seus conhecimentos da língua Foi dele a primeira convicção da inocência de Wagno
materna e experiências pessoais e profissionais. e, a partir dela, seu vasto relacionamento político e social foi
O último, mas não menos importante componente titular mobilizado.
desta esquadra, é Gustavo Vieira, um daqueles não muito afeitos Dra. Cíntia Carneiro, professora de Processo Civil na
ao Processo Penal, mas que, não só administrou os bastidores PUC-MINAS e sua amiga fraterna, foi convocada inicialmente.
com perfeição, como cobriu as constantes ausências em razão dos Sentindo-se limitada, em razão de sua área de atuação, embora
trabalhos demandados. completamente capaz de atuar na causa, ela encaminhou o caso
E não poderia deixar de citar a importância de uma para sua colega de Magistério e minha sócia, Dra. Flaviane
estagiária competente. Paula Mendes, hoje ex-integrante deste Barros, professora na matéria específica que o caso requeria, ou
time, à época uma estudante de futuro mais que promissor, que, seja, Processo Penal.
com sua juventude, espírito de “guerra”, capacidade e obstinação, Dessa forma, por intervenção direta e decisiva de Nilmário
completou a equipe com sua alegria e entusiasmo contagiante. Miranda, o Caso Wagno chega ao meu Escritório, interferindo
Infelizmente para nós, foi requisitada para trabalhar em Brasília, em definitivo no futuro de todas as pessoas envolvidas, deixando
atuando ao lado do Ministério Público. marcas indeléveis e uma história de vida e de desafio profissional
Completamos nosso time com os estagiários Felipe que jamais será esquecida.
Machado e Natália Guimarães, que entraram no Escritório depois Meses depois, preparando sua candidatura ao governo do
de resolvida a questão criminal, mas em tempo de intervirem no Estado de Minas Gerais, Nilmário lançou um livro intitulado “Por
procedimento cível indenizatório. Que Direitos Humanos”, onde tratou de maneira especial o
Caso Wagno, a conduta e o desempenho dos advogados, inclusive
com fotos nossas estampadas junto a outros baluartes da luta
por justiça, e eu tomo a liberdade de transcrever uma parte que
muito me honrou:

“No Caso Wagno, a atuação da mídia foi


fundamental, uma vez que deu visibilidade ao fato e
estimulou a discussão do tema. Acredito que o exemplo
de Flaviane Pellegrini e Dino Miraglia sirva para outros

28 29
advogados e escritórios, sobretudo os mais famosos e 10. Caroline Bastos
aqueles que têm as melhores causas (...)”
Desde o início dos trabalhos, contamos com a participação
Mesmo não sendo vitorioso em sua campanha para o da Secretaria Estadual de Direitos Humanos, na pessoa
governo, vencido ainda no Primeiro Turno pelo Governador de Caroline Bastos, advogada e humanista que iniciou as
Aécio Neves, deixou demonstradas sua lealdade e capacidade, se reinquirições extrajudiciais, permitindo que mais provas novas,
habilitando a ser um dos conselheiros do novo governo Lula. atreladas ao depoimento de Joilson, dessem ensejo ao pedido de
Justificação na comarca de Congonhas.
Após a propositura do pedido de Justificação, seu trabalho
passou a ser de torcedora, que acreditava naquilo que havia feito
e do qual tinha participado, relegando a nós o trabalho jurídico.
Mas sua participação, enquanto o processo ainda
se arrastava em meras suposições e especulações, foram
fundamentais para alicerçar a convicção que todos passaram a
ter, depois de sua atuação, na inocência de Wagno.
Através dela, tomei conhecimento das questões que
envolviam o caso, a atuação da polícia, do Ministério Público
e, principalmente, dos parentes de Wagno, representados mais
assiduamente pelo Tio Nicolau.
E foi através dele que eu recebi mais uma importante
peça deste quebra-cabeça: a fita de Joilson.

30 31
11. A fita 12. Wagno

Estava com meu pai, que se encontrava muito doente e Assim que cheguei à Penitenciária, fui encaminhado a um
precisou ser internado em um grande hospital de Belo Horizonte, supervisor jurídico, que coletou minhas informações pessoais.
quando recebi a fita cassete gravada por Joilson, pelas mãos do Disse-lhe que gostaria de falar em particular com
incansável Tio Nicolau.
Em razão do avanço tecnológico e de meu momento de Wagno Lúcio da Silva e Joilson Dias Henrique, este muito
aflição, não conseguia vislumbrar um local que possuísse um toca- conhecido dos carcereiros e agentes penitenciários, pois havia se
fitas, ainda que estivesse sedento de curiosidade para conhecer o envolvido em ocorrências de motins e rebeliões, com um outro
seu conteúdo. famoso encarcerado conhecido por Rogerão, líder das grandes
Conversando com minha mãe, no hospital, ela me lembrou manifestações existentes à época na Penitenciária de Segurança
que o carro do meu pai, que estava parado na garagem de nossa Máxima.
casa, possuía aquela peça quase de museu, funcionando muito Wagno era um simples desconhecido, mais um número
bem.
Dirigi-me à casa de meu pai, e como estava atrasado dentro de um inferno carcerário que abriga contingente superior
para outro compromisso, fui no carro dele, ouvindo a fita. Esta, a oitocentos presos, alguns poucos notórios, e outros, em sua
de qualidade técnica precária, mas perfeitamente audível, havia maioria, anônimos.
sido gravada pelo advogado de Joilson – até então, para mim, Seu comportamento carcerário exemplar, suas
um presidiário recolhido na Penitenciária Nelson Hungria, em características pessoais – discreto, envergonhado e muito
Contagem, na Grande Belo Horizonte. O detento afirmava que disciplinado – o faziam passar despercebido, não sendo notado
Waguinho não tinha participado do latrocínio do taxista Rodolfo; nem pelos monitores e muito menos pelas turmas formadas nos
que ele, Joilson, havia sido convidado a cometer o latrocínio pelos
reais autores do fato, mas recusou-se a fazê-lo; que havia visto os interiores das muralhas prisionais.
verdadeiros assassinos com a vítima, no dia fatídico; e, finalmente, Fiquei aguardando no parlatório, sala própria para
que ele e Waguinho sofreram tentativas de homicídios praticadas o encontro dos presos com seus advogados, já agoniado de
pelos verdadeiros autores do latrocínio, ainda na cadeia de permanecer por alguns minutos em local tão exíguo. Sou
Congonhas, para onde os de fato criminosos foram levados, presos completamente agitado, e esperar é uma das minhas maiores
por outros crimes. dificuldades.
Realmente, os relatos da fita vinham ao encontro do que Mesmo freqüentando constantemente estabelecimentos
afirmara o tio de Waguinho.
Diante do compromisso assumido com pessoas importantes, prisionais, em razão de minha especialidade, o Caso Wagno mexeu
da credulidade na versão da família e da fita existente, não me comigo desde o início, provocando-me sucessivos e diversificados
restava alternativa a não ser ir ao encontro desses personagens, sentimentos.
que estavam recolhidos na Penitenciária Nelson Hungria, e, por Inicialmente, estava movido pela curiosidade, que, depois,
meio de um estudo aprofundado do caso, que incluiria, ao final, se transformou em grande e quase intransponível desafio a ser
questionamentos e investigações quase policiais, fazer o meu vencido.
próprioJuízo de convencimento. Descoberta toda a verdade, agi em favor do ser humano
O advogado é primeiro Juiz da causa, mesmo não julgando
o autor do fato. Não se pode confundir umJuízo de valor sobre a inocente, atuando por ânsia de justiça.
natureza e característica do ocorrido com uma condenação prévia Voltando ao cenário do parlatório, imaginava-me preso e
do autor, feita sem a efetivação de ampla defesa. encarcerado, por uns poucos dias, sem espaço e sem poder fazer o
Não julgamos conduta e não condenamos ninguém, mas que quisesse e na hora em que me aprouvesse, e chegava a suar
somente se construindo umJuízo de valor consciente poderemos frio.
encontrar a essência do caso e o melhor caminho para a Vislumbrava uma pessoa presa por vários anos, sentindo
apresentação da defesa. calor, frio, comendo mal, sozinho com seus sonhos e decepções, e

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me faltava ar nos pulmões. 13. Joilson
Pensava naquela pessoa ali, presa inocentemente
por todos aqueles anos, sem conseguir provar o que falava, Já superados os momentos de dificuldade e aflição
assemelhado a um mudo, e me vinha ânsia de vômito. advindos do encontro com Wagno, recebo, no mesmo parlatório, o
Nesse espírito imergido em aflições pessoais, recebo, pela interno Joilson Dias, pivô principal de meu envolvimento naquele
primeira vez, Wagno Lúcio da Silva. processo que ora se iniciava.
Seu físico avantajado, sua aura de seriedade, serenidade Mais um homem avantajado adentra o espaço que pouco
e, principalmente, de sinceridade, completaram todo o espaço tempo atrás acomodara Wagno.
que sobrava, me colocando cruamente à frente de uma realidade Negro, muito semelhante ao zagueiro Cléber que jogou
dolorida, mas repleta de esperança. na seleção de futebol, Joilson carregava o temor daqueles que
Não poderia jamais iludir aquele homem com promessas falam contra os criminosos.
falsas. Não queria confirmar nada que havia dito na fita, se
Não conhecia o processo e não devia deixá-lo esperançoso, não houvesse garantia para sua família que permanecia em
com uma perspectiva irreal. Congonhas.
Todo advogado criminal deveria priorizar e valorizar a Continuando minha política de verdades e confiança
importância da honestidade e da confiança, no trato com seus mútua, disse-lhe que não lhe poderia conceder essa garantia,
clientes presos. mas sim, prometer-lhe que iria pessoalmente falar com o Juiz
Depois de uma entrevista, esclarecedora, a par de um de Congonhas, Dr. Paulo Roberto Caixeta, prolator da sentença
pouco confusa e sem muita objetividade, disse a ele que não podia condenatória do próprio Waguinho – compromisso este cumprido
prometer nada. Reformar uma sentença condenatória definitiva na primeira oportunidade em que me encontrei com o referido
seria dificílimo, mas eu me esforçaria ao máximo por sua causa. magistrado.
Ao final, eu o informei que iria pouquíssimas vezes visitá- Certo de que estava tratando com uma pessoa confiável,
lo na Penitenciária, pois as questões discutidas eram meramente Joilson resolveu acreditar em minhas promessas e relatar uma
processuais, e seriam tratadas no Fórum de Congonhas e no história incrível, envolvendo tráfico de drogas, vinganças, acertos,
Tribunal de Justiça de Minas Gerais. desacertos e formação de quadrilha, o que causa espanto aos mais
Despedimo-nos pela vez primeira, à chegada de Joilson. incautos, visto ser Congonhas uma cidade pacata e ordeira.
Agora sei por que ele me contou, tempos depois, quando Se fossem verdades apenas algumas coisas a que Joilson
se viu livre, que ficou repleto de esperanças sob o jugo do meu havia se referido, já seria “material inflamável” para o pedido de
trabalho. Revisão.
Fiquei abalado pelo caso envolvendo um ser humano, Como Joilson disse somente verdades – e hoje sabemos
que, agora também o sei, é diferenciado e tocado pelas mãos de muito bem disso –, saí em busca do processo, onde poderiam estar
Deus. contidas todas as respostas aos infindáveis questionamentos que
Eu estava ansioso para falar com Joilson. eu tinha em relação ao Caso Wagno, que agora me aguçavam e
me empurravam em direção a um processo que acrescentaria, em
um futuro próximo, mais um exemplo clássico de erro judiciário
no País.
Joilson hoje se encontra recolhido na comarca de
Congonhas, em regime semi-aberto, já usufruindo esses benefícios,
como saída temporária, estando lentamente se reintegrando à
comunidade congonhense.

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Recentemente foi vítima de espancamento na cadeia, 14. As cópias do processo
após o retorno de uma das suas saídas autorizadas, por um grupo
ligado aos verdadeiros criminosos do Caso Wagno, demonstrando Saindo da Penitenciária, e no afã de ter as cópias do
que o drama ocorrido em 1998 ainda não se encerrara para os processo em meu poder, parei no Fórum de Contagem, onde
personagens envolvidos. tentei localizar a Execução Criminal de Wagno.
Estamos acompanhando a execução de sua pena, como Como é sabido pelos juristas, depois que se encerram
prometido no início de nosso relacionamento. todos os recursos cabíveis, momento processual juridicamente
conhecido como trânsito em julgado da sentença, a condenação
criminal no processo se torna definitiva, gerando um processo de
execução penal, que orientará o cumprimento da pena fixada.
A vida de Waguinho nunca foi repleta de lances de
sorte. Ao contrário, e para não se afastar desse estigma, os
autos do processo de sua Execução permaneciam na comarca de
Congonhas, irregularmente, já que seu cumprimento físico havia
sido transferido para Contagem.
Isso fez com que o início dos trabalhos fosse atrasado por
alguns dias. Seria necessário meu deslocamento para Congonhas,
onde iria extrair as cópias reprográficas de todo o processo, de
“capa a capa”, como é tratado o procedimento que inclui cópias de
todo o conteúdo, inclusive carimbos e despachos.
Somente dessa forma é possível se fazer uma análise
profunda e técnica dos autos de um processo, visto que apenas
o que existe nos autos pode ser apreciado, ou seja, “aquilo que
não está nos autos não está no mundo”, como prescreve uma das
máximas jurídicas.
Enquanto me dirigia para a cidade de Congonhas,
localizada a aproximadamente 75 km da capital mineira, pensava
com meus botões se valeria a pena tanto esforço.
Assim que cheguei ao Fórum de Congonhas e requisitei
o processo para que eu pudesse fazer as cópias, os funcionários
da secretaria me olharam como se contemplassem um
extraterrestre.
A morte do taxista Rodolfo ainda permanecia viva, sem
trocadilhos, no imaginário e na memória da pacata e histórica
cidade mineira. O fato de ser um município que abriga parte da
vida cultural e histórica do País favorece a que os fatos passados
se perpetuem, e não foi diferente com este caso, que comoveu
toda a região, gerando enorme clamor popular.
Superado o susto inicial, e alguma má vontade, fui
atendido e obtive, finalmente, as cópias de todo o processo que

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culminou com a condenação de Waguinho. 15. Leitura
Agora só me restava retornar a Belo Horizonte, não sem
antes parar no posto de gasolina na estrada, perto do famigerado Chegando a minha casa, e não quero florear um momento
e perigoso Viaduto das Almas – que hoje já possui nome íntimo, fui para o banheiro e levei comigo o processo, para dar
menos macabro, mas continua sendo tratado por sua antiga uma “olhadinha”.
nomenclatura –, para comer um delicioso pão com lingüiça, que Aqueles minutos de solidão, calma e atenção se
foi meu lanche corriqueiro durante minhas inúmeras idas e transformaram em horas de expectativa e perplexidade. Folhas
vindas a Congonhas. e folhas do processo foram sendo consumidas de maneira
compulsiva e seqüencial. A incômoda posição me trouxe cãibras
e formigamentos, me impelindo a sair daquele cubículo de
concentração, sem antes, entretanto, de terminar toda a leitura,
e, pasmem, já chegando à conclusão de que realmente Wagno era
inocente.
Não existia, nos autos, nenhuma prova concreta, clara e
cristalina, para embasar uma sentença condenatória. No máximo
continha uma afirmação duvidosa, que deveria ter sido valorada
a favor dele, e não contra ele.
Pela segunda vez – a primeira foi em meu encontro
inicial com ele na Penitenciária –, senti sinceridade e verdade
em suas palavras, e agora eu estava completamente convicto de
que Wagno era inocente.
O excitamento tomou conta de mim. Não consegui
aguardar o dia seguinte e liguei para a Flaviane. Ela, um
pouquinho mais ponderada do que eu, mas um “pouquinho bem
pequeno”, imediatamente começou a me perguntar detalhes do
processo, já articulando uma estratégia inicial. Minha primeira
sócia estava irremediavelmente “fisgada” pela busca de justiça
para Wagno.
Era o momento de convencer os demais sócios, e agora a
missão estava muito mais fácil, com a participação da Flaviane.

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16. Convicção 17. A falha – início do erro

Agendada a reunião com os meus sócios, fui Procurando desvendar os meandros do processo, para
disponibilizando a cópia para que eles tomassem conhecimento identificar a origem dessa falha, era necessário despir-me da
daquilo que estávamos abraçando. beca jurídica e vestir o capuz e a boina do detetive.
Eu e a Flaviane, sem o menor trabalho, convencemos os O primeiro absurdo, que logo saltava aos olhos, era que a
nossos demais sócios e colaboradores, de imediato, para nossa condenação havia se baseado exclusivamente no depoimento de
alegria, e nos decidimos pela seqüência de tarefas. um menor, que, por três vezes, prestou depoimentos contraditórios
Era um projeto de justiça, que dependia da crença de todos e claramente amedrontados.
os envolvidos, pois poderíamos fracassar em nossa estratégia e Não havia outros indícios testemunhais ou periciais,
ter que arcar com essa mancha profissional em nossas vidas. ou qualquer outra espécie de prova admitida em direito, que
Os demais sócios não só se convenceram, como se desdobraram corroborassem aquele depoimento, o que, de imediato geraria, no
na assistência e assessoria ao caso, transformando-o, ao final, em mínimo, dúvida passível de ter sido valorada a favor do réu.
uma causa coletiva, onde cada um fez o que podia, o que sabia O Tribunal de Justiça de Minas Gerais confirmou a
e o que tinha condição de fazer, em prol da aplicação plena do condenação e ratificou o erro.
espírito da palavra JUSTIÇA. Seria necessário se aprofundar ainda mais nas
Desde seus pais e tios, passando por Nilmário Miranda investigações, para que se pudesse entender de onde saíra o tal
e equipe, até chegar a seus advogados, agora formávamos um convencimento equivocado do Juiz de Congonhas.
extenso grupo de pessoas convicto da inocência de Wagno. A denúncia trazia fatos e afirmações que não existiam
nos autos. Extremamente preconceituosa, definiu condutas
e posturas apoiadas em nada, o que responsabiliza também o
Ministério Público, neste caso. O próprio Juiz da causa afirmou
que quem errou primeiro foi o Ministério Público, por denunciar
negligentemente.
Talvez o problema também estivesse no inquérito
policial. Wagno afirmara que havia sido torturado, e esse fato
não constava dos autos.

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18. Inquérito As testemunhas que o acusavam falavam daquilo que
tinham ouvido, através das declarações do menor.
O primeiro mistério surgia no inquérito. Não existiam testemunhas presenciais e nem testemunhas
O comportamento da polícia de Congonhas não poderia que depuseram contra Wagno. Ninguém o viu com a vítima ou
ter sido mais desastroso. na cena do crime.
Já no início das investigações, ela chegou ao tal menor, Não houve nenhuma outra prova técnica, ou mesmo
porque ele havia subtraído o toca-fitas do carro do taxista, depois qualquer espécie de indício que corroborassem aquele depoimento
de este já estar morto. único e completamente desapegado do restante do conjunto
As diligências eram comandadas diretamente pelo probatório.
genro da vítima, ex-policial militar expulso da Corporação de Não houve confissão, mesmo depois de horas ininterruptas
Tiradentes, como é conhecida a PM, em Minas Gerais. de espancamento.
Assim que localizaram o menor, a barbárie de Wagno As testemunhas de defesa, idôneas e moradoras da
começou. comunidade, todas humildes, sem nada para esconder, optaram
Este menor foi espancado até começar a “dar com a língua por falar a verdade, e comprovaram isso ao serem novamente
nos dentes”. inquiridas no Processo de Justificação, quase oito anos depois,
Previamente preparado pelos verdadeiros assassinos, o confirmando o que haviam declarado em todas as fases do
menor confessou sua participação no latrocínio e apontou Wagno processo. Mesmo tendo sido desacreditadas, humilhadas e
como co-autor. intimidadas pelos policiais para alterar a versão narrada, se
Wagno foi preso, espancado, teve sua boca quebrada, e foi mantiveram firmes e coerentes.
torturado por doze horas consecutivas, para confessar o que não Com este “pacote” de provas, foi relatado o inquérito,
tinha feito. Não confessou, e de tanto apanhar quase morreu. indiciando Wagno, por latrocínio, crime com a maior pena
No dia seguinte, o menor presta novo depoimento, desta prevista no Código Penal Brasileiro, de vinte a trinta anos de
feita acompanhado de seu pai e de um advogado conhecido da reclusão.
sua família, e altera a versão, inocentando Wagno, e dizendo que
corria risco de vida, pois os verdadeiros assassinos iriam “pegá-
lo” por isso.
A polícia informa isto ao Juiz de Congonhas e este se
dirige à cadeia pública da comarca e encontra Wagno muito
machucado. Em função desse fato, expediu uma guia de exame
de corpo de delito, que jamais foi realizado, mesmo tendo Wagno
sido retirado da cela para fazê-lo.
Wagno é solto, a história se espalha em Congonhas, e
um recado das ruas chega até ao menor, que estava recolhido
em local separado, porém, na cadeia pública, junto dos demais
bandidos.
Surge a terceira versão do menor. Wagno é o comparsa.
Novamente recolhido, ele somente iria ver a liberdade
de novo ao sair da Penitenciária Nelson Hungria, oito anos, três
meses e dezessete dias depois.
Durante o inquérito foram ouvidas várias testemunhas.

42 43
19. A denúncia Assim, tendo o denunciado incorrido nas sanções
dos artigos 157 & 3º, última parte do Código Penal, c/c art
EXMO. SR. Juiz DE DIREITO DA COMARCA DE 1º da Lei 2.254/54.
CONGONHAS
REQUER esta Promotoria de Justiça seja o mesmo
O Promotor de Justiça perante essa vara, no denunciado, devidamente citado para interrogatório
exercício de seu Ministério, com base no incluso inquérito e defesa que tiver, ouvidas as testemunhas abaixo
policial, vem perante esseJuízo, oferecer denúncia arroladas, cumpridas as demais formalidades da lei e,
contra: afinal condenada nas penas que lhes couber.

WAGNO LÚCIO DA SILVA, vulgo Waguinho, Congonhas, 10 de fevereiro de 1998.


solteiro, trabalhador braçal, filho de Benedito Eugênio
da Silva e Maria Eduarda da Silva, natural de Congonhas JOÃO VICENTE GRISSI
– MG, por ter praticado a seguinte conduta delituosa: PROMOTOR DE JUSTIÇA

No dia 24 de outubro de 1997, às 21 horas


aproximadamente, o ora denunciado, em companhia do
menor Wellington Azevedo de Paulo, no lugar denominado
bairro Primavera, na Av. Um com rua Onze, fazendo uso
de uma faca, desferiu vários golpes na vítima Rodolfo
Cardoso Lobo, causando-lhe a morte.

Após, subtraiu para si um rádio toca-fitas marca


Volksline ETR II que se encontrava instalado no veículo
da vítima, evadiu-se do local, entregando o produto do
crime ao menor Wellington Azevedo de Paulo, tendo este
o escondido nas proximidades de sua residência.

A dinâmica dos fatos ocorreu da seguinte


maneira:

O ora denunciado, que se encontrava em companhia


do menor Wellington, encarregou a este de comparecer
no ponto de táxi localizado no centro desta cidade,
manter contato com a pessoa da vítima no sentido de
convidá-lo a efetuar um transporte que se resumiria em
levá-los (denunciado e Wellington) a determinado local.
Tendo a vítima acordado, o menor e posteriormente o
denunciado se dirigiram para o local citado, onde, após
ter este determinado ao menor para que se afastasse um
pouco do veículo, passou a dialogar com a vítima e, ato
contínuo, a esfaqueou.

Todos os atos foram presenciados pelo menor


Wellington.

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20. Processo criminal constituindo mais um fator preponderante para a absolvição de
Wagno, pelo Tribunal de Justiça.
Ignoradas as confusões do inquérito, foram estes autos Perante o Juiz, as testemunhas de acusação ratificaram o
enviados ao Fórum, e conclusos ao Juiz que abriu vista ao que haviam dito para a autoridade policial, confirmando, ainda,
Ministério Público, para as providências cabíveis, ou seja, novas que tudo o que narraram foi contado pelo menor.
diligências, que seria o procedimento lógico, conseqüência de Já durante o depoimento das testemunhas arroladas por
uma investigação capenga e inconclusiva, ou oferecimento de Wagno, ocorre o primeiro erro gritante de sua defesa.
denúncia, caminho mais cômodo e menos trabalhoso, opção A principal testemunha de Waguinho não compareceu,
escolhida pelo órgão ministerial. pois se encontrava trabalhando no mesmo horário, e se esqueceu
Fazendo isso, foi corroborada toda a lambança da do compromisso para o qual estava intimado.
investigação policial, por um órgão que tem como obrigação O advogado desistiu da oitiva dessa testemunha, e Wagno
constitucional ficar atento ao que ocorre no meio social. não teve sua versão confirmada, pois ela era o álibi de que ele não
É o fiscal da lei. estava na cena do crime à hora em que os fatos se deram.
Naquele momento, o Juiz de Congonhas, que já havia Estabeleceu-se prazo sucessivo para as apresentações de
ratificado o flagrante, depois relaxado e posteriormente alegações finais e, depois disso, foi concluso para sentença, que
restabelecido a prisão; que tinha ciência das agressões e torturas foi prolatada em poucos dias.
sofridas por Wagno, pois presencialmente comprovou que ele
estava todo machucado, e até ordenou a expedição de uma guia
para exame de corpo de delito, que jamais foi feito; em vez de agir
de ofício, remeter os autos para a autoridade policial, a fim de que
as diligências e investigações, insuficientes, fossem completadas,
optou pelo caminho mais fácil, recebendo a denúncia e, já
mandando citar o agora réu, designou a data do interrogatório.
No interrogatório, Wagno narrou a mesma história que
havia contado em seu depoimento à autoridade policial, depois
de torturado por doze horas, desta feita aoJuízo. Sua versão se
mantém inalterada até hoje, e o fato de não se contradizer em
todos estes anos foi fundamental para sua tardia absolvição.
Somente a verdade permanece por anos inalterada. A
mentira, com o tempo se transforma.
Wagno foi acompanhado de um defensor da região, foi
arrolado um vasto rol de testemunhas e não foram requeridas
diligências.
A maioria havia sido ouvida pela autoridade policial,
mas lá, elas foram intimidadas e desacreditadas pelos agentes
policiais, os mesmos que espancaram Wagno, afirmando que elas
estavam todas combinadas e arranjadas. Apesar disso, disseram
a verdade e mantiveram-na perante o juízo.
Quase oito anos depois, foram reinquiridas no Processo
de Justificação, e confirmaram o que falaram todo o tempo,

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21. A condenação O inquérito policial instaurado a partir do auto
de prisão em flagrante lavrado em desfavor do acusado
Autos: 659/98 foi o sustentáculo da peça acusatória e está acostado aos
Autora: Justiça Pública autos às fls. 04/56.
Réu: Wagno Lúcio da Silva Às fls. 57-67 expediente referente a habeas corpus
impetrado em favor do menor Wellington.
Vistos, etc...
Tendo o acusado sido colocado em liberdade
O ilustre representante do Ministério Público, antes do envio do Inquérito Policial à Justiça, requereu
em exercício nesta Comarca, ofereceu denúncia contra o Ministério Público e assim decidiu o Magistrado pela
Wagno Lúcio da Silva, vulgo “Waguinho”, suficientemente custódia preventiva do acusado (fls.68/71).
qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções
do 157 Parágrafo 3° (última parte) do Código Penal c/c o Às fls. 75/82 novas informações sobre o habeas
artigo 1° da Lei 2.252/54, imputando-lhe o seguinte fato corpus em favor no menor Wellington.
delituoso:
Mandado de prisão em desfavor do acusado
“... No dia 24 de outubro de 1997, às 21:00 horas devidamente cumprido como é visto às fls. 83-84.
aproximadamente, o réu denunciado, em companhia do
menor Wellington Azevedo de Paulo, no lugar denominado Laudo de necropsia da vítima às fls. 85/92.
bairro Primavera, na Av. Um com Rua Onze, fazendo uso
de uma faca, desferiu vários golpes na vítima Rodolfo Diligências requeridas pelo Ministério Público
Cardoso Lobo, causando-lhe a morte. determinando o retorno dos autos à Delegacia de Polícia
de origem às fls. 93/103.
Após, subtraiu para si um rádio toca-fitas, marca
Volksline ETR II que se encontrava instalado no veículo Laudo do Instituto de Criminalística, com
da vítima, evadiu-se do local entregando o produto do ilustrações fotográficas, às fls. 104/111.
crime ao menor Wellington Azevedo de Paulo, tendo este
o escondido nas proximidades de sua residência. Diligências cumpridas às fls.112/118.

A dinâmica dos fatos ocorreu da seguinte Ingresso emJuízo do Dr. Defensor do acusado
maneira: requerendo cópias dos autos, retorno dos mesmos
à Delegacia de Polícia de origem e apresentando
O ora denunciado, que se encontrava em companhia instrumento de mandado às fls. 119/121.
do menor Wellington, encarregou a este a comparecer no
ponto de táxi localizado no centro desta cidade, manter Novamente os autos retornam à Delegacia de
contato com a pessoa da vítima no sentido de convidá-lo Polícia conforme anuiu o Ministério Público e devolvidos
a efetuar o transporte da vítima que resumiria em levá- à Justiça com o cumprimento das diligências às fls.
los (denunciado e Wellington) a determinado local citado, 121/129.
onde, após ter este determinado ao menor para que este
afastasse um pouco do veículo, passou a dialogar com a Finalmente é ofertada a denúncia contra o acusado
vítima e, ato contínuo, a esfaqueou. e recebida por despacho às fls. 130 e sendo determinada a
requisição do acusado para ver processar.
Todos os fatos foram presenciados pelo menor
Wellington” ... (fls.02/03) Às fls. 131, certidão de antecedentes criminais do
acusado.

48 49
Interrogatório realizado às fls. 132 e intimado o conduta e o resultado, responsável pela relação de causa
advogado constituído para defesa preliminar no tríduo e efeito.
legal. (fls. 132/133)
A autoria da conduta delituosa não é admitida
Defesa prévia às fls. 134, acompanhada de rol de pelo acusado, contudo, pela evidência probatória dos
testemunha. autos, não sobrevive qualquer dúvida a este respeito,
em que pese o esforço da defesa no sentido de asseverar
Designada a oitiva das testemunhas arroladas pela a insuficiência ou a fragilidade de provas contra o seu
denúncia através de despacho de fls. 135. constituinte, absolvendo-o da acusação.

Sem qualquer justificativa aceitável, juntadas aos Observa-se que o início das investigações se deu a
autos, de forma aleatória, pedido de reconsideração da partir da comunicação do encontro de um cadáver, feita à
prisão preventiva feita em favor do acusado, parecer Polícia pelo cidadão de nome Altair Francisco da Cunha
desfavorável do Ministério Público e indeferimento (depoimento às fls. 175) e logo em seguida, uma notícia
do pedido de relaxamento pelo Magistrado que nos dada ao policial civil Sinval de Oliveira (depoimento
antecedeu. ( fls. 136/141) às fls. 05) onde o senhor não identificado de posse de
informação de uma menina, também não qualificada,
Pedido de informações de habeas corpus impetrado relatava a presença de abordagem de um adolescente, na
em favor do acusado às fls. 142/150. noite anterior, ao taxista vítima.

Realizada a audiência de instrução tendo sido Se no momento eram poucas as chances de


inquiridas as testemunhas arroladas pela denúncia, as desvendar o crime, o toca-fitas roubado da vítima foi a
da defesa, com a dispensa de uma ausente e uma referida, chave dessa elucidação. A polícia chegou até à pessoa de
tudo conforme está às fls. 155/175. Wellington, pois este, já sábado pela manhã, tinha oferecido o
toca-fitas à pessoa alcunhada por “Fusquinha”. Tudo
Na fase diligencial as partes nada requereram. está a indicar que Waguinho, ajustado com Wellington,
planejou subtrair da vítima seus valores, e sem uma
Alegações finais do Ministério Público às fls. razão maior, de forma covarde e violenta, ceifaram-lhe
176/180 pugnando pela condenação do acusado incurso a vida. Possivelmente apavorados com a morte da vitima
nas iras do art. 157 § 3° (última parte) c/c com o artigo 63, trataram de desfazer do produto do roubo, oportunidade
ambos do Código Penal. em que Waguinho determinou a Wellington que jogasse o
toca-fitas dentro do rio por “Fusquinha”, obtendo, com isto,
Prestadas informações complementares ao E. vantagem, sendo que este fato chegou ao conhecimento
Tribunal de Alçada às fls. 181. da polícia. Tanto é verdade que Wellington foi apreendido
no Parque Cachoeira e a pessoa de “Fusquinha” estava
Razões derradeiras apresentadas pelo em companhia da polícia. Logo em seguida foi feita a
defensor do acusado pleiteando sua absolvição pela apreensão do toca-fitas em uma horta nas proximidades
fragilidade e incerteza das provas (fls. 182/186). de um terreno baldio, conforme atestaram as pessoas de
Dorian Clifford Dutra (fls. 161) e Aldrovando de Carvalho
É o necessário a relatar. Decido. (fls. 166).

É certa a materialidade do delito vez que está Interessante salientar que Wellington, apreendido
consubstanciada pelo auto de apreensão de fls. 29, termo pela polícia e devidamente questionado sobre a posse do
de restituição de fls. 30 e laudos periciais de fls. 87/92 e toca-fitas, indicou a pessoa do acusado como sendo o autor
104/111, estabelecendo-se o nexo de causalidade entre a do bárbaro crime oferecendo detalhes da empreitada

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criminosa (declarações de fls. 07/09). De uma forma subcomandante para comunicar tal fato, por se tratar de
surpreendente, dois dias após sua apreensão, retorna à ocorrência de destaque, sendo que no trajeto próximo ao
presença da Autoridade Policial e muda por completo a “Bar Hollywood” situado na Rua Monteiro de Castro (ao
sua primeira versão, passando a inocentar o acusado e lado da ponte que dá acesso ao poliesportivo Monteirão)
assumindo sozinho a conduta delituosa (fls. 32/36). Porém, avisou aos indivíduos Wagno Lúcio da Silva sobre um
mais estranho do que a mudança da versão por parte do veículo motoneta/Mobylete de cor preta, em companhia
Wellington foi a rapidez utilizada pelo Dr. Antônio Lanna de Wellington Azevedo de Paulo; ... que mais tarde, por
Rabello, Delegado de Polícia que presidia as investigações, volta das 15:30 horas, o declarante teve conhecimento de
cuidando em advogar em favor de Waguinho, requerendo que o autor do crime havia sido preso e veio a saber que
ao Juiz em exercício na Comarca a sua liberdade, se tratava de Wellington Azevedo de Paulo, elemento este
constatando em destaque: no entender desta Autoridade que se encontrava mais cedo em companhia de Waguinho;
o mesmo deverá ser solto imediatamente, uma vez que que o declarante então deslocou-se até esta Delegacia
não existe mais (sic) motivos para a prisão do mesmo para confirmar que se tratava do menor Wellington
ante os fatos novos apresentados (documento fls. 43). que estava em companhia de Waguinho; que tal fato foi
Tal atitude do então delegado revelou, no mínimo, falta confirmado, inclusive o menor Wellington confessou na
de preparo para o cargo e a imensa afronta à seriedade presença do declarante, do genro da vítima, Ruy Cirilo,
profissional que se deve ter em casos deste jaez para não e do taxista João Matosinhos, que foi ele (Wellington) e
availar ainda mais a sociedade. Waguinho, os autores do crime, inclusive confessando
que havia ganhado o toca-fitas do veículo da vítima...
O restabelecimento de parte da verdade só veio
a ocorrer quando Wellington, através de habeas corpus, Ruy Cirilo Rabello Júnior (fls. 158/159) – verbis:
foi posto em liberdade e, diante do Magistrado que nos “... que também acompanhou os policiais quando da
antecedeu, reafirmou ser o acusado Waguinho o autor apreensão de Wellington, estando ainda presente a
do deprimente delito, ratificando, de certa forma, a sua pessoa de “Fusquinha”; que Wellington negava qualquer
primeira declaração na polícia. participação no crime, todavia, por ter oferecido ao
“Fusquinha” toca-fitas da vítima começaram a indagar de
Diga-se, de antemão, que Wellington, com certeza, Wellington sobre o latrocínio; que a princípio Wellington
foi partícipe neste latrocínio e sua tentativa de livrar-se de dizia que tinha tido a participação de alguém do bairro
qualquer imputação neste sentido é mero subterfúgio, vez Dom Oscar, mas quando para lá se dirigia resolveu dizer
que os indícios que o incriminam são fortíssimos e serão que quem havia participado efetivamente era Waguinho
ressaltados em sede própria onde será ele julgado. Por ora da Pedreira; que logo após a revelação por parte de
está-se valendo de seus depoimentos de fls. 07/09 (auto de Wellington retornaram à Delegacia, quando então os
prisão em flagrante), fls. 94/96 (audiência de apresentação policiais decidiram ir ao encalço de Waguinho;... que
de adolescente infrator) e 163/165 (depoimento judicial Wellington confirmou que Waguinho deu as facadas no
na fase de instrução) como a prova cabal e fiel em relação Sr. Adolfo e depois de abandoná-lo no chão entraram no
à autoria do delito imputada ao acusado Waguinho e carro e foram até o local onde abandonaram o veículo;
contra a qual não houve contrariedade. que o depoente acredita que esta é a versão real do
crime;... que por diversas vezes Wellington pediu aos
Registre-se, para efeito de conversão da prova no policiais para fazer exame de impressões digitais na faca
tocante à autoria do crime recaindo na responsabilidade para provar que Waguinho seria o autor do crime; que
de Waguinho, os depoimentos de: ouviu comentário de que Wellington teria sido espancado
e ameaçado para mudar a versão, feita na segunda
Vicente de Paula Ferreira Filho (fls.122/123) – feira;...”
verbis: “... que por volta das 8:30 horas, recebeu ordem
de seu comandante para se deslocar até a residência do

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Ivanil Luiz Ferreira (fls.160) – verbis: “... que tanto Ainda a defesa buscou a fala de Altair Francisco
antes quanto atualmente o depoente pode afirmar com da Cunha (fls. 175) que nada soube dizer a respeito dos
segurança que Wellington afirmou ser Waguinho o autor fatos narrados na peça acusatória, afirmando conhecer
do latrocínio; ... que não tem elementos para afirmar que superficialmente o acusado.
Wellington é uma pessoa dada a mentiras; ... que através
dos pais e da noiva que é irmã de Wellington que teve Assim é que verifica-se pela evidência probatória
notícia de que Wellington portava diversas marcas de dos autos que o acusado, durante o cair da noite de uma
agressão...” sexta-feira, após prévio ajuste com o adolescente infrator
Wellington Azevedo de Paulo, decidiu praticar um assalto
Se o acusado negou a autoria do delito e ele ao taxista Rodolfo Cardoso Lobo. Como primeira parte
incumbiria a prova, não se confundindo, por isto mesmo, do plano, foi determinado a Wellington que fosse até a
com a livre apreciação da prova pelo julgador para praça onde há um ponto de táxi e ali combinasse com
formação de sua convicção. Alegar qualquer violação de Rodolfo uma corrida e em seguida, de forma violenta e
direito como fez o acusado é assumir o ônus de provar, covarde, tiraram a vida de um ser humano para roubar-
porque, nesse diapasão a presunção há de ser em favor lhe pertences de pouca valia.
da autoridade pública. Incumbe a quem engendra provar
a veracidade do álibi, porque ao Órgão da acusação é A versão do acusado desmerece crédito, pois, eivada
cometida a tarefa de provar a realização do fato, como de contradições e incoerências nas diversas declarações
fez o Dr. Promotor de Justiça. prestadas. É óbvio que prevalece, sem dúvida, a versão
que, ao reverso, ressurge dos autos, notadamente pela
Trouxe a defesa o depoimento de Walter Florindo prova testemunhal colhida e já mencionada, onde retrata-
Lopes (fls. 173), quando afirma que esteve com o acusado se o fato delituoso, com segurança lógica em harmonia
Waguinho, em sua casa, até por volta das 19:00 horas, com o conjunto probacional.
quando foi jogar bola deixando lá a pessoa de Fábio e não
sabendo a que horas este de lá saiu. Esclareceu ainda a Aqui também não há que se indagar se Wellington,
testemunha arrolada pela defesa que houve uma dúvida tendo interesse em eximir-se de responsabilidade,
se tinha estado com Waguinho por volta de 21:15 horas, acusou Waguinho, responsabilizando-o pelo todo.
mas o certo é que nesta hora havia apenas se encontrado Suas declarações, em momento algum, deixaram
com a mulher de Waguinho. transparecer a este julgador que estivessem carregadas
de ira ou inspiradas em ódio e objetivaram ocultar a
A testemunha Fábio Márcio de Resende, regular e responsabilidade própria.
pessoalmente intimada (fls. 170v), de forma injustificada
não compareceu emJuízo para confirmar a estória de Entre Wellington e Waguinho, embora aquele
estar com o acusado, no dia certo e na hora provável do não tenha, a princípio, dado qualquer golpe na vítima,
crime. Porém, inexplicável, ainda, que este testemunho contribuiu substancialmente para a realização do
seria a mola-mestra do álibi arquitetado pelo acusado, delito, assumindo, assim, o risco do resultado de morte.
a defesa preferiu não requerer sua condução sob vara. É sem dúvida a configuração deste vínculo subjetivo
Só se aceita tal comportamento pela seriedade do exteriorizado pela adesão, pronta e eficaz, consumando
profissional que defende os interesses do acusado em a subtração e divisão de pertences da vítima à sua
contrapartida à falta de seriedade de testemunhas como subseqüente morte decorrente da violência dos golpes de
Fábio Márcio de Resende e Genivaldo Teodoro de Castro. faca produzidos em seu corpo.
Destaque negativo merece a informação prestada pelo
adolescente Genivaldo Teodoro de Castro (fls. 156) cujo Pouco importou, para a configuração do latrocínio,
teor merece repúdio por parte da justiça pelas inverdades a exigibilidade do evento morte nos planos dos mediantes,
mencionadas e pela parcialidade de sua versão. pois, ao simples emprego da violência para a prática do

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roubo e em decorrência disto houve a morte da vítima, à sua conduta social sem maiores informes; aos motivos
seguindo-se o roubo de seus pertences, não há dúvida de traduzidos tão somente no egocentrismo e na expectativa
que há hipótese de latrocínio. do ganho fácil; às circunstâncias em que nada lhe
favorecem, haja vista que valeu-se de lugar ermo para
Tomba por terra a alegação da defesa ao afiançar assegurar o sucesso da empreitada criminosa; às
a carência de elementos para justificar uma sentença conseqüência do crime, quando ceifou a vida de um ser
condenatória em desfavor do acusado. Descabe tal humano, sem lhe prestar qualquerJuízo de valor, privando
alegação, pois, conforme demonstrado ao longo desta familiares, amigos e a própria sociedade do seu convívio
decisão, a afirmativa esbarra na contundência das provas e ao comportamento da vítima que em nada contribuiu
coligidas, acentuadas no inquérito policial e reafirmadas para a consecução do crime, mesmo porque, aquela,
emJuízo. muito bem vista na sociedade, buscava complementar
sua aposentadoria com o árduo trabalho de taxista, fixo
Andou bem e com a costumeira conduta de promover a pena-base em 24 (vinte e quatro) anos de reclusão, a
sempre a justiça o douto representante do Ministério qual tenho por sanção ambulatorial definitiva e concreta,
Público quando pede a absolvição da imputação feira diante da inexistência de outras circunstâncias a serem
ao acusado em relação à corrupção de menores ditada sopesadas.
pelo artigo 1° da lei 2.252/54, considerando estar provado
que Wellington já era portador de antecedentes pouco A pena privativa de liberdade ora irrogada será
recomendáveis. cumprida, integralmente, em regime fechado, ante a
determinação da lei 8.072/90, em seu artigo 2° (Crimes
Não há a favor do acusado a militância de nenhuma Hediondos), além das circunstâncias judiciais que lhe
das excludentes de criminalidade e nem causas de isenção são totalmente desfavoráveis.
de pena, e a alegada ausência ou insuficiência de provas
que causaria dúvida em relação à responsabilidade penal Aplico-lhe, ainda, a pena pecuniária de 30 (trinta)
imputada não lhe socorre conforme quer a defesa. dias/multa, arbitrados este em 1/30 (um trigésimo) do
salário mínimo vigente à época do fato, corrigidos de
A reincidência do acusado está devidamente acordo com o permissivo legal, considerando a situação
provada às fls. 133. econômica do réu não muito favorável.

Ante o exposto e por tudo que contêm os presentes Condeno-o, também, ao pagamento de 50%
autos, julgo procedente, em parte, a denúncia, e, em (cinqüenta por cento) das custas processuais.
conseqüência, condeno o réu WAGNO LÚCIO DA SILVA,
alcunhado por “Waguinho”, como incurso nas iras do Tanto para o pagamento da multa quanto das
artigo 157, Parágrafo 3º (última parte), com a agravante custas será facultado o parcelamento se o acusado assim
no artigo 63, ambos do Código Penal. requerer.

Em atendimento ao que determinam os artigos 59 Recomendo-o na cadeia pública onde se encontra,


e 68, ambos do Código Penal, passo a individualizar-lhe a não se lhe socorrendo o direito de recorrer em liberdade
pena: pela determinação da Lei dos Crimes Hediondos.

Considerando suas culpabilidades demonstradas Com o trânsito em julgado deste decreto decisório,
pela ação eivada de dolo, de forma livre e consciente, com lance-se-lhe o nome no livro “Rol dos Culpados” e oficie-
auto grau de reprovação social; aos seus antecedentes que se à Superintendência de Organização Penitenciária
são péssimos já que processado, julgado e condenado por requisitando vaga em uma das Penitenciárias de
crimes praticados, sendo, por isto mesmo, reincidente; Segurança Máxima do Estado, para onde será remetida a

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Carta de Sentença, nos moldes da Lei. 7.210/84. 22. Provas insuficientes – in dubio pro reo

Publique-se, registre-se e intime-se. Desde a minha primeira leitura dos autos, não consegui
vislumbrar elementos suficientes que fundamentassem a
Congonhas, 28 de março de 1998.
condenação de Wagno.
BEL. PAULO ROBERTO CAIXETA Quando as provas são duvidosas, questionáveis ou
JUIZ DE DIREITO insuficientes, se aplica o princípio in dubio pro reo, no intuito de
se evitar injustiças, absolvendo o réu.
Neste caso, a prova era solitária, oriunda de um menor
inidôneo, co-réu de um crime de latrocínio.
Esta afirmação não estava ancorada em prova pericial,
ou em qualquer outra prova testemunhal ou documental.
Wagno era, e é, réu primário de excelente comportamento
social, bons antecedentes, jamais havia sido preso ou processado,
trabalhador com residência fixa e própria, um exemplo de
verdadeiro cidadão de bem.
Sua versão dos fatos foi preterida, dando-se credibilidade
a uma versão ímpar de um criminoso confesso.
Por quê?
Como se fossem mágicas, as provas que eram insuficientes
para uma condenação se transformaram em absolutas e
serviram de alicerce para se prolatar uma sentença condenatória
teratológica e histórica, por seus absurdos e enganos.
Nesses casos, o princípio que trata da dúvida no processo
penal deve imperar, para que o título deste texto não se torne
habitual nos corredores da Justiça.
Com as provas existentes nos autos, ele jamais poderia
ter sido condenado.
Como no Brasil existe o tradicional ditado de que somente
vai para a cadeia um dos três “socialmente abomináveis P” –
preto, pobre e prostituta –, e sendo Wagno portador de dois dos
três requisitos acima descritos, seu destino jurídico foi traçado já
na origem do seu nascimento, e ratificado pelo saldo de sua conta
bancária.

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23. Presunção de inocência e ônus da prova 24. Tio Nicolau e tia Glorinha

Não bastasse, por si só, o total desrespeito ao princípio in Dentre alguns abnegados não afeitos ao processo penal,
dubio pro reo, mais agressões constitucionais foram perpetradas duas pessoas foram importantíssimas no Caso Wagno, os tios do
ao se condenar Wagno, da forma como aconteceu. injustiçado, Nicolau e Glorinha.
O ônus de provar que ele é culpado é de quem o acusa, e, Acreditavam nele, eram testemunhas de sua inocência,
no caso em questão, do Ministério Público, autor da denúncia e e moveram mundos e fundos para obter ajuda em sua luta para
titular da ação penal. provar a inocência de Waguinho.
Quando o Promotor não consegue se desincumbir do ônus Foi por intermédio de Tio Nicolau e de Divino Sabará,
da prova, o acusado deve ser absolvido, pois o órgão acusador não mais um amigo da família, que o Nilmário foi acionado. Foi
provou o que acusou. ele também que chegou até mim trazendo a fita contendo a
Ademais, ninguém é culpado até que a sentença declaração de Joilson. E durante estes meses de muitas lutas,
condenatória seja definitiva. idas e vindas, esperanças e desesperanças, Tio Nicolau era o meu
Wagno alegava que era inocente, e o tempo tratou de elo de contato com a família de Wagno.
provar que realmente o era, e as provas existentes eram fracas e Tio Nicolau é aquele cara do bem. Aposentado, respeitado
inconsistentes. em seu meio social, pai e marido exemplar, tio zeloso e um
Nada do que o Promotor escreveu na denúncia, ele ponto de apoio de toda a família. Não desistiu, nem por um
conseguiu provar. Foi tudo descrito de maneira genérica e minuto, de ver a justiça ser feita. Ligava para meu Escritório
superficial, sem nenhum sustentáculo fático técnico. duas ou três vezes por mês, todos os meses, nos últimos anos.
Wagno, em total inversão desse ônus, provou que era Tinha que confrontar sua ansiedade natural com a paciência e
inocente, mas sua palavra e sua versão não foram consideradas, calma inerentes a um senhor de idade e modelo de ponderação.
porque, segundo as investigações, teria ele praticado um crime Sofria com sua dor e necessitava transmitir confiança. Era isso
hediondo de latrocínio. que esperavam dele. Quando fraquejava, ou a dureza dos dias
Como poderiam afirmar que ele havia praticado um passados já o incomodava, aparecia a mola propulsora da família
crime, se ele mesmo, sem o precisar, provou que era inocente? mineira.
Dessa forma, desrespeitando-se princípios constitucionais, Tia Glorinha possuía os mesmos níveis de confiança do
para satisfazer a imprensa, o clamor público, dar cartaz para marido, mas não tinha que repassá-los, o que a poupou para ser
Promotor e o Juiz asfaltar o seu caminho para o Tribunal, nossas o alicerce do guerreiro Tio Nicolau.
garantias individuais foram solapadas e o texto da Carta Magna Essa referência familiar foi fundamental na manutenção
rasgado, atingindo de morte, não só o Waguinho, mas toda a e permanência do caráter de Wagno, que não se deixou corromper
sociedade civil, pois isso pode se repetir com qualquer um. pelas mazelas do sistema carcerário, mantendo-se firme em
Os Princípios e Garantias Constitucionais, quando direção ao caminho de sua liberdade.
desrespeitados, refletem uma comunidade em perigo, como Se nós fizemos a parte jurídica, e fomos importantes para
fartamente demonstrado durante os negros anos da Ditadura Wagno, com certeza, os papéis desempenhados por Tio Nicolau e
Militar. Tia Glorinha foram fundamentais para o desfecho deste caso.
Devemos lutar para que a justiça dos homens seja feita com Apesar de Waguinho não estar morando mais com os
correção e igualdade, para todos, independentemente de credo, tios – pois optou em permanecer de modo simples, num barracão
cor, condição financeira e social e, especialmente, desprovida de destruído, coberto por lonas plásticas –, passados alguns meses
preconceitos ou pré-julgamento que afastem a ampla defesa e o Tio Nicolau e Tia Glorinha continuam cuidando dele com
direito ao contraditório. carinho, auxiliando-o em sua reintegração social e na sua luta

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por emprego. 25. O reinício das investigações
Quando souberam que eu era um dos indicados ao prêmio
“Troféu Mais Você”, na categoria “Cidadão do Ano”, se mobilizaram Conforme já relatado, a Secretaria Estadual de
novamente para votar em mim, sempre preocupados, ligando Direitos Humanos, por intermédio da Dra. Caroline, reiniciou
para saber se já havia sido divulgado o resultado – o que só foi as investigações, ouvindo extrajudicialmente algumas
ocorrer em novembro, com a seleção de outro candidato, mais testemunhas.
merecedor do que eu. Precisávamos de provas novas, e achávamos que somente
Somente o fato de ter sido selecionado por tão renomado o depoimento de Joilson não seria suficiente para fundamentar
programa, como um dos candidatos a tão respeitável prêmio, foi um pedido revisional e, principalmente, para que esse pedido
motivo de muito orgulho para mim, minha família, meus amigos fosse provido pelo Tribunal.
e colegas. Teríamos que enfrentar um Processo de Justificação que
contasse com a participação do Ministério Público, operando-
se o contraditório, onde tentaríamos coletar mais provas, que,
somadas ao depoimento de Joilson, iriam respaldar nossas
pretensões.
O processo revisional tem algumas características que
o diferenciam de um processo regular. A principal delas é que
a dúvida deverá ser aplicada a favor da sociedade, e não do
requerente. Todo o conjunto probatório deverá ser produzido
pela defesa e distribuído no pedido inicial, não se admitindo o
reexame de provas.
Levantamos o nome e endereços das testemunhas, e
nos preparamos para interpor o pedido de Justificação, quando,
então, ocorreu um golpe de sorte na vida de Wagno.
Waguinho e Joilson foram intimados para uma audiência
em Contagem.

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26. A coincidência – audiência em Contagem 27. Prova emprestada

Enquanto estava viajando, fui informado pela direção da Joilson havia sido arrolado como uma das vinte
Penitenciária Nelson Hungria de que havia estado lá um Oficial testemunhas que seriam ouvidas no Processo de Justificação.
de Justiça, intimando Joilson e Wagno para serem ouvidos Por estar preso e recolhido em uma penitenciária de outra
em uma precatória originária de Congonhas, na comarca de comarca, teríamos que aguardar o envio e o retorno de uma carta
Contagem. precatória, para que o depoimento dele fosse juntado aos autos, o
Acionei meus sócios, e sobrou para o Gustavo, o menos que atrasaria ainda mais o desenrolar desse feito.
interessado pela matéria penal, que se dispôs a ir acompanhar Aproveitando a malícia do Gustavo, que, mesmo
a audiência e interceder em favor, mesmo sem saber do que se atuando somente nas emergências dos processos criminais, foi
tratava. extremamente hábil e inteligente, usamos a cópia autenticada e
Lá chegando, dando um exemplo de que a sorte de Wagno fizemos prova emprestada no pedido de Justificação.
poderia estar mudando, a audiência iria tratar da tentativa de Como essa importante prova foi obtida sob o crivo do
homicídio sofrida por ele, em Congonhas, e cuja autoria era contraditório, contando com a participação do representante
imputada aos – agora sabido – verdadeiros autores do crime do do Ministério Público e perante oJuízo de Contagem, foi aceita
latrocínio que colocou Wagno atrás das grades. como válida, dispensando a expedição da carta precatória, dando
Wagno prestou mais um depoimento coerente e celeridade aos andamentos processuais.
verdadeiro. Ademais, era um procedimento da comarca de Congonhas,
Joilson contou tudo detalhadamente, sem esconder nada, que foi realizado em Contagem, porque ali era onde eles estavam
citando nomes e descrevendo condutas. presos e recolhidos.
A Juíza de Contagem, diante da gravidade das
informações, devolveu imediatamente a carta precatória ao
Juiz de Congonhas, para que fossem tomadas as providências
necessárias.
O Gustavo fez cópias autenticadas daquele depoimento e
aguardou a minha chegada.

64 65
28. Justificação 29. Primeira audiência – surpresa – nasce a esperança

EXMO. SR. Juiz DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA Cheguei a Congonhas para a audiência, e já havia um
COMARCA DE CONGONHAS. enorme contingente de amigos, curiosos e interessados, na porta
do Fórum.
WAGNO LÚCIO DA SILVA, qualificado nos autos da
Não esperava que, já na primeira audiência, houvesse
ação penal movida em face de si pelo Ministério Público do
Estado de Minas Gerais, perante oJuízo dessa Comarca, essa movimentação popular, mas os familiares de Waguinho a
pelo procurador que esta subscreve, vem apresentar anunciaram, via rádio, e toda a comunidade ficou sabendo.
Era a terceira vez que ia a Congonhas, uma cidade
PEDIDO DE JUSTIFICAÇÃO, histórica e patrimônio artístico de valor mundial.
Nas duas vezes anteriores, me dirigi diretamente ao
objetivando instruir PEDIDO DE REVISÃO CRIMINAL, Fórum da comarca, fiz meu trabalho e retornei de imediato a
nos termos do art. 621, III c/c art. 423, ambos do CPP, pelas
Belo Horizonte, não tendo tempo de conhecer aquele maravilhoso
razões abaixo articuladas:
acervo.
1. Foi o requerente condenado a 23 anos de reclusão, em Questionava-me se não teria chance ou calma suficiente
regime integralmente fechado, mais 28 dias-multa, com para curtir aquelas belezas um dia, sem jamais poder imaginar
sentença transitada em julgado em 24.02.1999. que, alguns meses depois, estaria lá, com o Waguinho já livre,
2. Posteriormente ao trânsito em julgado da sentença para desfrutar toda a história e cultura de Congonhas.
condenatória, foram encontradas testemunhas que Antes de começar a audiência, o Juiz que havia condenado
atestam que o ora requerente não é o autor do fato. Wagno, e que também seria responsável pelo processo de
3. Foi interposta Revisão Criminal, perante o Tribunal
Justificação, me chamou a sua sala, e me confessou acreditar na
de Alçada de Minas Gerais, que não foi conhecida, sob os
fundamentos de que se trataria de reexame de provas já inocência de Waguinho, afirmando estar pronto para auxiliar em
constantes dos autos e que se estaria diante de ausência todo o procedimento.
de JUSTIFICAÇÃO, das provas novas. Ele havia dividido as audiências em mais de um dia. No
primeiro, iríamos ouvir apenas Wellington, o menor à época,
Portanto, sendo indispensável a presente que foi o autor da delação pela qual Waguinho foi condenado.
JUSTIFICAÇÃO, para a instrução da competente Revisão Participante confesso no latrocínio, e conhecido da polícia e da
Criminal, requer seja esta recebida e deferida peloJuízo,
Justiça da comarca, seu depoimento era essencial para a razão
ouvindo-se JOILSON HENRIQUE DIAS, testemunha
ocular e presencial dos fatos, que não foi ouvida na do prosseguimento da Justificação.
fase instrutória e que se encontra preso e recolhido na Eu estava pronto para tentar extrair do depoimento
Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem/MG, bem daquela testemunha o mais que pudesse para instruir a Revisão
como seja realizada a oitiva das 20 (vinte) testemunhas Criminal. Qualquer coisa dita por Wellington, que pudesse ser
abaixo arroladas. usada, deveria ser anotada e interpretada.
Fui me preparando para inúmeros questionamentos.
Requer ainda a juntada dos depoimentos judiciais A testemunha entra na sala, acompanhada da defensora
anexos, bem como das declarações extrajudiciais, que
pública. A representante do Ministério Público já estava lá,
fundamentam o pedido de JUSTIFICAÇÃO.
comigo e com o Juiz.
Nestes termos, pede deferimento. Foi explicado a Wellington o que estava ocorrendo e qual
Belo Horizonte seria o objetivo daquela audiência. E, principalmente, foi-lhe
para Congonhas, 13 de setembro de 2004. comunicado que, se ele dissesse a verdade, mesmo que esta o

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incriminasse, nada lhe aconteceria, pois, era menor à época do Foi designada, por ele, a próxima audiência, para a data
fato e já havia cumprido a reprimenda penal cabível, que foi o mais imediata disponível.
internamento por três anos em uma instituição socioeducativa E a cidade de Congonhas ganhou um fato político
específica para tais casos. relevante. A inocência de Waguinho toma as ruas.
Wellington demonstrou temor por sua vida e a de seus
familiares, pelo que foi imediatamente tranqüilizado pelo Juiz,
que lhe garantiu proteção.
Iniciou-se a audiência, e as primeiras perguntas
ficariam por conta do Juiz, e nós só faríamos questionamentos
complementares ou esclarecedores.
Logo na primeira pergunta, questionou-se a Wellington
se Waguinho havia participado do latrocínio, ao que ele retrucou
negando.
Surpresa na sala de audiência. Toda a condenação havia
se baseado no depoimento daquela testemunha que estava à
nossa frente, prestado de forma diferente, anos antes.
Minhas mãos começaram a suar, e o Juiz perdeu o rubor
de sua face.
Um único depoimento foi o sustentáculo de uma
condenação criminal, e agora mostrava-se comprovadamente
falso, desmentido pelo próprio autor do fato e das declarações.
Foi tomado todo o depoimento de Wellington, que, com
riqueza de detalhes, relatou não só o modus operandi da execução,
bem como, toda a preparação, a motivação e, principalmente,
quais os participantes daquele bárbaro crime.
À medida que os nomes eram citados por Wellington, todos
eles de marginais conhecidos da Justiça, e especialmente do Juiz
– que os condenara inúmeras vezes –, este requeria os processos
nos quais estariam envolvidos, visando determinar se estavam
presos ou se eram foragidos, pois, com certeza, deveriam estar
cumprindo condenações por toda espécie de delitos. Processos e
mais processos foram sendo trazidos, e o cerco foi se fechando.
Fechando para alguns, porém, se abrindo para um outro e sua
família, enclausurados direta e indiretamente nos calabouços
dos presídios estatais mineiros.
Ao término da audiência, o Juiz de Congonhas estava
completamente convencido de que Waguinho era inocente, mas,
por outro lado, demonstrava preocupação, pois ele (Juiz), melhor
que ninguém, sabia das dificuldades que teríamos para desfazer
a coisa julgada.

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30. A família da vítima 31. Segunda audiência – a esperança prossegue

Congonhas inteira falava da virada no Caso Wagno. Na segunda audiência, após a virada do caso, fui
Isso despertou a sofrida família da vítima, que, por anos, acompanhado da Flaviane.
pensou que o assassino do seu querido parente estava preso Várias testemunhas seriam ouvidas e não poderíamos
pagando pelo crime que havia cometido. perder nenhum detalhe.
No processo original que levou Wagno à condenação, a Como já mencionado, a família da vítima acompanhou a
família da vítima teve participação fundamental. O genro foi um audiência, inclusive com advogado contratado, o que, de alguma
dos autores dos espancamentos que culminaram com a perda forma, demonstrava o interesse deles em manter o resultado
dos dentes por parte de Waguinho. Mesmo expulso da Polícia danoso, fato que ficou comprovado pelo comportamento verificado
Militar, comandou as operações que geraram o relatório policial, após a absolvição de Wagno.
a denúncia e a condenação. Foi em seu carro que Waguinho foi O Fórum estava lotado, de testemunhas e de curiosos.
conduzido e espancado. Durante o rápido desfecho judicial, eles Os parentes de Waguinho também não decepcionaram
participaram de tudo, incentivando e cobrando do Juiz uma e compareceram em peso, mesmo aqueles que não moravam na
condenação rápida, severa e exemplar. cidade.
Depois que Waguinho já estava condenado, se fecharam A audiência iniciou-se tensa e a presença da família da
em seus sofrimentos, acredito eu, sentindo-se aliviados com a vítima na sala causava certo desconforto e constrangimento
alta pena que o assassino do patriarca da família iria cumprir. aos demais presentes. Independentemente de precisar falar e
Com o revolver das provas e a conseqüente reviravolta do perguntar coisas desagradáveis a esses familiares, isso não nos
caso, novamente a família da vítima apareceu, para acompanhá- afetou.
lo e marcar presença nas audiências e fases vindouras. Estávamos focados no nosso objetivo e nada iria desviar a
Com a absolvição, eu entendo – e disse isso ao Juiz de nossa atenção do objetivo de nossa meta.
Congonhas –, a família se desesperou. Era como se o taxista Todas as testemunhas se mostraram excepcionalmente
Rodolfo tivesse sido desenterrado, e, pior, o verdadeiro assassino favoráveis a Waguinho, o que nos deixou vibrantes, e o Juiz, cada
não havia nem sido julgado pelo crime. vez mais embaraçado.
A revolta dos membros da família da vítima era Aproveitando dessa fragilidade do magistrado, requisitei
compreensível, mas não lhes dava o direito de dizer à imprensa novamente a presença de Wellington, para esclarecer pontos
um monte de bobagens, calúnias e difamações contra Wagno. E conflitantes. Imediatamente o Juiz determinou à escolta
foi esse o recado do Juiz para eles: “Ordem judicial do Tribunal de policial que o trouxesse, de onde estivesse e do jeito em que se
Justiça de Minas Gerais é para ser cumprida, e não discutida”. encontrasse.
Wagno era um homem livre e inocente, e o desespero Aguardamos algumas horas, dentro da sala, junto ao Juiz
da família da vítima não poderia ser derramado sobre ele, e à Promotora. Enquanto isso, aprofundando nossos assuntos,
injustamente. pude perceber o quanto aquele caso martirizava o meritíssimo
e o colocava ante um sofrimento conflitante. Ele sabia que,
profissionalmente, seria responsabilizado pelo erro, e esse
equívoco lhe custaria o fim dos seus pretensos sonhos de se tornar
um Desembargador do Tribunal de Justiça. Por outro lado, como
ser humano, era seu desejo que alcançássemos nossos objetivos,
pois estaríamos promovendo justiça e um inocente seria colocado
em liberdade.

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Com a chegada de Wellington e os esclarecimentos 32. A família de Wagno – Sr. Benedito e as meninas
levados a efeito por ele, novos nomes surgiram, nomes que não
foram ouvidos na investigação policial, o que já não surpreendia Com minhas constantes idas a Congonhas, passei a me
ninguém. encontrar com o meu já velho amigo Nicolau, e com o pai de
O mais absurdo é que, passados mais de oito anos, Waguinho, Sr. Benedito.
nós conseguimos encontrar novas testemunhas e colhemos Todas as vezes em que eu me deparava com o Sr. Benedito
depoimentos importantíssimos. Toda a força policial destacada nas audiências, ele estava trajando uma camisa contendo os
para investigar o caso, à época, não logrou tal intento, o que dizeres “Super Pai e Super Amigo”, grafadas nos moldes da
comprova a “categoria e qualidade” do inquérito oferecido pela marca do Super-Homem.
autoridade policial. Sempre esperançoso e confiante, acreditava na inocência
Um engraxate da cidade, lustrando os sapatos do Juiz, do filho e no trabalho de nossa equipe.
informou que sabia de gente que tinha estado com Wellington na Com ele, que tinha aquele jeitão calado e humilde, vinham
noite do crime, e que tal pessoa, inclusive, teria instalado o toca- as meninas superpoderosas, bem diferentes do pai, espontâneas
fitas da vítima em um carro conhecido. e extrovertidas. De semelhança com o sisudo Benedito, só a
Todas essas pessoas foram trazidas perante o Juiz, ou por esperança e a confiança na liberdade que se aproximava para o
intimação, ou sendo “buscadas” pela viatura policial e ouvidas irmão querido, além de, assim como Wagno, serem elas a cara do
em audiência frente o Promotor da comarca, advogados, curiosos pai, o que dispensava qualquer exame de DNA.
e escreventes judiciais. O curioso é que eu nunca sabia se já as conhecia ou se as
Encerramos o dia radiantes, com a terceira e última tinha visto anteriormente, ou, se desta feita, era uma outra irmã,
audiência já designada. pois todas são muito parecidas, inclusive as primas, o que gerava
O retorno a Belo Horizonte transcorreu tranqüilo, e eu uma pequena confusão.
apresentei à Flaviane o meu companheiro de viagem favorito, o Nomes, então, nem me atrevia e continuo não me
delicioso pão com lingüiça, que, após esse dia, ganhou mais uma atrevendo a falar, e por isso as denomino meninas.
admiradora. Eram as meninas do Sr. Benedito, e passaram a ser as
meninas do processo do Waguinho.

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33. O papel do Juiz na Condenação 34. O papel do Juiz na Justificação

Agiu por impulso o magistrado, na condenação, visto ter Diferentemente do papel desempenhado pelo Juiz na
sido uma das primeiras sentenças prolatadas por ele no novo condenação – já devidamente descrito no capítulo anterior –, o
cargo, querendo mostrar serviço para a comunidade da comarca mesmo Dr. Paulo Roberto Caixeta, desde o nosso primeiro contato
que acabara de assumir, instigado pelo clamor popular que o na Justificação, se mostrou convicto da inocência de Wagno.
caso provocou. Sua dedicação, empenho e, principalmente, suas
Poderia ter tido um posicionamento legalista e técnico, atitudes, agindo em favor de Wagno, demonstraram claramente
que o colocaria de frente com a sociedade local, mas optou por que “aquilo”, a condenação feita daquela forma, por demais lhe
uma postura política mais cômoda, condenando um inocente incomodava.
apoiado em provas duvidosas. Em nosso primeiro encontro, ele me colocou em sua sala,
Todo o conjunto probatório se limitava a somente um e disse que faria tudo que fosse preciso para ajudar a resolver
único depoimento, e mesmo essa única prova mostrava-se frágil, aquele dilema, um dilema que pertencia a Wagno, à sua defesa e
inidônea, descabida e desapegada de todas as demais produzidas, aoJuízo de Congonhas que o havia condenado.
inclusive as obtidas pela própria Promotoria. Na primeira audiência, ele escutou somente Wellington,
Nessas condições, não se pode condenar. onde ocorreu a maior surpresa da vida de todos os envolvidos.
O Juiz não levou isso em consideração e, atendendo Depois disso, várias testemunhas foram ouvidas, e cada vez mais
ao apelo público e à manifestação da sociedade local, resolveu próximo estava o reconhecimento da inocência de Wagno.
por bem prolatar uma sentença condenatória maldosa, cruel e A partir de um dado momento, durante as audiências,
desumana. começaram a surgir novos depoimentos e novos nomes. Os
Portanto, pelo reflexo de sua sentença, agiu ele com nominados, tão logo citados, eram imediatamente conduzidos à
uma maldade premeditada, com excessiva crueldade e de presença do Juiz, por escolta policial.
forma desumana, impingindo a um inocente um dano maior do Dessa forma, conseguimos ouvir testemunhas que nem
que aquele que foi produzido pela Ditadura Militar às forças mesmo foram ouvidas no processo original, o que demonstra a
revolucionárias brasileiras, conforme dito por um articulista da paupérrima qualidade da investigação criminal.
área. Portanto, agiu o magistrado, na Justificação, com peso
na consciência, mas com exacerbado sentimento humanitário,
procurando, de alguma forma, reparar um mal causado com a
sua direta e capital participação.

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35. Terceira audiência – novas testemunhas – surge a verdade 36. A verdade do caso vem à tona

Começamos a terceira audiência já arquitetando o pedido Esta é uma parte delicada, e como não queremos atuar
revisional. da forma tal qual temos repelido, desrespeitando normas
Na realidade, a petição inicial encontrava-se pronta, constitucionais, principalmente a da ampla defesa e a da
faltando complementar os depoimentos restantes e juntar a presunção de inocência, não citaremos nomes, esperando que a
própria Justificação que estava para se encerrar. justiça seja feita e declare culpados os verdadeiros assassinos.
Nesta audiência, a família da vítima já não apareceu, Toda a história começa com um mistério.
prevendo o que estava para acontecer. O que levou o taxista a ser jurado de morte pelos seus
A Promotora, indignada com o equívoco descoberto, me
assassinos?
pedia para ser informada sobre o desenrolar dos fatos. Então,
Essa resposta somente poderá ser dada pelos verdadeiros
assim que eu soubesse o resultado da revisão, foi acordado que
culpados, ou nunca será revelada.
deveria comunicá-la, a fim de que ela pudesse oferecer denúncia
em face dos verdadeiros culpados. Na noite fatídica, o taxista estava no ponto, com os seus
O curioso é que esta não é minha obrigação e nem o meu colegas de parada, quando foi chamado por Wellington para fazer
papel, mas o Ministério Público começava a pressentir que a uma corrida.
responsabilidade poderia acabar caindo sobre o órgão acusador, Wellington pedalava uma bicicleta emprestada e foi à
dono da ação penal que condenou um inocente, e, sendo assim, frente, seguido pela vítima.
tentava preventivamente se redimir. Depois de rodar uma distância razoável, fora da vista
O Juiz, fazendo tudo para colaborar, investigou uma dos colegas de Rodolfo, Wellington parou a bicicleta e entrou no
história saída de uma conversa que teve com seu engraxate, que carro, ordenando que ele se dirigisse mais à frente.
lhe dissera sobre a participação de mais pessoas no caso. Chegando ao local indicado, o taxista parou o veículo. Ato
Todas as pessoas mencionadas foram ouvidas. contínuo, entrou no carro mais um indivíduo, que se posicionou
Essas pessoas nunca haviam sido ouvidas por ninguém, no banco de trás, imediatamente à retaguarda do assento do
e seus depoimentos, coerentes e sinceros, possibilitaram o motorista.
surgimento da verdade pura e cristalina, aquiescendo que a O carro foi movimentado e, logo atrás, surgiu uma moto
inocência de Wagno brotasse das trevas. CB 500, com dois ocupantes, que não foram percebidos pelo
Chegou a hora de ir ao Tribunal. taxista.
Assim, terminada a Justificação, fiquei aguardando os No local do crime, o passageiro que estava atrás sacou
autos para trazê-los a Belo Horizonte.
uma faca e acertou o motorista, que reagiu, tentando fugir do
Antes de vir, pedi ao Juiz que desse um despacho
carro.
finalizando a Justificação e expondo seu posicionamento. Era
Naquele momento, os demais criminosos ajudaram a
um golpe de “João sem braço”, pois não existe essa previsão
legal, embora o magistrado estivesse tão constrangido que talvez terminar o serviço.
acatasse o pedido e se manifestasse nos autos. Com certeza, a motivação do crime foi vingança.
Não “colou” como queria, mas o Juiz se disponibilizou Roubaram o toca-fitas para induzir a polícia a erro,
a prestar informações, caso fossem requeridas pelo Tribunal, o desnecessariamente, pois – não resistindo a uma pitada de
que, de qualquer forma, demonstrava aos Desembargadores o ironia –, mais errados que a polícia de Congonhas, só mesmo os
posicionamento do Juiz responsável pela condenação no processo próprios criminosos.
original. No instante seguinte, foi combinado que, em caso de
A sorte de Wagno deixava Congonhas rumo ao Tribunal prisão de alguns dos envolvidos, eles iriam delatar o Waguinho,
de Justiça de Minas Gerais. acertando algumas contas nebulosas envolvendo a atuação dele

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como segurança do Clube Social da cidade. 37. O pedido revisional
O toca-fitas ficou com Wellington e, a partir daí, a história
que todo o mundo já conhece. EXMO. SR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE
DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS
GERAIS

AUTOS Nº :
REQUERENTE : WAGNO LÚCIO DA SILVA
OBJETO : REVISÃO CRIMINAL

WAGNO LÚCIO DA SILVA, conhecido por


Waguinho, brasileiro, solteiro, natural de Congonhas e
qualificado nos autos da ação penal n° 180.01.001.2839
(659/98), que tramitou perante oJuízo da Comarca de
Congonhas, condenado a 23 (vinte e três) anos de reclusão
e 28 (vinte e oito) dias-multa, por infração à norma do art.
157, § 3° (última parte), com a agravante do art. 63, ambos
do Código Penal, com acórdão que julgou a apelação
criminal transitado em julgado, preso e recolhido na
Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem – MG, pelos
procuradores que subscrevem esta petição (procuração
anexa, DOC. 01), vem perante esse egrégio Tribunal
apresentar

PEDIDO DE REVISÃO CRIMINAL,

em face do Estado de Minas Gerais, neste ato representado


pelo Ministério Público de Minas Gerais, pelos motivos de
fato e razões de direito a seguir expostos, visto terem sido,
tanto a sentença penal condenatória, quanto o acórdão,
então proferidos, fundamentados em depoimento
comprovadamente falso, ademais das novas provas
surgidas após o trânsito em julgado da condenação
penal, nos termos do art. 621, incisos II e III, do Código de
Processo Penal.

1 – DOS FATOS

1.1 – Da denúncia

Foi o requerente denunciado pelo crime de


latrocínio, por ter desferido golpes na vítima Rodolfo
Cardoso Lobo, também conhecido na comunidade de
Congonhas pelo apelido de Adolfo, fazendo uso de uma

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faca e, logo após, subtrair um rádio toca-fitas, que se é mero subterfúgio vez que os indícios que o
encontrava instalado no veículo da vítima. incriminam são fortíssimos e serão ressalvados
em sede própria onde ele será julgado. Por hora
está-se valendo de seus depoimentos de fls. 07/09
Segundo a denúncia, o crime fora praticado pelo
(auto de prisão em flagrante), fls. 94 (audiência de
requerente e pelo então menor, Wellington Azevedo de apresentação de adolescente infrator), e 163/165
Paulo, com quem fora encontrado o produto do crime (depoimento judicial na fase de instrução) como
(um rádio toca-ficas Marca Volksline ETR II). a prova cabal e fiel em relação à autoria do delito
imputada ao acusado Waguinho e contra qual
A peça acusatória assim relata a dinâmica dos não houve contrariedade” (fls. 188)
fatos (DOC. 02)
Em sua fundamentação, o douto magistrado que
“O ora denunciado, que se encontrava em companhia do proferiu a sentença condenatória utiliza-se do depoimento
menor Wellington, encarregou a este de comparecer ao ponto de das seguintes testemunhas, somando-as à confissão-
táxi localizado no centro desta cidade, manter contato com a pessoa
delação de Wellington: Vicente de Paula Ferreira Filho,
da vítima no sentido de convidá-lo a efetuar um transporte que se
resumiria em levá-los (denunciado e Wellington) a determinado local.
Ruy Cirillo Rabello Júnior, Ivanil Luiz Ferreira e Dorian
Tendo a vítima acordado, o menor e, posteriormente o denunciado Clifford Dutra, conforme fls. 188 e 189.
se dirigiram para o local citado, onde, após ter este determinado ao
menor para que se afastasse um pouco do veículo, passou a dialogar 1.3 – Do acórdão e do trânsito em julgado
com a vítima e, ato contínuo a esfaqueou. ” (fls. 02/03)
Também no acórdão de fls. 237/243 (DOC. 05), que
1.2 – Da sentença reformou a sentença, a decisão foi fundamentada única e
exclusivamente no depoimento de Wellington:
O requerente foi condenado a 23 (vinte e três)
anos de reclusão, em regime integralmente fechado, mais “Ouvido como testemunha, fls. 158 a 160, sob
o crivo do contraditório, ratificou suas delações
28 (vinte e oito) dias-multa, com acórdão transitado em
anteriores. Portanto, por três vezes, contra uma,
julgado em 12/04/1999. (DOC. 03) afirmou que foi o apelante o autor do crime. A meu
sentir, a autoria recai na pessoa do apelante, em
Como descrito na sentença de fls. 184/193 (DOC. co-autoria com o menor infrator” (fls. 241)
04), a prova da autoria imputada a Wagno é sustentada
pelo depoimento do menor (à época) Wellington, como se Quanto ao argumento contido no recurso de
vê nos trechos abaixo transcritos: apelação, quanto à existência de provas que inocentariam
o requerente, ressalta o ilustre julgador:
“Todos os fatos foram presenciados pelo menor
Wellington” (fls. 184)
“As declarações do menor infrator, em uma
“Se no momento eram poucas as chances de
das vezes em que foi ouvido e assumiu a autoria,
desvendar o crime, o toca-fitas roubado da vítima
isentando o apelante de qualquer participação
foi chave desta elucidação. A polícia chegou até a
no delito, e os depoimentos das testemunhas
pessoa de Wellington (...)” (fls. 187)
Genivaldo Teodoro, f. 151, dizendo que viu duas
“Interessante salientar que Wellington, apreendido
pessoas atacando a vítima, sendo uma delas
pela polícia e devidamente questionado sobre a
Wellington, mas não podendo identificar a outra,
posse do toca-fitas indicou a pessoa do acusado
e de Walter Florindo e Fábio Márcio de Rezende,
como sendo autor do bárbaro crime (...)” (fls. 187)
que disseram estar em companhia do apelante no
“Diga-se de antemão, que Wellington, com certeza,
dia e horário em que o crime foi praticado, estão
foi partícipe neste latrocínio e sua tentativa de
em descompasso com os demais elementos de prova
livrar-se de qualquer imputação neste sentido
colhidos nos autos” (fls. 240)

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1.4 – Do primeiro pedido de revisão criminal 2– DAS PROVAS QUE FUNDAMENTAM O
PRESENTE PEDIDO
Inconformado com a condenação imposta foi
apresentado pedido de Revisão Criminal anterior, pelo 2.1–Da prova nova obtida no Processo
procurador que antecedeu aos firmatários deste pedido, 0079.03.091.333-3
perante o antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais, tendo
como Relator o Desembargador Eli Lucas de Mendonça, Enquanto o pedido do requerente se encontrava
e que foi indeferido sob o correto fundamento de que se no Conselho Estadual da Justiça e de Direitos Humanos,
trataria de reexame de provas já constantes nos autos e ocorreu um incidente na Penitenciária Nelson Hungria,
que se estaria diante de ausência de JUSTIFICAÇÃO das no qual Joilson Henrique Dias fora testemunha da
provas novas (DOC. 06). apreensão de “chuchos”, durante o banho de sol, na posse
de Jorge Carlos da Silva e Osmar Rodrigues de Godoi.
1.5 – Do presente pedido de revisão criminal Ouvido perante oJuízo deprecado acabou por relatar
fatos relacionados ao crime pelo qual Wagno Lúcio fora
O requerente e sua família, mesmo tendo sido condenado. Consta nos referidos autos o seguinte relato:
todos os recursos e meios de impugnação, até então,
julgados improcedentes, não se abateram e continuaram “(...) os réus encontravam-se armados de chuchos
sua jornada de pedidos aos órgãos de defesa dos direitos haja vista que o Osmar já tinha ‘’uma rixa com
humanos, principalmente, à Secretaria Nacional de Waguinho (Wagno)’ (...)”
Direitos Humanos e ao Conselho Estadual da Justiça e “(...) que os réus andavam armados com chuchos
para intimidar e ameaçar o Waguinho, que antes
de Direitos Humanos.
do Osmar ir para a Cadeia ele tinha uma rixa
com o Waguinho sendo que até mandou matar
Assim, somente após o surgimento do depoimento um taxista de nome Rodolfo para incriminar o
de um recuperando, Joilson Henrique Dias, que disse Waguinho. Esclarece que sabe deste fato por ter
quem seriam os verdadeiros autores do crime pelo qual sido convidado por Osmar para matar o Rodolfo e
fora Wagno Lúcio condenado, foi apresentado pelos ora incriminar o Waguinho.”
signatários um pedido de Justificação, na comarca de “Que a rixa de Osmar com Waguinho iniciou em
origem, em 27 de setembro de 2004. (DOC. 07) um clube onde o Waguinho era segurança, sendo
que um certo dia o Waguinho impediu um rapaz
No referido processo de Justificação, foi possível de dar uma facada em Osmar colocando este
comprovar a falsidade da prova testemunhal que foi a base rapaz para fora ao invés de entregar a faca para
o Osmar acertar o rapaz.”
para o julgamento da procedência do pedido da acusação.
“(...) que não sabe o motivo pelo qual o Osmar
Foram também reinquiridas as testemunhas do processo escolheu o taxista para matar e assim incriminar
original, demonstrando-se a fragilidade do restante do o Waguinho; o Osmar conhecia o taxista Rodolfo
conjunto probatório, bem como foi possível ouvir duas da cidade de Congonhas.”
novas testemunhas, que auxiliam na demonstração da
dinâmica dos fatos, modificando toda versão existente no O processo no qual se encontra o depoimento de
processo original. Joilson Dias Henrique foi juntado aos autos da Justificação
de nº 0180.04.022.126-9, às fls. 100/113, proposta na Comarca
Desta feita, o presente pedido de revisão de Congonhas, como prova emprestada, visto já ter o
funda-se em fatos novos, que não foram até então depoente declarado, perante o crivo do contraditório, na
apreciados e julgados pelo Poder Judiciário, o que presença de um representante do Ministério Público e
possibilita o recebimento do presente pedido, como será de um Juiz de Direito competente, toda a sua versão dos
minuciosamente demonstrado. fatos.

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2.2 – Da comprovação do depoimento falso, na “(...) que na segunda-feira à noite encontrou-se
Justificação n°. 0180.04.022.126-9 com Dedeira e Salatiel; que foi instruído pelos
mesmos para que acusasse o Wagno como autor
do latrocínio.”(fls. 30)
Em 27 de setembro de 2004, foi distribuído
“(...) que o depoente foi mais uma vez ameaçado,
pedido de Justificação, perante oJuízo de Congonhas, na porta de sua casa, quando então passou a ter
requerendo a reinquirição de algumas testemunhas, certeza de que fora Salatiel e Dedeira responsáveis
incluindo Wellington, à época do processo original, menor pela morte de Rodolfo e que queria que acusasse
de idade, cujo depoimento foi a base para a condenação Waguinho como sendo o autor do latrocínio; que
do requerente, no processo original. também ofereceram dinheiro para que o depoente
assumisse o latrocínio.” (fls. 30)
Na presença do douto Juiz de Direito de Congonhas e “(...) que quando o depoente cumpria medida
prolator da sentença condenatória, de uma representante de internamento, ocorreu a prisão de Salatiel e
do Ministério Público, de um defensor constituído Dedeira (...) que mais uma vez foi ameaçado por
peloJuízo, do escrevente da Secretaria Criminal do ambos, Salatiel e Dedeira, se por acaso revelasse a
verdade.” (fls. 30)
Fórum de Congonhas e de um dos signatários do pedido de
“(...) que só revela a verdade agora diante do
Justificação e também deste pedido de Revisão Criminal, compromisso da justiça em garantir segurança.”
Wellington afirmou que o ora requerente não era o autor (fls. 30)
do fato (Fls. 29/30 e 97/98 da Justificação). “(...) que sabe que Salatiel e Dedeira apontaram
Waguinho para que o depoente imputasse a ele a
Testemunha presencial, co-autor do latrocínio, autoria do latrocínio em função de dívidas que
seu depoimento falso serviu de sustentáculo único à Waguinho teria com ele.” (fls. 30)
condenação do requerente, em ambas as instâncias, como “(...) que Salada e Dedeira ao reencontrar o
acima demonstrado. depoente asseguraram que o mesmo deveria
manter a versão acusando o Waguinho sob pena
Compareceu emJuízo, nessa Justificação, para de sofrer mal injusto por parte deles, extensivo
inclusive aos pais.” (fls. 30)
finalmente revelar a verdade dos fatos ocorridos na
“(...) quem entregou o toca-fitas para o depoente
fatídica noite do latrocínio praticado contra a vítima foi Dedeira e este talvez tenha sido confundido
Rodolfo, e os motivos que o levaram a falsear a verdade com a pessoa de Waguinho; que o Wagno é pouco
durante todos estes anos. mais forte do que Dedeira, mas ambos têm físicos
parecidos.” (fls. 30)
Todo o seu depoimento, prestado na Justificação,
é consistente, coeso e em total consonância com uma O depoente foi novamente reinquirido na
das versões apresentadas pelo depoente no processo Justificação, às fls. 97/98 após a oitiva de duas novas
original na fase inquisitória (fls. 32/36 dos autos nº testemunhas, para esclarecer sua versão dos fatos,
180.01.001.283-9), devendo ser explorado e analisado em notadamente a respeito do momento no qual ele,
sua totalidade. Mesmo assim, às fls. 29/31, destacam-se os Wellington, tentou vender o toca-fitas produto do roubo
seguintes trechos: e quando surgiu a decisão dos algozes da vítima Rodolfo
de imputar a conduta a Wagno Lúcio.
“(...) que o depoente quer retificar seu depoimento
assegurando que a verdade é diferente da
Assim, ressalta o depoente:
relatada e que somente faltou com a mesma em
face das ameaças por parte do verdadeiro autor
“(...) que o depoente retorna nesteJuízo para
do latrocínio e seu comparsa; que nesse momento
prestar maiores esclarecimentos como expressão
assegura que Wagno Lúcio da Silva não tem a ver
da verdade de forma definitiva e para não pairar
o referido delito” (fls. 29)
qualquer dúvida sobre o ocorrido;” (fls. 97)

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“(...) que quando estava no chão, Salada apanhou Éderson e “Estopão” foram ouvidos como
o toca-fitas e entregou ao depoente; que tal gesto testemunhas doJuízo, tendo gerado a nova inquirição
foi para complicar o depoente; que o sangue de Wellington (fls. 97 e 98 da Justificação), que permitiu
encontrado no tênis do depoente foi da mão de
esclarecer mais fatos a respeito do horário e modus
Salada, pois o mesmo se feriu quando esfaqueava
Rodolfo; que o depoente na mesma noite tentou
operandi da conduta delitiva.
vender o toca-fitas para a pessoa de Estopão;”(fls.
97) Edérson Willian Matosinhos, vulgo “Fusquinha”
“(...) que foi também na mesma noite do crime
que Salatiel obrigou o depoente a dizer que quem Testemunha doJuízo, convidada a comparecer
matara seria Waguinho;” (fls. 97) para depor, pelo Juiz, durante a realização da audiência,
“(...) que não houve justificativa de Salada para às fls. 76/77, declarou:
fazer a acusação a Waguinho; que logo que Salada
anunciou que era para Waguinho ser o autor do “Que quando foi procurado por Wellington
crime houve a ameaça não só ao depoente como a este estava acompanhado de uma pessoa que o
seus familiares;” (fls. 98) depoente pode afirmar que não era a pessoa de
“(...) que no sábado realmente se encontrou com Waguinho (...)”
Waguinho, no horário da feira; que não houve “(...) que o toca-fitas não estava com Wellington (...)
nenhum assunto específico; que possivelmente que conhece Salatiel Bragança (...) que conhece
devem ter sido vistos juntos pela polícia, razão Luciano de Paula e Silva vulgo “Dedeira” e sabe
pela qual se tornou mais fácil a fixação do nome que o mesmo é amigo de Salatiel (...)”
de Waguinho como autor do crime.”(fls. 98) “(...) que melhor esclarecendo o depoente tinha
uma Caravan que era de propriedade de Binha
Portanto, tanto a sentença, quanto o acórdão, e queria rebaixá-la, porém estava sem recursos
fundamentam a decisão a respeito da autoria do crime financeiros; que sem saber de nada, Estopão,
na prova constante no depoimento do, à época, menor, lanterneiro da Vila São Vicente, à época com
Wellington, também agente do crime, conforme verificado oficina ao lado da casa de Wellington, pediu para
o depoente instalar um toca-fitas no fusca azul
através das descrições dos trechos da sentença e do
em troca do serviço de lanternagem na Caravan,
acórdão como se verifica nos itens 1.2 e 1.3 da presente que foi este elemento quem chegou na sexta-feira
revisão. à noite em companhia de Wellington pedindo ao
depoente para instalar o toca-fitas no fusca azul
Assim, reconstruída a prova, nesta Revisão em troca da lanternagem da Caravan (...)”
Criminal, levando em consideração a versão de “(...) que Estopão afirmou ter comprado o toca-
Wellington na Justificação, não é possível a manutenção fitas de Wellington.”
da condenação do requerente Wagno Lúcio da Silva.
Nilton Sérgio Leite, vulgo “Estopão”,
2.2 – Dos depoimentos novos, obtidos na Justificação
nº 0180.04.022.126-9 Declarou emJuízo às fls. 95/96 que:

Durante a audiência de Justificação, foi trazida “(...) que o depoente conhece Wellington pois à
a informação da existência de uma nova testemunha, época dos fatos tinha uma oficina próximo a sua
Éderson Willian Matosinhos, que, pela primeira vez, casa;”
relatou o que houve, a partir das 21:00 h., do dia do “(...) que um dia à noite, não sabendo o depoente a
latrocínio, declinando o nome de “Estopão”, como tendo hora, Wellington ofereceu um toca-fitas (...)”
“(...) que como o depoente não sabe instalar o som
conhecimento de algo mais.
resolveu procurar Fusquinha;”
“(...) que acompanhado de Wellington acabou

86 87
convencendo Fusquinha a instalar o som num pessoa a qual fretou a corrida é o mesmo perfil do
fusca azul (...)” adolescente Wellington.”
“(...) que no dia seguinte recebeu uma informação
através de Fusquinha que o taxista havia sido Na fase judicial, às fls. 155, confirmou seu
morto e que possivelmente roubaram um toca- depoimento anterior e esclareceu:
fitas podendo ser aquele instalado em seu
carro o mencionado aparelho; que o depoente
“(...) que até chegou a comentar com o outro
imediatamente arrancou o som e devolveu para
companheiro sobre a estranheza demonstrada por
Wellington;”
Wellington, quando da abordagem de Adolfo.”

2.3 – Da reinquirição das testemunhas do Ivanil faleceu, mas a testemunha Vicente de


processo original na Justificação nº 0180.04.022.126-9 Pinto Abreu, que estava com ele no local no momento
da abordagem do taxista por Wellington, confirmou seu
Para corroborar a reconstrução do fato pretendida, depoimento, de fls. 111:
na referida Justificação também foi reinquirida a maioria
das testemunhas do processo original, com o intuito de “(...) à noite o declarante a certa distância pôde
demonstrar que a imputação da autoria a Wagno decorre perceber que seu companheiro o taxista de nome
exclusivamente do depoimento de Wellington, que os Rodolfo saiu de seu ponto na Praça JK seguindo
demais depoentes relatam aquilo que ouviram do então uma pessoa de bicicleta.”
menor, como demonstrado nas cópias dos depoimentos
juntados. (DOC. 08) Agora, confirma suas declarações e as de Ivanil,
seu patrão à época e hoje já falecido às fls. 91 da
Na sentença condenatória, o Juiz soma ao Justificação:
depoimento de Wellington o dito pelas testemunhas
Ivanil Luiz Ferreira, Vicente de Paula Ferreira Filho e “Que à época dos fatos o depoente trabalhava no
Ruy Cirillo Rabello Júnior. Em suas novas declarações táxi de Ivanil, chegando a fazer várias viagens
no processo de Justificação relatam: para Waguinho, sendo que o mesmo nunca teve
qualquer conduta desabonadora; que desconhece
Ivanil Luiz Ferreira qualquer envolvimento de Waguinho com o Sr.
Rodolfo e pode assegurar que antes de ser morto,
chegou a ser vítima de um assalto na Vila Marques
Foi ouvido na fase policial, às fls. 26, e informou
(...)”
que: “(...) que viu quando Wellington chegou ao ponto
de táxi e chamou Rodolfo para fazer a corrida;
“(...) Encontrava-se em seu serviço de taxista no que viu quando Wellington seguiu numa bicicleta
ponto de táxi situado na praça JK ocasião em que e o táxi à frente (...)”
uma pessoa até então desconhecida, apresentando- “(...) que Ivanil também se encontrava no ponto
se de uma forma estranha procurou o primeiro quando Rodolfo foi chamado; que Ivanil comentou
táxi que se encontrava no ponto, vez que o táxi do com o depoente que achou muito estranho
depoente era o segundo táxi que se encontrava no
Wellington buscar Rodolfo no ponto de táxi (...)”
ponto.”
“(...) Que o menor estava em uma bicicleta e após
conversar com Rodolfo resolveu sair do local.” Vicente de Paula Ferreira Filho
“(...) que o mesmo havia fretado uma corrida
ocasião em que é para Rodolfo se dirigir até a Ouvido na referida Justificação, o depoente relata
praia (...)” às fls. 79/80, que a autoria de Wagno foi afirmada por
“(...) que apresentado ao depoente o adolescente Wellington:
Wellington (...) pode afirmar que o perfil da

88 89
“(...) que desde o primeiro momento Wellington Mas, no mesmo depoimento, traz importante
alegou que o autor do latrocínio era Waguinho da declaração, que solidifica os relatos de Wellington na
Pedreira (...)” Justificação:
“(...) que efetivamente Wellington participara do
crime (...)”
“Que tomou conhecimento no sábado pela manhã,
“(...) que mesmo não tendo qualquer tipo de
através de uma moça cujo nome o depoente não
informação da autoria imputada a Waguinho,
sabe, que Wellington, em determinado local teria
sempre ouviu de Wellington que o mesmo autor
entrado no carro do Sr. Adolfo.”
deste crime (...)”
“(...) que a princípio Wellington dizia que tinha
“(...) que Ruy Cirillo estava junto com o depoente
tido a participação de alguém do Bairro Dom
quando da prisão de Waguinho e não na apreensão
Oscar, mas quando para lá se dirigia resolveu
de Wellington (...)”
dizer que quem havia participado efetivamente
“(...) que Salatiel e Osmar Godoi são considerados
era Waguinho da Pedreira.”
no meio policial como bandidos violentos.” “(...) que possivelmente a moça que deu a
informação ao depoente de ter visto Wellington
A referida testemunha, no processo original, adentrar no carro de Sr. Adolfo, isto teria ocorrido
foi ouvida apenas na fase do inquérito policial, não depois do Monteirão; que esta moça confirmou que
constando nos depoimentos emJuízo, onde se efetiva o somente vira Wellington.”
contraditório.
Curioso que Ruy Cirilo desmente este depoente, Traz maiores esclarecimentos ao fato, às fls. 84 da
pois afirmou na Justificação, às fls. 84, que Wellington Justificação colocando em dúvida a imputação do crime
somente passou a apontar Waguinho depois de algumas a Waguinho:
horas, quando alterou a versão, e que ele estava junto,
quando da prisão de Wellington. “(...) que a suspeita recaiu sobre Waguinho como
autor do latrocínio a partir de informações do
Essa versão foi confirmada pelo depoimento de menor Wellington de Paula (...)”
Éderson, às fls. 76, que afirmou que Ruy Cirilo estava “(...) que por intermédio de Waguinho, já
condenado, o depoente tomou conhecimento
junto, quando da prisão de Wellington.
da assertiva de que o mesmo não seria autor do
latrocínio; que no entender do depoente e pela
Ruy Cirilo Rabello Junior experiência como policial, há dúvidas sobre a
autoria imputada a Waguinho; que por duas vezes
Ex-PM e genro da vítima, cujo depoimento após a condenação se encontrou com Waguinho e
emJuízo foi utilizado para a formação do convencimento o mesmo reafirmou sua inocência.”
do Juiz, que cita na sentença de fls. 189 a seguinte parte “(...) que o menor Wellington sustentou duas
do depoimento de fls. 153/154: versões diferentes, mudando toda uma versão em
menos de duas horas.”
“(...) que a princípio Wellington dizia que tinha “(...) que em momento algum das declarações de
tido a participação de alguém do bairro Dom Waguinho perante a autoridade policial não
Oscar, mas quando para lá se dirigia resolveu houve nenhuma afirmativa de que seria o autor
dizer que quem havia participado efetivamente do crime.”
era Waguinho da Pedreira; que logo após a
revelação por parte de Wellington retornaram à Além da reinquirição das testemunhas do processo
Delegacia quando então os policiais decidiram ir original demonstrar que a única prova para a condenação
ao encalço de Waguinho.”
era o depoimento do Wellington, já que os demais decorrem
“(...) que o depoente acredita que esta é a versão
do referido depoimento, é possível demonstrar que as
real do crime;”
testemunhas da defesa, que sustentavam a presença de

90 91
Wagno Lúcio em casa na noite de sexta-feira, continuam juntamente com o mesmo para sua residência
mantendo seus depoimentos, tendo sido intimadas e por volta das 19:00 horas; que, como a esposa do
ouvidas 8 (oito) anos depois: Waguinho não estava em casa o depoente resolveu
ficar com ele fazendo companhia; que compareceu
também à casa de Waguinho, a pessoa de Waltinho
Walter Florindo Lopes (...).”
“(...) que tão logo a esposa do Waguinho chegou
Na fase policial, às fls. 108, informou que: em casa, por volta das 21:30 horas, o depoente foi
embora para sua casa (...).”
“(...) o depoente por volta das 18:50 dirigiu-se
novamente à residência de “Waguinho” com os
ingredientes, desta feita deixando os mesmos com
Já na fase judicial, às fls. 167, essa importante
“Waguinho” (...)” testemunha foi dispensada pela defesa.
“(...) que estava com “Waguinho” a pessoa de
Fábio tendo o depoente deixado os dois na casa de Também, na Justificação, às fls. 82/83 ele confirma
“Waguinho” (...)” suas declarações anteriores, e afirma:
“(...) tal fato se deu por volta das 19:00 horas (...)”
“Que o depoente chegou a trabalhar com Waguinho
Essa importante testemunha informa que Fábio durante três anos (...)”
estava na companhia de Wagno, assim como informou o “(...) que tinha sido arrolado como testemunha
de Waguinho, porém estava trabalhando e se
requerente e a própria testemunha depôs, como abaixo
esqueceu do dia (...)
se demonstrará. “(...) na noite que ocorreram os fatos em que
evidenciaram a morte de Rodolfo, o depoente se
Às fls. 168, ele ratifica emJuízo suas declarações, lembra bem, pois saiu da Pedreira juntamente
assim como fez nesta Justificação, às fls. 88: com Waguinho e Walter e direto foram para a
casa de Waguinho.”
“(...) que estava junto com Waguinho e Fábio na “(...) que permaneceu na casa de Waguinho pois o
casa de Waguinho e por volta das 19:00 h. foi embora mesmo estava aguardando a esposa Cleonice e a
deixando ali Fábio e Waguinho; que durante o dia filha e pediu para que o depoente ali ficasse; que
trabalhou junto com Wagno e Fábio; que por volta somente foi embora após a chegada de Cleonice;
das 21:00 h. de sexta feira encontrou com Cleonice que Cleonice estava na vizinha promovendo uma
mulher de Waguinho, sendo que esta havia ido à festa para Waguinho, pois no sábado seria seu
casa de uma colega fazer um bolo (...)” aniversário.”
“(...) que o policial cujo nome o depoente não sabe
Fábio Márcio de Resende assegurou que o depoimento do depoente não
serviria para nada por se tratar de amigo do
Álibi legalmente perfeito, essa testemunha é pessoa Waguinho e que estaria tentando protegê-lo.”
idônea, além de se tratar de trabalhador braçal, primário
e possuidor de bons antecedentes, com residência fixa na Note-se que, mesmo sendo trabalhadores braçais,
comarca de origem. de pouca cultura, desde o primeiro instante, antes que
houvesse possibilidade de se tramar uma versão, foi
Na fase policial, às fls. 109, ele declarou que: relatada a versão que permanece até os dias de hoje, não
havendo alterações ou contradições, o que demonstra a
“(...) o depoente saiu para trabalhar juntamente veracidade destas afirmações.
com a pessoa de “Waguinho” por volta das 06:30
horas; que o depoente trabalhou com “Waguinho”
na Pedreira durante todo o dia tendo retornado

92 93
Cleonice Pereira do Nascimento Antonio Celso Lanna Rabelo

Companheira do requerente, na época dos fatos, Delegado de Polícia, hoje lotado da Seccional Leste,
além de declarar que Wagno se encontrava em casa no em Belo Horizonte, presidiu o inquérito desde o início.
momento em que ocorreu o crime, jamais informou que a
bolsa que onde estaria guardado o toca-fitas pertenceria a Peça fundamental em toda a investigação, por se
Waguinho, como relatado no Auto de Prisão em Flagrante, posicionar contrário à tese doJuízo, teve sua posição
de fls. 07. contestada na sentença, às fls. 187, como abaixo se
transcreve:
Wellington confirmou na Justificação às fls. 30 que
quem informou isto foi o detetive Sinval: “Porém, mais estranho do que a mudança de versão
por parte de Wellington foi a rapidez utilizada pelo
“que o detetive Sinval foi que disse que a sacola Dr. Antônio Lanna Rabelo, Delegado de Polícia que
que estava o toca-fitas seria de Waguinho (...)” presidia as investigações, cuidando em advogar
a favor de Waguinho requerendo ao Juiz em
exercício na Comarca a sua liberdade, constando
Neste procedimento, com firmeza de posicionamento
em destaque: no entender desta autoridade o
e retidão de comportamento, esclareceu a depoente mesmo deverá ser solto imediatamente uma vez
Cleonice: que não mais existe (sic) motivos para a prisão
do mesmo ante aos fatos novos apresentados
“Que a depoente preparava alguns doces e bolo (documento fls. 43). Tal atitude do então delegado,
para comemorar o aniversário de Waguinho, pois revelou, no mínimo, falta de preparo para o cargo
pretendia comemorar o aniversário no sábado, e uma imensa afronta à seriedade profissional que
quando Waguinho tinha feito 36 anos; que pode se deve ter em casos deste jaez para não aviltar
assegurar que ficou até meia-noite enrolando ainda mais a sociedade.”
tais doces em casa e Waguinho se encontrava no
quarto com a filha (...)”
“(...) que na Delegacia foi instada pelo Detetive
Esse Delegado, desde o primeiro momento, agiu
Luiz Carlos para dizer que uma sacola de cor azul com diligência e responsabilidade, não se deixando abater
seria de Waguinho e estaria na sua casa, e se assim ou se deixar levar pelo clamor público ou pela pressão da
comportasse Waguinho seria imediatamente solto; imprensa.
que não concordou, pois tinha certeza absoluta
que aquela sacola nunca teria estado em sua casa Inicialmente, efetuou a prisão em pretenso
(...)” flagrante de Wagno, comunicada à autoridade judicial
“(...)que sempre Waguinho jurou inocência; que a às fls. 20, (DOC. 09) e encaminhou o menor, à época,
depoente hoje se acha casada com outra pessoa Wellington, para o Comissário de Menores, às fls. 28.
(...) que assegura que se seu depoimento à época (DOC. 10)
dos fatos era comprometido em face de estar junto
com Waguinho, continua reafirmando que para a
depoente o mesmo é inocente.”
Às fls. 39, após Wellington comparecer na delegacia
e alterar sua versão, inocentando Wagno – lembrando
Evidenciam os autos no processo original que os sempre que Wagno somente estava preso porque fora
responsáveis pelo inquérito policial, em momento algum, acusado por Wellington – acertadamente, e o tempo está
imputaram a conduta a Wagno Lúcio, senão vejamos: tratando de demonstrar isto, o Delegado requereu à
autoridade judicial a imediata soltura de Wagno, o que
foi acatado de pronto. (DOC. 11)

94 95
Continuando seu trabalho competente, ele relatou, às fls. “(...) o depoente viu a pessoa do Sr. Adolfo ser
52, o seguinte: agredido por dois indivíduos; que parou alguns
minutos e identificou a pessoa de Wellington,
“Devemos ainda lembrar que o adolescente, em e o outro indivíduo não conseguiu identificar,
uma atitude covarde e imoral, a princípio imputou esclarecendo que era um indivíduo de estatura
o crime ao conduzido Wagno Lúcio da Silva, o qual magra, estatura média.”
chegou a ficar preso em atitude de mera vingança,
tal qual informou posteriormente.” Às fls. 151, ele esclarece o que realmente viu,
dizendo que:
Em 10 de dezembro de 1997, cumpriu mandado de
prisão, ordenado peloJuízo, e novamente recolheu Wagno “(...) que ficou com medo de sofrer qualquer
à cadeia pública, como registrado às fls. 79. (DOC. 12) represália e por isso continuou seu caminho (...)”
“(...) que conhece Waguinho muito, pois já
trabalhou com ele; que a pessoa que estava com
Portanto, agiu essa autoridade policial sempre Wellington era fraco e não poderia ser o Waguinho
dentro da legalidade, compromissada com a verdade (...)”
e, principalmente, com lealdade a seus princípios
profissionais e à obediência hierárquica. Ouvido neste procedimento ratificou e
complementou suas declarações.
Estando servindo na capital mineira, encontra-
se afastado de suas funções, por motivo de saúde, e não “(...) que quando viu algo estranho ao retornar
pôde ser requisitado na Justificação. na madrugada de sexta-feira pôde perceber a
presença de uma pessoa próxima ao local onde
Fábio Silva Tasca foi encontrado o corpo e pôde assegurar que pela
compleição física não se tratava de Waguinho;
Delegado de Polícia, encarregado pela Secretaria que sabe muito bem que Waguinho é uma pessoa
de Segurança Pública de Minas Gerais para investigar forte e a outra pessoa se apresentava com físico
o caso, relata no ofício n° 80/GAB/99, endereçada ao normal (...)”.
“(...) que conhece um tal de Deir da Vila São
Delegado Regional de Segurança Pública, como constata
Vicente que é amigo de Osmar Godoi (...)”
a cópia anexa: (DOC. 13) “(...) que chegou a ver Wellington na cena do crime
andando de bicicleta vermelha para cima e para
“Informo-lhe que procedi a uma leitura de todo baixo; que para o depoente na madrugada ainda
o processo envolvendo o preso em questão e não que com chance de errar não sai de sua mente que
existe nos autos nenhuma confissão do condenado Osmar Godoi era a pessoa que estava no local do
no que tange a uma autoria delitiva. Registre-se crime; que o destaque entre Waguinho e Osmar
que o Sr. Wagno Lúcio da Silva foi condenado sem Godoi é exatamente daquele ser bem mais forte do
ter sido sequer indiciado no Inquérito Policial que este.”
pelo Delegado presidente do feito”.
“(...) a condenação de Wagno se deu por exclusiva
convicção do MM Juiz de Direito que julgou o caso, 3 – DOS FUNDAMENTOS DO PEDIDO
uma vez que pelo relatório subscrito pelo Delegado
encarregado das investigações, este concluiu que A legislação processual penal prevê distintos
não haviam provas de que o condenado tivesse fundamentos para sustentação da causa do pedido
praticado o crime objeto da investigação”. de revisão criminal, quais sejam: contrariedade ao
texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
Ademais, a única testemunha presencial do crime, depoimentos, exames ou documentos comprovadamente
Genivaldo Teodoro de Castro, às fls. 110, relata que: falsos, como fundamento da sentença; e provas novas a

96 97
favor do réu. o trânsito em julgado.

O presente pedido de Revisão Criminal funda-se: Como defendem Ada Pelligrini Grinover e outros:

a) na comprovação da prova falsa, conforme inciso “o que é imprescindível é que a prova nova seja
II, do art. 621, do Código de Processo Penal, pois o, à apreciada não isoladamente, mas em conjunto
época, menor, Wellington Azevedo de Paula, falseou suas com o material probatório existente no processo
informações, imputando a conduta delituosa a Wagno condenatório”
Lúcio da Silva, prova esta que ensejou a condenação
“Revisão. Reiteração de pedidos anteriores.
do requerente, tendo este se retratado no processo de Inadmissibilidade em tese. Fato novo, porém
Justificação, no qual ouvido, por duas vezes, confirmou invocado, e oferecimento de nova prova.
que o requerente não tinha participado do fato criminoso. Conhecimento. Inteligência do art. 622, parágrafo
Tal fundamento encontra eco na Jurisprudência, senão único, do CPP.” (TJSP, RT 597/285)
vejamos:
Logo, aos fundamentos da presente revisão
“Para fundamentar pedido revisional com base também se somam as reinquirições efetivadas no processo
em prova falsa, é preciso que esta tenha sido a
de Justificação e mesmo as provas já existentes nos
razão de decidir, inexistindo nos autos outros
elementos de convicção lastreadores do decreto
autos, corroborando a tese de inocência do requerente,
condenatório” (TJSP, STACRESP 36/40-1);
aqui sustentada, como demonstrado na presente peça
processual. Ou seja, tudo de novo que se demonstra no
b) nas provas novas, a favor do réu, conforme presente pedido, mais a análise das provas existentes
inciso III, do art. 621, do Código de Processo Penal, no processo condenatório, sustentam o pedido doJuízo
pois o depoimento de Joilson Henrique Dias demonstra rescindente e rescisório.
justamente que a imputação da conduta à pessoa de
Wagno Lúcio da Silva é falsa e que ele era ameaçado Assim, necessário concluir que os fundamentos ora
na cadeia pelos verdadeiros autores do crime; e, ainda, apresentados são claros e que se encontra exaustivamente
pelos novos depoimentos de Edérson William Matosinhos provada a inocência do requerente, a fim de se lhe garantir
e Nilton Sérgio Leite, que elucidaram a questão relativa o direito à desconstituição da sentença penal condenatória
à res furtiva, um toca-fitas subtraído do carro da vítima, e sua conseqüente absolvição em sede deJuízo rescisório,
demonstrando que, em momento algum, o requerente sustentada pelo princípio constitucional do favor rei e da
Wagno Lúcio da Silva estava com o referido objeto. ampla defesa e do direito fundamental à dignidade da
pessoa humana.
“Justificação penal – Objetivo – Obtenção de
provas novas para dar sustentação a eventual 4 – DO PEDIDO
propositura de revisão criminal – Motivo legal e
interesse legítimo – Realização com obediência Ex positis, com fulcro nas normas do artigo 621,
ao princípio do contraditório – Participação do incisos II e III, do Código de Processo Penal, requer-se a
Ministério Público e do Advogado do recorrente, PROCEDÊNCIA do presente pedido, para desconstituir
sendo competente oJuízo da condenação – Recurso a sentença penal condenatória e, em sede deJuízo
provido” (TJSP, JTJ 218/294) rescisório, absolver o requerente, de acordo com a
norma do artigo 386, IV, do Código de Processo Penal,
Desta feita, a comprovação da existência de por não haver prova de ter o requerente concorrido
depoimentos falsos e as novas provas se somam, para para a infração penal, tendo em vista a comprovação da
sustentar uma nova cognição a respeito do fato criminoso, falsidade do depoimento do Wellington Azevedo de Paulo
pelo qual o requerente foi denunciado e condenado, com

98 99
e as provas novas obtidas na Justificação da inocência do 38. Férias forenses
requerente.
A petição inicial foi distribuída no final de junho de 2005,
Pelo princípio da eventualidade, entendendo esse acompanhada de todos os pedidos e esforços para que houvesse
egrégio Tribunal não ser hipótese de absolvição, as razões celeridade no julgamento do caso.
acima expostas, seja o requerente, noJuízo rescisório,
Todas as provas, evidências documentais e testemunhais
absolvido, nos termos da norma do art. 386, VI, do CPP,
por não haver prova suficiente para a condenação, já que, apontavam para a absolvição de Wagno e, por essa razão,
retirando-se do conjunto probatório o depoimento de clamamos por rapidez.
Wellington Azevedo de Paulo, não há provas suficientes Por respeito ao ser humano e sua liberdade, solicitamos
para sustentar a condenação. ao Tribunal de Justiça que os atos processuais e demais
movimentações tivessem um trâmite distinto, assemelhado a
5 – DOS REQUERIMENTOS um tratamento especial, o que, infelizmente, no nascedouro da
Revisão Criminal, não conseguimos obter.
Requer, pelos princípios da ampla defesa e
Para nossa decepção, não alcançamos nosso objetivo e,
da verdade real, sejam solicitadas informações ao
Juiz prolator da sentença penal condenatória e Juiz além do mais, nos deparamos com as irregulares férias forenses
também da Justificação, Dr. Paulo Roberto Caixeta, pelo em julho, que paralisou o judiciário mineiro, engessando prazos
conhecimento que possui dos processos criminais da e despachos.
comarca de Congonhas, envolvendo diversos dos citados Parece que a eterna companheira, a falta de sorte, mais
no processo, e pelo conhecimento específico que tem uma vez cruzara o caminho de Wagno. Nem fui lá contar-lhe que
deste caso em particular. não haveria movimentação no processo em julho.
Se eu, livre e solto, fiquei decepcionado com a notícia, o
Requer, também, a juntada do processo de
Justificação, de nº 0180.04.022.126-9, bem como de cópia que seria das esperanças de Waguinho, preso e imaginando sua
das peças do processo original e do instrumento de liberdade a qualquer momento.
procuração, com poderes especiais e da certidão de Começamos a nos preocupar com as férias de janeiro,
trânsito em julgado da sentença condenatória. cumuladas com os recessos de dezembro, que poderiam pegar
a Revisão em cheio, reservando a Wagno mais de dois meses
Por fim, entendendo necessário pelo egrégio de pena além do prazo, por conta de descanso e descaso dos
Tribunal, requer o apensamento aos autos do processo tribunais.
original.
Dito e feito.
Nestes termos, Como descrito a seguir, as férias de janeiro atropelaram
pede deferimento. o Tribunal.
Foi feito um recesso branco despistado, sem a oficialidade
Belo Horizonte, 30 de junho de 2005. de uma portaria contrária à norma, onde não se designaram
audiências e despachos não foram exarados.
Vários Desembargadores saíram de férias, e não foi
determinada pauta de julgamentos para janeiro.
Lembramos que as Revisões Criminais são julgadas por
um Grupo de Câmaras, composto de dez Desembargadores,
sendo que o número mínimo regimental é de sete presentes.
Os julgamentos acontecem na segunda terça-feira de

100 101
cada mês. 39. O Desembargador Relator
Portanto, não sendo incluída a Revisão na pauta de
dezembro – o que impossibilitou a que Wagno passasse o Natal Conhecido por sua austeridade, correção e pela extrema
em casa, com a família –, fomos novamente engolidos pelas intransigência para com traficantes de drogas, o Relator dessa
pseudoférias forenses, nos habilitando, então, para colocá-la em Revisão foi o Dr. Eli Lucas de Mendonça.
pauta para julgamento somente no mês de fevereiro de 2006. Nome respeitado e, por que não dizê-lo, temido por
advogados e envolvidos, Dr. Eli Lucas foi um dos primeiros
magistrados a condenar o famoso “Fernandinho Beira Mar”,
fato que elevou sua reputação e incrementou seu sistema de
segurança pessoal.
Por muitos anos, necessitou de medidas de precaução por
onde circulava, tais eram os níveis de ameaças.
No presente caso, agiu com maestria e humanidade,
dando a atenção ao processo como este realmente requeria.
Agindo dentro da legalidade, e com extremado formalismo,
Dr. Eli Lucas respaldou todo o processo revisional, dando à
decisão respeito e credibilidade.
Antes que atuássemos no caso, foi distribuído um
primeiro pedido revisional, tendo o Dr. Eli Lucas como Relator,
que foi corretamente indeferido sem julgamento do mérito, por
problemas processuais preliminares.
Portanto, sabíamos, de antemão, que ele estava prevento,
ou seja, seria o Relator do novo pedido. E teríamos que fazer o
“trabalho de nossas vidas”, sob pena de sermos derrotados em
nossa pretensão.
Dr. Eli, foi, então, duplamente responsável pelo sucesso
de nossa empreitada.
Inicialmente, antes de distribuirmos o pedido revisional,
nos debruçamos em estudos e trabalhos minuciosos, com o fim de
apresentar a essa “fera” do judiciário mineiro – “fera” em duplo
sentido, de bravura e de conhecimento –, um pedido correto,
completo e de excelso teor.
Finalmente, julgando com competência e conhecimento
técnico, Dr. Eli aplicou com plenitude a justiça, reconhecendo a
condição de um inocente preso injustamente.
Sua seriedade, respeitabilidade e notável conhecimento
jurídico foram fundamentais para que todos os demais
Desembargadores acompanhassem o seu voto na íntegra,
transformando uma história de injustiça em um caso de ilibada
justiça e de liberdade, ainda que tardia, nos termos dos dizeres
da bandeira de nosso estado.

102 103
40. A torcida dos escreventes judiciais Não é possível imaginar que processos indenizatórios
levem trinta e cinco anos para serem julgados, como foi o caso
Desde o início, recebemos muitos apoios, das mais recente dos pedidos formulados pelas vítimas do desabamento do
diferentes pessoas. Pavilhão da Gameleira, gerando aflição, insegurança e descrença
A causa era simpática e os indícios de que estávamos às famílias sobreviventes, especialmente por se tratar de uma
certos eram cada vez mais evidentes. obra de responsabilidade da administração pública.
Dentre esses apoios, passamos a contar com a presteza
e a solicitude dos escreventes judiciais, principalmente, da
Câmara de Feitos Especiais – CAFES, do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, que agilizaram as movimentações, dentro de uma
legalidade e ordem de absoluta lisura.
Amanda, que passou também a ser torcedora, foi
fundamental para que conseguíssemos chegar onde chegamos e,
por meio de sua atuação, reconhecemos o essencial e abnegado
trabalho desses servidores que vivem “atolados” em processos até
o pescoço, literalmente, pois, nas suas mesas de trabalho quase
não os vemos, escondidos que estão atrás de pilhas e pilhas de
papéis.
A tradicional falta de sorte de Wagno mais uma vez se
manifesta, nesta fase processual.
Com a fusão, em Minas Gerais, do Tribunal de Alçada com
o Tribunal de Justiça, gerou-se uma confusão administrativa,
que, para não perder o costume, atingiu de cheio o nosso Wagno.
Os Desembargadores, o julgamento e tudo o mais relacionado
ao seu caso estavam sediados na Av. Francisco Sales, no antigo
Tribunal de Alçada. A parte administrativa, secretaria e demais
acessórios se assentavam na Rua Goiás, no antigo Tribunal de
Justiça.
Sendo assim, toda a movimentação processual do caso
demandava – além da morosidade normal dos processos –,
motoristas, veículos, ofícios de remessa e recebimento, afora toda
a burocracia que envolve o transporte de documentos judiciais.
Portanto, a torcida e a colaboração dos escreventes
judiciais fizeram com que um procedimento que levaria dias
para ser feito demorasse apenas algumas horas, conseguindo,
dessa forma, dinamizar todo o procedimento revisional.
Se houvesse mais funcionários ou menos processos, nossa
justiça agiria com mais presteza, dando respostas céleres aos
questionamentos apresentados, gerando, dessa forma, efeitos
nas sentenças prolatadas.

104 105
41. A Procuradoria Geral do Estado 42. O parecer favorável

O órgão do Ministério Público na segunda instância é a EGRÉGIO GRUPO DE CÂMARAS CRIMINAIS


Procuradoria Geral do Estado, que, no presente caso, foi intimado DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS
a intervir, cuidando dos interesses da sociedade. GERAIS
A sorte de Wagno dava sinais claros de mudança.
Processo n° 1.0000.05.423126-1/000
Dr. Rogério Grecco, procurador do Estado, foi designado Comarca de Congonhas
para emitir parecer sobre o caso, ou seja, deveria falar Peticionário: Wagno Lúcio da Silva
tecnicamente o que a comunidade a qual ele representa gostaria Relator: Desembargador Eli Lucas de Mendonça
que se fizesse com o pedido apresentado pela defesa de Wagno.
Tal procurador é uma pessoa extremamente humana, Wagno Lúcio da Silva ingressou com a presente
preocupada com a situação da vítima no processo penal, como ação de revisão criminal, com base no art. 621, incisos II
erros médicos e outras causas sociais de valor relevante. E dentre e III, do CPP, visando à desconstituição do decreto que
o considerou culpado pela prática de delito tipificado
as várias opções existentes, Dr. Rogério talvez fosse a melhor
no art. 157, § 3°, segunda parte, do CP, e o condenou a
pessoa a ser designada para acompanhar o caso em nome do cumprir uma pena de 23 (vinte e três) anos de reclusão
Ministério Público – e isso implicava um parecer técnico, formal em regime integral fechado, bem como ao pagamento de
e juridicamente correto, porém, de posicionamento humanista e 28 (vinte e oito) dias-multa.
justo.
Assim que recebeu o caso, e percebendo a gravidade da O pedido veio acompanhado de procuração e
situação, se reservou o direito de não requisitar a juntada dos instruído com os documentos de fls. 30/101, bem como
autos originais ao processo, visto ser um posicionamento que pelo pedido de justificação, cujos autos se encontram em
apenso.
iria atrasar em demasia todo o desenrolar das próximas etapas.
Ademais, a Revisão Criminal estava completamente instruída, É o breve relatório.
inclusive com as cópias das peças fundamentais dos autos
originais. Embora o processo original que culminou na
Em trinta dias, o parecer do Ministério Público estava condenação do peticionado não esteja acostado, o pedido
concluído, e favorável à absolvição. vê-se satisfatoriamente instruído com as suas principais
peças, permitindo uma segura compreensão dos fatos.

O trânsito em julgado está comprovado à fls. 33,


devendo o pedido ser conhecido.

Em 28.03.1998, o peticionário foi condenado, em


primeira instância, pela prática do delito previsto no
art. 157, § 3°, segunda parte, do CP, a uma pena de 24
(vinte quatro) anos de reclusão, regime integral fechado,
mais 30 (trinta) dia-multa, no valor unitário fixado no
mínimo legal. Em sede recursal, já em 24.02.1999, o e.
Tribunal de Alçada, por sua primeira Câmara Criminal,
à unanimidade de votos, deu parcial provimento ao seu
apelo, tão-só para reduzir-lhe a pena ao patamar de 23
(vinte e três) anos de reclusão de 28 (vinte e oito) dias-

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multa. deste ser descoberto e apreendido, inclusive com toca-
fitas pertencente à vítima; emJuízo, outras testemunhas
O anterior pedido de revisão criminal foi indeferido afirmaram ter presenciado Wellington apontar Wagno
em 08.10.2002, por resumir-se à mera reiteração do Lúcio da Silva como sendo o autor do crime; a testemunha
reexame das provas já existentes nos autos, desatendidos que seria álibi do peticionário, por estar com ele no dia
os requisitos do art. 621, CPP. e horário do crime, não compareceu para prestar seu
depoimento, sendo este fato interpretado negativamente
Agora, retorna o peticionário com novo pleito pelo Juiz na prolação a sentença.
revisional, com fincas nos incisos II e IIII ao art. 621 do
CPP, aduzindo que não foi ele o autor do delito pelo Da mesma forma que o magistrado a quo, o tribunal,
qual foi condenado e que, tanto a sentença quanto o ao apreciar a causa, considerou a autoria por parte do
acórdão revisados, fundamentaram-se em depoimento peticionário inconteste, também dando especial relevo à
comprovadamente falso. Além disso, trouxe novo acervo delação feita por Wellington.
de provas embasando sua alegação de inocência.
Até que, um depoimento prestado pelo recuperando
De fato, a única hipótese permissiva para a Joilson Henrique Dias, num processo que nada tinha a
análise desse novo pedido encontra-se presente, qual ver com o caso destes autos, versões condizentes com a
seja, o aparecimento de novas provas. A condenação alegada inocência do peticionário veio à tona. Joilson
do peticionário estribou-se, primordialmente, no apontou quem seriam os autores do crime pelo qual
depoimento prestado por Wellington Azevedo de Paulo, Wagno Lúcio fora condenado.
menor de idade, à época, em cuja companhia, segundo a
denúncia, teria Wagno Lúcio da Silva praticado o crime Em seguida, via regular processo de justificação,
de latrocínio. as testemunhas foram novamente ouvidas e, ainda,
outras ausentes no processo primitivo, além do próprio
Prova disso está na da sentença exarada em Wellington, que, finalmente, revelou a verdade sobre os
primeira instância: fatos ocorridos naquela fatídica noite de 24 de outubro
de 1997, bem como os motivos que o levaram a falseá-la
“... Wellington, apreendido pela polícia e por todos esses longos anos.
devidamente questionado sobre a posse do toca-
fitas, indicou a pessoa do acusado como sendo Após quase oito anos, trouxe nova versão,
o autor do bárbaro crime oferecendo detalhes apontando como autores do latrocínio, Salatiel de Souza
da empreitada criminosa ( ...). Por ora, está-se
Bragança (vulgo “Salada”) e Luciano de Paula e Silva
valendo de seus depoimentos de fls. 07/09 (auto
de prisão em flagrante), fls. 94/96 (audiência de
(vulgo “Dedeira”). Consta em seu depoimento de fls. 97/98
apresentação de adolescente infrator) e 163/165 dos autos da anexa Justificação:
(depoimento judicial na fase de instrução) como
a prova cabal e fiel em relação à autoria do delito “... que na noite dos fatos estava presente quando
imputado ao acusado Waguinho e contra qual Rodolfo foi assassinado; que apanhou o táxi
não houve contrariedade...”(fls. 38/39 destes autos, a mando de Salada e próximo ao Monteirão,
com destaque nosso). junto com Salada, seguiram para o bairro Nova
Cidade, local dos fatos; que Dedeira seguiu em
uma moto CB 500 e se encontraram no local; que
Fora a incriminação incisiva feita pelo menor
no trajeto ainda dentro do táxi, no banco de trás,
Wellington, somente deduções ensejaram o decreto Salatiel deu o primeiro golpe contra Rodolfo; que
condenatório em desfavor ora do peticionário. Vejamos: imediatamente Rodolfo abandonou o carro, sendo
fora este avistado por um policial, no dia posterior ao fato, que Dedeira correu atrás, segurou Rodolfo e mesmo
na companhia do menor Wellington, poucas horas antes diante dos pedidos do depoente para que não fizesse

108 109
nada, passaram a esfaquear Rodolfo; que quando Ressalte-se que, no processo original, o “Estopão”, que
Rodolfo estava no chão, Salada apanhou o toca- agora contribui de forma relevante, não tinha sido
fitas e entregou ao depoente; (...) que o depoente ouvido.
na mesma noite tentou vender o toca-fitas para a
pessoa de Estopão: (...) que também foi na mesma
noite do crime que Salatiel obrigou o depoente a
Outra novidade também trazida pela Justificação
dizer que quem matara seria Waguinho; que houve foi o depoimento emJuízo de Fábio Márcio de Resende, o
ameaças estendidas à família do depoente, razão álibi da defesa de Wagno Lúcio da Silva, que confirmou
pela qual o depoente ficou receoso; que somente na as declarações prestadas na fase inquisitória do processo
sexta-feira se encontrou com Salada e Dedeira; original, afirmando que permaneceu na companhia
(...) que o depoente tem a consciência pesada em deste, em sua casa, até por volta das 21:30 horas, horário
relação à condenação de Waguinho e também em que já se dava início ao crime pelo qual Wagno fora
pela barbaridade do crime que o marcou muito, condenado (fls. 82 da Justificação).
pois à época dos fatos ainda era menor; (...) que
o depoente não tinha conhecimento das intenções Assim, pelas novas declarações prestadas
de Dedeira e Salatiel; que não sabia da presença
por Wellington Azevedo de Paulo, pelas elucidações
de Dedeira; que Salatiel mandou Rodolfo parar o
carro e quando este o fez, tomou o primeiro golpe;
propiciadas pelo depoimento de Nilton Sérgio Leite,
que Rodolfo saiu correndo e foi alcançado por vulgo “Estopão”, e pelo conteúdo da fala de Fábio Marcio
Dedeira; saindo de um lugar que o depoente não de Resende, desautorizando a subsistência do decreto
viu; que posteriormente Dedeira segurou Rodolfo condenatório.
e houve o esfaqueamento ainda que o depoente
gritasse para que assim não agissem; (...) que Diz art. 621, e incisos, do Código de Processo
quando o corpo de Rodolfo estava no chão, foi que Penal:
surgiu a história de imputar Waguinho a autoria
do crime; que não houve justificativa de Salada “Art. 621. A revisão dos processos findos será
para fazer a acusação a Waguinho; que logo que admitida:
Salada anunciou que era para Waguinho ser o
I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto
autor do crime houve ameaça não só ao depoente
como a seus familiares; (...) que o toca-fitas serviu
expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
para que o depoente mantivesse a história da II – quando a sentença condenatória se fundar em
acusação de Waguinho, ter ido buscar Rodolfo na depoimento, exames ou documentos comprovadamente
praça e manter sigilo sobre tudo o que ocorreu; que falsos;
no sábado realmente encontrou com Waguinho, no III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas
horário da feira; que possivelmente deve ter sido de inocência do condenado ou de circunstância que
visto juntos pela polícia, razão pela qual se tornou determine ou autorize diminuição especial da pena.”
mais fácil a fixação do nome de Waguinho como
autor do crime; (...) que hoje o depoente se acha A nova versão trazida por Wellington Azevedo
mais seguro e com menos pesar de estar tendo de Paulo, por si só, atende aos requisitos dos incisos II
oportunidade de revelar a verdade”.
e III do artigo acima transcrito, nos quais se fundaram
o pedido revisional, vez que, além de admitido, diante
Nilton Sérgio Leite, conhecido como “Estopão”, e de um Juiz de Direito e de um Promotor de Justiça,
Éderson Willian Matosinhos, o “Fusquinha”, confirmaram que mentiu quando ouvido no processo original, narrou
que ainda na noite de sexta-feira, Wellington teria detalhadamente o que ocorrera a partir das 21:00 horas
aparecido com o toca-fitas, oferecendo ao primeiro, que, do dia 24 de outubro de 1997, ocasião em que Rodolfo
manifestando interesse, foi (junto com Wellington) à Cardoso Lobo fora assassinado.
procura do segundo (Fusquinha) para que esse fizesse a
sua instalação (fls. 76/77 e 95/96 dos autos de Justificação). Somando-se tal fato à fragilidade do restante do

110 111
acervo probatório, chegamos a uma nova cognição acerca 43. O excitamento toma conta da defesa
do fato criminoso, havendo somente uma solução a ser
seguida por essa Colenda Câmara: a absolvição de Wagno Bastou que o processo fosse devolvido à secretaria da
Lúcio da Silva, e isso com base no artigo 386, inciso IV, do CAFES para que eu me dirigisse até lá, para tomar conhecimento
Código de Processo Penal. e obter cópias do parecer do Ministério Público.
Os Desembargadores não precisam seguir o parecer da
Assim nos posicionamos em virtude do munus de
fiscal da lei, zelando pelo seu fiel cumprimento, que, para Procuradoria, mas sempre que esse parecer é favorável à defesa,
tanto, requer um devido processo legal, onde a prolação as esperanças do requerente aumentam sobremaneira.
de um decreto condenatório esteja arrimada em robusto Não tinha conhecimento do resultado, e subi os andares
acervo probatório. do Tribunal, no velho elevador da Rua Goiás, sem prestar atenção
a nada.
Pelo exposto, o parecer do Ministério Público Imaginava um parecer negativo, pois tenho uma
é pelo conhecimento da revisão criminal e que, no desconfiança natural aos advogados criminais, em relação às
mérito, lhe seja DADO PROVIMENTO, desconstituindo a
convicções do Ministério Público, e isso não é gratuito.
sentença vergastada, e absolvendo Wagno Lúcio da Silva,
retirando-lhe o nome do rol dos culpados. Quantas e quantas vezes nos deparamos com pareceres
e posicionamentos completamente absurdos, exarados por
Belo Horizonte, 31 de agosto de 2005. representantes que, com certeza, não merecem figurar como
membros do quadro de tão ilustre associação.
ROGÉRIO GRECO Cheguei ao balcão da secretaria e Amanda veio me
PROCURADOR DE JUSTIÇA entregar os autos.
Cada linha lida aumentava meu sorriso. Perguntava-me
porque sofri tanto.
O parecer era uma verdadeira obra-prima – para a defesa,
é claro. Ele abarcava todos os argumentos da petição inicial da
Revisão Criminal, acolhendo nossas teses e fundamentos, e se
posicionando pela absolvição e pelo reconhecimento da inocência
de Wagno.
A sala da CAFES ficou pequena para mim. Desisti de
fazer as cópias, peguei minhas coisas, e liguei para a Flaviane.
Ela, também desconfiada, aguardava notícias, sem muito ânimo.
Mas assim que lhe relatei os termos do parecer, comemorou como
se o desfecho já tivesse sido a própria absolvição. Completamente
comprometida com o êxito de nossa empreitada, mais racional e
pessimista do que eu, e mais preocupada com as conseqüências e
com os detalhes que poderiam advir do resultado, ela sabia que
aquele parecer era essencial para a virada do caso. Assim, ficou
de se comunicar com os outros, enquanto eu retornava à nossa
base.
O caminho entre o Tribunal de Justiça e o meu escritório
nunca se desenhou tão tranqüilo. Coloquei meu capacete, tomei

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assento em minha inseparável moto e parti sem notar o trânsito, 44. O formalismo do Relator
sem observar as pessoas, com a percepção do nada.
Imaginava, pela primeira vez, qual seria a reação de Conforme dito antes, a petição inicial estava instruída,
todos se conquistássemos a vitória. com todas as peças essenciais do processo original, o que fez com
que a Procuradoria Geral do Estado não necessitasse dos autos
originais para emitir um parecer favorável.
Depois do parecer, os autos foram conclusos ao
Desembargador Relator, que não teve o mesmo entendimento.
Apegado ao formalismo, não só requisitou os autos originais, na
comarca de Congonhas – ordem que levou quase trinta dias para
ser cumprida –, como complementou seu despacho ordenando
que assim que os autos originais chegassem, fosse aberto novo
prazo para a Procuradoria, o que iria, definitivamente, atrasar
demais a decisão final.
Como não concordasse com essa conduta, por não existir a
previsão legal de se abrir novo prazo para Procuradoria, e com a
proximidade do final do ano, teria que tomar uma atitude urgente,
em nome da celeridade processual e em respeito ao nosso cliente.
Wagno já adquirira, a seu favor, o crédito do próprio Ministério
Público, e não merecia passar mais um Natal na cadeia.
Entretanto, com a chegada dos autos, e atendendo ao
despacho do Desembargador, estes foram encaminhados ao
Ministério Público, mesmo sob meu protesto.
Infelizmente para Wagno, nada foi capaz de alterar o
rumo do processo.

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45. Parecer ratificado 46. A liberdade está mais próxima

Mais uma vez, agiu o Ministério Público de Segunda Dirigi-me, mais uma vez, à Penitenciária Nelson Hungria,
Instância com diligência e dedicação a uma causa nobre e justa. onde me encontraria com Wagno.
Atuando com extremo respeito ao ser humano Desta feita, acompanhado de jornalistas do jornal Estado
injustamente encarcerado, o procurador, quando intimado pelo de Minas e da TV Record, iria informá-lo que o Ministério Público
Desembargador Relator, imediatamente retirou os autos e, havia concordado com nossos argumentos, e que a liberdade
falando por quota, ou seja, escrevendo à mão diretamente no estava mais próxima.
processo, acelerou o procedimento, ratificando seu vasto e bem Pela primeira vez, vi uma expressão de felicidade na face
fundamentado parecer, devolvendo-o imediatamente para a de Wagno.
secretaria do CAFES. A imprensa fazia os contatos iniciais com a história que
Estive acompanhando esse translado de perto e, assim iria, meses depois, estampar-se no noticiário nacional.
que a secretaria recebeu os autos, imediatamente os enviou para Mesmo sendo ainda tão-somente uma expectativa
o Relator, em outra movimentação a que fiz questão de seguir o de resultado, a repercussão das matérias foi muito positiva,
trâmite. chamando a atenção para a possibilidade da ocorrência de um
A sorte estava definitivamente lançada – e sorte, como já erro judiciário de proporções alarmantes nos presídios de Minas
demonstrado, não era uma palavra amistosa para Waguinho. Gerais.
Os autos seriam conclusos para o Relator. Era hora de aguardar o voto do Relator, mas o nosso
espírito indomável nos incomodava e nos fazia ir e lutar, mesmo
sem saber onde ou como.
O que fazer para colocar Wagno na rua?

116 117
47. O voto do Desembargador Relator 48. Festas de fim de ano

Recebidos os autos na secretaria, e imediatamente A família Silva, de nome mais que brasileiro, preparava
encaminhados ao Relator, por meio de contatos em comum, as festas natalinas. Depois de oito Natais sem Waguinho, a
conseguimos despachar com os assessores do magistrado. Na aproximação da liberdade encheu todos de esperança de um fim
realidade, assessoras, que tiveram tempo e atenção suficientes de ano completo. Começaram a organizar tudo e, depois de os
para ouvir o que tínhamos a dizer e relatar, e, principalmente, se trabalhos estarem adiantados, resolveram me convidar para
mostraram simpáticas à causa. passar o Natal com eles.
A partir daí, instalou-se um clima de suspense. Nós A partir daí, fiquei em um dilema. Correr e pedir a maior
só teríamos conhecimento do voto do Relator na audiência de agilidade possível para que seu processo tramitasse o mais rápido
julgamento. possível, ou informar à família que não daria tempo de o Waguinho
Passados alguns dias, foram os autos devolvidos à chegar para o Natal. Resolvi que iria tentar interceder no processo
secretaria. Dr. Eli Lucas havia proferido o seu voto. e, caso não o conseguisse, teria que informar aos familiares e ao
Desesperados com a proximidade do fim de ano, das férias próprio Waguinho que as festas seriam incompletas por mais um
nos tribunais e da desconfiança em relação à entrada da pauta ano.
para julgamento, e já que ele se decidira, encaminhamos um Esses fatos são o que mais incomoda na profissão de
pedido para que Wagno aguardasse o julgamento em liberdade. advogado, principalmente quando ele atua na área criminal.
Mas o magistrado indeferiu, sob o argumento de que Revisão Ele não é o dono dos prazos e não depende de si a produção ou
Criminal é julgada por um colegiado de Desembargadores, mesmo a assinatura dos despachos, mas a família e o cliente não
impossibilitando a antecipação da decisão, pelo Relator. conseguem entender isso.
Mesmo julgando posteriormente procedente o pedido, Se tudo atrasa, a culpa é sempre do advogado que não
como soubemos tempos depois, ele não abandonou seu estilo gosta de trabalhar.
legalista e formal, mantendo-se coerente, como sempre foi.

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49. Pedido para aguardar o julgamento em liberdade 2. DOS FUNDAMENTOS DO PEDIDO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR A urgência do pedido apresentado pelo réu tem


RELATOR DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE fundamento no fato de que o mesmo encontra-se preso
MINAS GERAIS, ELI LUCAS DE MENDONÇA desde o dia 25.10.1997, portanto, há mais de oito anos,
MESMO SENDO INOCENTE.
REVISÃO CRIMINAL : N° 1.0000.05.423126-1/000
RÉU : WAGNO LÚCIO DA SILVA Agravando a situação do réu, no dia 13 de dezembro
de 2005, acontece a última sessão do 2º Grupo de Câmaras
WAGNO LÚCIO DA SILVA, brasileiro, natural de Criminais do TJMG, no ano de 2005, o que significa dizer
Congonhas/MG, nascido aos 20.10.1964, filho de Benedito que este INOCENTE passará mais um NATAL na cadeia,
Eugênio da Silva e Maria Eduarda da Silva, atualmente além do possível recesso forense, o que só vem a aumentar
preso e recolhido na Penitenciária de Segurança Máxima a dor do réu e de sua família que têm da presente revisão
de Contagem/MG, vem perante V. Exa., pelo advogado grande esperança de ver a conclamação da justiça no
que esta subscreve, expor e requerer o que segue: presente caso.

1. BREVE HISTÓRICO DOS FATOS QUE Ante todo exposto, fica claro que a demora em
CULMINARAM NA NECESSIDADE DO MANEJO DO julgar o presente caso provoca situação extremamente
PRESENTE PEDIDO prejudicial ao réu, que faz jus ao livramento provisório,
para aguardar o julgamento do mérito do pedido
A petição inicial, contendo o pedido da Revisão revisional.
Criminal, foi distribuída em 29 de junho de 2005, tendo
sido feitos os autos conclusos para o douto Relator em 1º Importante ressaltar que o egrégio Superior
de agosto de 2005, em razão do período de férias forenses Tribunal de Justiça, recentemente, apreciou caso
no mês de julho de 2005. semelhante, após a promulgação da Emenda 45, decidindo-
se pela concessão da ordem de habeas corpus, como se vê
Foi aberta vista ao representante do Ministério do julgado abaixo colacionado (grifos do réu):
Público, no dia 3 de agosto de 2005, que, depois de 41
(quarenta e um) dias, opinou favoravelmente à procedência REVISÃO CRIMINAL - DEMORA NO
do pedido formulado, indicando, inclusive, que o pedido JULGAMENTO - PENDÊNCIA DE DISTRIBUIÇÃO.
estaria suficientemente instruído, em razão da juntada de LIMITE RAZOÁVEL ULTRAPASSADO. ART. 5°, LXXVIII,
cópia da quase totalidade dos autos criminais originais, DA CF E ART. 7º, ITENS 5 E 6, DA CONVENÇÃO
processados na Comarca de Congonhas/MG. AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. PRECEDENTES
DO STF E STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
Os autos retornaram ao Desembargador Relator, no CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA
dia 19 de setembro de 2005, que entendeu pela necessidade
de requisitar os originais da comarca de origem, que foram “Não se admite o decurso do prazo de razoavelmente
juntados aos autos da revisão criminal os autos originais longo para o julgamento de qualquer feito judicial,
do processo criminal em 29 de novembro de 2005. in casu, Revisão Criminal que, até o momento, não
foi sequer distribuída”. Constituição Federal, art.
5º, inciso LXXVII, acrescentado pela EC nº 45/2004:
Após a juntada dos autos originais, o processo foi ‘a todos, no âmbito judicial e administrativo,
enviado ao Ministério Público, que ratificou o parecer são assegurados a razoável duração do processo
anteriormente exarado, pugnando pela procedência da e os meios que garantam a celeridade de sua
revisão criminal e absolvição do réu, encontrando-se os tramitação’.
autos para parecer do d. Relator.

120 121
Convenção Americana de Direitos Humanos 50. Não-inclusão em pauta antes do Natal
(Pacto de São José da Costa Rica) –
Item 5°: ‘Toda pessoa detida ou retida deve Para decepção de todos – advogados, familiares e
ser conduzida, sem demora, à presença de um Juiz
Waguinho – e em total desrespeito à sociedade brasileira em
ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer
funções judiciais e tem direito de ser julgada dentro geral, que, por descaso da Justiça, viu o prolongamento de uma
de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, injustiça se perdurar, impondo a um inocente, com seu direito
sem prejuízo de que prossiga o processo’. reconhecido inclusive pelo Ministério Público, permanecer preso e
Item 6º: ‘Toda pessoa privada da liberdade
afastado de seus parentes, o caso do Waguinho não foi incluído na
tem direito a recorrer a um Juiz ou tribunal
competente, a fim de que este decida, sem demora, pauta de julgamento de dezembro, mesmo com todos os esforços
sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e de assessores e escreventes judiciais, o que impossibilitou sua
ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem soltura antes do Natal.
ilegais’ Não me restava alternativa, a não ser informar à família
Configura constrangimento ilegal o
excesso de prazo injustificado para o julgamento que as festas natalinas estariam com uma cadeira vazia, mais
do recurso, sanável via habeas corpus. Ordem um ano.
concedida.” Pela segunda vez, não tive coragem de ir avisar ao
(HC N°39.427/SP, 6°TURMA, REL.MIN. PAULO Waguinho o ocorrido.
MEDINA, J.31.05.05, V.U., DJU 01.08.05, P.571)
Não saberia responder-lhe por que seu caso se arrastava,
PORTANTO, NO CASO EM TELA, ESTÃO PRESENTES
e nem por que ele teria que continuar preso mesmo tendo sido
O FUMUS BONI JURIS, DIANTE DA ROBUSTEZ DAS reconhecida sua inocência pelo órgão do Ministério Público, dono
PROVAS CARREADAS AOS AUTOS DA REVISÃO CRIMINAL, e senhor da ação judicial inicial.
RECONHECIDA IN TOTUM PELA ILUSTRE PROCURADORIA
GERAL DO ESTADO, EM SEU PARECER NO PEDIDO
REVISIONAL, E O PERICULUM IN MORA, EM RAZÃO DO
INJUSTO, PROLONGADO E DESUMANO CONFINAMENTO
DO RÉU, QUE FAZ JUS AO LIVRAMENTO PROVISÓRIO,
PARA AGUARDAR O JULGAMENTO DO MÉRITO DO PEDIDO
REVISIONAL.

3. DO PEDIDO

Pelo exposto, o réu confia em que, seja deferido


o presente pedido para permitir que o réu aguarde o
julgamento da presente revisão em liberdade, prestando
desde já o compromisso de atender a todas as exigências
que se fizerem necessárias para a garantia da medida.

NESTAS CONDIÇÕES, pede e espera deferimento,


por ser medida de extrema e imediata JUSTIÇA!

Belo Horizonte, 12 de Dezembro de 2005

122 123
51. A liminar do filho de Pelé 52. Um habeas corpus desesperado

Ainda abalado com a delonga inexplicável de um caso que EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO
deveria ter um atendimento em caráter de urgência, acompanhei PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE
atônito a liminar concedida ao Edinho, filho de Pelé, pelo Superior JUSTIÇA, DR. EDSON VIDIGAL
Tribunal de Justiça.
PROCESSO ORIGINAL : REVISÃO CRIMINAL N°
Acusado de participação em tráfico de drogas, crime 1.0000.05.423126-1/000
hediondo não suscetível à liberdade provisória, foi a liminar JUÍZO DE ORIGEM : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
concedida mais absurda nos últimos tempos. ESTADO DE MINAS GERAIS
O parecer do Ministério Público era contrário à concessão PACIENTE : WAGNO LÚCIO DA SILVA
e essa decisão “atécnica” foi objeto de recurso ministerial, OBJETO : HABEAS CORPUS, OBJETIVANDO
posteriormente provido, que o reconduziu ao cárcere. A CONCESSÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA ATÉ O
Mas ele iria passar o Natal com a família, pois era “filho JULGAMENTO DO MÉRITO DA REVISÃO CRIMINAL
AUTORIDADE COATORA : DESEMBARGADOR
do Rei”.
ELI LUCAS DE MENDONÇA, RELATOR DA REVISÃO
Waguinho iria passar o Natal na cadeia, pois era “filho do CRIMINAL
Benedito”.
Isso me revoltou e eu consegui, com minha indignação, WAGNO LÚCIO DA SILVA, brasileiro, natural de
agregar meus sócios àquele sentimento. Decidimos que iríamos Congonhas/MG, nascido aos 20.10.1964, filho de Benedito
a Brasília tentar um remédio desesperado, já nos prevenindo por Eugênio da Silva e Maria Eduarda da Silva, atualmente
não consegui-lo. preso e recolhido na Penitenciária de Segurança Máxima
Para Waguinho, somente interessava a liminar. Caso de Contagem/MG, vem perante V. Exa., pelo advogado
que esta subscreve, impetrar a presente ordem de
ela fosse indeferida, iríamos desistir do habeas-corpus, evitando
um pedido de informações que iria atrasar ainda mais o então HABEAS CORPUS, COM PEDIDO LIMINAR,
moroso processo revisional.
Fui a Brasília e distribuí, na suntuosidade do Superior com base no art. 5º , inciso LXVIII, da Constituição da
Tribunal de Justiça, um pedido liminar de liberdade para Wagno, República, c/c art. 648, inciso II, do Código de Processo
pela via extrema, que foi encaminhado ao ministro Nilson Naves, Penal, apontando a autoridade coatora, o Exmo. Sr.
e indeferido em poucas horas. Desembargador do TJMG, Relator da Revisão Criminal
n° 1.000.05.423126-1/000, Dr. Eli Lucas de Mendonça.
Nessa viagem tive o fundamental apoio do Dr. José
Alfredo, professor e advogado na Capital Federal, que me dirigiu Objetiva a presente ordem de Habeas Corpus
pelas largas ruas da cidade e imensos corredores do Tribunal, o reconhecimento de coação ilegal, retratada pela
facilitando demais meu trabalho. injustificada demora em analisar o pedido revisional
Por cortesia e gentileza de um cliente, fiquei hospedado interposto pelo ora paciente.
no Hotel Blue Three, famoso local de “mensaleiros e mensalões”.
Durante o café da manhã, vi e ouvi pessoas conversando sob 1. BREVE HISTÓRICO DOS FATOS QUE
códigos de sinais e olhares, e fiquei me perguntando quando esse CULMINARAM NA NECESSIDADE DO MANEJO DO
PRESENTE INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL
tipo de criminoso irá parar nos calabouços prisionais, aumentando
o rol de “Ps” que freqüentam cadeia no Brasil, passando a incluir A petição inicial, contendo o pedido da Revisão
os Políticos e Picaretas de toda natureza. Criminal, foi distribuída em 29 de junho de 2005, tendo
sido feitos os autos conclusos para o Relator somente

124 125
em 1º de agosto de 2005, como atesta a anexa cópia do caso, IMPOSSIBILITANDO QUE FOSSE INCLUÍDO NA
andamento processual (SISCON) (DOC. Nº 1), obtido PAUTA DE JULGAMENTOS DO 2º GRUPO DE CÂMARAS
pela Internet, no sítio do egrégio Tribunal de Justiça do CRIMINAIS, QUE SE REÚNE NA SEGUNDA TERÇA-
Estado de Minas Gerais, EM RAZÃO DO PERÍODO DE FEIRA DE CADA MÊS (DOC. Nº 2), ANTES DAS FESTAS
FÉRIAS FORENSES NO MÊS DE JULHO DE 2005. DE FINAIS DE ANO, mesmo com a imediata manifestação
da Procuradoria Geral do Estado, ratificando o parecer
Foi aberta vista ao representante do Ministério anterior.
Público, no dia 3 de agosto de 2005, que, depois de 41
(quarenta e um) dias, OPINOU FAVORAVELMENTE À Anteriormente, já havia sido aJuizado outro
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO FORMULADO, indicando, pedido de revisão, encerrado sem julgamento de mérito,
inclusive, que o pedido estaria suficientemente instruído, por ausência de justificação e que, desta feita, estando
em razão da juntada de cópia da quase totalidade dos completamente instruído, merece prosperar.
autos criminais originais, processados na Comarca de
Congonhas/MG, tendo sido deixado de se juntar, tão- 2. DO CABIMENTO E DA NECESSIDADE DO
somente, cópias de carimbos, certidões e papéis sem PRESENTE HABEAS CORPUS
relevância ao caso.
O paciente, ao apresentar seu pedido revisional,
Os autos retornaram ao Desembargador Relator, instruído com a devida Justificação e demais elementos
no dia 19 de setembro de 2005. Ocorre que, diferentemente probantes, que não deixam dúvidas em relação a
do órgão ministerial, em 06 de outubro de 2005, entendeu o sua inocência, acreditava na rápida intervenção do
douto Desembargador Relator que haveria necessidade da Estado, para sanar esta injustiça, que chega a traduzir
requisição dos autos originais, determinando que, depois desumanidade.
de tal juntada, fosse franqueada nova vista à Procuradoria
Geral do Estado, em total afronta ao Código de Processo A urgência do pedido apresentado pelo ora paciente
Penal, bem como ao legítimo direito à liberdade, do qual tem fundamento no fato de que o paciente encontra-se
goza o paciente, PRESO INJUSTAMENTE NOS ÚLTIMOS preso desde o dia 25.10.1997, portanto, há mais de oito
8 (OITO) ANOS. anos, MESMO SENDO INOCENTE.

No dia 29 de novembro de 2005, passados 5 (cinco) Incompreensível, após o parecer favorável da


meses da distribuição do pedido revisional, foram Procuradoria Geral do Estado, o Desembargador Relator
juntados aos autos da revisão criminal os autos originais requisitar a juntada aos autos da revisão criminal dos
do processo criminal, mesmo tendo sido requisitada pelos autos originais do processo criminal, FRANQUEANDO
signatários do pedido revisional, na petição de ingresso, NOVA VISTA AO ÓRGÃO MINISTERIAL APÓS TAL
tal providência. JUNTADA, O QUE CARECEU DE FUNDAMENTO
JURÍDICO, E IMPOSSIBILITOU A INCLUSÃO DO CASO,
Curioso é que o ilustre Desembargador Relator NA ÚLTIMA PAUTA DE JULGAMENTO DESTE ANO.
teve os autos da revisão criminal à sua disposição e,
naquela ocasião, não requisitou a juntada dos autos Agravando a situação do paciente, no dia 13
criminais originais, somente o fazendo após o parecer de dezembro de 2005, acontecerá a última sessão do
do Ministério Público, favorável à concessão da revisão 2º Grupo de Câmaras Criminais do TJMG, no ano de
postulada, mesmo existindo no pedido inicial da revisão 2005, o que significa dizer que este INOCENTE passará
o requerimento imediato da juntada dos autos originais. mais um NATAL na cadeia, ademais de enfrentar mais
um período de férias forenses, o que convenhamos é
Data venia, este posicionamento causou enormes inadmissível, pois a próxima sessão da 2ª GRUPO DE
atrasos no já atrasado julgamento do mérito deste CÂMARAS CRIMINAIS, QUE DEVERIA OCORRER no

126 127
dia 10 de janeiro de 2006, nesta data não ocorrerá, vez “Não se admite o decurso do prazo de razoavelmente
que não haverá sessão de julgamento, como comprova a longo para o julgamento de qualquer feito judicial,
INFORMAÇÃO anexa (DOC. Nº 3) in casu, Revisão Criminal que, até o momento, não
foi sequer distribuída”. Constituição Federal, art.
5º, inciso LXXVII, acrescentado pela EC nº 45/2004:
DISTRIBUÍDO EM 29/06/2005, O PEDIDO ‘a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
REVISIONAL FICOU AGUARDANDO O FINAL DAS assegurados a razoável duração do processo e os meios
FÉRIAS DE JULHO E AGORA TERÁ QUE AGUARDAR que garantam a celeridade de sua tramitação’.
O FINAL DO “RECESSO DE FIM DE ANO”, FÉRIAS QUE
OCORRERÃODEFATO,EMTOTALAFRONTAÀEMENDA Convenção Americana de Direitos Humanos
CONSTITUCIONAL N° 45, QUE EXTINGUIU TAIS (Pacto de São José da Costa Rica) –
FÉRIAS, ALTERANDO O ART. 93, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988. Item 5°: ‘Toda pessoa detida ou retida deve ser
conduzida, sem demora, à presença de um Juiz
Ante todo exposto, fica claro que a demora em ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer
julgar o presente caso provoca situação extremamente funções judiciais e tem direito de ser julgada dentro
prejudicial ao paciente, que faz jus ao livramento de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade,
sem prejuízo de que prossiga o processo’.
provisório, para aguardar o julgamento do mérito do
Item 6º: ‘Toda pessoa privada da liberdade
pedido revisional. tem direito a recorrer a um Juiz ou tribunal
competente, a fim de que este decida, sem demora,
3. DO DIREITO sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e
ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso ilegais’.
LXVIII, dispõe que àquele que estiver sofrendo violência Configura constrangimento ilegal o excesso de
ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade prazo injustificado para o julgamento do recurso,
ou abuso de poder, conceder-se-á HABEAS CORPUS. sanável via habeas corpus. Ordem concedida.”
(HC N°39.427/SP, 6°TURMA, REL. MIN. PAULO
Por outro lado, o Código de Processo Penal, em seu MEDINA, J.31.05.05, V.U., DJU 01.08.05, P.571)
art. 648, II, preconiza que a prisão será considerada ilegal
quando alguém estiver preso por período maior do que 4. DA CONCESSÃO DA LIMINAR
lei autoriza.
Presentes o fumus boni juris, diante da robustez
Essa douta Corte de Justiça, recentemente, das provas carreadas aos autos da revisão criminal,
apreciou caso semelhante, após a promulgação da Emenda reconhecida in totum pela ilustre Procuradoria Geral
45, decidindo-se pela concessão da ordem, como se vê do do Estado, em seu parecer no pedido Revisional, e o
periculum in mora, em razão do injusto, prolongado
julgado abaixo colacionado (grifos do impetrante):
e desumano confinamento do paciente, que faz jus ao
livramento provisório, para aguardar o julgamento do
REVISÃOCRIMINAL-DEMORANOJULGAMENTO
mérito do pedido revisional, e, considerando-se, ainda,
- PENDÊNCIA DE DISTRIBUIÇÃO. LIMITE RAZOÁVEL que ESTÁ SENDO JUNTADA A CÓPIA INTEGRAL
ULTRAPASSADO. ART. 5°, LXXVIII, DA CF E ART. DO PEDIDO REVISIONAL (DOC. Nº 4), em anexo ao
7º, ITENS 5 E 6, DA CONVENÇÃO AMERICANA DE presente writ, aguarda o impetrante que a colenda
DIREITOS HUMANOS. PRECEDENTES DO STF E STJ. Turma julgadora conceda LIMINARMENTE A ORDEM,
CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. expedindo-se o competente alvará de soltura com a
ORDEM CONCEDIDA concessão de Liberdade Provisória, independentemente
de se requerer informações da autoridade coatora.

128 129
5. DA ORDEM DE HABEAS CORPUS 53. Indeferimento da liminar – desistência premeditada

Por derradeiro, o impetrante confia em que, depois EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO


de pedidas as informações à douta autoridade coatora, seja EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DR.
acolhida a pretensão ora deduzida, para mandar expedir, NILSON NAVES
em definitivo, a favor do paciente supramencionado, a
ordem de HABEAS CORPUS, com espeque na norma do HC 51327- MG - REGISTRO : 2005/0209932-7
art. 648, II, do Código de Processo Penal, fazendo cessar o
constrangimento ilegal que vem ocorrendo. PROCESSO ORIGINAL : REVISÃO CRIMINAL N°
1.0000.05.423126-1/000
NESTAS CONDIÇÕES, pede e espera deferimento, JUÍZO DE ORIGEM : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
por ser medida de extrema e imediata JUSTIÇA! ESTADO DE MINAS GERAIS
PACIENTE : WAGNO LÚCIO DA SILVA
De Belo Horizonte/MG, OBJETO : DESISTÊNCIA DO HABEAS CORPUS
para Brasília/DF, em 12 de dezembro de 2005 IMPETRADO EM FAVOR DO PACIENTE
AUTORIDADE COATORA : DESEMBARGADOR
ELI LUCAS DE MENDONÇA, RELATOR DA REVISÃO
CRIMINAL.

WAGNO LÚCIO DA SILVA, brasileiro, natural de


Congonhas/MG, nascido aos 20.10.1964, filho de Benedito
Eugênio da Silva e Maria Eduarda da Silva, atualmente
preso e recolhido na Penitenciária de Segurança Máxima
de Contagem/MG, vem perante V. Exa., pelo advogado
que esta subscreve, vem requerer o que se segue, pelos
fundamentos adiante aduzido:

O presente pedido de Habeas Corpus trata-se de


uma tutela de urgência, logo com indeferimento do pedido
liminar em sede de Habeas Corpus, este remédio perdeu
seu interesse processual, haja vista que o julgamento
do mérito não será realizado no corrente ano e o pedido
de informações poderá gerar maior delonga no pedido
revisional.

Ante o exposto requer a desistência do presente


pedido.

Termos em que,
pede deferimento.

De Belo Horizonte/MG,
para Brasília/DF, em 14 de dezembro de 2005

130 131
54. A conclusão ao Desembargador Revisor 55. Voto célere

Retornando das férias do Judiciário, o processo foi Menos de uma semana depois, o Revisor apresentou seu
concluso ao Desembargador Revisor, magistrado humano e voto, pedindo dia para julgamento.
consciente, que durante anos presidiu o I Tribunal do Júri da Aquele despacho me levou imediatamente ao Tribunal,
capital mineira. e fiquei sabendo pelos amigos fiéis de sempre, e ninguém é
Ponderado, sereno e extremamente justo, sabíamos obrigado a informar suas fontes secretas, que o Revisor havia
de antemão que o voto do Relator, por sua competência, acompanhado o voto do Relator. Como não tinha conhecimento
conhecimento e influência, seria decisivo aos demais votos e do voto do Relator, não sabia se ria ou se chorava.
que o voto do Revisor seria dentro de um mesmo sentido, e tão Já não tínhamos mais nada a fazer. Só nos restava
influente quanto o voto principal. aguardar a designação da data do julgamento.
Contávamos com seu voto. Se existe uma situação que me deixa completamente
Paula, nossa estagiária, despachou com os assessores ansioso é não poder agir em virtude de depender da decisão de
do Revisor, que já sabiam do caso, o que demonstrava que o alguém. A velha canção revolucionária informa que “quem sabe
movimento “boca-a-boca” dentro do Tribunal estava acionado, e faz a hora e não espera acontecer”, e eu concordo com ela, mas já
o Caso Wagno era o assunto da moda. não havia mais nada que pudesse ser feito.
Minha saúde começava a se alterar, e meu passado A diverticulite dava sinais de retorno e eu precisava de
de complicações intestinais me colocava de sobreaviso. férias.
Extremamente passional, meu intestino sempre foi o reflexo de
minhas emoções e aquele momento era o ápice de minha carreira
profissional, e o prognóstico não era favorável.

132 133
56. Inclusão em pauta 57. A diverticulite

Cheguei das férias renovado e com a confiança de que Aqui, abro parênteses para discorrer sobre minha carreira
tudo estivesse seguindo seu curso natural, condição sine qua non profissional de Apresentador de Cães, iniciada, de forma amadora,
para a solidificação do processo e de minha saúde. aos seis anos de idade.
Paulinha, que ficou responsável por acompanhar minhas Em dezembro de 1995, completei 41 finais de semana de
conjunturas processuais enquanto eu viajava, me informou que viagens, naquele ano, por todo o Brasil, mesclando com algumas
a pauta de fevereiro estava repleta, e que o Caso Wagno seria pela América do Sul e várias aos Estados Unidos, participando de
julgado somente em março. exposições de cães de altíssimo nível. Fui vencedor do Ranking
Quase tive uma síncope, de tanta raiva, e mais uma vez Nacional de Apresentadores, e tive, sob meus cuidados, o Melhor
me dirigi ao Tribunal, e, desta feita, possesso. Não iria admitir Cão do Brasil e três dentre os Dez Melhores Cães do País, coroando
nem mais uma situação que protelasse o destino de Wagno. Seja de êxito minha atuação no setor. Fecho parênteses.
para ser considerado improcedente ou procedente, ele deveria Essa explanação anterior tem sua razão de ser. É que esse
ser julgado e nada mais poderia adiar essa decisão. Nem Wagno esforço todo se reverteu, na noite de Natal, em uma forte cólica
e nem eu conseguiríamos resistir a mais um mês de agonia. abdominal, inicialmente diagnosticada como apendicite, mas que
Depois de algum tempo de conversa, explicando o tamanho se revelou uma peritonite, com o rompimento do intestino, em
da injustiça que estava sendo praticada, Wagno foi incluído na virtude de uma diverticulite – a mesma doença que havia tirado
pauta de julgamento do dia 14 de fevereiro de 2006. a vida do presidente Tancredo Neves –, localizada no sigmóide,
Retornei ao Escritório com um sentimento misto de dever nome difícil de falar e impossível de esquecer.
cumprido e aflição. Essa doença intestinal tem relação direta com o emocional,
Essa seria a última chance de Waguinho. e se agrava por ansiedade ou estresse. Também se relaciona com
alimentação de má qualidade e idas ao banheiro quando possível,
e não quando necessário. Esse era exatamente o meu perfil, e por
isso, ganhei uma bolsa de colostomia, por quatro meses, e posso
garantir que não desejo isso para ninguém.
Hoje, dez anos depois, venci essa etapa da minha vida,
com meu anjo da guarda, Dr. Marcelo Farah, mas sei que tenho
divertículos, e que estes não podem se inflamar.
Meus hábitos se alteraram depois desse susto, mas, com
o passar dos anos, sem novas incidências da doença, houve um
natural relaxamento, sem jamais retornar aos níveis anteriores.
Atualmente, faço atividade física na academia Fórmula,
cinco dias por semana, e, com certa regularidade, pedalo minha
mountain bike pelas incríveis e íngremes montanhas das Gerais,
aos finais de semana. Com isso, me sinto bem melhor que antes.

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58. Semanas de ansiedade – a saúde piora 59. A imprensa aperta o cerco

A ansiedade foi demais para meu “baleado” intestino. Na sexta-feira anterior ao julgamento, que se daria na
As cólicas voltaram com força, e logo, já estava tendo terça-feira, era chegada a hora de visitar Wagno.
febre. Contávamos com a força da mídia, para que o julgamento
Dez anos depois, o pesadelo se aproximava, no momento ganhasse a atenção que merecia dos julgadores.
em que aguardava que um sonho se realizasse. Com o Nilmário Miranda, fui à Penitenciária Nélson
Dr. Marcelo foi acionado e me encaminhou para exames Hungria conversar com Wagno, relatar-lhe os acontecimentos e
de sangue, cujos resultados preocuparam meu médico e minha pedir-lhe que tivesse esperanças, embora incertas, a fim de que a
família repleta de médicos. Levado para uma ultra-sonografia de desilusão não ferisse mais sua alma, caso fôssemos infelizes em
urgência, o diagnóstico foi diverticulite aguda. A dieta alimentar nossa tentativa.
foi receitada, à base de líquidos e sopas. Os remédios já estavam Todos os meios de comunicação acompanharam a visita
sendo aplicados, mas a melhora ainda não se manifestava. e dedicaram grande destaque ao fato, o que mobilizou toda a
Agora, enfrentava duas frentes de batalha. Uma, comunidade para a situação dramática que Waguinho estava
profissional, que poderia mudar minha vida e a de meu cliente; vivendo. A imprensa obstinou-se em noticiar o assunto durante
e a outra, pessoal, pois, caso eu não me cuidasse, talvez mudasse todo o final de semana e na segunda-feira.
minha vida do lado terreno para o lado espiritual. Esse status temporário de notoriedade confirmou o que já
Sentia cólicas e minha pressão arterial se alterava sabíamos sobre a força e o benefício que a mídia traria ao nosso
constantemente, gerando um incrível desconforto. caso.
Nessas condições de saúde, superei a expectativa da
véspera do julgamento, suportei doloridamente a sessão do
plenário, quase sucumbi nas agitações pós-resultado – sendo
medicado de emergência de madrugada pelo meu anjo de branco
–, e apenas no carnaval, no Rio de Janeiro, duas semanas depois,
voltei a me sentir bem.

136 137
60. A fé de Wagno e sua certeza na absolvição 61. O julgamento

Em nossa visita, conversamos durante um longo tempo Finalmente, chegou o grande dia para Waguinho.
com Wagno. Não sabíamos ainda, mas, em caso positivo, seria uma
Foi a visita mais duradoura que eu fiz em nossos anos de data especial para as comunidades civil e jurídica do País.
convívio. Por algumas horas dialogamos descompromissadamente, Acordei de madrugada e não consegui mais pegar no
como dois amigos “jogando conversa fora”, enquanto a imprensa sono.
fazia suas imagens e fotos, e os repórteres conseguiam as Fui para o Escritório e trabalhei em coisas pendentes, já
matérias. antevendo que, caso Waguinho saísse naquele dia, eu teria que
Por inúmeras vezes, Wagno reafirmou sua crença e sua fé levá-lo a Congonhas. Não imaginava que iria ficar mais de uma
na Justiça Divina. semana “fora do ar”, ou, ao contrário, literalmente no ar, voando
Ele tinha tanta certeza em sua absolvição, que, quando de um lado para outro, dando entrevistas e atendendo amigos
lá chegamos e o alertamos sobre os riscos de um possível e interessados, em um ritmo que muito provavelmente não se
indeferimento do pedido, ele já havia distribuído seu colchão, repetirá em minha vida.
utensílios domésticos, manta e tudo o mais que possuía no cárcere. Desempenhei algumas funções relativas ao caso, e
Preservou apenas suas coisas de uso pessoal, seu aparelho de concedi as últimas entrevistas pela manhã, antes do julgamento,
televisão e duas mudas de roupa, para levá-los quando saísse. que aconteceria às 13 horas.
Mais uma vez, a solidariedade na cadeia falou mais alto À hora do almoço, por estar de dieta, alimentando-me
que a violência propagada. de papinha, cheguei a minha casa e aproveitei para tomar um
banho e dar uma relaxada.
Flaviane iria fazer a Sustentação Oral, o que me aliviava a
pressão emocional e poupava os divertículos em meu intestino.
Pouco antes do horário, cheguei ao Tribunal com
prestígio em alta, entrevistado e cumprimentado, por conhecidos
e desconhecidos, que desejavam sorte no julgamento que se
aproximava.
Flaviane, sempre competente, confiante e tranqüila,
chegou atrasada.
Cláudia, Gustavo e Paulinha acompanhavam minha
aflição.
Eu não tinha mais posição dentro da sala, lotada de
advogados, familiares, curiosos, amigos, interessados, imprensa,
escreventes e escrivãos do Tribunal, o que fortalecia nossas
esperanças, abalava nossos corações e atacava meu divertículo.
Flaviane chegou e tranqüilamente ligou para a Cláudia,
pedindo-lhe que estacionasse o carro para ela. Sua chegada
triunfante e atrasada, não sei se propositalmente, chamou para si
todas as atenções, o que foi vital para sua participação brilhante
na defesa de nossa tese.
Oito Desembargadores da mais alta Corte do Estado

138 139
ouviram atentamente a Sustentação Oral proferida da tribuna 62. O voto do Relator
por uma jovem em idade e aparência, consistente e tranqüila.
Demonstravam respeito e admiração, plenamente evidenciados, SR. DES. ELI LUCAS DE MENDONÇA
não só por suas feições, mas por seus votos amplamente
Sr. Presidente, este processo tem repercutido na
favoráveis.
mídia e vou pedir licença a V.Exª. e aos eminentes colegas
Logo após, foi dada a palavra ao Relator. para proceder à leitura do voto em sua inteireza.
Meu coração batia em ritmo lento. O pouco ar que eu
aspirava era suficiente para minhas fracas batidas cardíacas. Inicialmente, registro a dedicada atenção à eminente
Por instantes, encontrei-me parcialmente em quase um professora, Dra. Flaviane de Magalhães Barros Pellegrini,
sonho, para ouvir o voto mais aguardado da minha vida. na sustentação oral que produziu nesta oportunidade.
Por algum tempo, deixei de sentir dores no intestino. Registro, também, ter recebido farto memorial subscrito
por S.Exª. e também por seu colega, o Dr. Dino Miraglia
Filho. Essas manifestações, ambas, reproduzem o
trabalho já contido no processo de revisão criminal,
com os argumentos no interesse de seu deferimento e os
questionamentos estão respondidos no voto que elaborei,
a cuja leitura procedo.

Pedido revisional interposto pelo sentenciado


Wagno Lúcio da Silva, que foi condenado como incurso
nas sanções do art. 157, § 3º, do Código Penal, às penas
definitivas de 23 anos de reclusão, regime integralmente
fechado, e 28 dias-multa.

Alega o peticionário, em síntese, f. 02/26, que o


pedido revisional se baseia no art. 621, incisos II e III, do
Código de Processo Penal, eis que a sentença e o acórdão
fundamentaram-se em depoimento comprovadamente
falso, e que existem provas novas, obtidas em Justificação,
da inocência do requerente. Pleiteia a absolvição.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo


provimento do pedido revisional, f. 106/113.

É o relatório.

CONHEÇO DO PEDIDO, por estarem presentes


seus pressupostos de admissibilidade e processamento.

No mais, o processo a que submetido o peticionário,


Wagno Lúcio da Silva, foi objeto de apelação, julgado por
este eg. Tribunal, que manteve a sentença condenatória,
decotando a agravante da reincidência e reduzindo as
penas impostas.

140 141
Às f. 245 consta certidão atestando o trânsito em provas que evidenciam a inocência do peticionário.
julgado da decisão que o peticionário objetiva rescindir.
Com efeito, a versão apresentada pelo referido
Reclama o peticionário que sua condenação foi Wellington em todo o processado começou a perder
injusta,eisqueembasadaemdepoimentocomprovadamente credibilidade com o depoimento de Joilson Henrique Dias,
falso e que existem provas novas, obtidas em Justificação, em um outro processo, que nada tinha a ver com os fatos
da inocência do requerente. apurados nestes autos, quando declinou quem seriam os
verdadeiros autores do delito pelo qual Wagno Lúcio da
Inicialmente, ressalto que a sentença condenatória Silva fora condenado.
de primeira instância, f. 184/193, bem como o v. acórdão
que a confirmou, f. 237/243, estão embasados em provas, O citado depoimento deu ensejo à Ação de
até então idôneas, da participação de Wagno Lúcio da Justificação Judicial, onde procedeu-se à reinquirição
Silva no crime de latrocínio que vitimou Rodolfo Cardoso das testemunhas ouvidas no processo original, bem como
Lobo. de outras ausentes no decorrer da instrução criminal,
além da oitiva do próprio Wellington, que, se explicando
É que o co-autor do crime, o menor (na época) e se justificando pelo comportamento acusatório anterior,
Wellington Azevedo de Paulo confessou a prática delituosa deu nova versão aos fatos, atribuindo a autoria do delito
delatando o ora peticionário com todas as minúcias. a Salatiel de Souza Bragança (vulgo “Salada”) e Luciano
de Paula e Silva (vulgo “Dedeira”), e narrando a prática
E a jurisprudência é pacífica em admitir como prova delitiva com riqueza de detalhes:
apta à condenação a incriminação do menor infrator que
não se exime de sua responsabilidade. “... que o depoente quer retificar seu depoimento
assegurando que a verdade é diferente da relatada e que
“Prova. Delação. Co-réu que, sem procurar exculpar-se, somente faltou com a mesma em face de ameaças por parte
incrimina frontalmente seu comparsa. Valor probatório do verdadeiro autor do latrocínio e seu comparsa; que
reconhecido. Declaração de votos” (RT 668/311). nesse momento assegura que Wagno Lúcio da Silva não
tem a ver com o referido delito (...) que sabe que Salatiel
“A delação do co-réu, admitindo sua participação no e Dedeira apontaram Waguinho para que o depoente
delito, não procurando inocentar-se e apontando, ainda, imputasse a ela a autoria do latrocínio em função de
a culpa do comparsa mostra-se como importante elemento dívidas que Waguinho teria com eles...” (f. 29/30).
probatório, máxime tendo tal delação sido feita na
esfera judicial, sob o crivo e a garantia do contraditório” “... que na noite dos fatos estava presente quando Rodolfo
(RJDTACRIM 31/247). foi assassinado; que apanhou o táxi a mando de Salada
e próximo a Monteirão, junto com Salada, seguiram para
Ademais, a negativa de autoria sustentada pelo o bairro Nova Cidade, local dos fatos; que Dedeira seguiu
em uma moto CB 500 e todos os três se encontraram no
acusado restou isolada nos autos, já que a principal
local; que no trajeto com o depoente ainda dentro do táxi,
testemunha do álibi que alegou (Fábio Márcio Resende) no banco de trás, Salatiel deu o primeiro golpe contra
não compareceu emJuízo para comprová-lo. Portanto, Rodolfo; que imediatamente Rodolfo abandonou o carro,
não se desincumbiu do ônus que lhe competia (art. 156, do sendo que Dedeira correu atrás, segurou Rodolfo e mesmo
CPP). diante dos pedidos do depoente para que não fizesse nada,
passaram a esfaquear Rodolfo; que quando Rodolfo
Todavia, após quase oito anos do evento criminoso, estava no chão, Salada apanhou o toca-fitas e entregou
em virtude do esforço da aguerrida defesa do réu, ao depoente; que tal gesto foi para complicar o depoente;
comprovou-se, em Justificação Judicial, sob o crivo do que o sangue encontrado no tênis do depoente foi da mão
contraditório, a falsidade da declaração do comparsa de Salada, pois o mesmo se feriu quando esfaqueava
Wellington Azevedo de Paulo, bem como a existência de Rodolfo; que o depoente na mesma noite tentou vender o

142 143
toca-fitas para pessoa de Estopão; que Estopão preferiu Agora, tal álibi foi devidamente comprovado no
não comprar mas pediu para que Fusquinha instalasse o processo de justificação, pelas declarações da testemunha
som em seu carro (...) que foi também na mesma noite do Fábio Márcio de Resende:
crime que Salatiel obrigou o depoente a dizer que quem
matara seria Waguinho; que houve ameaças estendidas “... que tinha sido arrolado como testemunha de Waguinho,
à família do depoente, razão pela qual o depoente ficou porém estava trabalhando e se esqueceu do dia; que na
receoso (...) que o depoente tem a consciência pesada em noite em que ocorreram os fatos em que evidenciaram a
relação a condenação de Waguinho...” (f. 97). morte de Rodolfo, o depoente se lembra bem, pois saiu
da Pedreira juntamente com Waguinho e Walter e direto
É importante ressaltar que estas declarações foram para a casa de Waguinho; que o depoente não sabe
foram prestadas quando Wellington já havia atingido a precisar a hora em que deixou a casa de Waguinho, mas
maioridade, já contando com 24 anos, tendo inclusive assegura que mora distante cerca de quinze minutos da
manifestado arrependimento por ter sido responsável casa de Waguinho e quando chegou em casa, a novela
pela condenação do peticionário. das vinte horas já havia terminado; (...) que permaneceu
na casa de Waguinho, pois o mesmo estava aguardando
Corroboram esta nova versão dos fatos, os a esposa Cleonice e a filha e pediu para que o depoente
depoimentos das testemunhas Éderson William Matosinhos ali ficasse; que somente foi embora após a chegada de
Cleonice (...) que o depoente tentou dissuadir o policial
(vulgo “Fusquinha”), f. 76/77, e Nilton Sérgio Leite (vulgo
assegurando que esteve na noite anterior com Waguinho
“Estopão”), f. 95/96 - não ouvidas no processo primitivo, e poderia certificar que o mesmo esteve até por volta de
que confirmam que Wellington tentou lhes vender o toca- vinte e uma horas em sua casa; que o policial cujo o
fitas, produto do roubo, na noite do crime: nome o depoente não sabe assegurou que o depoimento do
depoente não serviria para nada por se tratar de amigo de
“... Que quando foi procurado por Wellington, este estava Waguinho e que estaria tentando protegê-lo; que acredita
acompanhado de uma pessoa que o depoente pode afirmar que a novela das 20:00 horas termina por volta das 21:30
que não era Waguinho (...) o depoente tinha uma Caravan horas...” (f. 82).
que era de propriedade de Binha e queria rebaixá-la,
porém estava sem recursos financeiros; que sem saber No mesmo sentido, os depoimentos das testemunhas
de nada, Estopão, lanterneiro da Vila São Vicente, à
Walter Florindo Lopes (f. 88) e Cleonice Pereira do
época com oficina ao lado da casa de Wellington, pediu
para o depoente instalar um toca-fitas no fusca azul em
Nascimento (f. 89).
troca do serviço de lanternagem na Caravan; que foi este
elemento que chegou na sexta-feira à noite em companhia “ ... que estava junto com Waguinho e Fábio na casa de
de Wellington pedindo ao depoente para instalar o toca- Waguinho e por volta das dezenove horas foi embora
fitas no fusca azul, em troca da lanternagem na Caravan; deixando ali Fábio e Waguinho (...) que por volta das vinte
(...) que Estopão afirmou ter comprado o toca-fitas de e uma horas da sexta-feira encontrou Cleonice mulher de
Wellington...” (Éderson William Matosinhos, f. 76/77). Waguinho, sendo que esta havia ido a casa de uma colega
fazer um bolo; que foi indagado por Cleonice se Waguinho
“... Wellington ofereceu um toca-fitas e o depoente ao estava em casa, sendo que o depoente respondera que
analisá-lo disse que se interessava; que como o depoente deixara Fábio e Waguinho juntos e isto por volta das
não sabe instalar o som, resolveu procurar Fusquinha...” dezenove horas; que pode assegurar que Cleonice deve
ter chegado na casa de Waguinho depois das vinte e uma
(Nilton Sérgio Leite, f. 95/96).
horas.” (Walter Florindo Lopes, f. 88).

Não bastasse isso, o peticionário, sempre que ouvido, “... que a depoente preparava alguns doces e bolo pra
negou a prática do delito, afirmando que se encontrava em comemorar o aniversário de Waguinho, pois pretendia
sua residência no momento do evento criminoso. comemorar o aniversário no sábado, quando Waguinho
tinha feito 36 anos; que pode assegurar que ficou até
meia noite enrolando tais doces em casa e Waguinho

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se encontrava no quarto com a filha...” (g.n.) (Cleonice 63. O voto do Revisor
Pereira do Nascimento, f. 89).
O SR. DES. VIEIRA DE BRITO:
Os policiais responsáveis pela prisão de Wagner
Lúcio, Vicente de Paula Ferreira Filho e Ruy Cirillo VOTO
Rabello Júnior afirmaram que o peticionário nunca
admitiu a sua participação no delito, e que mesmo após Presentes os pressupostos de sua admissibilidade,
conheço da presente Revisão Criminal.
ter sido condenado, afirmava a sua inocência (f. 79 e 84).
O presente caso revelou-se de tormentosa análise,
Logo, as novas provas colacionadas sob o crivo principalmente por se tratar de um crime cuja pena é a
do contraditório, especialmente as novas declarações de das mais elevadas de todo o ordenamento penal pátrio.
Wellington Azevedo de Paulo, em perfeita harmonia com
os depoimentos das testemunhas Nilton Sérgio Leite e Com maestria apreciou os autos o insigne Des.
Éderson William Matosinhos, bem como a comprovação Relator, principalmente ao confrontar os elementos
existentes nos autos originais, que até então se revelavam
do álibi sustentado pelo peticionário durante toda a hábeis à prolação de um édito condenatório, seja pela
persecução penal, constituem elementos hábeis a meuJuízo delação do co-réu Wellington, seja pela não comprovação
a desautorizar o decreto condenatório. do álibi apresentado pelo ora peticionário e o fato de ele
ter sido preso em flagrante delito, com os documentos
Assim, nos exatos termos do art. 621, II e III, CPP, carreados à presente revisão.
tenho que o peticionário efetivamente não participou
da empreitada criminosa pela qual fora injustamente Com efeito, somente agora com as novas provas
produzidas podemos crer na inocência do peticionário,
condenado e julgo procedente o pedido revisional, com a mormente considerando a retratação do co-réu
conseqüente absolvição de Wagno Lúcio da Silva. produzida na audiência de justificação, bem como a nova
prova testemunhal do Sr. Fábio Márcio Resende que
“A Justiça, como toda divindade, só se revela aos veementemente confirma o álibi do peticionário.
que nela crêem” – Calamandarei. “Tarda, mas não falha” –
dito popular. Some-se isso ao fato do peticionário em nenhuma
fase do processo ter se declarado culpado, ao contrário,
sempre pugnou por sua inocência.
Ante o exposto, defiro o pedido revisional,
absolvendo o peticionário Wagno Lúcio da Silva do Portanto, não desmerecendo a sapiência das decisões
crime a ele imputado, com fulcro no art. 386, IV, do CPP, proferidas anteriormente, não vejo como deixar de deferir
determinando-se, incontinenti, pelo meio de comunicação o pedido revisional para absolver o peticionário.
mais ágil possível, sua imediata liberação, via alvará de
soltura. Em tempo, destaco que, não obstante a sobrecarga
de serviço que este Egrégio Tribunal tem recebido, a
presente revisão me veio conclusa no dia 11 de janeiro de
2006, sendo encaminhada para julgamento aos dias 17 do
mesmo mês, com o intuito de dar uma célere solução para
este pedido revisional.
Mediante tais considerações, adiro integralmente
ao voto proferido pelo ilustre Desembargador Relator,
DEFERINDO o pedido revisional, para absolver Wagno
Lúcio da Silva, nos exatos termos do voto que me
precedeu.
É como voto.

146 147
64. O voto do Presidente VOTO

O SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE Coloco-me de acordo com o E. Desembargador


CARVALHO: Relator, não sem antes registrar o recebimento de
substancioso memorial apresentado pelos advogados Dr.
Quero inicialmente dizer que nós, operadores Dino Miraglia Filho e Dra. Flaviane de Magalhães Barros
do Direito Penal, lamentavelmente trabalhamos com Pellegrini. Gostaria de tecer algumas considerações sobre
a verdade processual e nunca com a chamada verdade questão não inserida no voto do Digno Relator recebido
real. em meu gabinete na semana passada.

Não existe, em nenhum processo, verdade real Trata-se do reconhecimento do direito à


e esta é uma falha do processo como instrumento de indenização inserido no art. 630 do Código Processo Penal.
oferecer àqueles que operam com o Direito material as Em 1941, previa a lei processual penal a possibilidade de
provas que devem ser valoradas. E o caso do Wagno Lúcio reconhecimento, pelo Tribunal, desse direito a uma justa
da Silva é um caso lapidar, no sentido de demonstrar indenização pelos prejuízos sofridos quando cassada a
que aqueles que instruem os inquéritos, e sabemos todos decisão condenatória. Condicionava tal reconhecimento
que a acusação se baseia nas provas do inquérito, devem ao requerimento do interessado e mais, trazia em seu
ter extrema atenção, máxima responsabilidade, porque parágrafo segundo duas exceções, quais sejam, a hipótese
sabemos todos que normalmente a prova do inquérito é de acusação privada e de condenação decorrente de culpa
reproduzida no processo e essa é a prova que vai condenar do condenado. Reconhecido o direito à indenização,
ou absolver o acusado. haveria liquidação noJuízo cível, consoante determina o
parágrafo primeiro.
Este caso é dos mais lamentáveis que já pude
presenciar no Poder Judiciário e nos leva também a uma A previsão da lei processual penal, com o advento
outra reflexão que é a valoração que o Poder Judiciário da Constituição da República de 1988, tornou-se vazia. Ao
está dando à delação de co-réus, em especial co-réus Estado caberá indenizar o erro judiciário, reparando, em
menores. relação ao injustamente condenado, os danos materiais
e os danos morais. No rol dos direitos e garantias
Participei da primeira revisão criminal, coloquei- fundamentais está expressa a incondicionalidade do
me de acordo com o indeferimento, porque não poderia, dever do Estado de indenizar o erro judiciário. Dispõe o
naquele momento, rediscutir prova valorada seja na art. 5º, inciso LXXV, da Constituição: “o Estado indenizará
instância inicial, seja na 2ª instância, por apelação. o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar
preso além do tempo fixado na sentença”.
Venho insistindo muito, e isso pode ser comprovado
por meus votos, no sentido de que delação de co-réu Assim, no que tange às limitações contidas no
tem que ser analisada com muito cuidado. Só devemos parágrafo 2º daquele dispositivo processual penal, a
dar valor a ela se vier absolutamente demonstrada por doutrina majoritária reconhece a sua não recepção pela
outras provas. Não por prova negativa, mas por prova Constituição da República. O direito à indenização é
positiva. E aqui me parece que ela foi valorada por prova incondicional e, como direito fundamental, não depende
negativa - ausência de uma testemunha que seria o álibi de reconhecimento expresso por este Tribunal. Seu valor
do acusado. Estaríamos entre a palavra do acusado e a será discutido na esfera cível, por meio do procedimento
palavra do co-réu. É uma reflexão que levo a meus colegas, da liquidação.
que pode levar a esse tipo de injustiça que hoje estamos
presenciando aqui, à qual o Wagno Lúcio foi submetido Se tivesse havido pedido do peticionário no
neste processo. sentido da fixação da indenização, adotaríamos a solução

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proposta pelo Professor Sérgio Demoro Hamilton in MP (RTJ 62:139 e, especialmente, p. 143)”. Como resolver
NOVAS QUESTÕES DE PROCESSO PENAL, publicado o impasse, tendo em conta que a Fazenda Pública, no
na Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal nº caso sujeito passivo da pretensão civil de ressarcimento,
19, ABR-MAI/2003, pág. 7: não pode ficar sem defesa, uma vez que a lei não previu
a sua citação na ação revisional. Em nosso Estado, não
“O art. 630 do CPP autoriza o autor da revisão, vejo solução outra que não seja a citação do Estado do
ao lado do pedido penal, como é óbvio, à pretensão civil Rio de Janeiro para ofertar resposta à pretensão de
no objetivo de obter “justa indenização pelos prejuízos ressarcimento aJuizado pelo autor da revisão.
sofridos”.
Vou mais longe: entendo que a Procuradoria do
É evidente que a liquidação se dará noJuízo cível, Estado deverá intervir em dois tempos. Numa primeira
tal como preconizado no § 1º, proêmio, do art. 630 do fase, no próprioJuízo revidendo, pois ali se fixará a
CPP. ocorrência ou não da obrigação de indenizar (an debeatur).
Na verdade, é o Tribunal que poderá reconhecer o direito
Analisando a norma em questão, ADA PELLEGRINI a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos (art. 630,
GRINOVER et alii destacam que “essa pretensão civil, caput, do CPP). Mas a intervenção da Procuradoria do
feita valer noJuízo criminal, tem peculiaridades no Estado se dará, como é óbvio, também na fase de execução,
sistema brasileiro, porquanto a Fazenda Pública - sujeito onde será liquidada a condenação (quantum debeatur).
passivo da pretensão: § 1º do art. 630 - não é citada para
se defender. Somente o MP é parte passiva na demanda Dessa maneira, em nosso alvedrio, sempre que, no
revisional, de modo que se deve entender que o Parquet processo revisional, houver da parte do autor da revisão
representa no processo não apenas o interesse penal do pretensão indenizatória, não restará ao Relator outra
Estado, mas também o interesse civil da Fazenda”. atitude que não seja a de mandar citar a União ou o Estado
(conforme a condenação resulte da Justiça Federal ou da
Estadual) para que venha integrar a lide, quanto a este
Com a devida vênia daqueles eminentes mestres aspecto.”
do processo penal, não me parece possível, diante do
perfil traçado para o MP pela CF/88, que o Parquet possa Não havendo pedido neste sentido, como se
representar o interesse civil da Fazenda na revisão disse, não cabe aqui a discussão. Como também não é
criminal. necessário reconhecer o direito à indenização, posto que
acolhido incondicionalmente como direito fundamental.
Diante da CF compete ao MP “a defesa da ordem Constatada a injusta condenação, deve o Estado indenizar
jurídica” (art. 127) e isso diz tudo. MAZZILLI, após o peticionário, conclusão esta que se coaduna com o
ressaltar a presença do MP na defesa de interesses princípio da responsabilidade objetiva prevista art. 37,
sociais e individuais indisponíveis, “bem como no zelo do § 6º da CF. A desconstituição da sentença condenatória,
bem geral”, salienta que “não se pode olvidar que o art. por esteJuízo criminal, torna-se título executivo judicial
129, IX, lhe veda exercer outras funções que não sejam na esfera cível, na qual caberá a discussão em torno do
compatíveis com sua finalidade, como, por exemplo, valor da indenização.
a representação judicial e a consultoria jurídica de
É como voto.
entidades públicas (que, na esfera federal, está cometida
à AGU, cf. art. 131 da CF e art. 1º da LC 73/93)”. Portanto, adiro ao voto do em. Relator, Des. Eli
Lucas de Mendonça, com estas considerações que fiz com
E, ainda, põe em relevo decisão do STF, referendada relação ao direito de Wagno Lúcio da Silva ser indenizado
pelo renomado autor, nos termos que se seguem: por esse erro judiciário, que é erro judiciário, malgrado
“interesse e fiscalização não se conciliam, pois quando o valorado subjetivamente com a prova que existia nos
Procurador-Geral é advogado da Fazenda, deixa de ser autos, mas é, porque foi uma condenação injusta, uma

150 151
condenação de um inocente. 65. Demais votos

Resta-nos lamentar o que aconteceu e tentar, para O SR. DES. EDIWAL JOSÉ DE MORAIS:
a frente, com este exemplo, pelo menos no meu caso, tomar
muito cuidado com a valoração da palavra do co-réu Sr. Presidente.
delator, principalmente co-réu menor, e não examinar,
como indícios, a questão de prova negativa, que acho que Deixo também registrado ter prestado bastante
é uma questão delicadíssima, no Processo Penal.
atenção à sustentação oral aqui desenvolvida,
Dou os parabéns à defesa do Wagno Lúcio da Silva como também ter tido acesso ao memorial que foi
e a todas as entidades que se posicionaram em favor apresentado.
desse injustiçado, que está condenado e cumprindo pena
há muito tempo, e a todas as autoridades, inclusive aqui O caso de Wagno é tido como erro judiciário,
presentes, que se dispuseram a acolher a súplica do quando quem menos errou foi o Judiciário.
Wagno e ajudá-lo para que a verdade real viesse à tona.
O Poder Judiciário agiu com aquilo que tinha no
No último momento, na última Instância, a verdade processo. O inquérito, que foi base para a denúncia e
real veio à tona, mas num tempo que deixou marcas para a instrução criminal, foi feito pelo Poder Executivo.
indeléveis e profundas na vida de Wagno, com certeza. A Defensoria Pública e a Perícia Técnica, citados em
recente entrevista, são órgãos do Poder Executivo.
É o meu voto.
A pobreza não é fator para injustiça, como se
mencionou na mesma entrevista, e nem praxe neste
Tribunal de Justiça. A afirmativa chega a nos ofender. E
a verdade nunca pode chegar ao povo pela metade, tem
que chegar integralmente.

Acompanho o ilustre Relator no seu muito bem


elaborado voto.

O SR. DES. WILLIAM SILVESTRINI:

Sr. Presidente.

Gostaria também de registrar que ouvi com a


devida atenção a sustentação oral feita pela ilustre
patrona, bem como acuso recebimento de memorial o
qual li com a devida atenção.

Apesar de não ter tido em mãos o processo, como


Vogal, tive a atenção de ler o voto do ilustre Des. Eli Lucas
de Mendonça, que é primoroso.

Acompanho integralmente o Relator.

O SR. DES. WALTER PINTO DA ROCHA:

152 153
Acompanho o voto do em. Relator. 66. Absolvição – unanimidade

A SRª. DESª. MARIA CELESTE PORTO: O SR. PRESIDENTE (DES. ALEXANDRE VICTOR
DE CARVALHO):
Sr. Presidente.
Então, o resultado do julgamento é o seguinte:
O eminente Des. Relator solucionou todos os JULGARAM PROCEDENTE O PEDIDO REVISIONAL
questionamentos colocados nos autos, no memorial da E ABSOLVERAM WAGNO LÚCIO DA SILVA DA
defesa e da tribuna, pela ilustre advogada e professora, IMPUTAÇÃO QUE LHE ERA FEITA, COM FULCRO NO
Dra. Flaviane de Magalhães Barros Pellegrini. ARTIGO 386, INCISO IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL.
Também julgando procedente a Revisão, adiro ao
voto do em. Des. Relator Eli Lucas de Mendonça, em sua No voto do em. Des. Relator consta: “determina-se
inteireza. incontinenti” - imediatamente - “pelo meio de comunicação
mais ágil possível, a imediata liberação de Wagno Lúcio
O SR. DES. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS: da Silva, via alvará de soltura”.

Sr. Presidente. Assim, determino ao Cartório que faça isso com


urgência.
Registro que ouvi com a costumeira atenção a
brilhante sustentação oral feita da tribuna pela advogada A SRª. ADVOGADA FLAVIANE DE MAGALHÃES
Flaviane de Magalhães, recebi memorial subscrito por B. PELLEGRINI:
S.Exª. e pelo advogado Dino Miraglia Filho, aos quais
também dei a devida atenção. Nós temos o número do fax da Penitenciária, para
poder passar imediatamente.
Registro também o apoio incondicional que
o ex-Secretário Nacional de Direitos Humanos, O SR. DES. PRESIDENTE:
Nilmário Miranda, deu ao presente caso e ressalto que
a verdade processual que até agora existia nos autos, Está certo.
com uma Justificação, deu lugar à verdade real e, por
isso, acompanho todos os votos que me precederam, Com estas duas Unidades do Tribunal de Justiça,
para também absolver o peticionário e aderir à sua aqui e na R. Goiás, o Grupo de Câmaras pertence ao
manifestação quanto ao direito do mesmo de buscar, CAFES, que está lá na Unidade Goiás, então não vou
pelas vias próprias, uma justa indenização que o caso determinar que seja através de lá porque vai demorar
requer. muito.

É como voto. Assim, determino que o Oficial de Justiça vá ao


Cartório da 5ª Câmara Criminal, e peça à Dra. Mariângela
que determine a expedição de alvará de soltura assinado
pelo Des. Eli Lucas de Mendonça. O processo deve ser
levado por causa da identificação do Peticionário Wagno
Lúcio da Silva.

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67. Explosão de alegria no Tribunal 68. Explosão de alegria na Cadeia

Nada mais poderia segurar Waguinho na cadeia. Todo o julgamento foi acompanhado por redes de televisão,
Sua inocência foi reconhecida por unanimidade pelo jornais e rádios de todo o Brasil, direto do Plenário do Tribunal
Tribunal de Justiça de Minas Gerais e a absolvição foi comemorada de Justiça.
com uma alegria incontida por todas as pessoas presentes. A Rádio Itatiaia, AM e FM, de Belo Horizonte, com grande
Flaviane e eu nos abraçamos orgulhosos, junto aos demais audiência em várias camadas sociais, e especialmente entre os
sócios, e, sem nada dizer, sabíamos que nossas vidas estavam presidiários, transmitira todo o julgamento ao vivo, dando os
irremediavelmente marcadas por um caso histórico. resultados voto a voto, à medida que iam sendo proferidos pelos
Os familiares de Waguinho se derramavam em Desembargadores.
lágrimas. A cada voto favorável à absolvição, e foram todos os
Os Desembargadores sorriam com a aplicação da Justiça oitos, a Penitenciária Nelson Hungria literalmente explodia de
na sua plenitude, pois, afinal de contas, somos todos operadores alegria.
do Direito. As galerias do presídio estavam agitadas, o que é
A imprensa, enlouquecida, coletava a maior quantidade apavorante para a segurança e para os agentes penitenciários.
de fotos, entrevistas e informações possíveis, para poder municiar Os presos roçavam os copos e pratos de alumínio nas grades,
a mídia do Brasil. provocando um grande barulho e um prenúncio de confusão. A
Meus colegas advogados, mesmo aqueles que não me grande maioria comemorava de verdade. Celebrava a conquista
conheciam, exaltavam o feito, em nome da Justiça. vitoriosa de uma pessoa presa, um igual, corroborando que existe
Era chegada a hora de tirar o Waguinho da cadeia e vida por detrás das grades – naquele momento, sobrevia-se o
colher os frutos daquela atuação de resultado brilhante. trunfo de David contra Golias, do fraco contra o poderoso, dos
excluídos contra o sistema acachapante.
Uma minoria aproveitou-se das circunstâncias para
principiar uma rebelião, e o sucesso de Waguinho colocou a cadeia
em ebulição, e, talvez, para esses tantos, houvesse chegado a
hora de “derrubar a casa”.
Ocorre que, mesmo os presos de boa índole, aprisionados
nas condições e da forma como acontecem no Brasil, vivem muito
perto do limite entre o bem e o mal.
A multidão enfurecida, somada a essa tênue linha
divisória, transfigura-se em máquinas assassinas dispostas
a qualquer coisa, bastando apenas o estopim motivacional.
Quando foi confirmada a absolvição, após o quinto voto deferindo
o pedido, não mais foi possível controlar aquele espaço físico.
Todos explodiram em gritos e manifestações, que em poucos
minutos se transformaram em desordem irrefreável, e, após dois
anos e meio de tranqüilidade e disciplina, a Penitenciária Nelson
Hungria voltava a preocupar a sociedade mineira.
Conhecida por seu passado de rebeliões violentas,
inclusive com efeitos de reféns e mortes, a direção do Presídio

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de Segurança Máxima Nelson Hungria tem conseguido manter 69. O assédio da mídia
tudo em ordem, graças à adoção de uma linha rígida, de certa
maneira, justa e legal. O chefe de Segurança Xavier é um Existem pessoas que convivem tranqüilamente com o
profissional duro, mas o fato de estar na faculdade (faz o curso assédio e o interesse de outrens. Ser uma personalidade pública
de Direito) ameniza o rigor de seu espírito, levando-lhe a tratar o é para poucos.
preso de forma menos contundente. Depois do resultado do julgamento, fiquei na condição de
Mas isso tudo em tempo de paz, porque em tempo de personalidade. Fiquei, porque não o sou e nem gostaria de ser.
guerra, salve-se quem puder, retornando a brutalidade e a Por mais que seja recompensador em alguns poucos momentos,
violência de ambos os lados do muro. é extremamente desgastante na maioria do tempo. Mas, assim
Assim que se iniciou a baderna, do lado de fora foram como fizemos nosso trabalho e obtivemos sucesso, estava na hora
ouvidos tiros com balas de borracha e munições de verdade, gritos de facilitar o trabalho da imprensa, que tanto nos apoiou.
e agressões, que rapidamente colocaram fim àquele tumulto As entrevistas se repetiam, via celular, ao vivo, nas rádios
prisional. e na televisão
Como teria que passar no Setor de Informações da Polícia
Civil, antes de ir para a Penitenciária, foi armada uma estratégia
pelas emissoras, para acompanhar aquela etapa também.
Em um período muito curto, passei a falar com todo o
Brasil, enquanto aguardava a expedição do alvará de soltura,
que levou quase quarenta minutos para ser lavrado.

158 159
70. O alvará de soltura 71. O carimbo do Setarin

A ordem do alvará de soltura deveria ser cumprida por O setor de Informática da Polícia Civil, denominado
Oficial de Justiça. Mas em razão do drama envolvendo o caso, SETARIN, é onde ficam armazenadas todas as informações
a pedido meu foi deferido, pelo Relator, que eu mesmo ficaria policiais e de inteligência. Todo alvará de soltura expedido deve
encarregado do cumprimento do alvará, o que provocaria mais ser certificado por este órgão, informando que aquele beneficiado
eficácia à liberdade efetiva. Fiquei aguardando, e o primeiro encontra-se preso somente por aquele caso, evitando-se, assim,
alvará foi despachado para a comarca de Congonhas, a fim de que seja solto um bandido condenado por outros crimes.
que o Juiz de lá tomasse ciência da decisão. Hoje a polícia está cada vez mais técnica e informatizada
O Relator novamente intercedeu e ordenou a expedição e, em Minas Gerais, as polícias civil e militar atuam utilizando
imediata de novo alvará de soltura direcionado ao diretor o mesmo sistema de informações, inclusive em conexão com
da Penitenciária, para que Wagno fosse solto incontinenti, cadastros internacionais, garantindo, com esse procedimento, a
e recomendou que o Juiz de Congonhas fosse informado do precisão e a eficiência do serviço.
resultado, via fax. Esperei um pouco e recebi o documento. Em outras inúmeras vezes anteriores, a consulta ao
Não conseguia conter minha satisfação, e minha expressão sistema foi morosa. Não sei informar se isso ocorria em virtude da
falava por mim. Perguntado sobre o que sentia, naquele momento, complexidade da pesquisa ou se por má vontade do pesquisador.
respondi que um alvará de soltura, para um advogado criminal, Desta feita, assim que lá cheguei, toda a imprensa
é tão bom quanto um prêmio para um atleta. aguardava ansiosa, temendo por problemas. Eu não tinha receio
E aquele alvará tinha o sabor especial, por reparar um da averiguação que seria efetivada, pois Wagno nunca havia sido
erro grosseiro do Estado. preso ou processado anteriormente, e somente existia contra ele
Quando saí em direção ao estacionamento, depois de aquela única ocorrência, da qual ele acabara de se isentar.
despedir de meus sócios por alguns instantes, já me deparei com Recebido com tratamento especial, o alvará foi
jornalistas e suas equipes me seguindo de perto. imediatamente pesquisado e devolvido em poucos minutos,
Faltava mais um passo legal, que era o de me dirigir totalmente desimpedido.
ao SETARIN, antes de ir buscar Waguinho. Aquele é um local Nada mais iria segurar o Waguinho atrás das grades
onde alvarás de soltura são barrados com freqüência, e a tarefa e a distância entre a vida “presa na gaiola” e a liberdade era
se torna das mais aflitivas, pois os advogados permanecem do exatamente a mesma entre o centro de Belo Horizonte até a
lado de fora do balcão, enquanto a pesquisa é feita em um local Penitenciária de Contagem.
reservado, o que impede o acompanhamento do desenrolar dos Minhas cólicas estavam me deixando aflito e temeroso, e
trabalhos. eu ainda não havia me dado conta, mas, pelos próximos dias, não
seria mais dono da própria vida.
Mas o Dr. Marcelo estava de prontidão, como de
costume.

160 161
72. A ida para a Penitenciária 73. O encontro com meus colegas

O telefone não parava, e eu não podia deixar de dirigir, Fiquei esperando as duas bravas e belíssimas guerreiras,
pois a liberdade de Waguinho dependia de minha chegada. e enquanto as aguardava, resolvi tomar água de coco. Horas
Flaviane e Paulinha iriam me esperar na Via Expressa, depois, percebi ser aquela a única coisa que ingerira na parte da
para, juntos, em dois carros, irmos a Contagem. tarde daquele tumultuado dia. Na mesma barraca, comprei água
Os caminhos que levam à Penitenciária não são comuns mineral, tomei uma quantidade impressionante de remédios e
a todos, e eu iria liderar o comboio, não só para elas, mas para o atendi a uns trinta telefonemas consecutivos. Enquanto acolhia
restante da imprensa – que ainda insistia em me acompanhar. uma ligação, outras ficavam em espera, ao mesmo tempo em que
Eu precisava parar um pouco para tomar um remédio, e eu saboreava o sucesso e a magnitude da vitória obtida. Ainda
necessitava ingerir líquidos. não havia tido tempo de ser publicada a “matéria da vez” nos
Como elas demoraram um pouco, parei e esperei em uma grandes jornais, e aquela procura prematura já prenunciava o
barraca de cocos. que iria acontecer nos próximos dias.
Um gole ou outro, telefonemas, dor, aflição, remédios e Enquanto tomava água de coco e atendia ao telefone,
muita adrenalina não me permitiam ficar quieto, sentado. precisava ficar de olho nas minhas colegas, para não nos
As coisas aconteceram rápido demais, a partir daí. desencontrarmos.
Quando as vi, foram parando o carro, e o sorriso das
duas dispensava qualquer palavra. Nós nos abraçamos e elas
queriam saber como tinha sido tudo lá no SETARIN. Antes de
sairmos, nos hidratamos e fizemos um brinde ao desfecho final
do Caso Wagno, usando os cocos como objetos da saudação.
Elas mostravam-se preocupadas com a minha saúde, sabendo
que, à noite, eu ainda iria a Congonhas levar o Waguinho. Mas
simultâneamente, estava evidente a satisfação delas com tudo o
que estava acontecendo.
Eu, completamente anestesiado pelo ocorrido, e apavorado
com a dor no abdome, que não passava, “entregava para Deus e
agia como se deixasse ligado o botão do dane-se” – para ser fino
–, mesmo porque, não tinha muitas opções.
Dirigimo-nos à Penitenciária, elas em um carro e eu no
outro – atendendo às ligações ininterruptas.
O excitamento, somado à dor e à aflição, assim como ao
assédio da mídia, à alegria dos amigos e ao orgulho dos parentes,
fez com que eu fosse multado diversas vezes, pelas mais variadas
infrações de trânsito, todas imperdoáveis, mas plenamente
justificáveis. Mesmo assim meus sócios não concordaram em
ratear as despesas com tal imbróglio.

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74. A rebelião da alegria 75. A chegada do alvará

Um dos telefonemas a que eu me referi foi de um jornalista O clima era de desordem e euforia, tanto do lado de fora
da Folha de São Paulo, me informando que tinha estourado uma quanto dentro da Penitenciária. Fora, a imprensa me acossava, e
rebelião na Penitenciária Nelson Hungria, inclusive com tiroteios eu não conseguia dar conta de todas as solicitações. Para dentro
e gritos. dos muros, a rebelião estava controlada, à custa de muitos tiros e
Vejam só como o movimento da cadeia é articulado. uso da força policial. E ainda imperava o mau humor, o semblante
Existindo a mola propulsora, a onda da revolta toma conta de tenso e a desconfiança por parte dos funcionários e policiais de
todo o espaço, tal qual uma avalanche conduzindo a massa plantão.
humana. Essa mola foi a explosão de alegria com o resultado do Já dizia o ditado que “cachorro mordido por cobra
julgamento de Waguinho. tem medo de salsicha”. Os agentes penitenciários estavam
A penitenciária é de segurança máxima, comportando “escaldados” com esse tipo de ação amotinada e a conseqüente
presos perigosos. reação descontrolada, e isso provocava uma alteração no estado
O Pavilhão Quatro abrigava os presos de bom de espírito de todos eles.
comportamento, e era onde se encontrava Waguinho. O Pavilhão Nilmário Miranda já estava com o diretor da
Nove foi onde ocorreu o foco do problema. Penitenciária, Tenente-Coronel Alvenir, mas minha entrada
Essa informação não foi passada, e o jornalista disse se tornou complicada, um pouco pela má vontade dos agentes
que eu não iria conseguir soltar o Wagno. Em um acesso de penitenciários, e outro tanto, em razão do tumulto dentro e fora
riso nervoso, e descrédulo com o destino de meu cliente, eu lhe da cadeia. Contatei-os pelo telefone, e meu acesso e o de meus
repliquei que iria tirar o Wagno, nem que fosse pelo muro. Essa colegas foi autorizado de pronto.
frase descomedida esteve estampada em vários jornais, apesar Nosso primeiro contratempo se deu por culpa de Paulinha.
de tê-la dito apenas como um desabafo, não refletindo minha Muito jovem e bela, aproveitando o imenso calor que fazia em
opinião real. Minas Gerais, ela trajava camiseta de alcinha, e foi barrada pela
Quando cheguei à porta, começou uma rebelião pacífica segurança gorda e invejosa, que temia por um novo tumulto na
entre os profissionais da imprensa, ainda do lado de fora, com os cadeia.
jornalistas correndo e tentando se posicionar cada um melhor Flaviane e eu entramos aborrecidos, porque Paula
que os outros, em busca de uma cobertura mais eficiente. merecia estar junto, por toda sua participação, e, no entanto,
ficou de fora, pelo motivo exposto.
O curioso é que Flaviane usava uma sandália aberta,
que é proibida pela direção da casa prisional – por deixar os pés
da mulher expostos, um fetiche para os homens, especialmente
para aqueles presos –, e, apesar disso, não foi impedida de
entrar. Mais curioso ainda foi o comentário de uma jornalista,
que notou que ela usava sandálias na penitenciária e scarpan
no Tribunal. Coisas de mulher, já que nenhum outro jornalista
havia percebido.
Fomos conduzidos ao encontro do Tenente-Coronel e de
Nilmário, na sala da Coordenação, para apresentar o alvará de
soltura já devidamente liberado pelo SETARIN.
A presença de Wagno foi requisitada.

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A sala do Tenente-Coronel ficou pequena demais para 76. O último carcereiro
mim. Naquele momento, até o gigantesco presídio estava
diminuto. Eu não só queria tirar o Wagno de lá, mas sair de lá o Continuamos aguardando, enquanto conversávamos
mais rápido que pudesse. com o Tenente-Coronel. Este me informou que Waguinho
tinha o apelido de “chatinho”, pois alertava aos funcionários
da penitenciária, todos os dias, que estava pagando por um
crime que não cometera. Acrescentou que ele trabalhava havia
quatro anos na capina da penitenciária. Era preso de excelente
comportamento carcerário, não constando em seu histórico nada
que o desabonasse.
Eu já não estava mais achando interesse na conversa,
pois, ansiava pelo surgimento de Wagno a qualquer momento,
para que pudéssemos sair e encontrar os seus familiares, e,
também, inquietava-me a ausência da Paulinha.
Enquanto andava de um lado para o outro, olhei pela
janela e vi, no pátio, a figura conhecida de um homem que
olhava para o chão e carregava uma televisão e algumas sacolas
plásticas.
Ele vinha acompanhado de um agente penitenciário, que
portava um porrete semelhante a um cabo de picareta. Trazia
o preso escoltado de forma brusca e truculenta, comportamento
totalmente inconcebível com o status de inocente de Wagno.
Tudo bem que a pretensa rebelião havia acirrado os
ânimos de todos, deixando os nervos à flor da pele, mas nada
justificava o tratamento dispensado a ele por aquele último
carcereiro.
Wagno era um homem livre, inocentado por oito
Desembargadores do Tribunal de Justiça, e não devia nada a
ninguém, muito menos àquele troglodita.
Quando ambos se aproximaram, tive vontade de voar no
pescoço do carcereiro.
Wagno vinha algemado.

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77. As últimas algemas 78. A saída da Penitenciária

Ele não conseguia se ver livre das pulseiras que o Dirigimo-nos, Flaviane, Nilmário, Wagno e eu, para
acompanharam pelos últimos oito anos, e isso se deu por culpa a portaria interna, local de mais uma triagem e barreira de
da forma como a ordem foi exarada pelo Tenente-Coronel, de identificação.
conduzir o interno Wagno à Direção da Penitenciária. Fomos, mais uma vez, acompanhados pelo mesmo
Ele não era interno e nunca deveria ter sido. carcereiro, com a idêntica cara truculenta, com o usual porrete
Ele era um cidadão inocente, que se encontrava nas e com a contumaz forma ostensiva de pretensamente mostrar
dependências de um estabelecimento prisional por culpa poder e força, o que, para nós, confirmava, e de forma inequívoca,
exclusiva do Estado, e este mesmo Estado agora o algemava e o o despreparo do Estado punitivo e repressivo, e a inexistência de
humilhava pela última vez. um Estado preventivo e educativo.
Revoltado, requeri que as algemas fossem tiradas de A chegada ao lado de fora dos muros, mas ainda dentro do
imediato, o que gerou um olhar de desprezo do carcereiro, e outro espaço da penitenciária, já foi como um grito de alívio temperado
encabulado do Tenente-Coronel, que, acompanhado de Nilmário com a ansiedade da saída definitiva.
e dos advogados de Wagno, incluindo eu, ficou extremamente Os familiares, os curiosos e a imprensa se atiravam
constrangido diante do ocorrido. sobre as grades divisórias, o que dava a impressão, para nós que
Flaviane, vendo o que acontecia, veio em meu auxílio, estávamos cercados dentro do espaço prisional, serem eles os
também indignada com tamanha arbitrariedade. presos.
Quando a via crucis de Wagno chegará ao fim? Fomos recepcionados pelos agora corteses agentes que
O último carcereiro parecia pertencer à Idade da Pedra, trabalham na portaria, os mesmos que não queriam autorizar
tratando dessa maneira o Waguinho, impingindo-lhe algemas ao a nossa entrada anteriormente, e por mais um número enorme
final de seu tormento, colocando em prática ações utilizadas em de outros agentes, que se encaminharam para a porta, curiosos
calabouços da Antiguidade – uma síntese do Caso Wagno. para acompanhar a saída de Waguinho.
Quando Wagno se viu livre das algemas, a primeira Estava no momento de ir para a rua.
frase pronunciada por ele foi dirigida ao Tenente-Coronel,
relembrando-o que sempre alegara inocência.
O Tenente-Coronel se despediu e lhe desejou felicidades
em sua nova vida.
Era hora de sair.

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79. O encontro com a liberdade 80. O encontro com a família e com a filha

Vencido o último obstáculo, nós cedemos espaço para a Saímos em direção a Belo Horizonte e fomos seguidos pela
imprensa e a família se aproximarem. Flaviane, pelos familiares de Waguinho e por alguns jornalistas
Já não tínhamos mais o que fazer, a não ser olhar o que iriam cobrir a chegada a Congonhas e o encontro com o
Waguinho e observar suas reações. restante de seus familiares.
Quantas vezes, ao soltar passarinhos no mato, olhava-os No trevo para o Rio de Janeiro, segui em direção a
voando, desconfiado, sem acreditar que estavam livres. Congonhas e os demais se dirigiram à capital mineira, inclusive,
Assim era Wagno. e equivocadamente, os familiares de Wagno e os jornalistas que
Feliz entristecido, rindo querendo chorar e chorando iriam para Congonhas, o que nos colocou sozinhos na estrada.
querendo rir. O telefone tocava sem parar.
Todos os sentimentos fluindo ao mesmo tempo Minha mãe, esposa e filha, emocionadas, recebiam os
transformaram Wagno em um turbilhão de emoções, que somente cumprimentos pela atuação do ente querido, temporariamente
o tempo iria apagar. famoso. E sentiam na pele a aflição que a doença, em crise, me
A liberdade tinha um gosto saboroso demais para ser causava.
desfrutado de uma só vez. Tios e parentes que não davam as caras há muito tempo,
Os familiares, profundamente emocionados, oravam e felizmente apareceram.
agradeciam pela graça alcançada, demonstrando a fé que nunca Os que não estavam desaparecidos comemoraram como
os abandonou. se fossem meus próprios pais.
Nós, justamente relegados a um segundo plano, também Amigos e conhecidos, orgulhosos, ligavam eufóricos.
emocionados e recompensados, sorríamos com toda a agitação Meus sócios, preocupados, pediam para que eu dormisse
em volta dele. em Congonhas, a fim de que repousasse e esperasse acalmar
Durante oito anos ele gritou e não foi ouvido e, agora, não a diverticulite. E me proibiram de voltar sozinho pela estrada,
conseguia falar tudo o que queria com todos que o solicitavam. porque, além do mais, era madrugada.
Duas emissoras de televisão estavam com seus caminhões Paramos no Posto Chefão – antigo ponto de meus lanches
de tomadas externas, colocados estrategicamente na porta da diários, quando ainda criava cães, profissionalmente, em canil
penitenciária, e demos entrevistas ao vivo, que foram veiculadas no vilarejo de Casabranca, perto de Belo Horizonte –, para que
em todos os jornais e noticiários do País. Wagno comesse algo.
A liberdade de Wagno assenhora-se da mídia. Eu fiquei somente no suco de frutas, sentindo dor e
Terminamos tudo que tínhamos para fazer em Contagem cansaço.
e nos dirigimos a Congonhas, para o encontro com a família de Wagno pediu autorização para comer um pastel de carne
Wagno. e me disse que havia oito anos que não usufruía tal guloseima.
Ligar o carro, com o Waguinho dentro, indo embora da Comeu dois salgados com refrigerante, e se mostrou
cadeia, foi uma das mais prazerosas sensações que eu senti neste imensamente satisfeito e agradecido.
caso e, todas as vezes em que volto àquele local, sempre sinto Impressionante como as pessoas sofridas dão valor às
uma agradável emoção do dever cumprido. coisas pequenas da vida.
Na estrada, pela primeira vez, usou um cinto de segurança,
e me contou histórias que estão descritas a seguir.
Chegando a Congonhas, perguntei-lhe se ele sabia o
caminho que levava à casa do Tio Nicolau.

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A princípio, ele não reconheceu a entrada nova da cidade, 81. Euforia na imprensa – o caso vira assunto nacional
construída após sua prisão, e não sabia onde estava situado.
Em seguida, chegamos próximo ao Fórum, local onde Passado o turbilhão, recebemos três DVDs contendo
foi consumada a injustiça contra ele, e, imediatamente, Wagno todo o material coletado nas televisões, que somou três horas e
reconheceu o trajeto para a casa do seu tio. quarenta minutos de exposição. Tivemos ainda quarenta e quatro
Viramos na rua à esquerda e nos deparamos com um páginas na internet e mais de cinqüenta publicações escritas.
aglomerado de pessoas maior do que o que se encontrava defronte Tudo começou com uma matéria no jornal Estado de
à penitenciária. Minas e outra no programa Balanço Geral, da Rede Record,
A euforia e a emoção comandaram a festa. ambos de Belo Horizonte, muito tempo antes da absolvição.
Faixas, foguetes, cartazes, churrasco e muitas orações A poucos dias do julgamento, Estado de Minas, Rede
marcaram o encontro de Wagno com os seus familiares. Record, Band Minas, TV Alterosa, TV Minas, O Tempo e Hoje
Não seria uma noite e nem um dia que iriam apagar a em Dia acompanharam a visita que eu fiz, com o Nilmário, ao
saudade que todos sentiam. Wagno.
Eu não podia beber e não podia comer. Nos dias que antecederam ao julgamento, estivemos
Wagno já estava entregue à proteção dos braços e presentes em todas as mídias locais, e à data dele, começou o
ao aconchego de sua família. Era hora de eu ir a minha casa, assédio da mídia nacional.
também para os braços e proteção da minha família. Eu tinha Terminado o julgamento, começamos a aparecer em flashs
uma jornada difícil e solitária, mas a vontade de dormir em ao vivo, direto do Tribunal, e fomos acompanhados de perto até a
minha cama era maior que a distância a ser percorrida. penitenciária e, depois, de lá até Congonhas.
Chegando a Belo Horizonte, liguei para meus colegas O caso foi matéria de abertura do Jornal Nacional, e
que terminavam de brindar em um restaurante da cidade, e os constou em todos os telejornais e mídia impressa do País.
informei que estava quase em casa, e já iria dormir. No dia seguinte, fomos ao programa Mais Você, da Ana
Como diletos colegas, leais sócios e fraternos amigos, Maria Braga, e aos demais programas. E à hora do almoço, o
xingaram até minha bisavó e agradeceram aos céus por eu já jornal O Estado de São Paulo nos levou para conhecer o novo
estar em casa. Parque construído – onde era o Carandiru – e, de lá, fomos
O dia seguinte seria uma grande maratona. almoçar em uma cantina italiana.
Wagno iria encontrar sua filha Thaís. Wagno comeu, repetiu e declarou seu amor pelo
macarrão.
Eu continuei minha luta para sarar e optei por uma
canja.
Estava sentindo muita dor e um cansaço maior que o
previsto, por estar debilitado fisicamente.

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82. Ana Maria Braga Wagno e de sua vida.
Trabalhando desde os sete anos, quebrando pedras para a
No dia seguinte, enquanto a imprensa, local e nacional, construção, o tempo passou por ele. Jamais teve férias, viagens ou
acompanhava o primeiro dia de liberdade de Waguinho, em qualquer outro tipo de experiência ou contato com os avanços da
Congonhas, meu telefone não parava de tocar. Desde o momento sociedade.
em que foi divulgado o resultado do julgamento, eu atendi muito Aos trinta e três anos foi preso, e solto aos quarenta e um
mais de cento e cinqüenta telefonemas de todo o Brasil – de amigos, anos de idade.
da imprensa –, me fazendo utilizar, por três dias seguidos, duas Ao subirmos a escada rolante, fui na frente sem me
baterias em meu celular, o que nunca havia ocorrido em minha preocupar com ele, que me seguia de perto. Escutei um barulho e
vida. olhei para trás, e ele estava de “quatro”, com as mãos nos degraus,
Através da repórter Cristiane, da Rede Globo Minas, olhar assustado, sem entender como aquilo era utilizado. Ajudei-o a
ficamos sabendo do interesse que o caso havia despertado por parte se equilibrar e ele me informou que jamais havia andado naquilo.
da apresentadora Ana Maria Braga. Imediatamente comuniquei À mesma hora em que viajávamos para São Paulo, o Jornal
ao Waguinho, que manifestou enorme vontade de ir, afirmando Nacional abria o noticiário do dia, com matéria sobre ele.
que isso, para ele, era quase um sonho. Chegamos à capital paulista com status de quase heróis. As
Feito todo o acerto de horário de viagem, transporte em Belo pessoas nos paravam para tirar fotos e chegaram a pedir autógrafos
Horizonte, em São Paulo e hospedagem, iniciamos nossa volta a ao Wagno. Tivemos dificuldades em encontrar o motorista que nos
Belo Horizonte. No caminho, percebemos que não conseguiríamos esperava. Depois de alguma demora, conseguimos embarcar no
embarcar sem documentos, e Waguinho me informou que possuía carro e fomos levados ao hotel.
ainda sua Carteira de Trabalho, guardada por todos aqueles anos, Lá chegando, completamente esgotados, fomos muito bem
o que resolveu o problema. recebidos pelo funcionário, que encaminhou Wagno ao seu quarto.
Chegamos a minha casa, para eu deixar o carro, tomar Subimos juntos pelo elevador e ele passou mal com mais aquela
banho, trocar de roupa e ir para o aeroporto. Era minha primeira novidade, dele desconhecida.
chegada a minha residência em horário decente, pois, na noite Wagno não só quebrava pedras, como parecia pertencer à
anterior, cheguei para tomar banho de madrugada, quando Idade da Pedra.
fui recebido com muito orgulho e carinho por meus vizinhos e No dia seguinte, descemos para tomar café e aguardar o
amigos. motorista que nos levaria ao estúdio. Sua presença causou alvoroço,
O carro da TV Globo nos levou para o aeroporto. Este seria mesmo sendo o hotel de alto nível, muito acima da condição social
o primeiro local público em que iríamos aparecer. Não tínhamos dele.
visto nada na televisão, e estávamos em transe, por cansaço, êxtase Assim que chegamos ao estúdio, fomos recebidos pela
e aflição. equipe de produção e levados a um camarim exclusivo, com
No aeroporto, já deu para perceber o início da televisão, café da manhã e poltronas relaxantes.
repercussão. Em seguida, fomos para a sala de maquiagens – eu, para
Wagno era objeto de curiosidade e admiração de todos. Os disfarçar as olheiras, herança familiar agregada ao cansaço, e ele,
atendentes do aeroporto ficaram encantados com o jeito simples e para tirar o brilho da careca reluzente.
envergonhado dele. Na fila de embarque, muitos se aproximaram O encontro com a apresentadora foi mágico. A abertura
e, quando já estávamos embarcando, o comandante do vôo nos deu do programa se daria com a matéria sobre Wagno, e ficamos
as boas-vindas, recebendo aplausos daqueles que se encontravam posicionados para o início dos trabalhos.
na aeronave. A emoção tomava conta de todos.
No Aeroporto Tancredo Neves, eu tive a oportunidade, Assim que se iniciou a conversa, depois das apresentações
pela primeira vez, de compreender quanto havia sido retirado de feitas, foi repetida a matéria do Jornal Nacional, e nós, pela

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primeira vez, vimos uma reportagem do caso. 83. O Brasil descobre Wagno
A partir daquele momento, a entrevista transcorreu repleta
de emoções e lágrimas, e, por quase meia hora, ficamos bastante Na volta para casa, fomos reconhecidos no aeroporto, em
à vontade, sendo tratados com o maior carinho e respeito por uma São Paulo, e sofremos verdadeiro assédio público.
das maiores personalidades da televisão brasileira. As pessoas estavam encantadas com Wagno, com seu
Após a participação no programa, o Caso Wagno virou um jeito simples, sua fé em Deus, sua gratidão para comigo, sua
dos principais assuntos do Brasil. Levando em conta que isso se ausência de mágoas e rancores, sua esperança em dias melhores
dava na mesma semana em que Bono Vox e Mick Jagger povoaram e seu carisma e sinceridade.
a mídia, foi uma mostra incontestável da comoção nacional ora Queriam tocá-lo, como se fosse mártir ou exemplo a ser
surgida pelo drama desse homem. seguido.
Saindo do estúdio, meu telefone começou a tocar sem Dirigiam-se a mim como se a um enviado de Deus.
parar. Fomos aplaudidos no avião e recebidos também com festa
Dois grandes amigos me ligaram emocionados, engasgados quando chegamos ao aeroporto de Belo Horizonte.
de tanto chorar. Tudo bem que eles choram até em filme da Lassie, Andávamos pela rua e éramos parados.
mas no estúdio todos choraram também.
Dias depois cheguei ao Fórum, recepcionado com grande
Os jornais e emissoras de rádio das mais diferentes regiões
entusiasmo, enquanto Wagno se tornava ídolo em seu bairro,
do Brasil passaram a requisitar e receber entrevistas pelo telefone,
recebendo visitas de todos os tipos de pessoas, vindas de todas as
enquanto éramos levados para outra emissora de televisão.
regiões da cidade.
Enquanto isso, como prometido pela Ana Maria, o dentista
Passados alguns dias, viajamos novamente para São
me ligou e combinou o tratamento integral para o Wagno, coroando
Paulo, e nos encontramos no aeroporto. O motorista do táxi não
com chave de ouro nossa presença no programa.
Meses depois, recebo uma ligação de meu estagiário Felipe, quis cobrar dele a corrida.
me dizendo que eu me tornara definitivamente uma personalidade No aeroporto, já fomos tratados como celebridades, com
nacional. Achando que ele estava debochando, perguntei o que eu atendimento preferencial e tudo o mais.
havia feito daquela vez. E Felipe, aos gritos e cheio de entusiasmo, O motorista do SBT, que nos levou para os estúdios,
me notificou que eu fora um dos candidatos selecionados pela dizia que toda a sua família havia chorado, comovida pelo Caso
produção do programa da Ana Maria Braga para concorrer ao Wagno.
prêmio Cidadão Mais Você. Achei que ele estava fazendo hora com Na outra semana, fomos ao Caldeirão do Huck e
a minha cara. Então, acessei o site e constatei que ele não estava certificamo-nos de que o reconhecimento era imediato, não
enganado ou tentando me enganar. importando onde estivéssemos. Wagno era uma personalidade
Eu havia sido indicado pela produção do programa. Essa pública.
indicação, de maneira espontânea, muito me orgulhou e honrou,
mas, principalmente, ressaltou a importância de um trabalho
desinteressado e humanitário, que colheu frutos, mesmo sem ter
sido este o objetivo da causa.
Mostrando que vale a pena fazer o bem, sem olhar a quem,
a recompensa final, sem dúvida, foi muito maior que o trabalho
despendido.

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84. Ele descobre o filho 85. Outros programas e emissoras

Durante nossa viagem a Congonhas, Wagno me contou Saindo do programa da Ana Maria, fomos conduzidos
muitas coisas que eu não sabia, e, principalmente, que tinha um para a uma outra rede de televisão, em uma situação embaraçosa
filho e já não o via há mais de vinte anos. A caminho do programa e que causou certo constrangimento, suscetível, portanto, de
da Ana Maria, confidenciou-me que, se tivesse chance, iria pedir registro.
ajuda à apresentadora para ajudá-lo a encontrar o filho. A chance Não existia a possibilidade de irmos a tal programa, em
apareceu e ele não desperdiçou. razão de problemas ocorridos quando ainda estávamos em Belo
Com o apoio de Ana Maria Braga e com a audiência de seu Horizonte.
programa, dias depois recebi um telefonema da Rede Globo, da Afastada essa hipótese, nos dirigimos a São Paulo.
cidade de Teófilo Otoni, interior de Minas Gerais, perguntando Wagno havia sido pressionado, pela produtora desse
se o filho do Wagno se chamava Márcio, pois existia um rapaz lá programa, que, inclusive, ofereceu-lhe dinheiro para que
afirmando ser o filho dele. participasse comigo de uma matéria.
Não acreditei no que ocorria e fiquei encantado com a Quando negamos nossa presença, por estarmos
possibilidade de apresentar Wagno ao seu filho. comprometidos com o programa Mais Você, ela, claramente,
Depois de tudo acertado, recebi o rapaz, muito parecido chantageou Wagno emocionalmente, dizendo a ele que seria
com ele, de madrugada, no ponto de ônibus que trazia os pacientes demitida se não aparecêssemos no programa.
do interior para se consultar na Santa Casa em Belo Horizonte. Terminado o programa da Ana Maria, aguardávamos na
No caminho, fomos conversando e ele me dizia que estava sala de espera da Rede Globo e recebemos o tal telefonema.
ansioso para conhecer o pai. Wagno, solícito, viu uma chance de ajudar a produtora
No momento do encontro, a emoção conduziu a conversa, a se manter no trabalho dela – apesar de que, na verdade, essa
e as lágrimas adornaram o sorriso franco e sincero de ambos. história de desemprego era uma balela –, e me pediu que fôssemos
Eles estavam amplamente felizes. ao tal programa.
Alguns dias depois, o relacionamento já não era mais o Lá, fomos tratados com desprezo e a produção demonstrou
mesmo. total desconhecimento do caso. Mas ocorreu um fato que surgiu
Márcio esperava que o pai comprasse uma moto para ele, para evidenciar a gratidão de Wagno para comigo. A produtora,
com o prêmio ofertado por Luciano Huck. O que foi repelido por vingativa, quis vetar minha presença no programa, ao que ele
Wagno, pois este contava com esse dinheiro para lhe dar suporte, recusou, afirmando que somente entraria no ar se eu estivesse
até que estivesse novamente empregado. Wagno estava certo, junto.
pois, sua vida até hoje não se estabilizou. Saindo de lá, nos dirigimos ao Carandiru, com o pessoal
Não se conformando com a situação, Márcio foi embora, do Estadão.
de volta a Teófilo Otoni. À tarde, foi a vez de Claudete Troiano, e Wagno concedeu
Os vinte anos de distância mataram um sentimento que uma entrevista ao Datena.
cresce todo dia. Durante todo o tempo, demos entrevistas pelo celular,
Diferente do amor de mãe, incondicional e intenso desde para jornais e rádios de todo o Brasil.
a concepção, o amor de pai surge no nascimento e a cada dia Dias depois, fomos ao Ratinho e encerramos nossa
aumenta, em uma velocidade progressiva, até se tornar tão pleno participação no Luciano Huck.
e fervoroso quanto o amor materno. Nesse período, o Caso Wagno foi apresentado nos jornais
Eles não tiveram esta chance. locais, e fomos objeto de matéria na REDE TV News, Notícias
de Minas, Jornal da Alterosa, Primeira Página, Pra Valer, Band

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Minas, MGTV, Jornal Nacional, Bom Dia Minas, Jornal Hoje, 86. O Juízo dos formadores de opinião
Jornal 15 Minutos, Jornal Minas, Jornal Sete e Meia, Balanço
Geral, Informe MG e Jornal da Record. Vários formadores de opinião, em todo o País, se
manifestaram e declararam seus sentimentos e posicionamentos
em relação ao Caso Wagno, muitos de maneira tradicional,
semelhante e repetitiva.
Outros inovaram e arriscaram opiniões de vanguarda e,
dentre eles, destacamos os seguintes trechos:

“(...)

Pois bem, ele perdeu oito anos de sua vida, irrecuperáveis.


Não deixa de ser, numa figura de linguagem, um pequeno
assassinato, perdeu a vida por um lapso de tempo,
perdeu a convivência com sua filha dos três aos onze
anos, perdeu a mulher, a liberdade, e só foi inocentado
por obra do acaso.

Sua situação é análoga à dos anistiados políticos que


foram torturados, presos, injustiçados, e agora têm
recebido régias aposentadorias, coisa da ordem de 19
mil Reais por mês, além de indenizações que, em alguns
casos chegam, a mais de dois milhões de Reais.

(...)

Sim, porque é patente, claro como o sol que nenhum


destes anistiados políticos que receberam milhões sofreu
tanto feito este homem.

Uma coisa interessante se observa na fala de


Wagno: não se encontra nela um traço de rancor, há
uma espécie de mansuetude no seu comportamento, uma
humildade engrandecedora. Há mais alegria por estar
livre do que mágoa pelo que passou; ele, talvez, mais do
que ninguém tenha percebido o quão precioso é o tempo;
ele tem pressa de voltar a viver, de respirar, e viver não
combina com o ódio, mas com amor, leveza. Wagno
parece ser um espírito elevado que sabe muito mais do
que nós.”
Luiz Leitão – articulista, Brasil – dia 23 de fevereiro de
2006 – luizleitao@ebb.com.br

“Dando tratos à bola, na busca de uma forma de


interpretar o inconformismo do homem comum diante
das ocorrências desse gênero, cheguei a uma definição
que me parece precisa e irrevogável: o erro judiciário
equivale a crime hediondo.”

180 181
César Vanucci – Erro judiciário – jornal Diário do diz. ‘Acabar com erro jurídico é impossível. Mas é preciso
Comércio – 20 de abril de 2006 – cantonius@click21. lutar para diminuí-lo’.”
com.br. Luiz Flávio Borges D’Urso – advogado criminalista e
presidente da OAB/SP – jornal O Estado de São Paulo
EMOÇÕES À MOSTRA – 19 de fevereiro de 2006.

“Normalmente contido em suas reações pessoais, o


Governador Aécio Neves mostrou-se bastante emocionado “O erro foi do Ministério Público, que denunciou uma
com as imagens do segurança Wagno Lúcio da Silva, investigação que não era segura.”
que ficou preso por um crime que não cometeu, ao se Paulo Roberto Caixeta: Juiz de Direito – jornal Diário
reencontrar com o filho. E fez mais: disse que ele merecia da Tarde – 16 de fevereiro de 2006.
uma indenização por tudo que sofreu. O Governador
externou o que muita gente sente. O inusitado da
declaração é vir de um Governador – e que possivelmente
vai pagar a conta.”
Bianca Alves – APARTE – jornal O Tempo – 24 de
fevereiro de 2006.

CONTRASTES

“O Brasil continua mantendo sua posição entre os


10 países de maior destaque no quadro mundial
de desigualdades e contrastes sociais. Por exemplo:
enquanto o mineiro Wagno Lúcio da Silva passou
oito anos na cadeia por um crime que não cometeu, o
ex-presidente da Assembléia Legislativa do Espírito
Santo José Carlos Gratz, dito chefe do crime organizado
do estado, condenado a 15 anos, só passou um ano
na prisão, apesar de estar respondendo a seis outros
processos. (...)”
Helvécio Carlos e Mário Fontana – HIT – jornal Estado
de Minas – 20 de fevereiro de 2006.

“Na dúvida, o acusado deve ser absolvido: in dubio pro


reo. Essa é a regra jurídica. ‘Em primeiro lugar, tem de
se observar o dispositivo constitucional que estabelece
que ninguém pode ser julgado culpado sem a prova
definitiva’.
No caso de Wagno Lúcio da Silva, a principal testemunha
tinha 16 anos. ‘Além de ser um menor, era envolvido no
crime’.”
Thales Castelo Branco – advogado criminalista – jornal
O Estado de São Paulo – 19 de fevereiro de 2006.

“(...) é o Estado que deve provar que o indivíduo é culpado


com base na Constituição. ‘Provar a inocência é exceção’,

182 183
87. Ratinho 88. A fala do Governador

Dois dias depois, retornamos novamente São Paulo, a fim Em conversa com meus sócios a respeito do procedimento
de gravar o Programa do Ratinho. a ser adotado quanto ao pedido de indenização, foi aventada a
Diferente do clima emotivo e de alívio dos primeiros hipótese de se obter a justa reparação, de forma mais rápida e
programas, agora já imperava um clima de revolta contra o objetiva. Essa estratégia poderia reduzir em alguns milhares de
Estado. reais um ressarcimento coerente, mas, em contrapartida, haveria
As pessoas já conheciam a história, já haviam chorado por de restringir em milhares de dias a expectativa de recebimento
ele e com ele, e hoje o olhavam como uma vítima, vítima cruel de efetivo.
um sistema canibal, onde seres humanos “devoram” outros seres Diante dessa possibilidade, eu me preparei, no sentido
humanos, por sobrevivência, por segurança, por insegurança, de que, na primeira oportunidade em que participasse de um
para satisfazer o seu ego e o ego de uma sociedade que cada vez programa de televisão, eu apresentaria essa proposta.
se fecha mais dentro de si mesma. Esse programa foi o do Ratinho.
O Ratinho escancarou isso. Com seu jeito, maluco e sincero, seria uma ótima
Achou um absurdo a fala do Juiz de Congonhas, que oportunidade para cutucarmos o Governador Aécio Neves.
afirmou não ter drama de consciência ao condenar um inocente. Governador exemplar, um dos maiores líderes deste país,
Conclamou o magistrado a encarcerar por oito horas a modelo de homem do bem e ser humano destacado, eu tinha
sua própria mãe, para que ela sentisse aquilo que Waguinho certeza de que ele não deixaria impune essa história, bem como,
tinha sentido por mais de oito anos. qualquer um que tenha tomado ciência do ocorrido também assim
Revoltou-se com a palavra do Desembargador, que disse o faria. Em razão do estardalhaço gerado na mídia em torno do
ter sido feita a justiça, ainda que tardia. assunto, em nível nacional, poucas pessoas desconheciam o Caso
Questionou ao mesmo Desembargador se, caso a justiça Wagno.
tenha sido feita, onde estava a indenização por tudo o que Perguntado pelo Ratinho quais seriam os nossos próximos
acontecera com aquele inocente. passos, relatei o desenrolar da preparação do pedido indenizatório,
Entrando no assunto de indenização, exigiu do Governador pela via judicial, e afirmei que o Estado de Minas Gerais poderia
Aécio Neves um posicionamento justo e correto, antecipando-se se antecipar e fazer essa reparação extrajudicialmente.
ao judiciário e pagando a indenização para que Wagno tivesse Ele, imediatamente, conclamou o Governador a pagar
uma chance de prosseguir sua vida. a indenização, numa prova de que os Três Poderes Estaduais
Dessa forma, foi dado um grito de revolta, ouvido pela agiam e pensavam no mesmo sentido.
sociedade. A repercussão dessa fala foi imediata, demonstrando
Era necessário indenizar Wagno, uma vítima do Estado. que as pessoas não assumem que assistem ao Ratinho, mas, na
realidade, não perdem seus programas.
Entrevistado, na mesma tarde, por uma repórter do
Jornal da Alterosa, da TV de mesmo nome, afiliada do SBT,
rede do Ratinho, no estado de Minas Gerais, quando abordou
sobre a minha fala no programa, esta afirmou ter assistido aos
telejornais e que sentira muita pena do Wagno e sua família.
Continuando, ela reconhecia a responsabilidade que haveria de
ter para falar sobre o assunto, mas achava que, se o Estado errou,
deveria reparar a falha o mais rápido possível e de forma justa.

184 185
Diante dessa entrevista, a euforia tomou conta de todos. 89. O pedido ao Governador Aécio Neves
Como explicado nas linhas seguintes, fizemos todo o
processo criminal de forma humanitária, mas na fase do pedido A Sua Excelência o Senhor
de indenização, na área cível, caberia a contratação de honorários Governador Aécio Neves da Cunha
Governadoria do Estado – Palácio dos Despachos
advocatícios, na forma legal.
Praça José Mendes Júnior, s/nº
Como Wagno optou por dar continuidade ao um projeto Funcionários
diligente e vencedor, pela primeira vez senti a possibilidade de 30140-912 – Belo Horizonte – MG
ser remunerado por este trabalho.
Até então, imaginava um processo indenizatório longo,
mas vencedor, quando, ao final de várias décadas de espera, Assunto: EXERCÍCIO DE DIREITO DE PETIÇÃO,
recursos protelatórios e precatórios, minha filha iria receber CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDO EM
CLÁUSULA PÉTREA (CF/88, art. 5º, inciso XXIV, alínea
alguma coisa por isso.
“a”), POSTULANDO A INDENIZAÇÃO DO ESTADO
A esse caso eu doei esforços físico, mental, emocional e DE MINAS GERAIS, PELOS DANOS SOFRIDOS EM
financeiro, e conhecimento jurídico, mas por ter condições gerais VIRTUDE DE ERRO JUDICIÁRIO.
superiores à média do País, poderia aguardar essas delongas
sem enormes sacrifícios.
Mas o Wagno não teria essas condições. Senhor Governador,
Essa solução por parte do Governador era plausível e
viável, principalmente porque 2006 era ano de eleição, e a classe WAGNO LÚCIO DA SILVA, brasileiro, solteiro,
atualmente sem ocupação profissional definida (ex-
política age de acordo com interesses maiores.
presidiário), atualmente vivendo de favor, em endereços
Aconselhados por amigos em comum, enviamos um diversos, de parentes e amigos, por seus procuradores
pedido formal ao Governador Aécio Neves, requerendo o infra-assinados, (procuração em anexo, DOC. 01,
reconhecimento do erro pelo Estado, nos antecipando ao processo endereço constante no rodapé desta e das páginas que se
judicial. Requeremos, ainda, que fosse enviada uma lei ao Poder seguem), vem perante Vossa Excelência expor seu drama
Legislativo, em caráter de urgência, pedindo a autorização para individual, decorrente do erro judiciário de que foi vítima,
incluir na próxima previsão orçamentária o valor acordado a em boa hora reconhecido pelo Poder Judiciário do Estado
de Minas Gerais, para absolvê-lo de crime pelo qual foi
título de indenização.
injustamente condenado e encarcerado, devolvendo-
lhe finalmente a liberdade, para, ao final, valendo-se da
ilibada reputação moral de Vossa Excelência e da notória
eficiência, aliada à probidade, à humanidade, à ética e à
moralidade que sua administração vem conferindo aos
negócios públicos deste Estado de Minas Gerais, requerer
seu auxílio para que se complete a justiça, de forma que
possa receber a justa indenização pelos danos sofridos
em virtude de erro na atividade jurisdicional prestada
pelo Estado de Minas Gerais.

1 – DOS FATOS

1.1 – Do processo penal que condenou o requerente


pelo crime de latrocínio

186 187
O requerente foi processado nos autos da ação original, demonstrando-se a fragilidade do restante do
penal n° 180.01.001.2839 (659/98), que tramitou perante conjunto probatório, bem como foi possível ouvir duas
oJuízo criminal da Comarca de Congonhas, condenado novas testemunhas, que auxiliaram na demonstração da
a 23 (vinte e três) anos de reclusão e 28 (vinte e oito) dinâmica dos fatos, modificando toda versão dos fatos do
dias-multa, por infração à norma do art. 157, § 3° (última processo original.
parte), com a agravante do art. 63, ambos do Código Penal,
com acórdão que julgou a apelação criminal transitado Em vista disso, foi distribuída petição inicial,
em julgado em 12/04/1999, tendo permanecido, por este contendo novo pedido de Revisão Criminal, em 29 de
motivo, encarcerado durante oito anos, três meses. junho de 2005 (autos nº 1.000.05.423126-1/000).

1.2 – Do primeiro pedido de revisão criminal Aberta vista ao Ministério Público, no dia 3
de agosto de 2005, depois de 41 (quarenta e um) dias,
Inconformado com a condenação imposta, foi este opinou favoravelmente à procedência do pedido
apresentado um primeiro pedido de Revisão Criminal, formulado.
pelo Defensor Público que até então patrocinava a causa,
perante o antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Em 14 de fevereiro de 2006, como fartamente
que não foi conhecido pelo ora Desembargador Eli Lucas publicado pela imprensa, até mesmo em transmissões
de Mendonça, sob o fundamento de que se trataria de televisivas em cadeia nacional, a Revisão Criminal nº
reexame de provas já constantes nos autos e que se estaria 1.000.05.423126-1/000 foi julgada PROCEDENTE, POR
diante de ausência de justificação das provas novas. UNANIMIDADE (oito votos a zero), PELO 2º GRUPO
DE CÂMARAS CRIMINAIS DO EGRÉGIO TRIBUNAL
1.3 – Da revisão criminal julgada procedente DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, PARA ABSOLVER
O REQUERENTE, DETERMINANDO SUA IMEDIATA
O requerente e seus familiares, mesmo tendo sido LIBERTAÇÃO. O alvará de soltura foi expedido e cumprido
todos os recursos e meios de impugnação, até então, na mesma data, quando pôde, enfim, o requerente,
julgados improcedentes, não se abateram e continuaram recuperar sua liberdade, injustamente subtraída pelo ato
sua jornada de pedidos aos órgãos de defesa dos Direitos jurisdicional.
Humanos, principalmente, à Secretaria Nacional de
Direitos Humanos e ao Conselho Estadual da Justiça e 2 – DO INEQUÍVOCO DIREITO DO REQUERENTE
de Direitos Humanos. A SER INDENIZADO PELO ESTADO DE MINAS
GERAIS
Assim, somente após o surgimento do depoimento
de um recuperando, Joilson Henrique Dias, que disse A Constituição Federal de 1988, festejada pelo
quem seriam os verdadeiros autores do crime pelo qual Dr. Ulysses Guimarães como “a Constituição cidadã”,
fora o requerente condenado, foi apresentado pelos ora estabeleceu em cláusula pétrea, na norma de seu artigo
procuradores do requerente, atuando em exercício de 5º, nos seus diversos incisos, um rol de DIREITOS E
advocacia pro bono, face à questão humanitária a eles GARANTIAS INDIVIDUAIS FUNDAMENTAIS, dentre os
trazida pelo então titular da Secretaria Nacional de quais merece destaque o disposto no inciso LXXV, aqui
Direitos Humanos, um pedido judicial de Justificação, na transcrito:
comarca de origem, em 27 de setembro de 2004.
“O Estado indenizará o condenado por erro
No referido processo de Justificação, foi possível judiciário, assim como o que ficar preso além do
comprovar a falsidade da prova testemunhal que foi a base tempo fixado na sentença.”
para o julgamento da procedência do pedido da acusação.
Foram também reinquiridas as testemunhas do processo Ressalte-se, de plano, o alcance da expressão “erro

188 189
judiciário”, que traduz, em verdade, conforme a melhor expressa a incondicionalidade do dever do Estado
doutrina jurídica, o erro do sistema de persecução penal, de indenizar o erro judiciário. Dispõe o art. 5º,
pouco importando se houve falha na fase investigatória inciso LXXV, da Constituição: ‘o Estado indenizará
o condenado por erro judiciário, assim como o que
(policial e pré-processual), na fase probatória (judicial), ou
ficar preso além do tempo fixado na sentença’.
na fase decisória (também judicial, em todas as instâncias). Assim, no que tange às limitações contidas no
Ainda que o “erro judiciário” tenha sido produzido, não parágrafo 2º daquele dispositivo processual
porque o Juiz errou, mas por um conjunto de fatores: penal, a doutrina majoritária reconhece a sua
porque a polícia apurou mal o delito, o Ministério Público não recepção pela Constituição da República. O
e o Juiz descuraram de suas obrigações de descobrir a DIREITO À INDENIZAÇÃO É INCONDICIONAL
verdade real, ou por qualquer outro motivo. E, COMO DIREITO FUNDAMENTAL, NÃO
DEPENDE DE RECONHECIMENTO EXPRESSO
O certo é que o “erro judiciário” ocorrido no caso POR ESTE TRIBUNAL.”
do requerente, bem como seu direito à justa indenização,
por parte do Estado, pelos danos por ele suportados em Esclarece o requerente a Vossa Excelência que tem
virtude de tal erro, constituem hoje uma realidade de fato consciência de que poderia ter postulado judicialmente,
e de direito, conforme o próprio Poder Judiciário mineiro no bojo dos próprios autos da Revisão Criminal distribuída
já reconheceu, em 14 de fevereiro de 2006, por ocasião do emJuízo por seus atuais procuradores, a indenização
julgamento da Revisão Criminal nº 1.000.05.423126-1/000. a que faz jus. Porém, naquele crucial momento em
que se encontrava, encarcerado em Penitenciária do
Haja vista o eloqüente trecho do lúcido voto de Sua Estado, importava-lhe, sobremaneira, ver reconhecida
Excelência, o Desembargador Presidente do 2º Grupo de sua inocência, que houvera ele sempre proclamado,
Câmaras Criminais, do egrégio Tribunal de Justiça de e recuperar seu precioso e inalienável direito à
Minas Gerais, Desembargador Doutor Alexandre Victor LIBERDADE! Naquele aflitivo momento, questões outras
de Carvalho, proferido durante a Sessão de Julgamento cediam lugar e importância à imperiosa necessidade de
de 14/02/2006, em que julgada a Revisão Criminal nº se ver liberto do cárcere. Ademais, a cumulação do pedido
1.000.05.423126-1/000 (grifos do requerente): de indenização suscitaria, em termos jurídicos, diversas
discussões a respeito da legitimidade das partes, o que,
“Trata-se do reconhecimento do direito à aliado ao respeito ao contraditório, poderia obliterar o
indenização inserido no art. 630 do Código pedido de revisão e o direito fundamental à liberdade.
Processo Penal. Em 1941, previa a lei processual
penal a possibilidade de reconhecimento, pelo Sabe, outrossim, que pode pleiteá-la judicialmente,
Tribunal, desse direito a uma justa indenização
por força de outra garantia fundamental constitucional
pelos prejuízos sofridos quando cassada a decisão
condenatória. Condicionava tal reconhecimento
de que goza, decorrente do seu constitucional direito de
ao requerimento do interessado e mais, trazia em ação, a si garantido pela norma do inciso XXXV, do artigo
seu parágrafo segundo duas exceções, quais sejam, 5º, da Carta Magna.
a hipótese de acusação privada e de condenação
decorrente de culpa do condenado. Reconhecido o E mais uma vez empresta trecho do douto voto do
direito à indenização, haveria liquidação noJuízo eminente Desembargador Presidente da Sessão que o
cível, consoante determina o parágrafo primeiro. absolveu em sede de Revisão Criminal, Doutor Alexandre
A previsão da lei processual penal, com o advento Victor de Carvalho, para que disso não restem dúvidas
da Constituição da República de 1988, tornou- (grifa):
se vazia. Ao Estado caberá indenizar o erro
judiciário, reparando, em relação ao injustamente “Não havendo pedido neste sentido, como se disse,
condenado, os danos materiais e os danos morais. não cabe aqui a discussão. Como também não é
No rol dos direitos e garantias fundamentais está necessário reconhecer o direito à indenização,

190 191
posto que acolhido incondicionalmente como (status que possuía antes dos funestos fatos que o
direito fundamental. Constatada a injusta levaram a ser processado e injustamente encarcerado e
condenação, deve o Estado indenizar o condenado);
peticionário, conclusão esta que se coaduna com
o princípio da responsabilidade objetiva prevista
no art. 37, § 6º da CF. A DESCONSTITUIÇÃO DA
e) não possui rendimentos de qualquer espécie, que lhe
SENTENÇA CONDENATÓRIA, POR ESTE JUÍZO garantam a satisfação das mais comezinhas necessidades,
CRIMINAL, TORNA-SE TÍTULO EXECUTIVO tais como moradia, alimentação, vestuário e transporte;
JUDICIAL NA ESFERA CÍVEL, NA QUAL
CABERÁ A DISCUSSÃO EM TORNO DO VALOR f) seu círculo familiar e social compõe-se de pessoas de
DA INDENIZAÇÃO.” baixa renda que, por mais solidárias que se apresentem,
tampouco têm condições econômicas de prestar-
Recuperada a liberdade, assomam aflições outras, lhe socorro e auxílio, acaso perdure sua situação de
de ordem prática, relativas ainda a sua sobrevivência, penúria.
tais como se enumera:
Dá-se conta, hoje, portanto, da imperiosa
a) não tem ocupação profissional e poucas perspectivas necessidade e urgência de receber do Estado a indenização
vislumbra de conseguir emprego honesto e regular, na a que faz jus, outra maneira não vislumbrando, para
condição de ex-presidiário, não obstante a publicidade que possa refazer sua vida, malgrado as indeléveis e
de seu caso, conferida pela imprensa; inquantificáveis mazelas psicológicas que suportará pelo
resto de seus dias, decorrentes de tudo quanto passou
b) a entidade familiar nuclear de que fazia parte (junto nos mais de oito anos de privação da sua liberdade,
com a então companheira e a filha menor do casal, hoje imposta pelo exercício do poder de imperium do Estado
com onze anos de idade) de há muito se desfez, vez que que, indevida e injustamente, o condenou às agruras do
não conseguiu a então companheira permanecer nesta encarceramento no notória e, infelizmente, cruel sistema
condição, diante do negro horizonte de vinte e três anos prisional brasileiro.
de encarceramento do requerente, conforme condenação
então transitada em julgado, e perdeu o convívio com Atenta, entretanto, para outro de seus direitos
a filha, por força de seu encarceramento em localidade constitucionais fundamentais: o direito de petição,
diversa da residência dela e da dificuldade de ordem consoante a alínea “a”, do inciso XXIV, do art. 5º, da
econômica de a mãe garantir o contato entre pai e filha, Constituição da República (grifa e destaca):
por meio de visitas;
“são a todos assegurados, independentemente do
c) não tem moradia própria, vez que a casa que possuía e pagamento de taxas:
na qual residia com sua entidade familiar, por ocasião de a) o DIREITO DE PETIÇÃO AOS PODERES
PÚBLICOS EM DEFESA DE DIREITOS ou contra
sua prisão, encontra-se abandonada, reduzida a ruínas,
ilegalidade ou abuso de poder;”
com mato crescido inclusive no interior da habitação,
estando parte do imóvel até mesmo invadido por outrem
(o que foi objeto de uma das inúmeras reportagens levadas Sobre o direito de petição, são lições de Eduardo
ao ar pela imprensa televisiva); Couture:
“Quando o homem sente-se vítima de uma
d) sujeita-se hoje à condição de não ter domicílio e/ou injustiça, de algo que ele considera contrário à
residência definidos, por não possuir ocupação profissional sua condição de sujeito de direitos, não lhe resta
regular e por sujeitar-se à condição imperativa de se outra saída senão recorrer à autoridade. Privado
hospedar, desde que recuperou a liberdade, com parentes como se acha do poder de fazer justiça com as
e amigos, sem que tenha condições de fixar residência próprias mãos, fica-lhe, em substituição, o poder

192 193
jurídico de solicitar a colaboração dos poderes apenas, à manifestação do Poder Judiciário, a apuração
constituídos do Estado.” 1 do quantum debeatur;
d) seria desumano, além de imoral, submeter-se um
“Essa autoridade pode ser, na estrutura
cidadão, nas condições absolutamente peculiares do
rudimentar dos poderes do Estado, até o século
VIII, tanto o poder executivo, como o legislativo e o
requerente (não se tem notícias, na jurisprudência pátria
judiciário, visto que o rei concentra em sua pessoa após a vigência da CF/88, de caso e situação meramente
todos os poderes do Estado e é, normalmente, a similares aos do requerente), a mais infindáveis prazos
ele que se dirige a petição. A partir do século VIII processuais (mormente em jogo os privilégios processuais
e, especialmente, quando a divisão de poderes legais da Fazenda Pública), no bojo de uma ação civil
se incrustou, como postulado essencial, nas (mesmo que diretamente aJuizada ação executória,
diferentes constituições do século XIX, o direito considerando o acórdão que julgou procedente a
de petição pôde ser exercido em relação a todos os Revisão Criminal título executivo perante a jurisdição
poderes do Estado.” 2 civil) para que, após o quase inatingível provimento
jurisdicional cível, transitado em julgado, tenha que
Firme neste preceito constitucional fundamental aguardar o requerente (certamente, a tais alturas, não
é que se dirige o requerente a Vossa Excelência nesta mais ele, mas seus herdeiros) a inominável FILA DOS
oportunidade, sabedor de que: PRECATÓRIOS!...

a) não constitui sua atitude, de dirigir-se diretamente a 3 – DOS PEDIDOS


Vossa Excelência, pela via administrativa, requerendo
o ressarcimento a que tem direito, qualquer ofensa ao Ante o exposto, e considerando que é Vossa
princípio da legalidade; pelo contrário, não só exerce seu Excelência, reconhecidamente, homem de elevados
direito de petição, como também abre oportunidade para preceitos humanísticos, que notoriamente pauta-
que o Estado de Minas Gerais, pioneira e exemplarmente, se, no exercício das mais diversas funções públicas,
assuma suas obrigações constitucionalmente cominadas pelo respeito à Constituição, à estrita legalidade e
à administração pública, em especial, a obediência aos à incondicional sujeição ao Estado Democrático de
princípios da EFICIÊNCIA e da MORALIDADE; Direito, confiante na sensibilidade e no senso de justiça
e de dever de homem público que caracterizam Vossa
b) a efetivação de seu direito à justa indenização pelos Excelência, que certamente lhe permitirão reconhecer,
danos materiais e morais a que faz jus, pela via judicial, de pronto, a justeza dos pedidos do requerente (como,
noJuízo cível, pela morosidade que conhece de perto, aliás, em recente entrevista à imprensa televisiva, Vossa
provavelmente não será por si desfrutada, senão por seus Excelência o fez), requer o peticionário o reconhecimento
herdeiros e sucessores; da obrigação indenizatória do Estado de Minas Gerais,
pelos danos decorrentes do erro judiciário, e o imediato
c) é possível, cabível e legal que se viabilize o direito pagamento ao requerente da justa indenização a que
à justa indenização na via administrativa, bastando, faz jus, cujos valores deixa o peticionário a cargo da
para tanto, que se chegue consensualmente entre o Administração Pública avaliar, na medida dos danos
requerente credor e o ente estatal devedor, ao quantum acima demonstrados.
indenizatório, vez que o direito do requerente, embora
certo e determinado, é hoje ainda ilíquido, vez que falta 4 – DOS REQUERIMENTOS

1
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do Direito Processual Civil. Traduzido por Dr.
Requer, ainda, como forma de viabilizar a medida
Rubens Gomes de Sousa. São Paulo: Saraiva, 1946. p.41 administrativamente postulada:
2
COUTURE, Eduardo J. Introdução ao Estudo de Processo Civil. Traduzido por Mozart 4.1 – seja-lhe deferida, em caráter excepcional,
Víctor Russomanon. Rio de Janeiro: José Korfino, 1951. p.31 audiência especial com Vossa Excelência, abrindo-

194 195
lhe oportunidade para que possa esclarecer melhor, 90. O silêncio do Governador
presencialmente, acompanhado de seus advogados,
alguma dúvida que ainda persista, quanto à justeza de Para decepção de todos, especialmente de Waguinho, o
suas razões; Governador Aécio Neves se omitiu em relação a sua promessa
e compromisso unilateral firmado espontaneamente perante
4.2 – seja instaurado procedimento administrativo,
com a participação do ora peticionário e seus advogados, inúmeros órgãos da imprensa durante entrevistas, em um ano
com direito ao contraditório, através do qual se possa eleitoral, colocando em dúvida sua verdadeira intenção em
estabelecer consensualmente o quantum debeatur. relação a esse fato.
Em uma conversa informal ele explicou que o Estado vai
4.3 – alternativamente, seja encaminhado por pagar, desde que seja condenado pela Justiça.
Vossa Excelência, projeto de Lei à egrégia Assembléia Para mim, ele “jogou” para a imprensa, como excelente
Legislativa do Estado de Minas Gerais, para que possa
político que é, atuando em ano de eleições majoritárias.
ser votada Lei que conceda ao peticionário a justa
indenização postulada. O candidato Nilmário Miranda foi criticado por usar
imagens do Caso Wagno, mas o Governador também se aproveitou
Nestes termos, manifestando irrestrita confiança desse fato político, entretanto, diferentemente do candidato do
na justiça da decisão de Vossa Excelência, peticiona PT, não fez nada para ajudar, usufruindo os bônus sem arcar
WAGNO LÚCIO DA SILVA, através de seus advogados com os ônus.
infra-assinados. A partir desses fatos, só nos restou iniciar uma luta que
não tem previsão para terminar.
Belo Horizonte, 6 de março de 2006.

196 197
91. O pedido indenizatório Em 12 de abril de 1999, transitou em julgado o
acórdão que condenou o autor a uma pena de 23 (vinte
EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL e três) anos de reclusão, em regime integralmente
DA COMARCA DE CONGONHAS DO CAMPO/MG fechado, mais 28 (vinte e oito) dias-multa (DOC. 02), por
latrocínio.
AUTOR : WAGNO LÚCIO DA SILVA
RÉU : ESTADO DE MINAS GERAIS Inconformado com a condenação imposta, o autor
OBJETO : INDENIZAÇÃO PELOS DANOS apresentou um primeiro pedido de Revisão Criminal,
SOFRIDOS EM VIRTUDE DE ERRO JUDICIÁRIO perante o antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais,
AUTOS N°: que foi indeferido, sob o fundamento de que se tratava de
reexame de provas já constantes nos autos e de que havia
WAGNO LÚCIO DA SILVA, brasileiro, solteiro, ausência de justificação das provas novas.
atualmente sem ocupação profissional definida (ex-
presidiário), portador da CI n° M-5.146.157 e inscrito no Após muitos insucessos jurídicos, o autor e sua
CPF sob o n° 610.365.606-00, domiciliado em Congonhas família continuaram em busca de auxílio jurídico para
do Campo/MG e residente na Rua da Chacrinha, nº 732, provar a inocência de Wagno, tendo solicitado ajuda
Bairro da Praia, em Congonhas do Campo/MG, CEP 36415- em diversos órgãos de proteção aos Direitos Humanos,
000, por seus procuradores infra-assinados, (procuração chegando até a Secretaria Nacional de Direitos Humanos,
em anexo, DOC. 01), vem perante esse doutoJuízo, dirigida pelo então Ministro, Nilmário Miranda. Nesta
apresentar Secretaria, o autor obteve auxílio institucional (DOC. 03)
e assistência judiciária para uma nova Revisão Criminal,
PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS a qual foi precedida de um processo de Justificação
E MATERIAIS, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE (DOC. 04), distribuído na comarca de Congonhas, no qual
TUTELA, foram reinquiridas as testemunhas do processo inicial,
bem como o co-autor da conduta delituosa, Welington
em face do ESTADO DE MINAS GERAIS, pessoa jurídica Azevedo de Paulo, à época do crime, menor de idade. O
de Direito Público, na pessoa de seu Advogado Geral, co-autor, ao ser reinquirido, retratou-se, comprovando a
Dr. José Bonifácio Borges de Andrada, com endereço inocência do autor.
para citação na Praça da Liberdade, S/Nº, 1º Andar,
Bairro Funcionários, Belo Horizonte/MG, Cep 30140-912, Desta segunda revisão criminal, que foi distribuída
Telefone (31) 3250 0700, Fax (31) 3250 0742, pelos motivos por dependência para o Relator Desembargador Eli Lucas
de fato e razões de direito que passa a expor. de Mendonça, obteve-se a justiça almejada e o autor foi
absolvido por unanimidade.
1 – DOS FATOS
No que tange ao erro judiciário configurado no
1.1 – DO PROCESSO CRIMINAL QUE CONDENOU referido processo, é possível observar, por meio do
WAGNO LÚCIO DA SILVA E DAS REVISÕES CRIMINAIS acórdão do julgamento (DOC. 05), a existência de erro,
não só por parte do Poder Judiciário, mas também
Na data de 25 de outubro de 1997, foi cerceada a pelo Poder Executivo, no que diz respeito ao inquérito,
liberdade do autor, em virtude de prisão em flagrante como se dessume das palavras proferidas pelos ilustres
ocorrida na comarca de Congonhas. Logo em seguida, Desembargadores:
este foi denunciado pelo crime de latrocínio, acusado
por ter desferido golpes na vítima Rodolfo Cardoso Lobo Des. Ediwal José de Morais:
e subtraído um toca-fitas do veículo da vítima, em co- “O caso de Wagno é tido como erro judiciário,
autoria com o menor Wellington Azevedo de Paulo. quando quem menos errou foi o Judiciário. O

198 199
Poder Judiciário agiu com aquilo que tinha fevereiro de 2006, no processo de Revisão Criminal nº
no processo. O inquérito, que foi base para a 1.000.05.423.126-1/000. A decisão proferida nos referidos
denúncia e para a instrução criminal, foi feito autos foi unânime, por parte dos Desembargadores que
pelo Poder Executivo. A Defensoria Pública e a
participaram daquela sessão de julgamento: absolvição
Perícia Técnica, citados em recente entrevista, são
órgãos do Poder Executivo”. (Fls. 142).
do autor pelo crime de latrocínio.

Des. Alexandre Victor de Carvalho: 1.2 – DOS 8 ANOS, 3 MESES E 17 DIAS DE
“Este caso é dos mais lamentáveis que já pude RECLUSÃO DO AUTOR
presenciar no Poder Judiciário e nos leva também
a uma outra reflexão que é a valoração que o O autor foi preso em flagrante, no dia 25 de outubro
Poder Judiciário está dando à delação de co-réus, de 1997, e assim permaneceu até o dia 14 de fevereiro
em especial co-réus menores”. (...). (Fls. 143) de 2006, quando o Tribunal de Justiça determinou a
“Portanto, adiro ao voto do em. Relator, Des. Eli imediata liberação do autor, no dia do julgamento da
Lucas de Mendonça, com estas considerações que Revisão Criminal.
fiz com relação ao direito de Wagno Lúcio da Silva
ser indenizado por esse erro judiciário, que é erro
judiciário, malgrado valorado subjetivamente
Condenado equivocadamente a uma pena de 23
com a prova que existia nos autos, mas é, porque (vinte e três) anos de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-
foi uma condenação injusta, uma condenação de multa, o autor foi privado de sua garantia fundamental
um inocente. de liberdade (caput do art. 5º, CR/88), indevidamente, por
Resta-nos lamentar o que aconteceu e tentar, para mais de oito anos.
a frente, com este exemplo, pelo menos no meu
caso, tomar muito cuidado com a valoração da Durante o período do encarceramento, Wagno
palavra do co-réu delator, principalmente co-réu permaneceu 4 (quatro) anos na Cadeia de Congonhas,
menor, e não examinar, com indícios, a questão até ser transferido para a Penitenciária de Segurança
de prova negativa, que acho que é uma questão Máxima de Contagem, onde permaneceu até ser solto.
delicadíssima, no Processo Penal. (...).
No último momento, na última Instância, a
verdade real veio à tona, mas num tempo que
Nesse árduo período, o autor foi torturado,
deixou marcas indeléveis e profundas na vida de espancado, sofreu tentativa de homicídio, atentou contra
Wagno, com certeza. (Fls. 147 – grifos do autor). sua própria vida, por três vezes, em razão do desespero e da
impotência, por não conseguir provar sua inocência, além
Não obstante a discussão da existência de uma de ter sido submetido às precárias condições sanitárias
seqüência de erros iniciados no inquérito policial e que do sistema prisional brasileiro, como se demonstrará em
se perpetraram por todo o processo penal, inclusive em seguida.
virtude da ausência do depoimento da única testemunha
que era o álibi do autor, fica evidente a ocorrência de erro Desde o início de sua prisão, Wagno foi submetido
judiciário, que foi reconhecido no acórdão prolatado em a diversos sofrimentos físicos, tendo perdido todos os
sede de Revisão Criminal. Assim como, também restaram dentes incisivos centrais, laterais e caninos superiores,
evidentes as marcas que os 8 (oito) anos, 3 (três) meses e em razão do tratamento violento dado pelos policiais e
17 (dezessete) dias de prisão do autor trouxeram para ele outros agentes durante o período de investigação, como
e para toda a sua família. se verifica no laudo do dentista que, gratuitamente,
prestou-lhe assistência odontológica (laudo odontológico
Wagno Lucio da Silva foi libertado por decisão – DOC. 06), bem como em seu relato em um programa de
do Segundo Grupo de Câmaras Criminais Reunidas, do televisão, no dia 16 de fevereiro de 2006, trechos mais
egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em 14 de eloqüentes abaixo transcritos:

200 201
Wagno: E eu levei uma pancada na boca, onde Wagno: Apanhei! Apanhei! Apanhei mesmo!
que os dentes entrou pra dentro. Então uma Ratinho: E apanha mesmo. Bate na sola do pé
senhora da (...) até da pastoral tentou me ajudar, para não aparecer, neh?!
me levando ao dentista todas as quartas-feiras. Wagno: É! É! Nossas polícias... Tem polícias
Eu tenho muito o que agradecer a essa senhora. boas, mas tem polícias que estão um pouco, você
Porque ela me levava pra tentar reconstituir, mas entendeu, neh?!
só que passados uns tempos eu fui transferido, Transcrição do relato feito no “Programa
igual (...) eu fui transferido, aí deu problemas nas do Ratinho”, da emissora de televisão SBT,
raízes, onde que infeccionou e teve que tirar eles. apresentado pela Sr. Carlos Massa, o “Ratinho”,
Wagno: Então, hoje, eu sinto assim vergonha de no dia 21 de fevereiro de 2006, conforme cópia em
estar rindo. Eu sinto vergonha de aparecer. DVD anexa.
Wagno: Eu vou falar pra senhora a verdade.
Quando eu vi eu, assim na televisão, eu pensei:
“poxa, eu sou tão feio”; eu pensei, sabe?!
A violência policial foi sentida tanto pelo autor
Transcrição do relato feito no Programa “Mais quando por sua companheira, à época dos fatos, Cleonice
Você”, da emissora de televisão Rede Globo, Pereira do Nascimento, como relatado por ela no processo
apresentado pela Sra. Ana Maria Braga, conforme de justificação:
cópia em DVD anexa.
“que quando indagou dos policiais o que havia
Ademais, no período da investigação ocorrido apenas deles recebeu a informação de que
do fato, na comarca de Congonhas, o Waguinho havia matado; que mesmo surpresa, pois
autor foi submetido a tortura, como Waguinho seria incapaz de matar uma galinha,
foi por ele relatado em diversos quis saber quem, porém não lhe foi informado;
que chegou a ver Waguinho ser agredido por
programas televisivos, realizados após
Ruy Cirillo; (...) que Waguinho chegou a ser preso
sua libertação, dos quais se destaca o e quatro dias depois foi solto, todavia, logo após
seguinte: a sua soltura a polícia voltou a investir na sua
captura, usando inclusive de violência, que foi
Wagno: Jamais eu vou assinar essa folha, porque humilhada e até mesmo agredida pelos policiais
eu jamais cometi um crime. quando tentava impedir a continuidade de tiros;
Wagno: Aí eles falaram assim: “Você não vai que Waguinho sempre jurou inocência (Fls. 89, 90,
assinar? Não vai?”. do Processo de Justificação)
Wagno: Eu falei: “Não! Eu não vou não”.
Wagno: Aí eles me levaram pra uma sala de
tortura.
No período em que esteve encarcerado, o autor
Wagno: É tortura mesmo! É tortura mesmo! sofreu constantes ameaças de morte, principalmente
Ratinho: É aquela que põe o cara dependurado... dos verdadeiros autores do latrocínio. Estas agressões
Wagno: Dependurado! podem ser demonstradas com a comprovação de um
Ratinho: Joga água na cabeça do cara, choque... incidente ocorrido ainda na Cadeia de Congonhas, no
Wagno: Nosso Senhor Jesus! qual Joilson Henrique Dias fora testemunha da apreensão
Ratinho: Nas partes íntimas, e o cara confessa de “chuchos”, durante o banho de sol, na posse de Jorge
tudo que a polícia quer. Carlos da Silva e Osmar Rodrigues de Godoi. Ouvida
Wagno: Passei por maus momentos, mas eu tomei perante oJuízo, a testemunha relata o constante estado
uma decisão que eu morreria, mas que eu não de ameaça no qual vivia o autor, que cumpria pena junto
confessaria não.
com seus algozes. Nos autos do processo 0079.03.091.333-3,
Ratinho: E não confessou?!
Wagno: Não confessei não! Não confessei não!
cuja cópia foi juntada ao processo de Revisão, consta o
Wagno: Eu apanhei, aproximadamente, eu seguinte relato:
apanhei das 3h30min, que é as 15h30 min da tarde,
até às quase 04h00min da manhã no domingo. “(...) os réus encontravam-se armados de “chuchos”

202 203
haja vista que o Osmar já tinha ‘’uma rixa com falar não.
Waguinho (Wagno)’ (...)” Wagno: É. Aí, com aquilo eu comecei a pensar um
“(...) que os réus andavam armados com “chuchos” pouquinho, mas depois eu falei: “Nada, a solução
para intimidar e ameaçar o Waguinho, que antes é morrer mesmo!”; aí fui pra tentar a segunda
do Osmar ir para a Cadeia ele tinha uma rixa tentativa e, acabou que aquilo não deu certo “de
com o Waguinho sendo que até mandou matar novo”.
um taxista de nome Rodolfo para incriminar o Wagno: Na terceira, na terceira que eu ia tentar;
Waguinho. Esclarece que sabe deste fato por ter era, eu lembro como se fosse hoje, era uma, era de
sido convidado por Osmar para matar o Rodolfo e madrugada, 01h00min da madrugada, eu falei
incriminar o Waguinho”. aqui assim: “Essa não vai ter escapa!”; é sabe eu,
(...) “Que o dia do banho de sol onde foram essa eu vou (...); aí, veio na minha mente assim:
apreendidos “chuchos” na Cadeia Pública de “Ninguém melhor que você para assistir à sua
Congonhas foi uma terça-feira”. (Fls. 09, do vitória.”; é veio na minha mente assim: “Para ver
Processo de Justificação). essa verdade aparecer.”. Aí, eu sentei e falei: “É
verdade!”; aí eu sentei assim, na cama e, fiquei
O autor vivia em tal estado de penúria e desespero olhando, aí “dalhi” a pouco eu (...) eu vi a Bíblia
na Cadeia de Congonhas, que pensou diversas vezes em que é a (...) a ex-mulher tinha levado a Bíblia. Aí eu
vi a Bíblia assim, aí eu peguei abri (...) fui abrir ela
cometer suicídio, como relata em entrevista a programa
e começar a ler assim, mas não dava nada certo,
de televisão, no dia 16 de fevereiro de 2006: mas do meu lado tinha um ex-vereador que na
época me deu muita força, sabe?; me deu mesmo,
Wagno: Aí (...) é igual eu vou falar pra senhora. aquela força, falando comigo que eu deveria (...)
Wagno: No início, quando eu recebi a notícia do que aquilo foi o Senhor que tinha um plano pra
(...) ele mandou eu assinar, eu falei que não iria mim, que eu deveria ler a Bíblia.
assinar, neh. Que eu jamais assinaria. Aí a partir Wagno: Aí, ele me mostrou a primeira palavra
daquele momento eu fechei todas as celas, coloquei da Bíblia nesse dia, que eu jamais vou esquecer,
a cortina, fechei todas as celas e fui tentar o Mateus 10-26, “Nada ficará encoberto perante os
suicídio, a partir daquele momento. olhos do Senhor e um dia vai vir a ser descoberto”.
Wagno: Aí eu fiz aquela tentativa, não deu certo. Tá escrito lá. Aí eu fui (...) li. Aí, eu comecei a
Porém, eu fiquei marcado, o pescoço marcado pela dedicar à palavra. Aí eu comecei a ler, dedicar à
tentativa e, não quis nem abrir mais a cela pra palavra e depois eu fui pra penitenciária; chego
atender o “faxina”, na época. Ele é até falecido lá aí tinha os cultos. É. Aí e pouco ia, mas ia
hoje, neh. Que ele ganhou liberdade e tudo. Aí eu aumentando aquela fé.
fui atender ele, não (...); pra atender ele, na hora Wagno: Aí “dalhi” a pouco o Senhor Deus começou
do almoço, eu falei: “Não. Pode colocar no chão, a tocar assim no meu coração, começou a vir
depois eu pego”.; Porque tem os dias em (...) uns aquela voz positiva: “Você vai conseguir! Você vai
dias sem comida. Porém, é naquela tentativa conseguir!”; quando foi um dia eu ajoelhei no chão
que eu fiz não deu certo. Sabe? A corda deu e falei: “Senhor eu vou conseguir porque o Senhor
arrebentada. tá falando comigo que eu vou conseguir. Então eu
Wagno: É... Aí, eu imaginei que, hoje, eu creio que vou conseguir em nome do Senhor Jesus. Peço ao
foi a mão de Deus, porque depois eu dependurei Senhor, em nome do Senhor Jesus, Senhor meu
na corda, fiz de tudo e a corda não rebentava. Aí, Deus, peço em nome do Senhor Jesus, ajoelhado,
eu pego, fui, falei: “Não! Vou tentar a segunda!”; eu acredito. Nomeia as pessoas certas. Coloca
aí ficou na mente, aquilo, pra tentar a segunda. essas pessoas na minha vida”.
Aí, quando eu fui tentar a segunda, eu comecei a Transcrição do relato feito no Programa “Mais
(...), aí eu sentei, eu chorei, porque eu chorava, eu Você”, da emissora de Televisão Rede Globo,
esperneava, porque eu amava a minha família. apresentado pela Sra. Ana Maria Braga, conforme
Eu não queria nunca ser (...) sabe?! Eu chorava
cópia em DVD anexa.
mesmo. Chorava mesmo, não tenho vergonha de

204 205
Em dezembro de 2001, o autor foi transferido para à de um funcionário público requisitado. O relato abaixo,
a Penitenciária de Segurança Máxima de Contagem, no jornal “O TEMPO”, do dia 20/02/06, demonstra que o
onde ficou pelo restante do período de prisão, tendo se autor trabalhou enquanto esteve encarcerado:
afastado do convívio com a família.
Com os R$ 700 que tem para receber dos dias
Nesse iter, a entidade familiar nuclear de que fazia trabalhados na prisão, Wagno quer comprar “cama,
parte (junto com a então companheira e a filha menor fogão e umas vasilhas” para morar com Teresinha longe
do casal, hoje com onze anos de idade) foi desfeita, vez de Congonhas, de onde diz estar “receado, com medo” e
que não conseguiu a companheira permanecer na longa más recordações.
espera de vinte e três anos de encarceramento do autor, Transcrição de reportagem veiculada no jornal “O
conforme condenação então transitada em julgado. Além Tempo”, no dia 20 de fevereiro de 2006, cuja cópia se
disso, perdeu o convívio com a filha, por força de seu encontra anexa.
encarceramento em localidade diversa da residência dela
e da dificuldade, de ordem econômica, de a mãe garantir Tal fato também se comprova pela matéria veiculada
o contato entre pai e filha, por meio de visitas. pela Folha de São Paulo, no dia 15/02/2006. Nas palavras
do jornalista Paulo Peixoto:
O sofrimento pela perda do convívio com seus
familiares foi veiculado nos mais diversos meios de (...) uma repórter da rádio Itatiaia foi ao presídio
comunicação, dentre os quais o jornal eletrônico e localizou Silva no trabalho de capina. “O pior de
“Estadão” (www.estadao.com.br). Nas palavras do tudo é a angústia de ter que aguardar todo dia a
jornalista Eduardo Kattah: verdade aparecer”, disse ele.
Transcrição de reportagem veiculada no site
(www.1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/
“Nesta quarta, Wagno participou de um culto
numa igreja evangélica e depois se emocionou ao ult95u118359.shtml), conforme cópia anexa.
reencontrar a filha e voltar à casa onde morava até
ser preso. Chorou ao abraçar a adolescente Thaís Neste período, o autor recebia, esporadicamente, a
Fernanda do Nascimento, 11 anos, que não via há visita de seus pais e tios, que eram as únicas pessoas que
quase quatro anos. ‘Eu fui preso quando minha ainda lutavam para provar sua inocência e percorriam
filha tinha três anos de idade. Não acompanhei os órgãos de defesa humanitários em busca de apoio e
o crescimento dela. A última vez que eu a vi, ela assistência jurídica.
tinha sete anos. Tá uma moçona grandona’.”
Depois de condenado, o ex-segurança foi Em Congonhas, o patrimônio que o autor adquiriu,
abandonado pela mulher, Cleonice Pereira do
notadamente, a casa e os seus pertences, encontravam-se
Nascimento, de quem, garante, não guarda mágoa.
“Não posso culpá-la, não. Ela era nova, na época
abandonados. Tais bens foram destruídos, subtraídos ou
ela tinha 23 anos e eu tinha 33. Foi influência depredados por vândalos, como se verifica nas imagens
de colegas falando como é que ela ia esperar 20 de sua residência, apresentadas em programa televisivo
anos...”, disse, resignado. da Rede Globo de Televisão, nomeado Jornal Nacional,
após sua libertação, cuja cópia em DVD encontra-se em
Transcrição de reportagem veiculada no site (http:// anexo.
www.estadao.com.br/ultimas/cidades/noticias/2006/
fev/15/304.htm), conforme cópia em anexo. O autor e sua família, durante o período em
que Wagno foi considerado criminoso, sofreram forte
No período em que esteve preso na Penitenciária discriminação na Comarca de Congonhas, sendo que
de Segurança Máxima de Contagem, o autor trabalhou até mesmo após a decisão do Tribunal de Justiça, que
em atividades braçais de capina, atividade esta análoga julgou procedente o pedido de Revisão Criminal, pessoas

206 207
da família da vítima ainda o culpam pelo latrocínio e sabia fazer igual eu trabalhava de segurança.
dirigem-se a ele como assassino. Discriminação que Eu sei que essa função eu nem gostaria mais de
Wagno suportou durante os mais de 8 (oito) anos em que exercer.
Brito: Então nesse momento você é um homem em
viveu recluso e que suporta até hoje.
busca de emprego?
Wagno: É. Porque profissão mesmo era (...) eu
1.3– DA VIDA DO AUTOR ANTERIORMENTE tinha uma pedreira, neh. Rancava umas pedras
AO SEU RECOLHIMENTO AO CÁRCERE, EM VIRTUDE de construção pra vender. Ganhava até uns
DO PROC. N° 180.01.001.283-9 (659/98) trocadinhos bom, cerca de 5 (cinco) ou 6 (seis)
salários, sabe?!
Antes de ser condenado equivocadamente por Wagno: Ganhava bem, graças a Deus, mas agora
um crime bárbaro, o autor era um cidadão comum, eu não tenho (...) não sei dos meus planos, do dia
que vivia com a família em sua casa própria e que de amanhã (...) eu ainda não to...
trabalhava arduamente para dar o melhor conforto para Brito: Wagno, muito obrigado pela sua
a sua companheira, à época dos fatos, Cleonice Pereira entrevista...
Transcrição do relato feito no programa “Hoje em
Nascimento, e sua filha, Thais.
Dia”, da TV Record, apresentado pelo Sr. Brito
Junior, juntamente com a Sra. Ana Hickman, da
O autor exercia duas atividades remuneradas, emissora de televisão Rede Record, conforme cópia
quais sejam, explorava uma pedreira, como se dela dono em DVD anexa.
fosse, e trabalhava como segurança do Clube Social, na
cidade de Congonhas/MG, aos finais de semana. Auferia O autor era respeitado na comunidade em que vivia,
o autor à época, com a exploração da pedreira, fato conhecido por sua excessiva carga horária trabalhada e
que se tornou público e notório, o valor compreendido seu apego aos hábitos familiares e aos bons costumes de
entre quatro a cinco salários mínimos, além de receber uma família tradicional mineira. Era um homem bom, até
um salário mínimo, referente à função de segurança, ser preso, torturado e lesionado permanentemente, com
auferindo, ao todo, entre cinco e seis salários mínimos a quebra e conseqüente perda de seus dentes frontais
mensais. Com tal remuneração, o autor provia o sustento superiores e bom permaneceu, mesmo tendo convivido
de sua família, dando conforto e tranqüilidade à sua por longos oito anos entre bandidos e marginais.
antiga companheira e a sua filha.
1.4 – DA VIDA DO AUTOR, APÓS TER SIDO
Sua condição de vida, antes de ser preso, foi relatada LIBERTADO, EM 14 DE FEVEREIRO DE 2006
pelo autor em programa televisivo, no dia 16 de fevereiro
de 2006, como se observa na degravação abaixo: Recuperada a liberdade, em virtude de decisão do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, proferida em sede de
Brito: Parabéns pela sua postura e, para fechar a
Revisão Criminal, em 14 de fevereiro de 2006, assomaram
entrevista eu quero que você me diga como vai ser
a vida daqui pra frente.
para o autor outras aflições de ordem prática, relativas
Brito: Você já tem emprego? Eu via que a sua casa à sua sobrevivência e retomada do status quo ante, após
lá, a casa em que você morava foi destruída não é mais de oito anos de reclusão.
verdade?! Ficou em ruínas.
Brito: Como é que vai ser a vida daqui pra frente? Viu-se o autor de todo desamparado pelo Estado,
Wagno: E não muito (...); eu sei como é que vai ser. sem documentos, como carteira de identidade ou
Deus é que sabe, eu nem sei como que vai ser. carteira de trabalho, tendo mesmo, nos primeiros dias
Brito: Você já tem um emprego? de liberdade, que andar portando cópia de seu alvará de
Wagno: Não! Não tenho não! soltura.
Brito: O que você sabe fazer?
Wagno: O que que eu sei fazer; na época o que eu

208 209
Passou a contar, inicialmente, com o auxílio de seus Wagno: Então, hoje, eu sinto assim vergonha de
familiares residentes em Congonhas. Ocorre, no entanto, estar rindo. Eu sinto vergonha de aparecer.
que os familiares do autor são pessoas de baixa renda, Wagno: Eu vou falar pra senhora a verdade.
Quando eu vi eu, assim na televisão, eu pensei:
que não possuem condições econômicas de prestar um
“poxa, eu sou tão feio”; eu pensei, sabe?!
verdadeiro auxílio financeiro e material a ele. Ana Maria: Vamos fazer uma coisa?! Vamos fazer
um negócio?!
Nem mesmo residência condigna possui o autor, Ana Maria: Eu acho que sonhos você deve ter
já que a casa, único bem que possuía antes de ser preso, muitos, neh?! E todos realizáveis.
encontra-se destruída. O autor sonha, diariamente, com Ana Maria: Então nós vamos começar com esse
a sua reconstrução, sem, contudo, possuir condições primeiro aí. A gente, nós aqui do “Mais Você”,
financeiras para concretizar seu sonho. reconstituiremos aí a sua boca. Da próxima vez
que você voltar aqui você vai estar podendo sorrir
Em virtude da comoção causada pelo caso do bonito e mostrando todos os dentes. Tá bom?
autor, em razão da exposição dada pela mídia em nível Wagno: Sim senhora.
Ana Maria: Esse você já leva daqui.
nacional, diversas entidades e até mesmo o Excelentíssimo
Ana Maria: Eu tenho certeza que não, enfim, isso
Governador do Estado de Minas Gerais, comprometeram- não é nada diante do que eu acho que você vai
se a ampará-lo. No caso específico do Governador Aécio buscar e vai conseguir aí na sua vida, mas um
Neves, este reconheceu em entrevista, no dia 23 de sorriso você já vai poder dar e tem todos os motivos
fevereiro de 2006, o direito de indenização a ser paga pra isso agora neh?!
pelo Estado de Minas Gerais ao autor, em decorrência do Transcrição do relato feito no Programa “Mais
referido erro judiciário. Você”, da emissora de televisão Rede Globo,
apresentado pela Sra. Ana Maria Braga, no dia
Aécio: Eu acho que é um caso extremamente 16 de fevereiro de 2006, conforme cópia em DVD
grave. Me sensibilizou quando eu vi ele saindo da anexa.
cadeia.
Aécio: O seu pai de chapéu. b) O prêmio recebido em programa televisivo
Aécio: Uma família extremamente simples o denominado “Caldeirão do Huck”, da Rede Globo de
recebendo. Televisão, que é a única fonte para a manutenção
Aécio: Olha o que eu vou falar, eu tenho de ter muita e sobrevivência do autor – não tendo conseguido a
responsabilidade, porque não depende apenas
reinserção no mercado de trabalho, com nenhuma
de mim, mas eu acho que de alguma forma essa
família e esse cidadão têm que ser ressarcidos.
atividade produtiva que possa garantir seu sustento,
Aécio: Se o Estado errou o Estado deve de alguma conforme noticiado pelo apresentador do programa, na
forma compensá-lo. degravação que se segue:
Transcrição da declaração feita à imprensa,
veiculada no Programa “Primeira Página”, da Luciano: Justiça seja feita! Oito anos preso
emissora de televisão TV Alterosa, conforme cópia injustamente por um crime que não cometeu. Vida
em DVD anexa. difícil, além de ser ex-presidiário, ex-presidiário
injustamente preso.
Luciano: Tá sem emprego. Veio aqui e levou.
Contudo, conta o autor apenas com ajudas Faltavam duas bolas, ele precisava fazer dois mil
humanitárias – sendo as mais relevantes: pontos, na nona bola fez quatrocentos, levou.
Luciano: Irmão, os dez contos são teus. Que ajude
a) O tratamento dentário para implante de seus você a reconstruir a sua vida. Ajudar a sua
dentes, fato este que auxilia na reparação do dano família.
estético, oferecido por um dentista de Belo Horizonte, Luciano: E eu queria deixar o microfone do
após um programa de televisão. In verbis: “Caldeirão” aberto pra você mandar recado pra

210 211
quem você quiser, Wagno. autor, devendo este, portanto, ser indenizado.
Transcrição do relato feito no Programa “Caldeirão
do Huck”, da emissora de televisão Rede Globo, Ronaldo Brêtas3 , em livro específico sobre o tema
no dia 18 de março de 2006, apresentado pelo Sr.
(Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional),
Luciano Huck, conforme cópia em DVD anexa.
afirma que a ocorrência de erro judiciário vem demonstrar
o “mau funcionamento do serviço público jurisdicional,
A retomada da vida de que o autor gozava, antes evidenciando menosprezo do órgão jurisdicional ao
de ver tolhida sua liberdade, tem sido impedida pela princípio da eficiência do serviço público, o que suscita a
discriminação que é impingida àqueles que possuíram obrigação indenizatória do Estado”.
uma vida carcerária. Mesmo inocentado, seu tratamento
é o de um ex-presidiário. Nesse sentido, a certidão positiva O erro judiciário ocorrido demonstra o mais grave
em anexo comprova que o autor não consegue nem atentado à violação da dignidade humana. O Poder
mesmo uma certidão negativa de antecedentes criminais, Judiciário possui, como função precípua, a guarda dos
requisito para efetivação de um emprego na Comarca de direitos fundamentais do homem. Um erro deste timbre
Congonhas (DOC. 07), bem como a imensa dificuldade em viola este dever do Estado, e acentua a ineficiência
obter qualquer tipo de trabalho remunerado e registrado deste.
em Carteira de Trabalho.
No caso do autor, o erro judiciário ocorrido,
2 – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO bem como seu direito à justa indenização por parte do
PEDIDO Estado pelos danos por ele suportados em virtude de
tal erro, constituem hoje uma realidade de fato e de
2.1 – DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO direito, conforme o próprio Poder Judiciário mineiro já
ESTADO E SEU DEVER DE INDENIZAR reconheceu, em 14 de fevereiro de 2006, por ocasião do
julgamento da Revisão Criminal nº 1.000.05.423126-1/000.
A Constituição Federal de 1988, festejada pelo
Dr. Ulysses Guimarães como “a Constituição cidadã”, Portanto, evidenciado está o nexo de causalidade
estabeleceu em cláusula pétrea, na norma de seu artigo entre os fatos narrados, no caso, o erro judiciário, e os
5º, nos seus diversos incisos, um rol de DIREITOS E danos sofridos pelo administrado, ora autor, a seguir
GARANTIAS INDIVIDUAIS FUNDAMENTAIS, dentre os demonstrados, o que enseja a responsabilização objetiva
quais merece destaque o disposto no inciso LXXV, aqui do Estado, cujo reconhecimento é imperioso, conforme
transcrito: entendimento doutrinário e jurisprudencial, a seguir
“O Estado indenizará o condenado por erro
transcritos:
judiciário, assim como o que ficar preso além do
ERRO JUDICIÁRIO. SENTENÇA
tempo fixado na sentença.”
CONDENATÓRIA PENAL, DESCONSTITUÍDA
EM AÇÃO DE REVISÃO CRIMINAL. EFEITOS DO
Ressalte-se, de plano, o alcance da expressão erro DECISIUM CONSTITUTIVO FIRME, NO ÂMBITO
judiciário, que traduz, em verdade, na área criminal, DO PROCESSO PENAL. PRISÃO INDEVIDA,
conforme a melhor doutrina jurídica, o erro do sistema NASCENTE EM ERROS JUDICIÁRIOS. DEVER DO
de persecução penal, pouco importando se houve falha ESTADO DE INDENIZAR OS DANOS, DE ORDEM
na fase investigatória (policial e pré-processual), na MATERIAL E MORAL, INDEPENDENTEMENTE,
fase probatória (judicial), ou na fase decisória (também DE APURAÇÃO DE CULPA, OU DOLO, PELOS
judicial, em todas as instâncias). O que importa é que
houve erro por parte da Administração Pública Estadual
e tal erro trouxe inúmeras conseqüências para a vida do
3
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicio-
nal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

212 213
ATOS DE SEUS AGENTES (ART. 5º, INCS. XX PROCESSUAL PENAL. RECURSO
E LXXV C/C ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO ESPECIAL. REVISÃO CRIMINAL. ERRO
DA REPÚBLICA). QUANTUM APURADO, COM JUDICIÁRIO. DIREITO À JUSTA INDENIZAÇÃO
PONTUALIDADE; OBSERVADO O CRITÉRIO DA PELOS PREJuízoS SOFRIDOS.
EQÜIDADE. MANTIDA A VERBA HONORÁRIA. É devida indenização uma vez demonstrado
RECURSOS VOLUNTÁRIOS E REMESSA erro judiciário ex vi art. 5º, inciso LXXV, da
NECESSÁRIA IMPROVIDOS”, (TJ/SP, AP. Nº Constituição Federal e art. 630 do CPP. in casu,
037.029.5/6-00, VOTO Nº 6.588, PRESIDENTE restaram devidamente comprovados os prejuízos
VENCESLAU, 7ª CAM. REL. DES. SÉRGIO sofridos pelo recorrente, razão pela qual não há
PITOMBO, J. 13-9-1999, V.U, BOLETIM IBCCRIM óbice a uma justa indenização. Recurso provido.
Nº 85, P. 403) (RESP 253674/SP, REL. MINISTRO FELIX
FISCHER, QUINTA TURMA, JULGADO EM
EMENTA: DANO MORAL - ERRO 04.03.2004, DJ 14.06.2004 P. 264).
JUDICIÁRIO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. A teor da consagrada responsabilidade Por todo o exposto, é inegável a ocorrência de erro
objetiva, impõe-se ao Estado a obrigação de judiciário e, portanto, configurado está o dever do Estado
indenizar o cidadão por dano moral decorrente de
de reparar os danos sofridos pelo autor. Dever este que,
erro judiciário. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 000.142.674-
1/00 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - Relator:
além de reconhecido pelo representante do Estado e por
EXMO. SR. DES. ALUÍZIO QUINTÃO - QUINTA seu Tribunal, está consubstanciado na Carta Magna,
CÂMARA CÍVEL - j. 25 de novembro de 1999- v.u). como cláusula pétrea.

Comprovada e reconhecida a ofensa ao direito de 2.2 – DOS DANOS MATERIAIS


liberdade do autor, bem como a todos os outros direitos
dele decorrentes, haja vista as privações e os sofrimentos, Diante da narrativa dos fatos acima, fica
por um período que se estendeu por mais de oito anos, demonstrada a necessidade imperiosa de ressarcir, ou
não apenas do autor, mas de toda a sua família, em pelo menos de tentar minimizar, todas as perdas sofridas
virtude da atuação do Estado, faz ele jus ao recebimento pelo autor durante o período em que este esteve preso,
de indenização proporcional ao dano ocasionado, posto bem como agora, vez que porta consigo o estigma de ex-
que é dever do Estado promovê-la. Nesse sentido é a presidiário, mesmo tendo sido absolvido.
jurisprudência:
Os danos materiais sofridos pelo autor
“REVISÃO. ERRO JUDICIÁRIO. PETICIONÁRIO (considerados, nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves4
CONDENADO POR CRIME QUE NÃO PRATICOU. como lesões ao patrimônio, sendo patrimônio o conjunto
ABSOLVIÇÃO DECRETADA. DIREITO A JUSTA das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em
INDENIZAÇÃO POR PREJuízoS SOFRIDOS. (...) dinheiro), são devidos pelo Estado, haja vista o período
Comprovado que o peticionário foi condenado por em que deixou o autor de prover o sustento de sua
crime que não praticou, imperioso que seja sanado família, vez que era trabalhador e possuía casa própria,
o erro judiciário, de rigor o decreto absolutório, hoje praticamente destruída, às ruínas.
restabelecendo-se todos os direitos perdidos em
virtude da condenação, reconhecendo-se, ainda,
nos termos do art.5º, LXXV (1ª parte), da CF, c/c
Nesse sentido, preceitua o art. 927, do Código Civil
art. 630 do CPP, o direito a uma justa indenização de 2002:
pelos prejuízos sofridos em decorrência do
decreto condenatório e da submissão, indevida, Art.927 – “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186
ao cárcere.”(TACRSP, RT 739/609 E RJDTACRIM e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a
33/465-6) repará-lo”.

214 215
AGUIAR DIAS5 , ao tratar da matéria, ensina melhores possibilidades de renda, graças a sua juventude
que “o dano se estabelece mediante o confronto entre de então e sua motivação decorrente de ter uma filha
o patrimônio que realmente existe após o dano e o pequena para sustentar.
que possivelmente existiria, se o dano não tivesse sido
produzido: o dano é expresso pela diferença negativa Como forma de se conceder a mais ampla
encontrada nessa operação”. indenizabilidade ao caso, faz-se necessário analisar a
perda da possibilidade de crescimento profissional do
Quando se fala em dano patrimonial, insta tratar autor, bem como o que deixou de ganhar, acaso houvesse
oportunamente de duas de suas vertentes, quais sejam, mantido o status quo ante, no período em que esteve
os danos emergentes e os lucros cessantes, sendo o preso.
primeiro aquele efetivamente experimentado pelo autor
e o segundo, o que ele razoavelmente deixou de ganhar, Conforme já mencionado, o autor era pessoa
em virtude do ato ilícito. trabalhadora, que exercia dois ofícios, deixando de
promover uma melhor condição para sua família, ao ser
No caso dos danos emergentes, a simples verificação privado de sua liberdade.
da diminuição patrimonial do autor é suficiente para
conceder a indenização. E tal diminuição patrimonial se Portanto, no tocante aos lucros cessantes, deve-se
verifica, no caso em tela, através da perda do único bem considerar a previsibilidade de ganho que o autor deixou
de família que possuía: sua casa, hoje abandonada e em de auferir, ou como aduz o artigo 402, do Código Civil
ruínas. vigente, o que efetivamente perdeu e o que razoavelmente
deixou de lucrar.
Destaca-se que o fato de o autor ter trabalhado
durante o período em que esteve na Penitenciária de 2.3 – DO DANO MORAL
Segurança Máxima de Contagem com o intuito de remir a
pena a que foi injustamente condenado também configura A inocência do autor, demonstrada posteriormente,
dano emergente. no segundo processo de revisão criminal, revela um
sacrifício individual, injusto e grave, a exigir compensação
Tendo em vista que os dias trabalhados pelo autor pecuniária. Nesse sentido, a melhor doutrina preleciona:
não serviram para a remição da sua pena, visto que
no julgamento da segunda revisão criminal o autor foi “Aquele que injustamente foi condenado e recolhido
absolvido, o trabalho prestado por este configura uma ao cárcere, além de perder sua liberdade, direito
prestação de serviço deste para o Estado, e esta prestação fundamental do ser humano, perde também o bom
não obteve uma contraprestação, ou seja, não houve conceito que ostentava no meio social.”
(DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho.
remuneração pelo trabalho prestado pelo autor.
Responsabilidade do Estado pela Função
Jurisdicional. p. 190).
Assim, o autor deve ser indenizado, também, pelo
trabalho prestado e não remunerado pelo Estado. Afinal,
O trecho acima resume a idéia de ocorrência de
além da condenação injusta, o autor não pode arcar com o
dano moral, quando ocorre um erro judiciário. Erro este,
prejuízo de ter exercido atividades laborais para o Estado
de extrema gravidade, que privou o autor de seu convívio
sem ser devidamente remunerado por este trabalho.
familiar e social por mais de oito anos.
No que se refere aos lucros cessantes, é ver-se que
O dano moral lesa, em primeiro plano, um dos
Wagno foi privado de seu trabalho por oito anos e três
fundamentos do Estado Democrático de Direito, prescrito
meses, sendo razoável se supor tivesse ele, inclusive,
no art. 1º, inciso III, qual seja, a dignidade da pessoa
neste período, crescido profissionalmente, ou adquirido

216 217
humana. Assim sendo, tal lesão se mostra de extrema Wagno: Então, hoje, eu sinto assim vergonha de
gravidade. estar rindo. Eu sinto vergonha de aparecer.
Wagno: Eu vou falar pra senhora a verdade.
O Ordenamento Jurídico brasileiro consagra Quando eu vi eu, assim na televisão, eu pensei:
“poxa, eu sou tão feio”; eu pensei, sabe?!
a teoria do risco administrativo, no que tange à
Transcrição do relato feito no Programa “Mais
responsabilidade do Estado. Tal teoria afirma que a Você” da emissora de televisão Rede Globo,
responsabilidade do Estado por condutas comissivas apresentado pela Sra. Ana Maria Braga, conforme
de seus agentes, dentre eles, o próprio Juiz de direito, é cópia em DVD anexa.
objetiva, ou seja, independe de comprovação de culpa.
(art. 37, §6º, da CR/88). A honra objetiva, por sua vez, é o conceito de
que o indivíduo goza na sociedade. Neste caso, a honra
Deste modo, segundo essa teoria, para surgir a objetiva do autor foi dilacerada, não só pela condição
obrigação de indenizar do Estado, basta a existência de que ostentou por mais de oito anos, ou seja, a condição
nexo causal entre a ação estatal e o dano verificado. de CRIMINOSO, mas também pelo conceito de EX-
PRESIDIÁRIO, altamente desabonador, que ainda hoje
É uníssona a jurisprudência neste sentido: ostenta o autor.
DANO MORAL - ERRO JUDICIÁRIO - Aliás, em decorrência do próprio status de ex-
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. A teor
presidiário, o autor não consegue, atualmente, emprego
da consagrada responsabilidade objetiva, impõe-
se ao Estado a obrigação de indenizar o cidadão
na Comarca de Congonhas.
por dano moral decorrente de erro judiciário.
(Processo nº 1.0000.00.142674-1/000(1). Relator: Comprovada a existência de dano moral, na
Aluízio Quintão. TJMG). modalidade genérica, passa-se à análise da ocorrência
deste, de modo específico.
Assim, inescusável a obrigação do Estado de
indenizar o autor, no caso em tela, visto que a ação do 2.3.1 – DO DANO MORAL, NA CONDIÇÃO DE SER
Estado, que configurou erro judiciário, causou inúmeros HUMANO
danos àquele.
No caso específico do dano moral, há que se O autor, em virtude do erro judiciário cometido
comprovar que o dano sofrido pelo autor atingiu sua esfera pelo Estado de Minas Gerais, foi obrigado a viver por um
pessoal, direitos que estão relacionados com a sua própria período superior a oito anos na condição mais degradante
honra, ou seja, um dano de origem extrapatrimonial. que um ser humano pode experimentar, qual seja, o
cárcere.
Indubitável, mais uma vez, a ocorrência de tais
danos, visto que houve violação, tanto da honra subjetiva É notório que, no Brasil, tanto nas prisões,
do autor, quanto da honra objetiva. quanto nas penitenciárias, as condições de vida são
subumanas, devido à superlotação e à própria falta de
A honra subjetiva consiste no julgamento que o incentivos governamentais para o aprimoramento destes
indivíduo faz de si próprio, é a sua auto-imagem. No caso estabelecimentos. O preso é tido pela sociedade como
em tela, é patente a violação ocorrida, como se comprova menos que um animal e tratado como tal pelos agentes
na entrevista dada pelo autor em um programa televisivo, penitenciários.
em que este relata como se sentia após ter perdido os
dentes, em virtude de maus-tratos sofridos no longo Um erro judiciário, que obriga um ser humano
período que ficou na penitenciária. In verbis: inocente a ter que experimentar todo este sofrimento

218 219
causado pelo cárcere, e que viola um dos seus direitos de vê-la crescendo.”
mais essenciais, qual seja, a liberdade, gera para o Estado Jornal “O Tempo” – Belo Horizonte, 15 de fevereiro
a obrigação de indenizar o autor, no tocante aos danos de 2006.
morais por ele sofridos, na condição de ser humano.
A despeito de toda a situação degradante do A família (considerada base da sociedade
cárcere, o autor ainda sofreu maus-tratos e tortura, vindo brasileira) do autor, não recebeu a proteção especial que
a perder diversos dentes (Laudo odontológico – DOC. 06), o Estado deveria lhe proporcionar (art. 226, CR/88). Aliás,
em razão da violência que foi perpetrada contra ele, que foi o próprio Estado que impediu a convivência familiar
tinha como intuito a obtenção da confissão da autoria de do autor com seus filhos.
um crime que ele não havia cometido.
A dor de um pai que é privado do convívio dos seus
A dor e o sofrimento do autor, em virtude do filhos, da oportunidade de transmitir-lhes ensinamentos e
encarceramento indevido, são evidentes, e, portanto, valores, de vê-los crescer, enfim, de todo o relacionamento
inquestionável a existência de danos morais, no que diz que, em regra, existe entre pais e filhos, é uma das maiores
respeito ao ser humano Wagno dores que um ser humano pode experimentar.
Lúcio da Silva.
Destaca-se, ainda, a dor a que foi submetido o autor,
2.3.2 – DO DANO MORAL, NA CONDIÇÃO DE PAI sabendo que seus filhos, além de terem sido privados do
contato físico com o pai, cresceram ouvindo dos colegas
O autor foi afastado do convívio diário com seus de sala, dos vizinhos, da sociedade em geral, que o pai era
filhos, em razão da esdrúxula condenação a que foi um criminoso.
submetido. Referido afastamento é um dano de caráter
inestimável. 2.3.3 – DO DANO MORAL, NA CONDIÇÃO DE
FILHO
Assim que foi libertado, o autor foi reencontrar
sua filha Thaís Fernanda Nascimento Silva, atualmente O autor, além de ter sido privado do convívio com
com 11 (onze) anos, que não via o pai desde que foi seus filhos, também foi privado do convívio com seus
encarcerado. Ou seja, o autor foi privado do convívio de pais, e este fato é, assim como os outros, hábil a gerar a
sua filha, tendo-lhe sido negada a oportunidade de dar- indenização por danos morais.
lhe apoio e sustento, por mais de oito anos.
Wagno sempre foi conhecido em Congonhas como
O autor declarou que um dos seus maiores desejos uma pessoa boa, que trabalhava muito para sustentar
era abraçar a filha. A saudade era tanta, que todas as sua família e que sempre deu orgulho a seus pais. Preso
vezes que ele via uma menininha de 3 anos na televisão, por uma injustiça que perdurou por mais de oito anos, o
lembrava de sua filha. autor foi afastado do convívio com seus pais.

O trecho abaixo, retirado de uma entrevista que o Embora tenham sempre acreditado na inocência
autor deu a um jornal, retrata bem o seu sofrimento: de seu filho, não tendo nunca desistido de procurar
ajuda para conseguir livrar o filho do pesadelo que ele
“Sei que ela tem 11 anos hoje. Mas quando a vi estava vivendo, inegável o sofrimento do autor, sabedor
pela última vez, tinha 3. Então, sempre que via da dor experimentada por seus pais, ocasionada pelo
uma menininha de 3 anos na TV lembrava dela. sofrimento de ver um filho preso injustamente e mais, a
Hoje vou poder beijá-la, abraçá-la, ver como ela dor insuportável de saber que o filho está sendo torturado
está com 11 anos. De tudo que perdi, a dor que dói na prisão, na iminência constante de ser morto, visto que
mais em meu coração é não poder ter tido o direito seu próprio companheiro de cela confessou que lhe foi

220 221
dada uma ordem pelos verdadeiros autores do crime que família fosse exposta a toda a cidade como a família de
foi imputado ao autor, para matá-lo. um assassino, a mulher do matador, a filha do marginal.
Benedito Eugênio da Silva, pai do autor, expressou
todo o seu sentimento pela situação, em entrevista dada Em virtude da condenação, o autor ficou mais
para um jornal: de oito anos afastado da sua unidade familiar e, em
conseqüência disso, perdeu a condição de chefe de sua
“Sempre acreditei na inocência do meu filho própria família, bem como a companheira, que, por não
e também na justiça de Deus, que não falha.” mais suportar a ausência de um homem em sua casa para
Emocionado, ele lembrou dos momentos difíceis protegê-la, bem como para ajudar na criação de sua filha,
que a família passou, mas disse que agora vai casou-se novamente, como veiculado em relato a um
viver a vida para frente. “Muita gente virou o rosto
programa de televisão, no dia 16 de fevereiro de 2006, que
para a gente lá em Congonhas, mas isso é passado.
Quero ficar com meu filho e ver que ele vai retomar
se segue:
sua vida com honestidade, como sempre foi.”
Claudete Troiano: Mas você perdeu a sua esposa!
Entrevista veiculada pelo jornal “Diário da
Ela desistiu de você (...) quer dizer (...) casou com
Tarde”, no dia 15 de fevereiro de 2006.
outra pessoa, tem três filhos com essa pessoa.
Transcrição do relato feito no Programa
O autor sentia uma dor inestimável, por saber que “Pra Valer”, da emissora de televisão Rede
seus pais estavam passando por todo este sofrimento Bandeirantes, apresentado pela Sra. Claudete
desnecessário, como relata em uma entrevista, ao comentar Troiano, conforme cópia em DVD anexa.
das visitas que recebia de seus pais na penitenciária:
“muita humilhação para meus pais, velhinhos”. (jornal Pelo exposto, fica patente o nexo causal entre a ação
“O Estado de São Paulo”, dia 19 de fevereiro de 2006.) do Estado, materializada na condenação indevida, além
do dano, claramente configurado. Destarte, imperiosa se
Sabe-se que, na sociedade mineira, conhecida pela faz a justa indenização pelos danos suportados pelo chefe
tradição, os filhos sonham em ser motivo de orgulho para de família, Wagno Lúcio da Silva, em conseqüência dos
seus pais, sonham em poder retribuir aos pais, de alguma efeitos da sentença que injustamente o condenou.
forma, o muito que lhes foi concedido durante toda a vida.
No caso do autor, os sonhos de Thaís foram desfeitos, em 2.3.5 – DO DANO MORAL, NA CONDIÇÃO DE
virtude de um erro judiciário. CIDADÃO

2.3.4 – DO DANO MORAL, NA CONDIÇÃO DE Além de todos estes danos suportados pelo autor,
CHEFE DE FAMÍLIA este ainda foi privado do status de cidadão, em virtude do
erro judiciário que o condenou a um período extenso de
O autor, ao ser retirado do convívio da família, encarceramento.
deixou-a desamparada.
De acordo com Francisco Bruno Neto, cidadão é
Wagno, desde menino, foi criado em uma cidade “toda pessoa natural, no exercício de seus direitos, sejam
interiorana, na qual ainda se vislumbram traços das civis ou políticos, num Estado”. 4
sociedades patriarcais; no seio de uma família humilde,
na qual o pai, como chefe da família, provia o seu sustento. Nota-se, claramente, que o autor foi privado do gozo
O autor cresceu e interiorizou os valores de um chefe de de seus direitos políticos e civis, sendo assim, impedido
família, ao qual cabe a responsabilidade da mantença da de desempenhar seus deveres para com o Estado.
entidade familiar, bem como de protegê-la e de guiá-la.
Assim, a imposição do cárcere ao autor fez com que sua 4
NETO, Francisco Bruno. 1ª Cartilha Acadêmica de Direito Constitucional. 2. ed. São
Paulo: Editora de Direito, 1999.

222 223
Um inocente foi privado de exercer seu direito por dano moral é a moderação. A quantia não
político de votar e de ser votado, em virtude de uma deve ser ínfima a ponto de não representar uma
injustiça cometida pelo Estado de Minas Gerais. Não há punição ao agente, nem mesmo exagerada de
modo a possibilitar o enriquecimento da vítima.
como apurar, quantitativamente, quanto vale a privação
Cumula-se o ressarcimento do dano estético com
do exercício dos direitos políticos, estes previstos no o dano moral quando, em relação a este, ocorrer
art. 14, da CR/88. No entanto, é notório, que tal privação a deformidade física que, expondo a vítima a
configurou dano para o autor. constrangimentos, venha a causar-lhe também a
perda da auto-estima, experimentando prejuízos
Vislumbra-se, portanto, que o erro judiciário que em conviver ou suportar a lesão estética. (Autos
impediu o autor de exercer seu direito de sufrágio, gera o nº 2.0000.00.374553-9/002(1). Relator: D. Viçoso
dever de indenização a ele, por parte do Estado de Minas Rodrigues. TJMG). (Grifo do autor).
Gerais.
Assim, indubitavelmente, o autor deve ser
Ocorre, no entanto, que o conceito de cidadão indenizado por danos estéticos, já que se tornou fato
engloba não só o exercício de direitos políticos, como público e notório que perdeu vários dentes em razão das
também, o exercício de direitos civis, sendo que o autor sessões de tortura a que foi submetido, como comprova o
também foi privado do exercício destes últimos. laudo odontológico juntado aos autos (DOC. 06).

Impedir o exercício de direitos que são assegurados O dano estético caracteriza-se pela dor que o autor
na ordem constitucional, em virtude de um erro cometido sente em virtude de aspectos estéticos, aspectos estes que
pelo Estado significa violar um dos fundamentos do estão diretamente relacionados com a auto-estima.
Estado Democrático de Direito, insculpido no art. 1º,
inciso II, da CR/88, qual seja, a cidadania. Por esta razão, O autor, em uma entrevista dada a um programa
o cidadão Wagno Lúcio da Silva deve ser indenizado. televisivo (entrevista já transcrita anteriormente), afirma
que, quando se viu na televisão, se achou muito feio; que
2.3.6 – DO DANO ESTÉTICO tem vergonha de sorrir, de aparecer.

Além de todo sofrimento e dor que o autor foi A dor que este indivíduo sente é indescritível. A
obrigado a suportar em razão do injusto, indevido e ilegal auto-estima é uma das características mais importantes
encarceramento a que foi condenado, que ocasionaram do ser humano, e ser privado desta, em decorrência de atos
todas as espécies de dano moral acima narradas, foi ainda de violência que, em última instância, foram perpetrados
submetido a sessões de tortura, que lhe causaram danos pelo próprio Estado, é inaceitável.
estéticos.
Assim, devida se faz a indenização por danos
Considerado pela maioria da doutrina e da estéticos ao autor.
jurisprudência como espécie do dano moral, o dano
estético é causa suficiente a gerar o direito à indenização, 2.3.7 – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FIXAÇÃO
podendo ser cumulado com aquele primeiro. DO VALOR DO DANO MORAL

Nesse sentido, a jurisprudência do egrégio Tribunal Por fim, algumas considerações a respeito da
de Justiça do Estado de Minas Gerais: fixação do valor do dano moral merecem ser observadas.
INDENIZAÇÃO - DANO MORAL -
QUANTUM - FIXAÇÃO - CRITÉRIOS - DANO Assente na doutrina e na jurisprudência que, na
ESTÉTICO - CUMULAÇÃO POSSIBILIDADE. O fixação do dano moral, deve-se observar os pressupostos
critério que deve nortear a fixação da indenização consistentes na intensidade e na duração da dor sofrida;

224 225
na gravidade do fato causador do dano; na condição social penal a possibilidade de reconhecimento, pelo
do lesado; no grau de culpa dos responsáveis pelo dano e Tribunal, desse direito a uma justa indenização
sua situação econômica, representando, para o lesante, pelos prejuízos sofridos quando cassada a decisão
condenatória. Condicionava tal reconhecimento
punição proporcional ao dano causado, desestimulando
ao requerimento do interessado e mais, trazia em
a recidiva. seu parágrafo segundo duas exceções, quais sejam,
a hipótese de acusação privada e de condenação
O fato causador do dano é de extrema gravidade, decorrente de culpa do condenado. Reconhecido
visto que, por um erro judiciário, o autor foi obrigado a o direito à indenização, haveria liquidação
ficar encarcerado em uma penitenciária por mais de oito noJuízo cível, consoante determina o parágrafo
anos, suportando os mais diversos tipos de humilhações primeiro.”
e torturas. “A previsão da lei processual penal, com o advento
da Constituição da República de 1988, tornou-
Com relação à intensidade e à duração da dor se vazia. Ao Estado caberá indenizar o erro
sofrida, não há o que se discutir. O próprio autor afirma judiciário, reparando, em relação ao injustamente
condenado, os danos materiais e os danos morais.
que chegou a tentar tirar sua própria vida, em decorrência
No rol dos direitos e garantias fundamentais está
de sua condição de inocente encarcerado, impotente para expressa a incondicionalidade do dever do Estado
provar sua inocência e libertar-se de seus algozes. Foram de indenizar o erro judiciário. Dispõe o art. 5º,
mais de oito anos de intenso sofrimento, sendo que tal inciso LXXV, da Constituição: ‘o Estado indenizará
sofrimento ainda perdura nos dias atuais, visto que as o condenado por erro judiciário, assim como o que
seqüelas do referido erro judiciário permanecem. ficar preso além do tempo fixado na sentença.’
Assim, no que tange às limitações contidas no
Não há que se cogitar o grau de culpa do parágrafo 2º daquele dispositivo processual
responsável pelo dano (Estado de Minas Gerais), visto penal, a doutrina majoritária reconhece a sua
que a responsabilidade deste é objetiva, nos termos do não recepção pela Constituição da República. O
art. 37, § 6º, da CR/88. DIREITO À INDENIZAÇÃO É INCONDICIONAL
E, COMO DIREITO FUNDAMENTAL, NÃO
DEPENDE DE
Sendo assim, diante de tudo o que vivenciou o RECONHECIMENTO EXPRESSO POR ESTE
autor, faz este jus a uma reparação pelos danos morais TRIBUNAL.”
sofridos, danos esses decorrentes dos fatos narrados, e
que perduram até o presente momento. Em consonância com voto do ilustre Desembargador,
desnecessário seria o aJuizamento de qualquer ação para
2.4 – DA SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA, EM pleitear o reconhecimento do direito à justa indenização,
SEDE DE REVISÃO CRIMINAL por quem é vítima de um erro judiciário.
Haja vista o eloqüente trecho do lúcido voto de Sua A CR/88, em seu art. 5º, inciso LXXV, assevera que o
Excelência, o Desembargador Presidente do 2º Grupo de Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim
Câmaras Criminais, do egrégio Tribunal de Justiça de como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.
Minas Gerais, Desembargador Doutor Alexandre Victor Destarte, comprovado o erro, devida é a prestação
de Carvalho, proferido durante a Sessão de Julgamento indenizatória do Estado. Não obstante tal entendimento,
de 14/02/2006, em que julgada a Revisão Criminal nº para que se realizem, em sua plenitude, os princípios
1.000.05.423126-1/000 (grifos do autor): processuais apregoados pela CR/88, interposta a presente
ação de indenização, para que se efetive o contraditório,
“Trata-se do reconhecimento do direito à
indenização inserido no art. 630 do Código
além da ampla possibilidade de as partes argumentarem
Processo Penal. Em 1941, previa a lei processual e demonstrarem as repercussões da referida sentença

226 227
absolutória penal, na esfera cível. do autor, e que haja fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação (art. 273, I, CPC), ou que fique
2.5 – DO QUANTUM DEBEATUR caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto
propósito protelatório do réu (art. 273, II, CPC).
Conforme acima explicado, o erro judicial
inequivocamente ocorrido gerou imensurável dano No caso em tela, existe a prova inequívoca do
material, além de várias modalidades de dano moral. direito do autor e há fundado receio de dano irreparável
ou difícil reparação, acaso o provimento jurisdicional
Mesmo assim, é necessário, através de critérios não possa ser prontamente deferido. Isto é o que se
objetivos, arbitrar quantia a ser paga pelo réu, de forma a demonstrará neste tópico.
minimizar todos os danos sofridos, bem como possibilitar
ao autor um mínimo de condições e recursos para retomar O direito do autor ao recebimento de indenização,
sua vida. tanto por danos morais, quanto por danos materiais
(lucros cessantes e danos emergentes), em virtude de erro
Dessa forma, conforme demonstrado na tabela judiciário do Estado de Minas Gerais, que o condenou
abaixo, para fixar os danos materiais, foram calculadas injustamente ao cumprimento de uma pena de 8 (oito)
as verbas que teriam sido auferidas pelo autor, caso ele anos, 3 (três) meses e 17 (dezessete) dias de reclusão, é
estivesse trabalhando normalmente, no período em que indiscutível.
foi indevidamente privado de sua liberdade.
A prova de referido direito se encontra no próprio
A remuneração foi calculada tomando-se como base acórdão do julgamento da Revisão Criminal (DOC. 05), que
a remuneração percebida pelo autor quando da época de reconheceu a inocência do autor e declarou a existência
sua indevida e injusta prisão, equivalente a cerca de seis de erro judiciário.
salários mínimos.
Sendo assim, tendo o Poder Judiciário reconhecido
A partir daí, foram calculadas as verbas referentes a existência de erro judiciário, a prova do direito do
às férias, mais o terço constitucional, décimo terceiro autor é inequívoca, visto que a Constituição da República
salário, FGTS + 40% e aviso prévio, considerando, assegura como direito fundamental dos cidadãos, no art.
hipoteticamente, o fim do vínculo quando da libertação 5º, inc. LXXV, a indenização por erro judiciário.
do autor.
Ademais, o reconhecimento público do Governador
Apurados os danos materiais, foram arbitrados a do Estado de Minas Gerais, máxima autoridade do Poder
partir daí os valores correspondentes ao dano moral e Executivo do Estado réu, do inequívoco dever de o Estado
seus desdobramentos. indenizá-lo, equipara-se a confissão de dívida.

Assim sendo, o mesmo valor atribuído aos danos Preenchido o primeiro requisito para a concessão
materiais, mais o lucro emergente, foi atribuído a cada de tutela antecipada, passa-se à demonstração de que
uma das modalidades de dano moral. há fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação.
3 – DA ANTECIPAÇAO PARCIAL DE TUTELA Em razão de erro judicial cometido pelo Estado,
o autor teve ceifado um dos mais importantes direitos,
O Código de Processo Civil brasileiro prevê a assegurados ao ser humano: o direito à liberdade.
possibilidade de antecipação parcial ou total dos efeitos
da tutela pretendida no pedido inicial, nos termos do Como se não bastassem os longos anos em
art. 273, desde que exista prova inequívoca do direito que o autor permaneceu encarcerado, depois que foi

228 229
libertado, em razão do alto índice de discriminação que a 273, do CPC.
sociedade brasileira comina aos ex-presidiários, o autor
não conseguiu a reinserção no mercado de trabalho, e, Como demonstram os depoimentos que o próprio
portanto, não possui meios financeiros que possibilitem autor deu ao Programa televisivo “Hoje em Dia”, da Rede
sua subsistência. Além disso, o autor tem filha menor de Record, na data de 20/02/2006, o autor, antes de ter sido
idade e deve contribuir para seu sustento, obrigação que condenado à reclusão, auferia valor mensal de 6 (seis)
a própria Constituição Federal lhe atribui. salários mínimos, sendo que 5 (cinco) salários mínimos
advinham de sua atividade como autônomo, na pedreira,
Destaca-se que até a certidão de antecedentes e 1 (um) salário mínimo advinha de um emprego, na
criminais do autor continua positiva, sendo este, portanto, função de segurança, que ele exercia nos fins de semana.
mais um elemento que compromete a possibilidade de
obtenção de um emprego. Tais depoimentos configuram fato notório, e como
tais, independem de prova, nos termos do art. 334, inciso
Portanto, nota-se claramente que o autor está I, do CPC. Transcreve-se abaixo o referido depoimento,
passando por grandes dificuldades para se sustentar, in verbis:
tendo em vista que não consegue um emprego, em
decorrência da injusta e ilegal condenação que lhe foi Brito: Parabéns pela sua postura e, para fechar a
imposta, que constitui a causa de pedir da presente lide. entrevista eu quero que você me diga como vai ser
a vida daqui pra frente.
Assim, se os efeitos da tutela não forem antecipados, Brito: Você já tem emprego? Eu via que a sua casa
lá, a casa em que você morava foi destruída não é
há fundado receio, diga-se até, certeza, de que o autor
verdade?! Ficou em ruínas.
sofrerá dano de difícil, ou até de impossível, reparação. Brito: Como é que vai ser a vida daqui pra frente?
Wagno: E não muito (...); eu sei como é que vai ser.
Atendidos os requisitos para a concessão da tutela Deus é que sabe, eu nem sei como que vai ser.
antecipada, faz-se esta devida, conforme entendimento Brito: Você já tem um emprego?
jurisprudencial. Wagno: Não! Não tenho não!
Brito: O que você sabe fazer?
AGRAVO DE INSTRUMENTO - Wagno: O que que eu sei fazer; na época o que eu
ANTECIPAÇÃODETUTELA-VEROSSIMILHANÇA sabia fazer igual eu trabalhava de segurança.
DAS ALEGAÇÕES - RECEIO DE DANO Eu sei que essa função eu nem gostaria mais de
IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. exercer.
Para o deferimento do pedido de antecipação Brito: Então nesse momento você é um homem em
de tutela é suficiente que estejam reunidos nos busca de emprego?
autos elementos probatórios que evidenciem a Wagno: É. Porque profissão mesmo era (...) eu
veracidade do direito alegado, formando umJuízo tinha uma pedreira, neh. Rancava umas pedras
máximo e seguro de probabilidade à aceitação de construção pra vender. Ganhava até uns
do requerimento e o fundado receio do dano trocadinhos bom, cerca de 5 (cinco) ou 6 (seis)
irreparável ou de difícil reparação. (Número salários, sabe?!
do processo: 2.0000.00.363059-9/000(1). Relatora: Wagno: Ganhava bem, graças a Deus, mas agora
Tereza Cristina da Cunha Peixoto). eu não tenho (...) não sei dos meus planos, do dia
de amanhã (...) eu ainda não to...
Insta, no entanto, especificar o objeto da Brito: Wagno, muito obrigado pela sua
antecipação. entrevista...
Transcrição do relato feito no “Hoje em Dia” da
TV RECORD, apresentado pelo Sr. Brito Junior,
Neste pleito, pretende-se somente a antecipação juntamente com a Sra. Ana Hickman da emissora
parcial da tutela, hipótese essa, contemplada pelo art.

230 231
de televisão Rede Record, conforme cópia em DVD 4.2 – seja o réu condenado a indenizar os danos
anexa. morais sofridos pelo autor, na sua condição de pai, filho,
chefe de família e cidadão, para o que se sugere o valor
Estes valores mensais que o autor deixou de auferir de R$ 5.097.909,50 (cinco milhões, noventa e sete mil,
configuram dano material e, mais especificamente, os novecentos e nove reais e cinqüenta centavos).
chamados lucros cessantes (valor que o autor deixou de
lucrar), nos termos do art. 402, do Código Civil. 4.3 – seja o réu condenado a indenizar os danos
estéticos sofridos pelo autor, para o que se sugere o valor
Tendo em vista que o autor recebia remuneração de R$ 1.019.581,90 (um milhão, dezenove mil, quinhentos
mensal de cinco a seis salários mínimos, e que tal quantia e oitenta e um reais e noventa centavos).
era suficiente para as necessidades básicas do autor e da
sua família, pleiteia-se que este valor (calculado levando- 4.4 – seja concedida a tutela antecipada pleiteada
se em consideração a menor remuneração que o autor no item 3, acima, determinando a condenação do réu a
poderia receber mensalmente), na data da propositura pagar um valor mensal não inferior a 5 (cinco) salários
da presente ação, correspondente a R$ 1.750,00 (um mil, mínimos ao autor;
setecentos e cinqüenta reais), devidamente atualizado,
de acordo com o valor do salário mínimo vigente, 4.5 – seja o réu condenado nos ônus da
seja deferido mensalmente ao autor, a título de tutela sucumbência.
antecipada, até ulterior decisão de mérito que conceda a
totalidade do valor da indenização. 5 – DOS REQUERIMENTOS

Trata-se de concessão de verba alimentar e o Outrossim, requer o autor a esse doutoJuízo:


recebimento de tal verba configura uma necessidade
premente do autor, a fim de que este possa sustentar-se e 5.1 – a citação do réu, para, querendo, contestar o
a sua família. presente pedido, sob pena de revelia;

Assim, a única alternativa capaz de minorar os 5.2 – a assistência judiciária gratuita ao autor, em
danos que o autor ainda hoje suporta, em virtude do erro virtude de sua condição de vida, não por arcar com os
judiciário, é a antecipação parcial da tutela, conforme custos processuais, sem prejuízo de seu sustento e de sua
acima postulado. família, conforme anexa declaração de hipossuficiência
(DOC. 08);
4 – DOS PEDIDOS
5.3 – a juntada dos diversos documentos
Ante toda a exposição apresentada dos fatos e anexos (cópias reprográficas de documentos diversos,
do direito, diante das provas carreadas, acrescidas dos mencionados no corpo desta petição, bem como coletânea
fatos públicos e notórios, o autor apresenta a seguir seus de cópias impressas de reportagens diversas, publicadas
pedidos. na mídia escrita nacional e de quatro cópias eletrônicas,
em DVD, três das quais contendo reportagens televisivas
4.1 – seja o réu condenado a indenizar os danos diversas, das quais diversos trechos foram degravados no
patrimoniais e lucros cessantes, decorrentes do erro corpo da petição e uma quarta, contendo fotos da boca do
judiciário de que foi vítima o autor, no valor de R$ autor, antes e após o tratamento dentário gratuitamente
1.019.581,90 (um milhão, dezenove mil, quinhentos e fornecido pelo dentista Dr. Ronaldo Magalhães de Souza
oitenta e um reais e noventa centavos). Lima, cuja guarda se requer ao doutoJuízo seja feita pela
Secretaria);

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5.4 – digne-se o douto julgador a assistir às 92. A opção jurídica
reportagens televisivas juntadas em anexo, valorando-as
como provas apresentadas pelo autor; Legalmente, e segundo consta do acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no voto do Desembargador
5.5 – a intimação do órgão do Ministério Público,
para atuar como custos legis. Alexandre de Carvalho, a sentença absolutória que julga
procedente um pedido revisional, é título executivo judicial,
Protesta provar suas alegações por meio de todas podendo ser objeto de Processo de Execução, mais célere que um
as provas em Direito admitidas, em especial, documental, processo cognitivo ou de conhecimento.
pericial e testemunhal, o que desde logo se requer, ad Este mesmo pedido poderia ter sido cumulado com a
cautelam. Revisão Criminal, mas isso também nos colocaria diante de uma
liquidação de sentença cível, sem que nada além da reclusão
Os signatários da presente petição declaram que
equivocada fosse objeto de debates, deixando todos os demais,
as cópias de documentos anexas a esta petição são em
tudo fiéis aos originais, certos de suas responsabilidades essenciais e indispensáveis fundamentos à margem do processo
civis e criminais, decorrentes desta declaração. indenizatório.
Outro motivo para que o pedido indenizatório não fosse
Dá-se à causa o valor de R$ 7.137.073,30 (sete cumulado na Revisão foi o fato que temíamos pelo sucesso da
milhões, cento e trinta e sete mil, setenta e três reais e empreitada e tentávamos de todas as formas acelerar o processo
trinta centavos). revisional. Somente o desenrolar da parte criminal levou
longos oito meses. Se ainda houvesse cumulado o direito civil e
Termos em que,
constitucional à indenização não sabemos quanto tempo a mais
pede deferimento;
levaria todo este drama, o que era prejudicial a Wagno.
Belo Horizonte, 22 de novembro de 2006. Ele hoje pleiteia sua indenização livre e solto.
A prática jurídica aponta que os processos executados
dessa forma mais rápida tornam-se impossíveis de demonstrar
a extensão do dano sofrido pelo autor da execução, restringindo
a discussão sobre o quantum, o que não atenderia aos interesses
de Wagno.
Como havia a questão do lucro cessante, que precisava
ser demonstrada, visto o dano material depender de prova
sólida, não podíamos ajuizar essa execução, que apenas iria
atender à demanda dos danos morais, que independem de prova,
principalmente neste caso público e notório, ficando a fixação dos
valores a cargo do órgão julgador.
Também precisávamos demonstrar, através de laudos
e relatórios, a extensão do dano estético causado e do drama
da reconstituição de sua boca, que foi destruída por agressões
praticadas por torturadores enquanto negava todas as acusações
a ele imputadas. Esses documentos somente ficaram prontos no
fim do tratamento, em outubro de 2006.

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E para terminar nossa produção de provas, Wagno, até precisávamos indicar quantia a ser paga pelo réu, de forma a
setembro de 2006, continuava constando nos registros notariais minimizar todos os danos sofridos, bem como possibilitar a
da Polícia Civil de Minas Gerais (SETARIN) como latrocida, ou Wagno condições e recursos para retomar sua vida em patamar
seja, aquele que mata para roubar, mesmo tendo passado mais superior àquele vivido quando de sua equivocada prisão.
de seis meses de sua absolvição, e isso não poderá ser descartado Calculamos as verbas que ele teria recebido no período
quando for fixado o valor da condenação de seu pedido de em que estava preso, tomando como base a remuneração que ele
indenização. auferia antes de sua injusta prisão, mais as verbas referentes
Portanto, nossa opção jurídica foi atrasar um pouco o já às férias, o terço constitucional, décimo terceiro salário, FGTS
incrivelmente lento desenrolar de um Processo de Indenização + 40% e aviso prévio, considerando, hipoteticamente, o fim do
perante o judiciário brasileiro, para que Wagno tenha reconhecida vínculo quando da sua libertação, a título de lucro cessante. Os
a plenitude de seus direitos, em toda sua extensão, bem como, seja quatro anos trabalhados na cadeia foram computados como horas
imputado ao Estado de Minas Gerais uma condenação exemplar, extras. Apurados os lucros cessantes, acrescentamos 50% a título
para que nunca mais coisas como essas aconteçam, não só no de lucro emergente, ou seja, aquilo que ele poderia ter obtido
estado geográfico dos Inconfidentes e de outros tantos baluartes ou adquirido se estivesse solto. E chegamos ao valor do dano
da luta pela liberdade, mas em nenhum ponto deste enorme e material. A partir daí, utilizamos esse valor como referência, e o
injusto país. mesmo valor atribuído aos danos materiais foi imputado a cada
Ainda dentro de uma opção processual, resolvemos uma das modalidades de dano moral, como se extrai da petição
distribuir o Pedido Indenizatório, na comarca de Congonhas-MG, do capítulo anterior.
local do domicílio do requerente – neste caso concreto, Wagno –, Pesamos e sopesamos todos os caminhos e suas
como prevê o Código de Processo Civil. conseqüências, e demonstramos ao Waguinho que o caminho mais
Considerando que Congonhas é uma cidade pequena curto era o menos seguro, e que ele poderia e deveria ser, mais
e acolhedora, no interior de Minas Gerais, com somente duas uma vez, um marco referencial dentro do judiciário brasileiro,
Varas Judiciais, que tratam de todas as matérias em discussão, não só na área criminal, mas também na área civil e nos pedidos
à exceção das Trabalhistas e Pequenas Causas que possuem indenizatórios em face do Estado.
fórum próprio; considerando também que na referida comarca Podemos ser criticados por estudiosos e entendidos, por
foi gerada toda a injustiça, posteriormente revisada, reformada nossa opção jurídica, mais segura e menos imediatista, mas
e divulgada pela imprensa nacional; considerando, ainda, que a jamais poderemos ser acusados de não termos procurado e lutado
Ação Indenizatória contém um pedido liminar de fornecimento de pela segurança processual e interesses de nosso cliente.
pensão, antes mesmo da sentença definitiva, para que Waguinho
possa retomar sua vida, incrivelmente dificultada por nossa
sociedade, excludente e preconceituosa, que absolutamente não
oferta condições laborais a ele para que seja reintegrado à uma
comunidade da qual ele jamais deveria ter sido tolhido – e isso é
de conhecimento das autoridades judiciais de sua cidade natal –,
concluímos que o tratamento dado ao presente pedido será feito
de forma preferencial e mais célere, possibilitando a reparação
deste fato de forma concreta e inequívoca, na maior brevidade
possível.
Outro fator de reuniões e aflições de nossa parte foi o
estudo para fixação do quantum pedido na Indenização, pois

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93. Dando uma satisfação à sociedade – honorários 94. Wagno visto por Waguinho

Não vinculamos nossa atuação no processo criminal à Nos dias que se sucederam à libertação de Wagno, por
atuação no processo civil indenizatório. motivos óbvios, ficamos juntos, atendendo a imprensa e toda a
Assumimos a defesa de Wagno na esfera penal, em caráter população de curiosos que queriam saber detalhes ainda não
humanitário, como exaustivamente informado, e demos por revelados deste caso de repercussão nacional.
encerrada nossa participação no dia 24 de março de 2006, data da Estivemos viajando e nos reunindo para entrevistas
publicação do acórdão que o absolveu, pondo fim, definitivamente, e programas e, durante os intervalos, que foram inúmeros,
ao processo criminal. conversamos e batemos papos infindáveis, sobre diversos temas,
A partir dessa data, nos reunimos com Wagno, e o colocamos o que me possibilitou conhecer o Wagno que o Waguinho revelava,
a par de que nascia ali uma nova ação, desta feita indenizatória. e que nem a cadeia injusta e quase eterna conseguiu corromper.
E que, para essa etapa, seriam cobrados honorários de êxito, com Como foi preso imediatamente após o crime ocorrido, sua
um percentual de 20% sobre o valor pago a título indenizatório, compreensão dos fatos foi sendo construída por quase oito anos,
não importando se obtido no âmbito judicial ou extrajudicial. culminando com a informação final do depoimento de Wellington,
Foi-lhe dada a opção de procurar outro escritório ou
meses antes de sua libertação, inocentando-o.
outros advogados, se assim o desejasse, para negociar honorários
Até aquele dia, e outros tantos aguardando o julgamento
em melhores condições. Mas Wagno e sua família refutaram de
de seu pedido revisional, ele passou por fases e aflições que se
imediato, falando que confiavam em mim e que seria mais do que
alternaram em consonância com fatos e fatores externos e internos,
justo eu receber os honorários proporcionais. E, assim, ele assinou
como se fosse uma grande máquina moedora de sentimentos.
contrato e procuração, dando a nós poderes para representá-lo.
Preso, indignado e revoltado com o encarceramento
Somente como referência, este valor está dentro dos
limites sugeridos na tabela de honorários da OAB/MG. injusto, ainda suportava a dor física e a humilhação psicológica
Enquanto externava estas linhas e me decidia se devia da surra incontida e da repulsiva tortura sofrida. Chorava de
incluir ou não este tópico, realizei o que talvez fosse o capítulo mais raiva e esperava sair a qualquer momento, pois era isso que dizia
importante para um grande número de pessoas. Inúmeras vezes o advogado, e seus familiares, também acreditando no defensor
fui questionado se eu iria ficar rico, se sobraria algum dinheiro constituído à época.
para Wagno ou eu ficaria com tudo, e, ainda, se havia divulgado Jogado atrás das grades, foi entendendo o motivo de
que atuara no caso de graça e agora iria entrar na grana, e coisas sua prisão e cada vez mais sua indignação superava suas
do gênero. esperanças.
Como brinca um amigo meu de humor refinado, “a inveja Acompanhando o processo, dentro de sua ignorância
é o mau hálito da alma”, e a sabedoria popular acrescenta que jurídica, ser solto era uma questão de tempo. Não admitia sua
“quem conta um conto aumenta um ponto”. prisão temporária e, muito menos, sua prisão definitiva.
Para que o imaginário popular não voe pela órbita Estava completamente enganado.
do absurdo, estou abrindo a todos os interessados o meu No dia seguinte à informação dada a sua filha, de que ele
relacionamento comercial com Wagno, com a anuência dele e sairia ainda naquela semana, foi condenado exemplarmente a
dos meus sócios, como forma de preservar a transparência e a vinte e cinco anos de reclusão em regime integralmente fechado,
honestidade que envolveram este caso desde o início, afastando nos termos da Lei dos Crimes Hediondos.
qualquer tipo de fantasma ou fantasia que porventura possam O desespero se abateu sobre ele, e a revolta se instalou em
advir com o propósito de turvar a excelência de nossa atuação. seu âmago. Passou a ser um preso revoltado, envolvendo-se em
brigas e rebeliões, tentando se impor na cadeia na base da força e
de ameaças.

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Durante os primeiros dois anos, assim permaneceu, na Assistia à televisão todas as noites – o mesmo aparelho
cela da cadeia municipal. que ele conduziu à saída da cadeia, carregando no colo,
Nesse tempo, foram presos os verdadeiros autores do carinhosamente, como se fosse seu melhor amigo – e através
crime pelo qual Waguinho foi condenado, e por incrível que dela mantinha contato com o mundo exterior. Foi assistindo
pareça, ficaram todos encarcerados juntos, na mesma cela. aos telejornais que descobriu e se revoltou com a notícia de
Junto também estava Joilson, que viria ser a mola propulsora do que eu havia sido assaltado, durante a greve policial de Belo
provimento revisional, anos depois. Horizonte, em plena luz do dia. Sua relação com a televisão foi
Waguinho e Joilson foram vítimas de tentativa de tão intensa, que, quando se viu solto, e passou a freqüentar os
homicídio praticada pelos “colegas de cela”, e o que parecia ser o diversos programas, conhecia todos os artistas, apresentadores,
fundo do poço, para ele, foi o começo da absolvição. assistentes de palco e demais presentes habituais na telinha, e
Wagno foi transferido para a Penitenciária de Segurança os tratava com intimidade e franqueza.
Máxima de Contagem, longe de sua família. Chorou durante Durante sua estada na Penitenciária Nelson Hungria,
noites seguidas, sem saber que naquele local iria encontrar a por três vezes atentou contra sua vida. No início, desiludido com
paz espiritual, se encontrar, e, principalmente, reencontrar a a derrota de sua primeira revisão criminal, fez uma “teresa”,
liberdade. corda artesanal produzida com cobertores, fios de cabelo, panos,
Inicialmente, ficou em uma cela coletiva, e, com o tempo, camisa e tudo o mais que possa ser utilizado, para se enforcar.
conseguiu “comprar” uma cela individual, como se expressa no Essas cordas são usadas para escalar muros e prover fugas, mas o
meio em que se encontrava. destino fez com que esse artesanato produzido por ele se partisse
Esteve perto de rebeliões e revoltas carcerárias e, de de forma misteriosa, evitando a consumação do ato extremo. Na
alguma forma, pactuando com aquilo tudo, até que começou a segunda vez, foi descoberto a tempo pela segurança do presídio,
procurar uma saída. que lhe tomou a “teresa”, em uma vistoria de rotina, evitando
O divisor de águas entre o Waguinho revoltado e o mais uma vez que pudesse realizar esta ação. Na terceira vez,
guerreiro por justiça aconteceu em uma noite, quando percebeu resolveu alterar seus métodos. Moeu várias lâmpadas e colocou
que presos rebelados jogavam bola no pátio, à uma hora da na comida. Enquanto tomava coragem ou se decidia pelo melhor
manhã. momento, leu um trecho da Bíblia – que havia ganho dias antes –,
O famoso Pavilhão Dez estava solto, e para seu terror, onde dizia que aqueles que acreditam na Justiça assistirão de pé a
a bola utilizada era a cabeça de um outro preso dedo-duro, ou sua vitória. Essa história foi narrada por ele durante o programa
alcagüete. Seu choque foi maior ao notar que vários presos da Ana Maria Braga. Ele desistiu de se suicidar e passou a ler
descalços chutavam aquele objeto sem sentir dor, movidos pela a palavra de Deus, tornando-se evangélico e encontrando forças
“vaca-louca”, que é uma cachaça caseira, ou “cadeieira”, produzida para aguardar em paz o reconhecimento de sua inocência. Nessa
pelos presos de maneira clandestina, usando a deterioração de fase, passou a orar por alguém ou por algum meio que fosse sua
cascas de frutas cítricas, posteriormente cozidas e destiladas em ferramenta para a libertação.
panela de pressão feita artesanalmente, visto ser este utensílio Dias depois, antes de ser retirado da cela por um agente
proibido na cadeia. penitenciário, a pedido de um advogado particular, coisa que
Depois disso, passou a trabalhar na capina todos os dias, não acontecia havia mais de cinco anos, ajoelhou-se e pediu
com uma força descomunal, já que quebrara pedras desde seus para ser tal advogado o enviado por Deus para lhe fazer justiça.
remotos sete anos. Entrevistado por mim, de maneira objetiva e sincera, voltou para
Recusava-se a ser tratado pela alcunha de bandido ou de a cela repleto de esperança e uma certeza: aquele advogado era
assassino, mesmo que isso lhe gerasse problemas internos. “o cara”.

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Os meses seguintes foram de angústia para Wagno. Chegando a data designada, ele distribuiu todos os seus
Mesmo informado por mim que eu não iria visitá-lo, achava que pertences aos colegas de martírio, mantendo sua inseparável
a Justiça haveria de dar prioridade ao seu caso, o que nunca televisão e duas mudas roupas. Ganhou de um encarcerado uma
ocorreu. botina, que esteve presente em todos os programas de televisão,
As notícias não chegavam, porque não existiam. Tudo se junto à sua inconfundível camisa pólo azul-claro.
passava no mais absoluto marasmo para ele, e não para nós, que Ao ser solto, se deparou com a truculência do último
trabalhávamos incansavelmente. Sua impaciência se revelava carcereiro e o aperto das últimas algemas, mas nada mais
em cartas e mais cartas enviadas a mim, todas respondidas de conseguiria barrá-lo em seu caminhar para a liberdade.
maneira cordial e simples. Vencido o último portão, estava pronto para voar, de
Uma dessas cartas foi enviada ao jornalista Tom Paixão, preferência para bem longe dali. Seus familiares, curiosos,
que, assim que a recebeu, me ligou, indignado, querendo saber agentes penitenciários e, principalmente, pessoas da imprensa,
por que eu estava deixando um inocente preso. Naquele dia, se amontoavam para usufruir aquele momento único na vida de
fiquei muito bravo. Tive que explicar um processo inteiro, a um um cidadão e de seus advogados.
jornalista bem intencionado, mas insuficientemente informado Saindo da penitenciária, depois de horas de entrevistas
pelos limites de esclarecimento que o próprio Waguinho possuía. e reportagens, fomos a Congonhas vivenciar a verdadeira
Dado o parecer a Tom Paixão, acabamos por arregimentar mais liberdade, ao lado de seus parentes.
um aliado em prol de nossa luta. Ele já era uma celebridade, mais uma, dentre tantas,
Eu, ainda incomodado, mandei um recado desaforado criada pela maldade e insensibilidade dos seres humanos. Mas
para Wagno, que foi acatado e sentido, o que ficou devidamente sabia que aquela fama duraria pouco. Chegando a Congonhas, a
demonstrado posteriormente, em um pedido de desculpas festa estava armada, e o assédio da imprensa crescia.
sincero. No dia seguinte, foi acompanhado de perto por todos os
Minhas visitas continuaram esporádicas, quase canais de televisão, em especial a Rede Globo e a TV Alterosa, que
inexistentes, mas o trabalho desenvolvido em seu favor era diário fizeram matérias e reportagens em âmbito nacional, de grande
e ininterrupto. destaque. Neste dia foi acertado que iríamos a São Paulo, para o
Certo dia, retirado da cela mais uma vez, a meu pedido, programa da Ana Maria Braga.
Waguinho foi surpreendido com a presença da imprensa No final do dia, retornamos a Belo Horizonte, fomos para
acompanhando seu procurador. Isso era um bom sinal, e minha o aeroporto e embarcamos para a capital paulista, causando um
expressão não dizia outra coisa. grande alvoroço por onde passávamos. Os episódios da escada
O Ministério Público havia proferido parecer favorável à rolante e do elevador, já narrados por mim, davam os parâmetros
absolvição. da segregação social a que foi submetido este ser inocente.
Depois daquele dia, todos os outros pareciam ser o último, Assustado com tudo, São Paulo foi para Wagno quase que
e como não eram, representavam, ao anoitecer, uma grande uma remessa ao inimaginável. Tratados com imenso carinho pela
decepção, aliada a uma grande esperança no dia seguinte. produção do programa, nossa chegada ao estúdio da Rede Globo
Novamente, quando de minha visita com a imprensa – e representou, para ele, a realização de um sonho inatingível.
desta vez, de todas as mídias – e com Nilmário Miranda, para Nossa participação se mostrou um grande sucesso e, com
informá-lo que o julgamento iria acontecer no dia 14 de fevereiro isso, o Caso Wagno passou a ser assunto nacional, revolvendo
de 2006, ele adquiriu a certeza de sua absolvição. Sua saída era todos os problemas prisionais do País.
questão de tempo e nada justificaria outra forma de pensar. Nos Estivemos em vários outros programas, mas, para
tempos de reclusão fez amizades e presenciou exemplos que não ele, Ana Maria, Ratinho e Luciano tiveram uma importância
poderiam ser esquecidos. fundamental. Primeiro, porque ele é fã incondicional dos três, e

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segundo, porque Ana Maria Braga colocou seu caso em evidência, 95. O tratamento de dente
o Ratinho cobrou a indenização do Governador Aécio Neves,
e Luciano Huck ofereceu a ele a condição de aguardar uma Logo no início de sua via-crúcis, Wagno foi espancado,
oportunidade de trabalho, dando-lhe o prêmio do programa. perdendo todos os dentes da parte superior da boca.
Nos últimos tempos de cadeia, teve de uma pessoa Durante nossa primeira viagem, saindo da Penitenciária
caridosa, uma força externa essencial para sua jornada. A Nélson Hungria, a caminho de Congonhas, Wagno me disse que
Teresinha foi fundamental para ele, e hoje, mesmo não estando sentia vergonha de sua aparência desdentada.
juntos mais, visto ele estar morando em Congonhas e ela residir No dia seguinte, viajamos para São Paulo, a fim de
em Contagem, Wagno afirma que vai ajudá-la quando receber o participar do programa Mais Você, de Ana Maria Braga.
valor da indenização, assim como a seus filhos Márcio e Thais e Ele me contou que sonhava em conseguir o
às suas ex-companheiras, mães de seus meninos. tratamento dentário e, se tivesse chance, pediria esse favor à
Tendo freqüentado inúmeros programas de televisão, apresentadora.
todos os jornalismos e jornais escritos, e com sua figura ímpar, Quando chegamos ao Programa e fomos tratados de
muito forte e sem cabelos, passou a ser reconhecido em todos os forma carinhosa, respeitosa e fraternal, e eu já não me lembrava
locais por onde esteve, sendo objeto de comentários de admiração, de nossa conversa na estrada, ela, espontaneamente, ofereceu o
indignação e de apoio. tratamento dentário completo, aguardando que um dentista de
Todo aquele assédio, a princípio ansiado, deixa de ser Belo Horizonte entrasse em contato com a produção.
engraçado e interessante quando exagera e ultrapassa o bom Antes que saíssemos do estúdio da Rede Globo, em São
senso. Depois de alguns excessos e insistências, nossas vidas Paulo, local de gravação do programa, a produtora Helena nos
retornaram à normalidade, trazendo de volta a gostosa monotonia informou que um dentista já havia ofertado o serviço.
de um dia após o outro. O curioso é que o dentista generoso é meu amigo pessoal,
Terminada essa fase, sobrara um problema. Como Dr. Ronaldo Magalhães Souza Lima, que, emocionado com todo o
conseguir uma vaga no mercado de trabalho, para que ele pudesse ocorrido, ligou para a produção do programa e informou que era
subsistir? meu colega de ginástica na Academia Fórmula/BH, e aluno da
Passados oito meses, ele não conseguira nenhuma “supergata” e superprofessora Iva, em nossas alucinantes aulas
oportunidade. Temíamos por seu futuro, mas ele, tranqüilamente, de spinning, às sete horas da manhã.
dizia que sempre viveu bem e não tinha medo do que a vida lhe Mais uma vez, minhas sinceras amizades atuaram em
reservasse. Quem já viveu o pior possível está preparado para favor de Wagno.
a bonança que se aproximava. Em sua certidão criminal, até No dia 17 de abril, sessenta dias depois do programa,
o mês de setembro de 2006, ainda constava seus antecedentes Wagno fez a cirurgia de colocação dos implantes e aguardou
criminais, pelos quais foi inocentado, o que impediu a obtenção os prazos necessários para encerrar o tratamento. No mês de
da certidão negativa, documento essencial para a obtenção de junho foi detectada uma rejeição em um dos implantes, o que
uma vaga no mercado de trabalho. atrasou um pouco todo o processo, mas não o desanimou. Hoje,
completamente encerrado o tratamento dentário, Wagno, em
mais uma demonstração de grandeza e agradecimento, escreveu
ao dentista responsável, Dr. Ronaldo, que me encaminhou a carta,
autorizando a divulgação de seu conteúdo, que ora transcrevo
in verbis abaixo, para reforçar o caráter e a personalidade deste
cidadão diferenciado:

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“Belo Horizonte, 17 de outubro de 2006. 96. A inglória luta pelo renascimento
Quero por meio desta agradecer todos que me apoiaram
nesta minha liberdade de poder expor minhas idéias de Passada toda a euforia do caso e finda a participação da
vida pessoal. mídia, acabei por ganhar um filho.
Fiquei muito feliz, pois encontrei aqui nesta clínica Falei com ele, que, sem dentes e careca, só poderia ser um
de implantes pessoas alegre e de boas intenções com a recém-nascido, na verdade, um recém-renascido.
pessoa da gente. Foi aqui que encontrei boas amizades Como já informado, ele recebeu um tratamento de dentes
e ótimo atendimento, são pessoas que jamais pode ser excepcional, mas infelizmente, não recebeu o vale-transporte
esquecidas, são pessoas lindas e sempre de bom humor para se deslocar até o consultório odontológico. Ele não poderia
e isso faz com que a gente esteje sempre satisfeito e com perder essa oportunidade única, e eu lhe passei os valores para
saudades das mesma. custear o transporte.
Quero agradecer todos vocês que trabalham aqui, que Depois de solto, ele foi morar na casa da Teresinha, mulher
Deus pode sempre estar com todos vocês e que vocês humilde, de caráter e força exemplar. Separada há muito tempo,
continue com esses seus sorrisos lindos. Vocês são lindas, dormia em um colchão de solteiro. Com a chegada dele, tive que
pode ter certeza disso e muito obrigado pelo apoio e por providenciar cama e colchão de casal, o que fiz com satisfação,
vocês ter me recebido muito bem. como se fosse um presente de casamento.
Um forte abraço de seu amigo Wagno. Teresinha foi a primeira vítima da exposição na mídia.
Agradeço a Deus por vocês existirem. Valeu” Sua patroa, vendo sua empregada na televisão, envolvida com
um agora ex-presidiário, a despediu imediatamente, o que gerou
um rombo enorme na despesa mensal familiar, aumentada pela
presença de Wagno e de seu filho.
Não poderia deixar que isso acontecesse, pois, mais
desumano que encarcerar um inocente é soltá-lo sem lhe dar
uma chance para recomeçar. Repassei a ele alguns recursos
financeiros, até que o prêmio ofertado pelo Luciano Huck lhe
chegasse às mãos. Quando Wagno recebeu o prêmio, eu não quis
aceitar o que me devia, mesmo com sua insistência em pagar.
Enquanto escrevia esta narrativa, dividido entre o
computador e a vontade de ajudá-lo, fiquei imaginando quando
uma pessoa generosa daria uma oportunidade de emprego a ele.
Confesso que não esperava tamanha resistência da
sociedade, que se emocionou com Wagno, se indignou com o
Estado por ter feito o que fez a ele, e, mesmo assim, trancou as
portas do futuro para este eternamente injustiçado.
A sociedade que chorou com ele não o abraçou.
É impossível se reintegrar no meio social se este não o
aceita.
Ele não é um ex-condenado, e sim, um ex-detento preso
inocentemente, que, por culpa do Estado, foi sacado de sua vida
e conduzido às masmorras.

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Na esfera privada, em certos casos criminais, a suspensão 97. A advocacia criminal
do processo está associada à composição civil e efetiva reparação
do dano, como requisito essencial do procedimento. Por que isso Depois de toda repercussão na imprensa, atrelada a uma
não ocorre na esfera pública? causa de grande apelo emocional, confesso que aproveitei estes
Certo dia, lendo a coluna de Affonso Romano de poucos momentos onde a advocacia criminal é reconhecida e
Sant’Anna, no jornal Estado de Minas, me deparei com um texto, valorizada, para descansar das perguntas que fazem, quando você
de um poeta anônimo, de Malawi, na África, que ilustrava em advoga para alguém que a imprensa e/ou a sociedade recrimina.
versos duros a realidade de Wagno: A advocacia criminal é essencial para o Estado Democrático
de Direito, e penalistas de respeito povoam a história do País em
“Eu tinha fome todas as diversas épocas e momentos históricos.
e vocês fundaram um clube humanitário Evidentemente, existem profissionais de qualidade e
para discutir minha fome. comportamento duvidosos em todas as especialidade e áreas,
Agradeço-lhes. porém, recordando Dr. Flávio D’Urso, advogado criminal
e presidente da OAB/SP, durante o Congresso Mundial de
Eu estava na prisão Criminologia, o “verdadeiro advogado criminal é aquele que
e vocês foram à igreja atravessa o lamaçal sem sujar a barra da calça”.
rezar pela minha libertação. Acredito nos ideais da advocacia, nos limites da ética e na
Agradeço-lhes. liberdade irrestrita.
Mesmo sendo um apaixonado pela advocacia criminal
Eu estava nu e um admirador dos criminalistas natos, não poderia deixar
e vocês examinaram seriamente de manifestar minha decepção com o ministro Márcio Thomaz
as conseqüências de minha nudez. Bastos.
Agradeço-lhes. Advogado criminalista renomado e um dos meus exemplos
profissionais, abandonou tudo aquilo que sempre pregou e
Eu estava doente viveu, assim como o presidente do governo que ele serve, para
e vocês se ajoelharam mostrar um lado desconhecido e desagradável, definitivamente
e agradeceram a Deus o dom da saúde. repudiante.
Agradeço-lhes. No dia 3 de abril de 2006 estourou o escândalo envolvendo
o referido ex-advogado criminal, na quebra do sigilo do caseiro
Eu não tinha casa que derrubou o ministro da Fazenda.
e vocês pregaram sobre o amor de Deus. Quebra de sigilo, sem ordem judicial, é atirar a
Vocês pareciam tão piedosos, tão perto de Constituição no lixo.
Deus. A própria OAB nacional, antigo reduto seu e repleta de
amigos e ex-amigos, quis que ele fosse rigorosamente investigado,
Mas eu continuo com fome pois entende que não existe pessoa ou órgão público acima da
continuo só, nu, doente, lei.
prisioneiro, e tenho frio, sem casa.” É triste ver um defensor dos direitos e da liberdade
corrompido pela cobiça do “poder a qualquer custo e de qualquer
maneira”.
Com a reeleição de seu “alcaide”, seu futuro é certo,

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mesmo em posição incerta, já que afirmou que não fará parte 98. Conclusão
do novo mandato, mas precisará estar sempre à disposição,
para corrigir e explicar aquilo que for malfeito, mesmo que não Deste caso, podem-se extrair lições e ensinamentos que,
existam explicações plausíveis, como no caso abaixo: aplicados aos mais variados setores da sociedade moderna,
No rastro das absolvições do “mensalão”, e dando um recebem abrigo imediato.
desconto em razão do extremismo da fonte, a Revista Veja datada Uma seqüência de erros graves, todos oriundos de órgãos
do dia 22 de novembro de 2006 traz uma declaração sobre a estatais, independentemente de ser judiciário, executivo ou
compra do dossiê que merece ser transcrita pela barbárie falada: legislativo, acabou com a vida de um inocente pai de família.
“Bastos veio a público dizer não estar certo se o escândalo tem O primeiro equívoco se deu porque a verdade deve
uma grande gravidade ou não tem uma grande gravidade”. prevalecer nos inquéritos criminais, assim como em todo lugar, e
isso não ocorreu.
Criar suposições, e depois fazer de tudo para que essas
equivocadas ilações sejam comprovadas, somente imputam a
inocentes responsabilidades inexistentes.
Apurar negligentemente é mais gravoso do que não
apurar.
Somente com uma polícia técnica, bem remunerada
e aparelhada, dotada de policiais sérios e capacitados,
compromissados com a ética e com a verdade, teremos inquéritos
policiais que realmente investiguem, apurando efetivamente os
fatos existentes e remetendo à Justiça relatórios completos e
concluídos.
O inquérito é a peça mais importante na elucidação do
caso, pois atua in loco, diferentemente dos demais atores de um
processo criminal.
Temos também, nessa mesma instrução criminal, a
participação do Ministério Público. Mesmo hoje se admitindo
o envolvimento dos Promotores de justiça nas investigações
criminais, o que se percebe é que esse procedimento só ocorre
em casos de repercussão, o que, por si só, afasta a eficácia de tal
medida.
Ademais, a responsabilidade ministerial é indispensável
ao correto e justo funcionamento da Justiça.
Ao receber inquéritos mal concluídos, com investigações
duvidosas e trabalhos suspeitos, é imperativo que esse
importante órgão do Executivo requeira novas diligências, mais
aprofundadas e conclusivas, e não ofereça uma denúncia leviana
e inconsistente, impondo ao acusado a responsabilidade de provar
a sua inocência, em total inversão do ônus da prova e ao arrepio
da norma processual.

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A presença do Promotor de Justiça é essencial para a o dano irreparável ao qual foi submetido um ser humano, de
aplicação plena da Lei, e ele deve agir como os olhos da sociedade, atitudes pessoais e profissionais absolutamente corretas e
e não com as mãos, que apenas socam e prendem. convicções familiares inabaláveis.
Com um Ministério Público forte e responsável, casos Por último, enfocamos um problema relativo a todas
como estes não se repetirão, e assim, não teremos uma instituição as instâncias e setores da sociedade, tratado de maneira sutil
Promotora de injustiças. pela defesa e defensores de Waguinho, que afirmavam que este
Nessa “lavagem de roupa suja”, cortando a própria erro também era originário da condição social e financeira do
carne, surge o Judiciário. A arrogância de alguns juízes, injustiçado, o que foi veementemente contestado por alguns
também chamada “Juizite”, associada a um comportamento Desembargadores, inclusive no acórdão absolutório.
superior, afastado da realidade das ruas, gera e causa prejuízos Respaldando nosso posicionamento, o jornal Estado
irreparáveis. de Minas apresentou matéria no dia 11 de junho de 2006, de
Não vamos e não podemos generalizar, mas é público autoria da jornalista Érika Klingl, intitulada “Dois pesos e duas
e notório que isso acontece em certo número de gabinetes, nos medidas”, demonstrando que a “Justiça brasileira não é cega.
fóruns de todo o País. Ela faz distinção de cor, de gênero e principalmente de conta
Condenar de qualquer maneira, somente para que a bancária”.
sociedade local se sinta recompensada, atendendo aos anseios e A matéria traz diversos juristas opinando sobre o assunto,
ao clamor público, é um equívoco. e dentre eles podemos destacar o Dr. Romualdo Sanches Filho,
Ao se rotularem infalíveis, em algum tempo, podem ser presidente da Academia Paulista de Direito Criminal, que afirma
expostos a momentos semelhantes àquela cena deprimente, que “pobres, moradores de favela e jovens negros são os mais
mostrada para todo o Brasil, pelas várias emissoras de televisão visados pelo sistema judiciário”.
e jornais, onde o magistrado que condenou Waguinho informou Já o Dr. Luiz Flávio Gomes, que dispensa apresentações,
a ele que não sentia drama de consciência e nem remorsos pelo entende que está negado o acesso à cidadania para a classe baixa.
erro cometido. “Com recursos é mais fácil contratar advogados com tempo para
Deveria sentir vergonha! elaborar a defesa, assim como providenciar provas. Além disso,
E, finalmente, chegamos ao Tribunal de Justiça. quem tem dinheiro tem amigos. Os ricos têm condição de enfrentar
A soberba e o distanciamento de alguns Desembargadores, a Justiça”. Completando, afirmou que “A Justiça criminal não é
completamente segregados da vida regular de um cidadão igualitária. A norma não incide para todos e nunca incidiu”.
normal, impedem esses juristas, de elevada moral, saber jurídico Portanto, é necessário que este mesmo Estado, negligente,
e reputação ilibada, de ouvir os gritos das ruas, que hoje se irresponsável, inconseqüente e leviano seja exemplarmente
encontram mudas, pois já não escutam suas próprias vozes, e, condenado, para que essa reprimenda seja suficiente, não só para
muito menos, os ecos de seus lamentos. recompensar e reparar este monstruoso dano, bem como, para
Neste caso concreto, não existem desculpas a serem imputar ao causador dele uma sanção repressora e preventiva,
argüidas. evitando, assim, que outros erros dessa natureza se repitam, com
Não há de se falar em julgar com a prova dos autos, ou outros tantos “Waguinhos” existentes.
na verdade processual existente lá, pois não existiam provas Lembramos que, independentemente da origem do erro
suficientes para uma condenação em Primeira Instância e, muito – Polícia Judiciária, Ministério Público,Juízo de Congonhas ou
menos, para que esta condenação fosse confirmada na Instância Tribunal de Justiça de Minas Gerais –, todos são órgãos e prepostos
Superior. do Estado de Minas Gerais, único civilmente responsável por
Esses fatores, humanos e administrativos, todos oriundos toda esta atrocidade.
dos entes públicos do Estado de Minas Gerais, somados, geraram

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Encerrando a conclusão, e provando que a Justiça Divina 99. O último ato
é imperiosa, o Pedido de Indenização foi distribuído no dia vinte
e três de novembro de 2006, na cidade de Congonhas, e, por Como em um passe de mágica, no dia 3 de setembro de
sorteio, foi determinado que o Juiz competente para a apreciação 2007, horas antes de este material ser enviado para a gráfica, uma
deste feito é o Dr. Paulo Roberto Caixeta, Juiz prolator da incrível série de acontecimentos, mais uma vez, comprovaram
sentença criminal, que agora terá a chance de sua vida carnal aquilo que já sabíamos em relação a este caso: que ele é único, não
de se penitenciar perante a sociedade, perante Wagno e perante só em seus desdobramentos criminais, como em sua perspectiva
Deus. cível indenizatória e aspectos pessoais.
Ele já perdeu a primeira grande chance de se redimir, ao Nesse dia, eu me dirigi a Congonhas, onde iria averiguar
não deferir a tutela antecipada de pagamento de uma pensão no os motivos de o processo cível do Wagno se arrastar em delongas
valor de cinco salários mínimos – valor este que Wagno obtinha inexplicáveis.
com o suor de seu trabalho à época da injusta prisão –, mesmo Aproveitaria e iria olhar o pedido de progressão de
sendo de conhecimento doJuízo de que Waguinho está morando regime, que havia sido apresentado para Joilson. Por fim, fui
em um barracão protegido por lona plástica. buscar Wagno, e trazê-lo para seu primeiro emprego.
Finalmente, uma pessoa havia acreditado nele e lhe
oferecera uma chance real de trabalho. Ele iria trabalhar
comigo.
O Kennel Clube da Grande Belo Horizonte, do qual sou
um orgulhoso Presidente, adquiriu uma sede campestre na
cidade de Confins, para realizar eventos e encontros, e Wagno
irá trabalhar na reforma e manutenção do espaço físico.
Chegando ao Fórum de Congonhas, de incríveis
memórias, me deparo com o processo de Joilson, indisponível, por
se encontrar com carga para o Promotor. O processo de Wagno,
que acabara de retornar do Ministério Público, tinha ido direto
ao Juiz.
Questionada, a escrivã informa que os autos se
encontravam à disposição na secretaria, diferente do informado
no SISCON.
Para nossa surpresa, o Ministério Público, que questionara
anteriormente até mesmo a existência de erro judiciário, junta
aos autos um longo parecer em relação ao pedido de antecipação
de tutela, cuja conclusão transcrevo in verbis:

“Conclusão:
Diante do exposto e do mais que certamente será
suprido por V. Exa., OPINA o Órgão Ministerial pela
CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR PLEITEADA ÀS F.
35/39 DA PEÇA VESTIBULAR, para fins de ANTECIPAR
PARCIALMENTE OS EFEITOS DA TUTELA DE MÉRITO,

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condenando-se a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE enfrentar o parecer exarado pelo Ministério Público, como se vê
MINAS GERAIS a indenizar WAGNO LÚCIO DA SILVA em da transcrição do despacho abaixo:
quantia não superior a R$250.000,00 (duzentos e cinqüenta
mil reais), haja vista o ERRO JUDICIÁRIO de que foi Vistos etc.
vítima o requerente, nos termos em que reconhecido pelo De acordo com o artigo 135, Parágrafo Único,
Poder Judiciário nos autos da REVISÃO CRIMINAL nº do Código de Processo Civil me dou por suspeito, por
1.0000.05.423126-1/000, cujo acórdão, datado de 14/02/2006, questão de foro íntimo, para prosseguir na direção deste
transitou livremente em julgado em 23/05/2006.” processo.
Remetam-se os autos ao meu substituto legal para assumir
Congonhas, 23 de agosto de 2007. a direção deste processo.
Intimem-se e cumpra-se.
Karina Arca Ferreira
PROMOTORA DE JUSTIÇA Congonhas, 2 de setembro de 2007

Luis Augusto de Resende Pena Bel. Paulo Roberto Caixeta


TÉCNICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO Juiz de Direito

A notícia era boa demais para ser verdade. Com esta saída pífia e acovardada, aos moldes das piores
O próprio Ministério Público opinava favoravelmente pela tragédias romanas, ele coloca um fim a este relacionamento
antecipação da tutela pleiteada e fixava valores que efetivamente potencialmente desequilibrado, onde a parte mais forte sempre
iriam auxiliar Wagno em seu retorno a uma vida decente e digna, esteve errada, e não teve humildade para reconhecer isso,
como ele já possuía antes da prisão arbitrária. causando um mal infindável e contumaz a um inocente.
Isso possibilitaria ao Juiz Paulo Caixeta agir Sua danosa atuação deveria ser investigada pela
tranqüilamente e conceder o pedido, haja vista ser ele o Juiz Corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
natural da causa desde o instante em que foi distribuído o pedido, Um novo Juiz irá assumir a causa, e terá que estudar
recebeu a petição inicial, mandou citar a parte ré, recebeu a desde o início todo o processo , antes de decidir a matéria sobre
contestação do Estado de Minas Gerais, intimou o autor para a qual o Juiz anterior não quis se manifestar, o que imputará a
impugná-la, recebeu novamente a impugnação, que ratificava o Wagno um tempo de espera inestimável e um sofrimento a mais,
pedido de tutela antecipada e finalmente intimou o Ministério desnecessário para esse eterno injustiçado.
Público acerca do pedido de antecipação de tutela.
Portanto, além de ter praticado todos os atos do processo
cível, somente relembrando, foi ele também quem praticou,
culposamente, todos os atos no processo criminal, inclusive
condenando injustamente um inocente, em um processo
absurdamente frágil e preconceituoso.
Para a surpresa de todos, menos de nosso escritório, já que
fazíamos inclusive apostas sobre em qual momento ele iria “pular
fora”, o Juiz Paulo Caixeta abandona o processo indenizatório,
sem justificar seu ato, dessa feita agindo dolosamente, se
omitindo de decidir sobre a questão suscitada e optando por não

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100. Moral da história “A injustiça em qualquer lugar é uma
ameaça à Justiça em todo lugar.”
Se a Justiça é cega, deveria escutar melhor.
Chegou a hora de as vozes das ruas serem ouvidas.
Temos que levar o judiciário e seus representantes para o • DINO MIRAGLIA FILHO
seio de nossa comunidade, tirando-os da distância e da frieza de
um relacionamento eventual. O autor desta narrativa é advogado criminal, domiciliado em
Este é um relacionamento para toda a vida e, por isso, Belo Horizonte, regularmente inscrito na OAB/MG, atuando
deve ser intimista, confiável e duradouro. com habitualidade nos Juizados Especiais,Juízos Singulares e
A Justiça precisa de seres humanos, sujeitos a erros e Tribunais do Júri, no interior e na capital mineira, e, ainda, no
falhas, julgando outros seres humanos também sujeitos a erros Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
e falhas, e não máquinas pretensamente infalíveis e elitistas,
decidindo o destino de uma massa excluída.
• WAGNO LÚCIO DA SILVA

O protagonista desta narrativa é ex-presidiário, inocentado por


unanimidade pelo 2º Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal
de Justiça, depois de cumprir oito anos e três meses de prisão,
de uma condenação total de vinte e cinco anos e três meses em
regime integralmente fechado, equivocadamente, por culpa
exclusiva de entes públicos do Estado de Minas Gerais.

• CRÉDITOS

FOTOS DA CAPA: - jornal HOJE EM DIA.


Autor: Frederico Haikal
- Foto produzida: Carlos Vaz (Carlão)

FOTO DA CONTRACAPA: - jornal AQUI


Autor: Auremar de Castro

• CONTATO

Envie suas críticas, sugestões ou adquira exemplares através do


e-mail livro.casowagno@uol.com.br.

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• AUTORIZAÇÃO

Eu, WAGNO LÚCIO DA SILVA, brasileiro, solteiro, portador


da CI M-5.146.157 e CPF 610.365.606-00, autorizo os Drs. Dino
Miraglia Filho e Flaviane Magalhães Barros Pellegrini a narrar
o meu caso e a minha história pessoal e familiar, inclusive,
escrever e produzir livros, matérias para jornais, periódicos,
revistas e textos acadêmicos, nada tendo a me opor ou a reclamar
sobre essas obras, enquanto retratarem fielmente o ocorrido.

Declaro, ainda, que as inclusões dos nomes dos meus parentes


e demais pessoas citadas foram feitas com a minha permissão,
visto se tratar de fato real, público e notório, com farta divulgação
na imprensa local e nacional.

Testemunharam a outorga da presente autorização as pessoas


abaixo qualificadas, que também firmam este termo: “JUSTIÇA TARDIA NÃO É
1. ÉRICA SIMIM, brasileira, solteira, estudante do curso de JUSTIÇA, SENÃO INJUSTIÇA
Direito, portadora da CI MG-12.401.401 e CPF 051.212.756.50, QUALIFICADA E MANIFESTA.”
residente e domiciliada na Rua São Julião, n° 63, bairro Nova
Floresta, nesta capital; Rui Barbosa

2. FELIPE DANIEL AMORIM MACHADO, brasileiro,


solteiro, estudante do curso de Direito, portador da CI MG-
10.102.426 e CPF 064.479.626-00, residente e domiciliado na
Rua Antônio da Luz Braga, n° 40, bairro Brasil Industrial, nesta
capital.

Belo Horizonte, 25 de abril de 2006.

WAGNO LÚCIO DA SILVA

ÉRIKA SIMIM

FELIPE MACHADO

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