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LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco.

Petrópolis, Vozes,
1982. p. 41- 107.
Sabrina Sales Araújo
CAPÍTULO I - NATUREZA E CULTURA
A preocupação inicial de Levi Strauss é encontrar o momento da passagem entre
a ordem biológica e a social na análise do comportamento humano. Ele cita
experimentos como o dos meninos lobos, mas permanece sempre aberta a questão de
saber se a reação estudada [nesses meninos] está ausente por causa de sua origem
cultural ou porque os mecanismos fisiológicos que condicionam seu aparecimento não
se acham ainda montados, devido à precocidade da observação (p. 42)
A conclusão a que se chega é a de que se o homem é um animal doméstico é o
único que se domesticou a si próprio não existe comportamento natural da espécie ao
qual o indivíduo isolado possa voltar mediante regressão. É impossível, portanto,
esperar no homem a ilustração de tipos de comportamento de caráter pré-cultural. (p.
43)
Ele também busca um esboço de modelo cultural universal (linguagem,
instrumentos, instituições sociais e sistemas de valores estéticos, morais ou religiosos)
nas formas superiores da vida animal, especificamente nos antropoides, mas, quanto a
isso conclui que a vida social dos macacos não se presta à formulação de nenhuma
norma e aponta que Só é possível apreender esta passagem entre os fatos da natureza e
os da cultura no ponto de articulação entre eles, isto é, através de elementos que
possuem os caracteres das duas ordens (a universalidade e espontaneidade instintiva
características da ordem da natureza e particularidades e regras que são da ordem da
cultura).
Por fim, apresenta a proibição do incesto como esse fato da natureza que
apresenta elementos dessas duas ordens articulados. A proibição do incesto apresenta,
sem o menor equívoco e indissoluvelmente reunidos, os dois caracteres nos quais
reconhecemos os atributos contraditórios de duas ordens exclusivas, isto é, constituem
uma regra, mas uma regra que, única entre todas as regras sociais, possui ao tempo
caráter de universalidade a proibição do incesto constitui uma regra pode ter um
campo de aplicação variável, de acordo com o modo como cada grupo define o que
entende por parente próximo está sempre presente em qualquer grupo social. (p. 47)
Em suma o que ele pretende é identificar o momento de fundação da sociedade e
é no aspecto onde se encontra a articulação desses dois elementos (natureza e cultura)
que ela é fundada, isto é, o incesto é a sua base fundacional.
De forma a se precaver de possíveis contraposições à essa premissa baseada em
exceções, o autor diz que elas são relativas de sociedade para sociedade, sendo
necessário saber, portanto, se há em alguma sociedade a inexistência de regras quanto
aos casamentos, pois no geral, as exceções só existem em relação a outra sociedade ou
em casos específicos de infertilidade, de caráter temporário, ritualístico, ou oficial e
permanente como privilégio de categorias sociais.

CAPÍTULO III – O UNIVERSO DAS REGRAS


Neste capítulo o autor está preocupado com o funcionamento da proibição do
incesto conforme diferentes tipos de regras, pois é somente assim que ele pode ser
apreendido. Por isso, em alguns casos como em nossa sociedade a regra é colocada em
termos de graus e em outras, indivíduos sem consanguinidade podem ser classificados
como parentes.
Para ele, a proibição confunde-se com a regra da exogamia ou com ela subiste e ela
denota principalmente a passagem do fato natural da consanguinidade ao fato cultural
da aliança – que é exigida pela natureza, mas cuja forma é dada pela cultura. Ou seja, a
natureza impõe a aliança sem determina-la e é a cultura que a recebe e define as suas
modalidades, preenchendo com o seu conteúdo cultural o vazio das determinações da
universalidade biológica – que são inconscientes (p. 71-72).
Esse papel da cultura serve a um propósito primordial que é garantir a existência do
grupo, substituindo neste domínio a organização frente ao acaso. Ela intervém todas as
vezes que o grupo se defronta com a insuficiência ou a distribuição aleatória de um
valor cujo uso apresenta fundamental importância, como quando a existência física ou
espiritual do grupo está em jogo e se dá baseada no “regime do produto escasso”.
O regime escasso nada mais é do que dificuldades de existência cotidiana e o
obstáculo que elas criam a formação dos privilégios econômicos. E para o autor, a
limitação de mulheres, seja numa sociedade arcaica ou nas contemporâneas, mas
principalmente nas primeiras, onde o volume da unidade social é mais fraco e onde há
mais concorrência econômica e social, a monogamia é instituída de forma proibitiva da
tendência polígama profunda existente em todos os homens (p. 77-78).
Mas a monogamia não é uma regra geral em todas as sociedades primitivas. Os
Nambiquara por exemplo, mesmo sendo monogâmicos, abdicam da segurança
individual de acesso a uma mulher para oferece-la ao chefe de tribo que toma para si
várias mulheres que o ajudam em seus diversos afazeres. Nesse caso, o valor das
mulheres está para além da fertilidade e do sexo em si e ganha funcionalidades para o
bem coletivo – o que justifica a abdicação dos indivíduos.
Se a demanda de mulheres está sempre em desequilíbrio mesmo sendo em
quantidade igual aos homens, por haver diferentes “regimes de desejo”, a
homossexualidade, ou o empréstimo de mulheres entre grupos, a poliandria ou a
extrema liberdade social poderiam ser alternativas. Contudo, isso só funcionaria em
sociedades onde a função social das mulheres fosse apenas sexual, mas, frequentemente
tanto nas sociedades primitivas quanto na nossa, especialmente em contextos rurais a
importância feminina é mais econômica do que erótica e, em muitas, a própria noção de
família é a de uma “cooperativa de produção”. Onde impera esse tipo de concepção
sobre a mulher e a família, um homem que não casa e não tem filhos, corre um sério
risco de ser rejeitado, pois não contribui para o coletivo.

CAPÍTULO IV – ENDOGAMIA E EXOGAMIA


Neste capítulo o autor reitera o princípio do regime de escassez e o aspecto
negativo e positivo da interdição, que são respectivamente uma proibição e um início de
organização social. Após ele aponta também que a regra da proibição do incesto não é
baseada na distribuição natural das mulheres – da qual elas recebem um uso social –
mas sim, na finalidade de imobilizar as mulheres no seio da família, a fim de que a
divisão delas, ou a competição em torno delas seja feita no grupo e sob o controle do
grupo, e não em regime privado (p. 83-85).
Saindo da análise do conteúdo geral e negativo (proibição) da regra para a
análise de um conjunto de estipulações de outra ordem (positiva – determinação dos
casamentos aceitos) – endogamia e união preferencial, Levi Strauss aponta dois tipos de
endogamia: a funcional e a verdadeira.
A primeira é aquela concebida apenas como o inverso da regra de exogamia e só
aplicada em função desta.
A endogamia verdadeira [de classe] é somente a recusa de reconhecer
a possibilidade do casamento fora dos limites da comunidade humana,
estando esta última sujeita a definições muito diversas, segundo a
filosofia do grupo considerado [...] trata-se somente de saber até onde
se estende a conotação lógica da ideia de comunidade, que é função da
solidariedade efetiva do grupo (p. 86)

Já a segunda, se encontra sempre de forma conjunta com a exogamia (conexão) e todas


sociedades organizadas de acordo com ela são endogâmicas e isogâmicas. Um exemplo
deste tipo de organização são os australianos por ele estudados que são exógamos
quanto ao clã, mas endógamos na tribo, ou a sociedade norte americana (ou a nossa) que
aceita casamentos entre familiares de graus distantes.

A endogamia funcional fornece o equivalente de uma regra negativa. No


casamento entre primos cruzados, a classe dos cônjuges possíveis não se
apresenta nunca como uma categoria endógama. Os primos cruzados são
menos parentes que devem casar-se entre si do que os primeiros, no grupo
dos parentes, entre os quais o casamento é possível, desde o momento em que
os primos paralelos são classificados como irmãos [...]. É obrigatório, desde
que possível, por que fornece o sistema de reciprocidade mais simples de
conceber e é essencialmente um sistema de troca [...]. A categoria dos
cônjuges possíveis em um sistema de união preferencial nunca é fechada (p.
87-88)

É interessante notar que a regra de proibição do incesto ao limitar o acesso de


determinados indivíduos a outros, classificando-os, sempre clarifica ao pesquisador não
apenas a proibição ou a sua dimensão negativa, mas aponta também para os indivíduos
que se acessam livremente por meio da mesma regra. Isto por que A proibição do
incesto não é somente uma interdição. Ao mesmo tempo que proíbe, ordena. A
proibição do incesto, como a exogamia que é sua expressão social ampliada, constitui
uma regra de reciprocidade (p. 91)

CAPÍTULO V – O PRINCÍPIO DA RECIPROCIDADE


Utilizando o clássico “Ensaio sobre o dom” de Marcel Mauss, Levi-Strauss fala
sobre a reciprocidade das trocas em várias sociedades. Nas sociedades primitivas como
naquelas que praticam o Potlatch ou nas ilhas da Polinésia as trocas são realizadas em
determinadas cerimônias e são dons recíprocos com imensurável valor e para Mauss
trata-se de um fato social total, pois vincula-se simultaneamente com várias dimensões
da vida social como a religião, a economia, organização social, etc.
Nessas sociedades o objetivo das trocas não é o lucro como é em nossa
sociedade, mas a troca é o próprio jogo que consiste em um conjunto complexo de
manobras conscientes ou inconscientes, para adquirir garantiras e prevenir-se contra
riscos no duplo terreno das alianças e das rivalidades. É a distribuição das riquezas que
confere prestígio e não a posse delas (p. 94).
O autor faz uma analogia ao nosso Natal como um grande Pottlach, pois nele,
separamos alguns tipos de bens, de valor psicológico, estético para serem adquiridos em
forma de dons recíprocos, e não em forma de troca ou de consumo. Há nesse momento,
alusão de outros eventos em nossa sociedade que atuam como vestígios das nossas
experiências ou dons psicossociais primitivos: em nossa sociedade receber é também
dar, damos uma festa de aniversário, casamento, chá de bebe para receber os presentes.
Nossa “rich food” é o jantar especial, no qual não se serve comida cotidiana. Na
realização individual de um ato que normalmente exige a participação coletiva, parece
que o grupo percebe confusamente uma espécie de incesto social – como por exemplo
levar um prato para uma festa e só comer o que levou e não provar o que os demais
levaram é também um exemplo, o citado restaurante francês, onde o vinho é um mero
artifício através do qual se dá a socialização dos indivíduos.
Como a exogamia, a proibição do incesto é uma regra de reciprocidade, por que
um indivíduo renuncia sua filha ou irmã, na condição de que o seu vizinho também
renuncie. Para a autor os vestígios históricos de nossas experiências primitivas como as
citadas são poupadas pelo acaso, por causas extrínsecas, ou por que desempenha ainda
um papel que não difere essencialmente daquele pelo qual é possível explicar seu
aparecimento inicial. Esse é o caso da troca, mas a troca de bens materiais com o tempo
diminuiu sua importância em favor de novos modos de aquisição já com relação às
mulheres houve ao contrário, a conservação de sua função fundamental.
Aqui Levi Strauss fecha o seu raciocínio de modo surpreendente pois para ele a
sociedade é fundada na proibição do incesto, justamente no fenômeno sexual que
engloba o biológico e o cultural e, por isso, as mulheres são para essa fundação e para a
continuidade social o bem por excelência, sobretudo porque as mulheres não são
primeiramente um sinal de valor social, mas um estimulante natural. São o estimulante
do único instinto cuja satisfação pode ser variada, o único, por conseguinte, para o qual,
no ato da troca, e pela apercepção da reciprocidade, possa operar se a transformação do
estimulante em sinal, e, ao definir por meio dessa medida fundamental a passagem da
natureza à cultura, florescer em uma instituição. (p. 102)
Para ele então é incomparável a troca de bens e presentes materiais, pois a
mulher é o presente supremo que pode ser obtido exclusivamente em forma de dons
recíprocos e, por isso, a troca das noivas é apenas o termo de um processo ininterrupto
de dons recíprocos, que realiza a passagem da hostilidade (guerra e desordem) `aliança,
da angústia à confiança, do medo à amizade (p.5).
Ao mostrar esse processo como ininterrupto, Levi Strauss parece prender as
mulheres sem nenhuma condição de fuga dessa lógica, sem que aja necessariamente um
desmoronamento de toda a organização social.

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