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Guardiola o Ladrão de Ideias - Germán Castaños PDF
Guardiola o Ladrão de Ideias - Germán Castaños PDF
Dedicatória
Ao meu pai que, tendo eu só cinco anos, cada domingo me levava pela mão
ao campo para ver o nosso querido Villa del Parque. A primeira parte na tribu-
na, a segunda parte nas redes atrás da baliza. Por partilhar a paixão desde o
coração, por ensinar-me o idealismo desde o exemplo. Obrigado meu velho!
Sente-se a tua falta.
A Silvana Freddi que soube ter a paciência infinita de atender cada sugestão,
cada reclamação, cada ideia e que fez de Guardiola… um livro de leitura mais
simples e amigável que a minha obscura proposta inicial. Já não serei o mes-
mo escritor que fui, depois da sua sabedoria.
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fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
A todos que me ignoraram (são muitos) ou acreditaram que estava louco (são
uns quantos), indispensável obstáculo para redobrar a perseverança e a pro-
cura de novas oportunidades em novos espaços e renovadas pessoas.
A todos que acreditaram em mim (são muitos), apoio indispensável para se-
guir para a frente: María Angélica, Gaspar, Guada, Carmen, Raúl, avó Esther,
abuelo Darío, Mario, Lautaro, Marcos Bertone, Jorge Manso, Mario Raúl, Abel
Lagheza, Laura Caruso, Silvana do Hotel Panamericano, Claudia de Engrau-
lis, Fernando Hipólito, Eduardo Pérez Moretti, Marcelo Cardoso, José Pilar,
Claudio Oliver, Mariela Faienza, Luis Lanza, Raúl Mauco, Mecha Lubrano, Cla-
risa Herrera, Dora Foss... todos eles acreditaram de uma ou outra forma. A to-
dos os que esqueci de mencionar mas sabem que também merecem estar
numa dedicatória. Lhes peço perdão e espero que me perdoem.
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Índice
Prólogo...............................................................................................vi
1. Generalidades.......................................................................................10
2. Inovação Tecnológica...........................................................................61
3. Tática......................................................................................................82
4. Motivação e liderança de equipas.....................................................100
5. Marketing.............................................................................................134
6. O treino................................................................................................147
7. O jogador.............................................................................................172
8. Futebol infantil e juvenil.....................................................................190
9. O treinador...........................................................................................202
10. Técnicas de criatividade e ecossistemas de inovação.................237
11. A técnica............................................................................................249
12. Regulamento e arbitragem...............................................................255
13. O apito final.......................................................................................262
Bibliografia.......................................................................................267
Agradecimentos...............................................................................270
Germán Castaños...........................................................................278
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Prólogo
Não concebo preparar e jogar uma partida sem a ideia de poder ganhá-la. Pre-
parar o jogador desde o mental, intelectual e conceptual para que seja prota-
gonista.
Como treinador, necessito encontrar e saber pressionar a “tecla” exata
para que essa ordem tática sem a bola se transforme numa “desordem organi-
zada” com a bola e o jogador tenha liberdade, capacidade de tomar decisões
e improvisação, assuma riscos, invente e seja criativo para desenvolver assim
todo o seu potencial. Se o sistema tático te tira criatividade, não serve.
Se encontro essa “tecla”, o jogador assumirá melhores tomadas de decisão
e renderá, como mínimo, cerca de 20% mais.
O líder deve brindar ferramentas para que o futebolista decida espontanea-
mente e, neste ponto, o presente livro brinda tanto a treinadores como a fute-
bolistas caminhos para explorar a sua criatividade ao máximo.
Ricardo Zielinski
Treinador de Futebol. Treinou o Racing Club, Belgrano de Córdoba, Chacarita Juniors e Defensa
y Justicia, entre outras equipas.
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Apaixonante livro. Recomendado para todos aqueles que gostam das histó-
rias relacionadas com o futebol e também para aqueles que gostam de ir um
pouco mais além. Neste mundo onde a inovação e a criatividade estão atra-
vessadas pela tecnologia, o futebol não escapa a tal regra.
Gabriel Gómez Stradi
Analista de vídeo no Club Atlético River Plate.
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CAPÍTULO 1
Generalidades
O treinador inglês Howard Wilkinson tinha razão: “Há dois tipos de treinado-
res: os que acabam de ser despedidos e os que estão prestes a sê-lo”. Tam-
bém Nils Liedholm, que foi treinador da Roma de Itália: “O trabalho de treina-
dor é o melhor do mundo. Pena que existam os jogos!”.
Lição 1
Numa sociedade com muitos atores frustrados, o futebol é o âmbito onde não
se perdoa a frustração, precisamente por ser o lugar no qual a sociedade está
disposta a sublimá-la. No futebol podemos transformar a nossa fracassada re-
alidade numa “fantasia de êxito”, isto é, mudar a nossa imagem quotidiana de
frustração por 90 minutos de ilusão.
Cada vez mais o treinador, e também os jogadores e os dirigentes em me-
nor medida, são a desculpa perfeita, o verdadeiro “bode expiatório”. Na antigui-
dade em Israel, sacrificavam um bode em rituais religiosos para purificar as su-
as culpas. Estamos a entrar numa era na qual nem sequer os bons resultados
garantem a continuidade do treinador ao comando da equipa. Nos últimos
anos, por exemplo, a Jupp Heynckes não lhe renovaram o contrato no
Bayern de Munique, apesar de ter conseguido a Liga dos Campeões, a Bun-
desliga e a Taça da Alemanha.
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Lição 2
A imprensa, assim como os adeptos, exigem satisfação imediata e sustentada
no tempo. Somado ao facto de que certos dirigentes carecerem de uma lide-
rança para sustentar aquilo em que dizem crer (projetos de longo prazo, etc.)
mas não estão dispostos, no mais mínimo, a pagar os custos políticos porque
renovam o seu poder nas eleições seguintes.
Encurtaram-se todos os tempos. Tudo tem tendência ao efémero. Tudo é,
em termos de Zygmunt Bauman, “sociedade líquida”. Mudança permanente.
Mutação constante. O líquido é maleável, dinâmico e volúvel. Por isso, fala-
se, e o futebol não é alheio a estas variáveis, de ambientes VUCA: volatile (vo-
látil), uncertain (incerto), complex (complexo) e ambiguous (ambíguo).
Se a guilhotina sempre ameaça o pescoço e a morte de qualquer processo
está vigorosamente presente, mais vale mortes dignas que deixem inspiração
que ocasos que não iluminem nada. A criatividade e a inovação serão cruciais
para evitar a profecia compartilhada de Wilkinson ou para que, ao cumprir-se,
a lápide nos despeça com honras.
Lição 3
A urgência de resultados pode destroçar qualquer planificação a longo prazo.
Por isso, cada vez mais as empresas contratam pessoas com capacidade de
resolução de problemas complexos, criatividade e flexibilidade cognitiva. Isso
mesmo deveriam observar os dirigentes na hora de contratar um treinador.
Isso mesmo deveria ter em conta o treinador no momento de eleger um joga-
dor. Já o disse o genial Victor Hugo: “O que conduz e arrasta o mundo não
são as máquinas mas as ideias”.
Nunca fui partidário das definições absolutas porque tendem, numa tentati-
va de descrever e sintetizar, ser reducionistas e limitantes. Mas há uma que
gosto particularmente e que pode ser útil para nos introduzir no termo criativi-
dade. Diz Paul Torrance: “A criatividade é um processo que torna alguém sen-
sível aos problemas, deficiências, gretas ou lacunas nos conhecimentos e o
leva a identificar dificuldades, procurar soluções, fazer especulações ou formu-
lar hipóteses, aprovar e comprovar estas hipóteses e modificá-las, se é neces-
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Lição 4
Um dos grandes pensadores do século XXI: Stephen Hawking disse que a in-
teligência é a habilidade de adaptar-se às mudanças. Hawking não estava fa-
lando de futebol mas bem que o poderia ter feito. A inteligência para adaptar-
se às mudanças neste campo deve ser repentina, imediata. Tanto desde o
banco como desde a relva. E não há melhor forma de adaptar-se às mudan-
ças do que responder rapidamente a elas, sobretudo se é ele mesmo quem
as provoca. Tal é a importância da criatividade e da inovação no futebol.
A eterna denúncia
Lição 5
Os treinadores tendem a tropeçar com um lugar bastante comum quando do-
minam o jogo mas não obtêm a vitória. Uma e outras vez as mesmas pala-
vras. Discurso que também abraçam os jogadores. O que ocorre com eles
também se estende às organizações. É habitual ver como as empresas ado-
tam o discurso da inovação da boca para fora, mas logo resistem seriamente
a implementá-la no quotidiano.
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Diego Latorre (a sua avaliação como jornalista depois do empate com a Argen-
tina): “Ao Equador faltou-lhe mais criatividade no seu jogo ofensivo”.
Ottmar Hitzfield (depois da equipa alemã vencer o Boca): “Ao Boca faltou-lhe
criatividade”.
Lição 6
Reclama-se criatividade mas treina-se a mecanização. Porque quando uma
equipa não converte golos, falta criatividade no ataque; mas quando perde por
vários, não se reclama criatividade defensiva.
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Lição 7
Quando faltam ideias e o jogo cai em repetições sem resultados visíveis, recla-
ma-se a ausência de criatividade. Mas, treina-se para a criatividade? Fomen-
tam-se ambientes criativos? Porque se associa a criatividade só com o ata-
que, e não também com o bloqueio das habilidades do adversário? Porque se
limita a criatividade ao mais óbvio? Também pode faltar criatividade para blo-
quear o adversário. Mourinho costumava dizer: “Cada vez que enfrentava
Messi, passava horas pensando na maneira de pará-lo coletivamente, já que
é impossível marcá-lo individualmente”. Isso também é um exercício de criativi-
dade.
A eterna denúncia de ausência de criatividade vem acompanhada de outra
frase igualmente banal e escutada até à saciedade: “Temos que trabalhar
mais duro”. E trabalhar para ser mais criativo para quando? Vitor Frade, pai
da Periodização Tática, costuma falar do Princípio das Propensões, que basi-
camente consiste em fazer aparecer uma grande percentagem do que quere-
mos alcançar, do objetivo pretendido. Para isso, devemos condicionar o exercí-
cio para que o comportamento pretendido apareça de uma maneira repetida.
Por esta razão, há falhas de aparição criativa. É evidente que, sem criativida-
de no treino, dificilmente encontraremos criatividade no jogo. Ou como dizem
Amieiro, Oliveira, Resende e Barreto: “A equipa como um ‘mecanismo não me-
cânico’. Durante a semana de trabalho, os exercícios deveriam promover situa-
ções onde surjam ações espontâneas que gerem um caos dentro de uma or-
dem estabelecida. Isto faz referência à organização funcional, ou como a nos-
sa equipa se vai desenvolver no terreno de jogo. Há que procurar uma criativi-
dade que destrua esse mecanismo rígido sem criatividade nem espontaneida-
de, mediante exercícios que obriguem os nossos futebolistas nos treinos a re-
solver constantemente situações de maneira espontânea e criativa”.
Lição 8
Existe uma inconsistência entre a reclamação e a ausência de prática que fa-
voreça a criatividade. Reclama-se o que não se faz. Pede-se aquilo que não
se desenvolve. Não se chega a entender a criatividade como um fenómeno
que transcenda a criatividade técnica dos iluminados e virtuosos da bola. As
coisas são vistas sempre do mesmo modo, tal como veremos detalhadamente
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ção. Como é possível superar uma equipa poderosa, sem criatividade e inova-
ção? Como poderia uma equipa poderosa manter o seu reinado, sem criativi-
dade e inovação? É que, tanto no futebol como nos negócios, entre as pesso-
as, as organizações e os países… o que não inova morre!
Lição 9
Sem a inovação como método que tudo atualiza, ainda estaríamos taticamen-
te a jogar no WM de Chapman, ou avaliando a condição física do futebolista
com o Teste de Cooper. A inovação converte rapidamente em algo obsoleto
qualquer tecnologia, e coloca assim em tempos pré-históricos algo que ocor-
reu faz menos de cinquenta anos. Os computadores que levaram o homem à
lua em 1969 tinham menos capacidade de processamento do que o telemóvel
que levas no teu bolso!
“Não posso entender porque é que as pessoas se assustam com as novas
ideias. Eu assusto-me com as velhas”, dizia John Cage. As inovações mais for-
tes provêm de setores que não se encontram no radar competitivo dos gran-
des. Blockbuster, a maior cadeia de aluguer de filmes do mundo (comparável
a um Barcelona, um Real Madrid, um Manchester United ou à Juventus), en-
trou em bancarrota pela aparição de um competidor pequeno mas ágil, inova-
dor e com um novo modelo de negócios: Netflix. A revolução metodológica, ci-
entífica e tática no futebol soviético surgiu de um treinador da terceira divisão:
o Dnipro dirigido por Lobanovsky, que desenvolveu o futebol total mas do ou-
tro lado da Cortina de Ferro.
A inovação joga a favor e joga contra. Não é para covardes nem hesitan-
tes. A favor porque, se verdadeiramente se quer marcar um caminho e deixar
uma pegada distinta, é imprescindível recorrer a ela. Contra porque os treina-
dores jogam cada partida com uma sensação constante de que o seu trabalho
pode caducar, se os resultados não os acompanham. A urgência de resulta-
dos conspira para a criação original. Por isso, há mais conservadores do que
inovadores no futebol mundial.
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Lição 10
A criatividade e a inovação são aplicáveis a cada âmbito do rendimento de
uma equipa. Desde a tática à motivação, desde a preparação física às pales-
tras pré-jogo, desde programar o estágio até à viagem em avião, desde uma
conversa individual com um jogador até uma conferência de imprensa (como
as conferências de Jürgen Klopp, que são incríveis), desde a renovação de
um contrato até à apresentação com o plantel do primeiro dia de trabalho.
Tudo pode receber a frescura que brinda a criatividade. O uso deste tipo de
ferramentas também deveria funcionar como um “gatilho” para que o próprio
treinador possa elaborar as suas; ou como um “despertador” que o ajude a
pensar no impensado (sabe-se que 95% dos pensamentos de hoje serão
iguais aos de ontem e aos de amanhã).
O treinador é quem decide onde e quando deseja utilizá-las (se é que dese-
ja utilizá-las ou arquivá-las). O que não é possível é não pensá-las. Seria qua-
se como dizia Unamuno: “Que pensem eles” (os rivais). O produto da criativi-
dade não será sempre de aplicação imediata. Pode ser rotineiro e persistente
nas suas ideias táticas, mas criativo nas suas formas de comunicar. Ou vice-
versa. Ou ambas as coisas. Sempre é melhor a sua disponibilidade e uso
para todos os âmbitos, desejos e necessidades, mas ninguém tira a cada trei-
nador o poder utilizar o produto da criatividade quando, para e onde queira.
Uma grande definição de futebol é aquela que soube recolher as melhores
ideias de muitos pensadores. Em 2005 Mas disse: “É uma habilidade aberta,
relacionada fundamentalmente com a perceção (Knapp, 1963) e o conheci-
mento (Bloom, 1965), que requer o domínio do próprio corpo e uma relação
com os outros, (A.A.P.H.E.R.), com uma grande incerteza sócio-motriz implíci-
ta no jogo, (Parlebas, 1998), que exige um terceiro nível de dificuldade, que
implica a mobilidade constante do objeto e do sujeito, isto é, da bola e do fute-
bolista (Fitts, 1965) e, para além disso, implica o domínio dos deslocamentos
e o conhecimento do oponente”.
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Lição 11
O futebol tem uma sucessão infinita de situações problema ao longo do jogo.
Crer que o treinador tem todas as respostas é uma soberba própria do desco-
nhecimento. Mas se num exercício de ilimitada imaginação este as tivera, ha-
veria que ver se o jogador tem a capacidade de aprende-las todas e a motiva-
ção para as absorver. É por isso que a capacidade de resolução imediata (o
futebol não espera) e intuitiva (ninguém pode parar para pensar porque abriria
caminho ao golo adversário) e a capacidade de “improvisar profissionalmen-
te”, fazendo uso do conhecimento de forma veloz, são fundamentais para um
jogador. “Primeiro a ideia e depois a jogada”, dizia o genial xadrezista Miguel
Najdorf. Esta frase diferencia dois tempos, o qual é impossível fazer no fute-
bol, exceto nas jogadas de bola parada e só antes de que o árbitro coloque
tudo em movimento com o seu apito. O futebol é um “xadrez vivo”. O xadrez
trabalha com as ideias de uma parte do cérebro chamada neocórtex; enquan-
to que o futebolista necessita acomodar-se numa criatividade vinculada com o
inconsciente.
Quando Callois fez a sua classificação sociológica dos jogos, faz mais de
50 anos, quis diferenciar a cada um encerrando-o num compartimento. A clas-
sificação constava de quatro categorias: Agon (jogos de competição, individu-
ais, coletivos, por equipas); Alea (jogos de fortuna, de azar, de sorte); Mimicry
(jogos de representação, de simulação, simbólicos); e Ilink (jogos que impli-
cam um desejo de turbulência e instabilidade, acompanhados de sensações
de desequilíbrio ou vertigem). A maioria dos jogos responde a uma categoria,
uns poucos a duas. Mas se examinarmos detalhadamente o futebol, vemos
que ele tem algo de todas. Razão que o torna imprevisível.
Lição 12
O treinador inovador (bem sucedido) tende a ser copiado por todos sobre a
base da crença que, copiando o método, os resultados chegarão com este.
Quem copia às cegas não sabe que cada criação tática é única para cada
equipa, que necessita adaptações individuais tanto como criações que a enri-
queçam. Isso ocorreu com o Inter da Itália que após os títulos o seu modelo
foi copiado até à exaustão, mas com escassos resultados. O seu difusor, Hele-
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nio Herrera, soube dar as razões: “O Catenaccio foi copiado por todos, mas o
fizeram mal. Só puseram em prática a sua defesa, esquecendo-se da sua
ofensiva. Sem ela, nunca teríamos ganho”. É justo dizer que o verdadeiro in-
ventor do catenaccio foi o treinador austríaco Karl Rappan no Servette, e
mais tarde na Seleção Suiça, com o denominado ferrolho suiço. Nada do que
se expõe neste livro deveria ser copiado por si só. O propósito é que, ao ser
lido, funcione como inspiração para que cada treinador desenvolva o seu espí-
rito inovador dia após dia. Helenio Herrera não foi só inovador nesse aspeto,
também foi o inventor dos estágios. A sua esposa, Fiora Gandolfi, conta como
apareceu a inspiração e o momento eureka:
“Helenio partiu uma perna e teve que estar muito tempo em repouso. Gostava muito
de ler, mas o único livro que se pode encontrar num hospital de Espanha é A Bíblia. En-
controu uns textos de um monge que recomendava retiros espirituais, dias inteiros nos
quais se limpava a mente, em busca de um estado de concentração absoluta. Helenio
deu-se conta em seguida de que isto podia ser muito útil para mentalizar os jogadores
antes de partidas importantes. Assim foi inventado o estágio”.
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mais 80% de atenção às notícias más do que às boas porque no negativo en-
contra-se a ameaça à sobrevivência. O positivo é um excedente para o cére-
bro. Frans de Waal em Eu Primata - por que somos como somos diz: “O pre-
cursor da depressão em outras espécies, a base biológica que logo dará lugar
à depressão como a conhecemos, é a derrota. A derrota dá lugar a uma série
de mudanças fisiológicas e emocionais muito similares às da depressão”.
Segundo a Teoria Prospectiva de Kahneman e Tversky, as pessoas ten-
dem a escolher uma alternativa segura antes do que uma provável, o qual se
conhece como “efeito certeza”. Em termos futebolísticos, a maioria dos treina-
dores prefere um empate seguro, antes que um triunfo provável. Os autores
também descrevem o “efeito de reflexão” que basicamente diz que os huma-
nos tendem ao risco quando todas as nossas opções são más. No futebol, a
maioria dos treinadores correriam o risco de expor-se quando, por exemplo,
necessitam de um triunfo de três ou mais golos para passar de fase.
O mesmo ocorre no amor. Um psiquiatra relata que as pessoas aproximam-se
para saber em que é que falharam e não repetir os erros no futuro. A consulta
não é sobre de “como conquistar”, mas “como não ser abandonado”. Evolutiva-
mente o objetivo de qualquer espécie é a sua conservação. A preservação e
transmissão de genes à próxima geração. Por isso, os mecanismos de alerta
estão mais ativos para as emoções negativas do que para as positivas. O alar-
me está sempre preparado para detetar situações que ameaçam a sobrevivên-
cia.
As derrotas no futebol. A resposta maioritária (de se colocar mais ênfase
na derrota do que na vitória), perante este alarme, desperta nos treinadores o
seu mecanismo de defesa mais primitivo e inconsciente: procurar estratégias
para não perder e ter a ameaça temporariamente afastada. Ás vezes, só uma
semana e até à próxima partida.
Ás mesmas conclusões se chegou sobre as equipas cotadas em bolsa. As
pessoas têm mais tendência a evitar as perdas do que a obter lucros. Assim
como as vitórias impulsionavam as ações para cima e as derrotas para baixo,
o impacto negativo das derrotas era proporcionalmente o dobro que o das vitó-
rias. Castellani, Pattitoni y Patuelli, professores da Universidade de Bolonha
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porque evolui todos os dias. Quem diz o contrário é porque não conseguiu
compreendeu nada”.
Na tecnologia
Incorporação do limpa para brisas.
Invenção do automóvel.
Incorporação do rádio.
Incorporação da lanterna.
Invenção do telefone móvel.
Incorporação da câmara de fotos.
No futebol
Mudanças na marca do penálti (no início
existia uma linha).
Invenção do penálti.
Mudança na distância do Guarda-Redes
(no início podia-se adiantar).
Chuteiras com pitões modificáveis.
Invenção das chuteiras. Chuteiras sem cordões.
Chuteiras estilo basquetebol.
Lição 13
Em geral, os treinadores sabem muito de tática e estratégia mas nada de cria-
tividade e inovação. Mas a estratégia sem criatividade não é outra coisa que
um plano óbvio. Assim não é possível formar jogadores criativos nem equipas
inovadoras.
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Lição 14
Toda a estratégia sem criatividade na sua idealização torna-se previsível/aces-
sível de bloquear/vencer. Sun Tzu é o autor de A Arte da Guerra, considerado
o melhor livro de estratégia de todos os tempos. E apesar da data em que foi
escrito (século VI-V a. C.), continua a ser um manual indispensável em aulas
de estratégia de jogo e utilizado em prestigiadas universidades como o Institu-
to de Tecnologias de Massachussets ou a Universidade de Columbia. Para
além disso é a leitura de cabeceira de numerosos diretores de grandes multi-
nacionais e treinadores desportivos de todos os setores e categorias. Diz Sun
Tzu: “Os guerreiros vitoriosos primeiro vencem e depois vão à guerra. Os guer-
reiros vencidos primeiro vão à guerra e depois tentam vencer”. A criatividade é
um bom aliado da estratégia. Motivação e originalidade para os próprios. Sur-
presa e imprevisibilidade para o adversário.
Alguns treinadores não fazem demasiado uso da palavra criatividade nos
seus discursos mas isso não é um problema, abunda-se em suas intenções e
exigências. Um exemplo disto é Cruyff. Sem mencionar a palavra criativida-
de, a exigia com toda a sua energia: “Há que saber romper a lógica da defesa
quando não o esperam”. É óbvio que a lógica não se rompe com lógica, mas
com imaginação e criatividade. Cruyff sabia gerar rompimentos com Koeman
ou Guardiola.
Em 1993 o jornalista Santiago Segurola escreveu um artigo no qual valori-
zava as qualidades estético-criativas do jogo que impulsionava Cruyff: “Há
algo nas suas equipas que as aparenta com uma visão pop da vida: o gosto
pela diversão, a procura do brilho e um lado ingénuo, juvenil e despreocupa-
do. As boas partidas do Barça sentem-se como as boas canções de Os Bea-
tles ou Os Kinks: rápidas e diretas ao coração. E tudo isso porque Cruyff gos-
tava da bola e dos futebolistas, e não andava preso à chatice que nos mata:
sistema, sistema, sistema. Ainda que os seus discípulos tenham prestado
atenção ao equilíbrio, à tensão defensiva e aos detalhes táticos, nenhum se
esqueceu do estilo e da mensagem lúdica de Johan”.
A criatividade pode romper a lógica porque a desestabiliza. A lógica não
pode romper o produto da criatividade porque não tem um sentido que se pos-
sa compreender ao instante. Toda a criação exige em tempo de interpretação.
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Lição 15
O que não faz nada para evoluir está fazendo tudo para estagnar. E para não
estagnar, é bom saber que criatividade não consiste só em fazer jogadas com
boa habilidade técnica e inovação não se trata só de mecanismos tecnológi-
cos que melhorem o rendimento. É infinitamente mais do que isso. É a ponta
do iceberg do óbvio. As possíveis contribuições da criatividade e a inovação
são todo o resto do iceberg que não se vê.
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Lição 16
Os inteligentes tomam de todos; os tolos só de si mesmos. Em criatividade e
inovação não se trata do que se rouba, mas do que se faz com o que se rou-
ba. O sistema de Guardiola no Barcelona teve antecedentes afastados do se-
lecionador italiano Vittorio Pozzo na década de 30 e de Arrigo Sacchi no Mi-
lan de finais dos anos 80. Ainda assim, ninguém pode dizer que Guardiola não
é um inovador nato, porque a questão não é de quem ou quando tomas do
resto, mas o que é que fazes com o que tomas.
O jornalista e escritor Lluis Lainz disse: “Guardiola soube recolher os ensi-
namentos de Michels (propôs o sistema e os automatismos), Cruyff (contribu-
iu com a frescura da intuição e a simplicidade), Van Gaal (implementou o estu-
do e o rigor) e Rijkaard (adicionou o trabalho de pressão em primeira linha e
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Lição 17
Trata-se de ver a conexão de tudo o vivido, a favor da criação e a capacidade
de combinar e ressignificar os conhecimentos antigos. Qualquer treinador tem
a capacidade de transformar-se num profissional inovador e surpreendente.
Se somámos as suas experiências como jogador (a maioria dos treinadores
foram jogadores de futebol), a quantidade de treinadores que passaram pelo
seu caminho, a formação formal ou autodidata, a quantidade de horas de ob-
servação de futebol e de outros desportos e a sua experiência como treinador,
podemos afirmar que, se um treinador não é inovador, não o é pelos seus co-
nhecimentos, mas pela sua falta de predisposição a sê-lo. Uma questão mais
de atitude que de biologia.
Foi dito até ao infinito que a grande contribuição de Guardiola foi recupe-
rar a técnica, quando se impunham a tática e o físico. Mas tal repetição não
garante que seja verdade. O grande acerto de Guardiola foi realizar a união
perfeita. Quem poderia falar mal do físico, se toma para as suas equipas o
pressing de Arrigo Sacchi? Quem poderia criticar a tática, se inovou até jogar
sem avançados e golear? Guardiola soube combinar, em perfeita harmonia, o
físico e o tático, para que o técnico pudesse brillar. Neste ponto, há que menci-
onar também o psicológico-grupal, pela maneira com que soube gerir os egos
das suas super estrelas. E os seis títulos da sua primeira temporada não fo-
ram um obstáculo para continuar a introduzir modificações significativas. Guar-
diola elegeu “lançar as suas inovações ao mercado” nas condições mais arris-
cadas e menos aconselháveis. Não se conformou com adversários de dimen-
são menor, elegendo o Real Madrid e, no mesmíssimo Santiago Bernabéu,
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modificou uma defesa de três ou deslocou Lionel Messi da linha para a posi-
ção de um falso número nove. “Sem a capacidade de surpresa, estamos mor-
tos”, também expressou. De onde nasce a surpresa? De evitar a rotina futebo-
lística, que não deve confundir-se com sustentar os princípios nos quais se ba-
seia o jogo. Não conheço outro caminho para gerar surpresa que desenvolver
criatividade.
Oscar Rojas Morillo definiu Guardiola como o último renascentista e ao Bar-
celona como uma equipa tão marcada para o talento e a criatividade, que a
inovação nasce sozinha. Exigir inovação sem passar pela criatividade é saltar-
se passos inutilmente. A criatividade transbordante provoca inovação por si
mesma, já que é impossível não enamorar-se de uma ideia e validá-la no cam-
po.
Lição 18
Como mencionei também no meu livro anterior O pensamento em montanha
russa: “Se inovar implica ter uma vantagem temporal, que dure umas partidas
ou toda uma temporada, justifica qualquer esforço. E uma vantagem temporal,
traz outra vantagem temporal, justifica vantagens temporalmente ampliadas
que roçam o definitivo. O processo de imitação é o início de um novo molde
que pode terminar numa criação única. Porque a imitação é também o início
de um caminho. Copiar eternamente e com exatidão é uma repressão do eu,
do nós, inaceitável em qualquer psique. Mais tarde ou mais cedo, surgirá uma
exteriorização do eu/nós com atributos próprios da nossa individualidade/cole-
tividade”.
Em 1980 Juan Mujica, ao comando do Nacional de Montevideu (Uruguai)
e após o seu regresso como futebolista em França, copiou e adaptou marca-
ções ao homem trazidas da Europa, algo impensado para o futebol uruguaio
de então. E conseguiu ser campeão da liga local, da América e também do
mundo.
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PREVISÃO 1
É muito comum no mundo empresarial convocar desportistas e treinadores
para palestras e conferências sobre duas capacidades bem determinadas: li-
derança e motivação. Dentro de pouco, o futebol fará todo o contrário: copiará
e adaptará criativamente as melhores experiências do mundo da empresa.
Num futuro próximo, os treinadores dedicarão uma percentagem de tempo do
total de treino (que pode converter-se num turno dedicado só a isso) a melho-
rar as qualidades do futebolista, replicando de maneira adaptada iniciativas
como as da Google ou 3M. A atenção das necessidades individuais e o com-
promisso de planificação aumentam tanto a motivação como a pertença, pois
qualquer jogador se sente importante, escutado e atendido.
O técnico inovador Osvaldo Zubeldía nutriu-se do mundo da empresa,
quando o seu ajudante na equipa técnica, Miguel Ignomiriello, lhe recomen-
dou as sessões de duplo e triplo turno, logo depois de ler um livro acerca de
como se organizava o trabalho nas fábricas.
O fenómeno da cópia é saudável como início de um caminho mas doentio
como início e fim. Copiar pode tanto originar como destruir a criatividade. O
seu uso ou abuso determina a sua fertilidade ou a sua morte. Não se trata da
fórmula “copie e cole”, mas de algo muito mais amplo e produtivo que consiste
em copiar (combinar, criar, recriar, imaginar, sobrepor, eliminar, recombinar)
para depois colar. A cópia como réplica total e absoluta diminui as potencialida-
des. A cópia como método criativo as amplia. A primeira é moralmente ilegíti-
ma. A segunda é moralmente aceitável e comercialmente viável”.
Laureano Ruiz, inventor dos meínhos (essa forma de treinar com bola que
utilizou o Barcelona) tinha razão, ao dizer: “Durante muitos anos se disse que
estava tudo inventado. Mas este jogo é evolução e progresso. Antes para de-
fender, ia-se para trás. Agora o Barça vai para a frente”.
e treinador”. Não tem sentido não tomar os elementos disponíveis, para dar-
lhes um significado pessoal, e construir a própria identidade com elementos
do “outro”. E agrega: “Mais que uma metodologia própria, é uma maneira de
interpretar o treino, porque transformo o prisma com o que quero olhar os ele-
mentos que já estavam aí”. O conceito de intensidade tática, principal contribu-
ição de Tito Ramallo, provém da combinação, pois nasceu da leitura de duas
tendências: o que dizia Seirul-lo e o que dizia Frade.
O grande Steve Jobs, fundador da Apple, dizia que criatividade consiste em combi-
nar coisas. Os cartões vermelhos e amarelos, por exemplo, nasceram da necessidade
de penalizar os jogadores e o seu inventor, um árbitro inglês, inspirou-se nos códigos
dos semáforos: o amarelo = advertência e o vermelho = proibição. Todo o descobrimen-
to apoia-se num anterior. Quando Wilhelm Röntgen descobriu os raios X, jamais imagi-
nou a quantidade de aplicações médicas que derivariam deles.
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zou-se no mundo inteiro. Mas nem todos sabem que Chapman foi o promotor
da utilização dos dorsais e da luz artificial nos estádios para favorecer as parti-
das noturnas.
A inovação também é um processo cíclico (como a moda), onde o velho
que é pouco estimado pode voltar a aparecer como algo novo com o correr do
tempo. A inovação é atrevimento e corre-se o risco de ficar em ridículo se esta
falha. Mas não necessariamente a proposta, e a interrupção abrupta que impli-
ca, deveria ser um risco tormentoso que faça que, por medo, as ideias fiquem
só em papel ou numa conversa de café.
Em Itália, por exemplo, inventaram o conceito regulamentar do cartão ver-
de. Este consiste em que um árbitro pode mostrar cartão verde aos jogadores
para os premiar por alguma ação relacionada com o jogo limpo. A ideia é pre-
miar os jogadores que tenham acumuladas uma maior quantidade de cartões
no final da temporada.
A inovação aqui permite atender vários detalhes para compreender o seu
impacto desde a criatividade:
a. Introduzir um cartão com uma nova cor.
b. Sair do conceito punitivo (castigar com os cartões amarelo e verme-
lho) para ingressar no campo do reconhecimento como conceito valorizador.
Isto implica uma mudança de perspetiva.
c. Os italianos primeiro experimentaram o cartão em categorias juvenis
e logo no futebol profissional da segunda divisão.
Lição 19
Pensar em termos opostos (neste caso estilo punitivo/estilo valorativo) favore-
ce a criatividade por levar o pensamento justamente ao seu oposto (onde ge-
ralmente pode haver lugares vazios de ideias); a cada ideia, na prática, pode
atribuir-se o nível de risco que se deseja. Ter em conta esta diferença, entre o
criar e o fazer, permite que as ideias possam ir da mente ao terreno e da teo-
ria à prática mais rapidamente.
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Lição 20
Os treinadores tentam extrair dos seus futebolistas as máximas contribuições,
tanto desde o ponto de vista físico como volitivo. Mas a nenhum lhe ocorre ex-
trair as maiores contribuições desde a sua criatividade. Para os dois primeiros
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pontos, existem treinos físicos que levam ao limite a capacidade de tolerar car-
gas do desportista. Mas são quase inexistentes os treinos que explorem a cria-
tividade em aspetos gerais e específicos adaptados ao jogo. Este é um peque-
no extrato do que disseram o treinador argentino Ángel Cappa e o preparador
do Barcelona Seirul.lo em relação da necessidade de treinar no futebol:
Cappa: “… Há que treinar com criatividade. Não se deve prever tudo, falando desde
o ponto de vista futebolístico. Depende também do dia, do que surja nesse instante. Mui-
tas vezes mudava o que tinha previsto para a manhã”.
Seirul.lo: “Eu aplico uns parâmetros mínimos e logo observo; se vejo que, a partir de
umas séries realizadas, fazer mais não serve de nada, o deixo. Os jogadores perdem
interesse, se há muita repetição. Dos treinadores que tive no Barça, os que melhor lida-
ram com este aspeto foram os que tiveram melhores resultados”.
Lição 21
É mais fácil para um futebolista desfrutar uma partida, se dentro dela há lugar
para o prazer criativo. Mas deixará de desfrutar quando a necessidade de con-
quista aumente as demandas de planificação, exigência e mecanização. A me-
lhor combinação é: mecanização e improvisação criativa, quando correspon-
dam. Improvisação criativa não é libertinagem, mas confiança na capacidade
de criar de um futebolista, em função das experiências acumuladas que leva
numa mochila invisível. O nível de mecanização tem que permitir tanto prover
soluções ao jogo em ocasiões, como criá-las quando suceda algo inesperado.
Como dizia o treinador espanhol Juan Manuel Lillo, assinalando o quadro táti-
co: “Cá está tudo, menos o que vai ocorrer”. Andrés Iniesta costuma dizer: “Há
táticas, estratégias, mas o futebol é imprevisível porque tens de decidir em mi-
lésimos de segundo”. John Lennon dizia que a vida é isso que ocorre enquan-
to nos empenhamos em fazer outros planos. Quem sabe o futebol seja isso
que ocorre enquanto nos empenhamos em fazer táticas e mais táticas, em
busca de uma mecanização que sempre será incompleta ante as problemáti-
cas que apresenta o jogo. É que uma tática tem que ser o suficientemente fle-
xível para permitir a superioridade sobre o contrário.
O imprevisível. Algum treinador tem na sua planificação uma derrota por 7
a 1 (como sofreu o Brasil no Mundial 2014 como organizador)? Ou a lesão de
10 jogadores titulares ao mesmo tempo? Ou a eliminação da Taça dos Liberta-
dores da América porque um par de adeptos atiram “gás pimenta” na saída
para o campo da equipa rival? Ou uma tragédia aérea como a que sofreram
Manchester United (1958), Green Cross (1961), The Strongest (1969) ou Alian-
ça Lima (1987)?
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Lição 22
O novo mundo requer de velozes interpretações que conduzam a soluções.
Toda a certeza que não é revista periodicamente tende a repetir condutas,
mas não sempre resultados. Toda a conclusão que pretendamos considerar
como definitiva é sempre momentânea. São tempos de certezas duvidosas
que requerem pensar criativamente, antes que aceitar sem julgar. A habilidade
criativa é a habilidade das habilidades. A competência do futuro é a criativida-
de porque, através dela, chegamos a este presente e também escaparemos
dele.
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Lição 23
Se deixa de desfrutar quando se associa a criatividade exclusivamente a tare-
fas ofensivas e com bola, o qual é um mito escandalosamente extendido. Um
jogador cuja tarefa é principalmente defensiva também pode ser criativo. Tirar
uma bola sem faltas é de artistas. Esta motivação deve chegar também a
quem tem prevalência de tarefas defensivas sobre as ofensivas (ainda que to-
dos os jogadores devam ter tanto tarefas defensivas como ofensivas).
Lição 24
O treinador, os jogadores e os dirigentes devem ser conscientes do valor da
criatividade. Sem consciência, é muito difícil aceitar a criatividade dentro da
planificação da equipa porque o jogador poderia vê-la como uma ferramenta
desnecessária e excêntrica.
Clubes inovadores
A inovação deve ser um valor que compromete a instituição a pôr em jogo
e valorizar ao longo do tempo. O Milan de Itália sempre foi reconhecido por
isso e, quando os sinais se debilitaram, velhas glórias se encarregaram de de-
nuncia-lo. Pouco antes do ano 2010 Arrigo Sacchi pediu ao proprietário do
clube, Silvio Berlusconi, que voltasse a ser o “grande inovador” que era. As
instituições que se destacam por inovar e gozam de um passado inovador
sempre encontrarão pessoas que alertem sobre estados de comodidade, es-
tancamento, aburguesamento ou miopia. Um são exercício que não lhe permi-
ta abandonar os seus princípios e a sua visão. É necessário que cada institui-
ção inovadora tenha o seu “Arrigo Sacchi”, para que a chama da criatividade e
a inovação nunca se apague. Parece que o Milan entendeu o seu compromis-
so com a inovação já que, ao momento de escrever este livro, projetavam
construir o estádio mais inovador do mundo.
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Lição 25
Como saber se uma instituição é inovadora? Pelos produtos que exibe e o cli-
ma organizacional para a criatividade que se vive. Todos compartilham o valor
da inovação. Desde o presidente da instituição, até os encarregados da cafeta-
ria; desde a equipa técnica da equipa da primeira divisão, até aos encarrega-
dos da segurança. Cada um aprecia o valor das novas ideias (necessitam-se
pelo menos 300 para encontrar uma com êxito) e contribui com o seu capital
intelectual. Algo que se conhece como bridge building e consiste em que o
pessoal dos distintos departamentos se relacione, para aproveitar o potencial
que possa surgir dessas sinergias. O Barcelona de Espanha, por exemplo, re-
aliza workshops de cocriação com os seus empregados, um ponto cardeal na
estratégia que se propôs a comissão diretiva ao longo do seu mandato.
Tão imbuído está o Barcelona em temas de inovação e tão claro tem o ob-
jetivo de ser líder nesse campo que em 2017 abriu o “Barcelona Innovation
Hub” (uma inovação em si mesmo já que é o primeiro do seu tipo). Reconhe-
cem a necessidade de “estar atualizados de tudo”. Com este projeto o clube
persegue quatro premissas: procurar o conhecimento por fora da sua institui-
ção, gerá-lo, compartilhá-lo e o poder monetizar e, por último, transferi-lo. O
clube quer ser emissor e ao mesmo tempo recetor de inovação num ecossiste-
ma que terá maior impacto, se conta com agentes externos abrindo as suas
portas de par em par a agentes de financiamento, indústria desportiva, univer-
sidades, centros de investigação e outros patrocinadores sabedores de que
um e um somam mais de dois. Por isso é um Innovation Hub e não uma uni-
versidade ou centro tecnológico.
Em 1961, Mel Rodhes estabeleceu os quatro P’s da criatividade (no Barce-
lona institucionalizam dois deles):
1. Press (meio ambiente).
2. Processo (criam-se espaços e institucionalizam-se processos para fa-
vorecer a criatividade).
3. Personalidade.
4. Produto.
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Para eles, o futuro e a competência não são uma carga, mas um desafio.
Segundo Stephen Shapiro, especialista em inovação, existem três níveis nas
organizações inovadoras:
1. Inovação por atividades: concursos, workshops de criatividade, ape-
los, open calls, etc.
2. Inovação por capacidade: estruturas definidas, tanto para a ideação
como para a implementação de novas ideias.
3. Inovação por sistema: a criatividade e a inovação penetraram ao pon-
to de transformar-se no ADN da instituição. Todos se sentem comprometidos e
felizes de participar na missão inovadora.
Lição 26
É um grave erro associar a criatividade com exclusividade à técnica. Apesar
de Valdano ter razão, ao dizer: “A criatividade está enamorada da técnica. O
toque subtil, o calcanhar impossível. O futebol sul americano em estado puro”.
Um erro no qual costumam cair os treinadores, dirigentes, jornalistas desporti-
vos e jogadores. A criatividade deve nascer da capacidade dos treinadores ge-
rirem a tática, a favor de cenários onde a capacidade de execução técnica, ou
de bloquear o adversário, produza em benefício próprio. A criatividade é um
elemento que diferencia o treinador, o preparador físico, o jogador e inclusiva-
mente o árbitro. Porque todos eles estão submetidos a situações nas quais o
“manual do óbvio” se esgota.
Os treinadores transformaram-se em verdadeiros condutores das suas
equipas de trabalho, compostas em muitos casos por, pelo menos, vinte pes-
soas entre treinadores, ajudantes, preparadores físicos, treinadores de Guar-
da-Redes, psicólogos, massagistas, médicos, nutricionistas, etc. Em palavras
de Van Gaal: “Sou de uma época em que o treinador fazia tudo. Agora sou o
gestor e tenho um departamento de ciências do desporto, outro de scouting e
outro médico, um chefe de assistentes e treinadores assistentes. Eu não faço
nada… nada! Delego e ganho muito dinheiro”.
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Lição 27
Entre a equipa técnica (9) e a equipa médica (9), o Paris SG da França exibe
um plantel de 18 profissionais. Entre a equipa técnica (10) e a equipa médica
(10), a cifra do Vélez Sarsfield da Argentina ascende a 20 profissionais. Para
mencionar só dois casos de 2016. As equipas não dispõem de um treinador
de criatividade, um “think manager”, alguém que tenha a gestão eficiente do
capital intelectual do grupo de trabalho. Perante esta situação, um treinador
tem a obrigação de solicitar, gerir e aplicar as ideias da sua equipa de colabo-
radores. Nas reuniões deve saber manejar (ou delegar) o processo criativo
conjunto dessa soma de cérebros. Uma equipa técnica que sabe gerir a capa-
cidade criativa dos seus componentes eleva-se a si mesmo em relação àque-
les que não dispõem de um tratamento profissional para a gestão da criativida-
de.
Walter Di Salvo é diretor de desenvolvimento científico da Academia Aspi-
re do Qatar, uma espécie de guru em matéria de inovação em preparação físi-
ca (Real Madrid, Manchester United, Lazio). É o criador do projeto Aspire in
the World Fellows, uma associação de 50 clubes (40 equipas e 10 seleções)
de 28 países dos cinco continentes, para promover o desenvolvimento do ta-
lento no futebol a partir de critérios inovadores. Uma palavra autorizada para
falar de inovação no futebol: “O mundo do futebol é fechado, reticente às ino-
vações, e não compartilha os seus conhecimentos. Os clubes têm medo de
abrir-se e não aceitam as críticas. Mas a sociedade vai numa linha clara de
abertura; o vemos nos jovens que partilham tudo nas redes sociais. Partilhar
informação nos ajuda a ser melhores. No futebol, até agora, a gente só parti-
lhava informação ao final da sua carreira”.
Lição 28
A aprendizagem da criatividade deveria ser sempre prática, evitando teoriza-
ções que aborreçam o jogador. Os humanos aprendem 10% do que leem,
20% do que escutam, 30% do que veem, 50% do que veem e ouvem, 70% do
que debatem com outros e mais de 80% do que fazem.
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Lição 29
A sabedoria dos treinadores de elite será alternar adequadamente, em quanto
ao tempo e ao lugar, a abundância natural desses ambientes com as restri-
ções intencionais, em busca de criatividade, inovação, surpresa, motivação e
“sacudidelas” da zona de conforto.
Os clubes que têm poucos recursos económicos devem ter engenho para
sustentar-se e crescer. A criatividade converte-se no seu principal aliado. Em
2002 o clube Floey comprou ao Vindbjart o atacante Kenneth Kristensen por
75 kilos de camarões. O comprador não dispunha de fundos e o vendedor não
queria desiludir o atacante, que desejava ser transferido. Vidar Ulstein, presi-
dente do Vindbjart, solicitou o peso do jogador em camarões e assim ficou fe-
chada uma das transferências mais insólitas e criativas do futebol mundial.
Outro caso de criatividade é o do clube inglês Halifax que, devido aos inten-
sos nevões de 1963, habilitou o seu campo como pista de patinagem para ob-
ter ingressos.
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PREVISÃO 2
No futuro, o futebol total será aquele que desloque o jogador por qualquer po-
sição, transitando com a destreza específica do jogo. Não será um Defesa La-
teral que defenda forte, se projete e chegue à área (o que já existe), mas aque-
le jogador capaz de anular a sua marcação na fase defensiva, de passar a
bola como um Médio Ofensivo no seu trânsito pela metade do campo e de en-
viar um cruzamento como um Extremo ou de definir na área como um Ponta
de Lança. E assim, com cada uma das posições. Em função disso, mudarão
todas as formas de treino no futebol de elite.
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PREVISÃO 3
Cruyff confessou que aprendeu a ver o futebol desde a posição de Guarda-
Redes, que tanto lhe gostava praticar em treinos ou equipas alternativas. O fu-
tebol infanto-juvenil modificará os seus conceitos de formação tanto no geral
como no específico. O conceito do geral será o específico e o específico ten-
derá a desaparecer. A muitos lhes surpreende o poder de golo de Gabriel Mer-
cado, o marcador de ponta da Seleção Argentina. Eles ignoram que Mercado,
em criança, jogava tanto a Médio Ofensivo como a Ponta de Lança.
Lição 30
A tendência a rever estratégias de treino e ensino é irreversível. Também a
compreensão de novas formas de explorar o potencial do cérebro. Esta é a
opinião sobre o tema de Juan Sebastián Verón, ex-jogador do Manchester
United e da Seleção da Argentina e atual presidente do Club Estudiantes de
La Plata da Argentina: “A contribuição das neurociências ao futebol é muito im-
portante. Hoje temos a necessidade de formar “jogadores inteligentes”, que se-
jam eficientes para tomar decisões. Isso leva-nos a repensar os processos for-
mativos dos futebolistas, que adotaram um caráter mecanicista e robotizado,
estigmatizando o erro no processo de ensino-aprendizagem e coartando o
desenvolvimento da perceção e a criatividade”.
A personalidade inovadora
Os inovadores foram sempre um motivo de admiração. Christine MacLeod,
professora de História na Universidade de Bristol, destaca que no século XIX
Isaac Newton chegou a competir com William Shakespeare, como o máxi-
mo herói cultural da nação; e James Watt, o inventor da máquina a vapor, con-
verteu-se num mito.
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em excesso. Batteux dizia-lhe: “No dia que não dribles mais tiro-te”. Outro trei-
nador lhe teria aconselhado a driblar menos até que as queixas terminassem.
Um inovador dobra a aposta e arrisca-se. Em cada jogador encontraremos a
qualidade pela qual expressa melhor a sua criatividade, isso que o distingue
do resto.
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seu tamanho. Arrigo Sacchi, no Milan, fazia sair ao campo primeiro Ruud
Gullit, com o objetivo de impor-se visualmente aos rivais, aproveitando o tama-
nho do seu corpo. Gullit saudava o rival com o olhar fixo nos olhos. Numa
meia-final com o Real Madrid, Sacchi perguntou a Gullit quantos haviam baixa-
do a cabeça, ao que o holandês respondeu: “Todos menos um” (esse era Hu-
go Sánchez). O Milan de Sacchi era uma máquina demolidora de bom jogo e
não necessitava desses “detalhes” para impor-se. Mas um apaixonado como
Sacchi não deixava nenhum detalhe ao acaso.
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Como treinador ignorou todas as vozes contra si pela tendência dos Wol-
ves jogarem bolas longas para as costas dos defensores contrários. Desafiou
os imbatíveis Honved Budapeste da Hungria e ganhou-lhes numa partida ami-
gável em 1954. Esta gerou tanta expetativa, que a BBC ofereceu transmitir o
jogo (algo pouco comum para a época). Depois dessa partida, auto-proclamou
a sua equipa como a melhor do mundo, motivo que inspirou uma competição
para medir as melhores da Europa entre si. Uma proposta do periódico fran-
cês L’Equip, que desconhecia a afirmação de Cullis. Tinha nascido o que hoje
conhecemos como a Champions League.
O público fez-lhe saber a sua admiração quando o despediram, como a to-
das pessoas distintas: enviaram milhares de cartas aos dirigentes e deixaram
de acudir ao campo. Wolverhampton desceu à segunda divisão. Uma das tri-
bunas do estádio Molineux recebeu o nome de “The Stan Cullis Stand” e em
2003 entrou no Hall da Fama do futebol inglês.
Espírito criativo?
O treinador argentino Diego Simeone jogava a desenhar táticas em cada
uma das refeições da Seleção Argentina, na sua época de jogador com Ger-
mán Burgos (que devia apressar-se a tomar os talheres que eram utilizados
por Simeone, para além de copos, saleiros e todos os elementos que estives-
sem à mão). Assim pensava movimentos e sistemas táticos.
Quando o Milan comia pizza, Sacchi estava de parabéns. Usava as azeito-
nas para representar os movimentos táticos dos futebolistas. Mas não só, se-
gundo Chema Bravo, mais de uma vez no estacionamento de Milanello elabo-
rou algum detalhe tático desenhando sobre o vapor das janelas de um carro.
Beethoven costumava ir pela rua gritando as melodias que lhe ocorriam,
enquanto as ia anotando num papel. Cada treinador deveria seguir um pouco
o exemplo de Beethoven.
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Lição 31
Tal como fazia o grande músico, é muito importante levar um registo das idei-
as que vão aparecendo. O registo, ainda que seja só umas poucas palavras
ou um esboço, deveria estar presente em todos os momentos e em todos os
lugares por uma simples razão: nunca se sabe se a ideia voltará novamente à
cabeça. Um caderno de ideias, papéis soltos, aplicações no telemóvel e qua-
dros são todos suportes que, dependendo do âmbito, não devem faltar a al-
guém que valoriza o produto da criatividade. Em síntese, a melhor descrição
de uma personalidade criativa e inovadora que encontrei pertence a Mihály
Csákszentmihályi, uma das pessoas que maior influência teve na minha for-
mação sobre estes temas: “Se tivesse que expressar com uma só palavra o
que faz as suas personalidades diferentes das outras, esta seria complexida-
de. Com isto quero dizer que mostram tendências de pensamento e atuação
que na maioria das pessoas não se dão juntas. Contêm extremos contraditóri-
os. Em vez de serem ‘indivíduos’, cada um deles é uma ‘multidão’. Eles ten-
dem a reunir o leque inteiro das possibilidades humanas dentro de si mesmos.
Estas qualidades estão presentes em todos nós mas habitualmente somos
educados para desenvolver só um polo. Poderíamos crescer cultivando o lado
agressivo, competitivo, da nossa natureza, e desprezando ou reprimindo o
lado protetor, cooperativo. Um indivíduo criativo poderia ser ao mesmo tempo
agressivo e cooperativo, ou em momentos diferentes, dependendo da situa-
ção. Ter uma personalidade complexa significa ser capaz de expressar a totali-
dade do leque de traços que estão potencialmente presentes em cada huma-
no, mas que habitualmente atrofiam-se porque pensamos que um dos extre-
mos é ‘bom’, enquanto o outro é ‘mau’. Uma personalidade complexa não su-
põe neutralidade, nem o termo médio. Supõe sim a capacidade de passar de
um extremo ao outro quando a ocasião o requer”.
Comparemos a anterior definição com a que oferece o jornalista Martí Pe-
rarnau sobre Guardiola no livro Herr Pep: “Pep é obsessivo. E competitivo. É
perfecionista, pedagógico e apaixonado. É enérgico e curioso. Prepara-se e
está preparado. É próximo e distante, inovador, frio e caloroso. Extremamente
exigente. Autocrítico, insatisfeito. Resultadista, pragmático, simples, irritável.
Pep é vulcânico. Persistente, esforçado e trabalhador. É entusiasta e senti-
mental até à última lágrima. Inconformista. É impulsivo e reflexivo ao mesmo
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Lição 32
Não só as caraterísticas opostas da personalidade fazem uma pessoa criati-
va. Também o fazem os processos cerebrais opostos: a rede neuronal orienta-
da a tarefas (pensamento focado) e a rede neuronal por defeito (pensamento
errante). As ideias criativas mais elementares aparecem em estados de consci-
ência e as ideias mais disruptivas em estados de não consciência. Tudo pas-
sa por entender que o TPN (forçar pensamentos) necessita interagir com o
DMN (libertar pensamentos).
Lição 33
É, uma vez mais, na totalidade e não na fragmentação, na integração e não
no parcelamento, na unidade e não na divisão, onde encontramos as melho-
res possibilidades de aceder a uma ideia originalmente completa.
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Lição 34
Porque são os inovadores necessários no futebol?
Porque nessa multiplicidade de personalidades os treinadores encontram a
que se requer para cada ocasião. Nem sequer necessitam inventá-la. Um trei-
nador pode ser extremamente duro e o suficientemente quente, segundo a
ocasião. Guardiola foi inflexível em muitas decisões do seu balneário e, no en-
tanto, vive aos abraços com os seus jogadores.
Lição 35
O treinador criativo pode inventar qualquer história mas os especialistas em
criatividade do mundo coincidem em que a criatividade é uma qualidade que
se pode treinar e melhorar. Ao contrário de todos, alguns têm a crença que é
mais importante inspirá-la, motivá-la e seduzi-la, em vez de treiná-la. Que al-
guém não seja criativo não significa que não tenha potencial para sê-lo. A cria-
tividade é um poder que vem com o nascimento. O defensor mais rude é as-
sim porque quem sabe ninguém o motivou a aprender outra coisa. A rudeza
física não exclui a criatividade intelectual.
Einstein dizia que dar exemplo é a única maneira de influir sobre os outros.
As limitações pessoais do líder não deveriam ser um obstáculo para desenvol-
ver as capacidades criativas do resto. O importante é que a criatividade se
transforme num valor grupal, de equipa. Isto é, criar uma atmosfera criativa na
qual todos façam parte.
Lição 36
Se o treinador principal não é criativo, tem que iniciar um caminho de transfor-
mação para chegar a sê-lo. E se não pode, isso não é um impedimento para
que forme uma equipa técnica criativa e uma equipa de jogadores criativos. O
fará mediante a participação de especialistas que trabalhem de modo freelan-
ce.
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Lição 37
Há centenas de formas possíveis de integrar a criatividade no trabalho diário
da equipa que se conduz. Há pessoas com caraterísticas singulares em todas
as organizações. Mas muitas vezes nem sequer elas o sabem e ninguém está
disposto a descobrir o seu talento. Numa equipa técnica de vinte profissionais,
como não se vai encontrar pelo menos um que se destaque pela sua criativida-
de? Talvez se deva delegar nele a tarefa de transmitir o espírito criativo no res-
to. O mesmo sucede com os jogadores. Como não encontrar alguns muito cri-
ativos em plantéis que superam os trinta jogadores?
Lição 38
Um treinador normal costuma desenvolver um único perfil da sua personalida-
de. Quantos treinadores desenvolveram um perfil disciplinarmente duro e dis-
tante do jogador? E quantos um perfil excessivamente conciliador? Em ambos
os casos, os jogadores sabem com o que se vão encontrar. Com uma perso-
nalidade criativa, o jogador nunca sabe como responderá o treinador. Isso o
faz diferente, único, ambíguo, interessante, original e imprevisível.
Lição 39
Os extremos que cultivam os criativos garantem toda a extensão das variá-
veis, ao contrário dos que garantem uma só ou instalam-se no meio. O copo
meio vazio diria que a personalidade criativa é contraditória e incoerente. O
copo meio cheio diria que a personalidade criativa tem uma dimensão integra-
dora da personalidade.
Sincronização da inovação
A inovação possui um fenómeno curioso relacionado com a sincronização (du-
as ou mais pessoas lançam uma inovação quase ao mesmo tempo). E não é
património exclusivo do futebol. Tal é o caso de Darwin e Wallace, que traba-
lhavam num tema similar. Darwin confessou na sua autobiografia ter-se as-
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Lição 40
Exatamente o mesmo sucedeu com o surgimento da técnica da chilena (ponta-
pé de bicicleta). Por um lado, é atribuída a Ramon Anzuaga no Chile mas no
Perú negam-se a chamá-la dessa forma porque a atribuem e a dizem “chala-
ba”, devido ao nome do porto onde desembarcavam ingleses a finais do sécu-
lo XIX. A lição é clara. Já não se trata somente de inovar, mas para além disso
de ser veloz para evitar adiantamentos ou colisões, que ponham em dúvida a
legitimidade da invenção.
O fenómeno da sincronização pode provocar que as inovações apareçam
no mercado em forma incompleta. Por exemplo, o primeiro regulamento do fu-
tebol viu a luz sem determinar a quantidade de jogadores de uma equipa nem
o tempo de duração de cada partida.
Advertências da inovação
A inovação, ainda que seja pequena, pode atingir objetivos contrários aos pre-
tendidos. A única forma de saber quanto pode render é submetendo-a ao jogo
real e competitivo. Lluis Lainz conta uma experiência que viveu o Barcelona
de Guardiola e que serve de exemplo: “… E Guardiola, quem sabe pensando
mais nos seus jogadores do que nele mesmo, optou pela inovação. A aparição
do Pep mais humano acabou por oferecer-nos uma equipa de contrastes. A
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Lição 41
Estas duas expressões distintas da criatividade oferecem valor na sua capaci-
dade de diferenciar-se. Tal capacidade é importante para se ganhar espaço
na imprensa, nas conversações, na publicidade e nos patrocínios. Sempre é
bom dispor de cérebros capazes de criar. Uma forma de exercitar a criativida-
de é entregar exatamente o contrário do esperado. O lógico e razoável é que
os clubes paguem aos seus jogadores mas o clube norte irlandês Crusaders
chegou a cobrar aos seus jogadores dois centavos para “terem a honra de
vestir a sua camisola”.
Porque é que a criatividade passa ao largo sem que nos demos conta? Mi-
lhares de treinadores no futebol mundial dispõem de conhecimentos profun-
dos e detalhados e são verdadeiros especialistas. Então, porque é que só uns
poucos são criativos e inovadores? Nem tudo é acumulação de conhecimen-
tos. Combinar e dar novo significado a conhecimentos é cada dia mais valori-
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Lição 42
A fixação funcional consiste num bloqueio à criatividade, isto é, em manter
uma conduta sem observar situações, usos ou aplicações alternativas. As ex-
periências prévias fixam a perceção e o comportamento numa única direção.
O problema dos treinadores não é o que “não sabem”, mas “o que sabem” e
lhes impede de criar novos conhecimentos. Um exemplo de fixação funcional
é o do Guarda-Redes no futebol. Durante aproximadamente cem anos o Guar-
da-Redes teve somente a função de defender, até que um iluminado (Sebes?
Michels?) viu que defender não lhe impedia realizar ações de líbero ou atacar
desde a defesa com bom domínio dos pés para passar a bola.
Lição 43
O cérebro de um treinador de futebol deve ser bem flexível para que os ele-
mentos que o levaram ao êxito não sejam os mesmos que terminem levando-
o ao fracasso. Tem muito que aprender (e não repetir) de casos emblemáticos
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de especialistas das disciplinas mais diversas que não escaparam dos seus
próprios conhecimentos da fixação funcional inconsciente que obtiveram de-
les.
• Em 1943 Thomas Watson, presidente então da IBM, disse que só havia
mercado mundial para cinco computadores.
• Quem disse que o avião era uma invenção interessante mas não lhe en-
contrava aplicação alguma para a guerra? O General Ferdinand Foch, instru-
tor militar de estratégia na Escola Superior de Guerra da França, por 1911.
• Albert Einstein disse que não havia nenhum indício de que se conseguis-
se obter energia nuclear.
• Charles Chaplin disse que o cinema era uma moda passageira porque as
pessoas só queriam ver os atores de carne e osso no cenário.
• Thomas Edison disse que mexer com corrente alternativa era uma perda
de tempo e ninguém a usaria nunca.
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CAPÍTULO 2
Inovação Tecnológica
Lição 44
É possível uma turbina eólica sem lâminas, ou uma bicicleta de cartão, ou um
jogador de futebol sem chuteiras? As duas primeiras opções já se consegui-
ram. A última ainda não, mas sempre se está a tempo de inventar algo novo.
Porque cito estes exemplos que não têm nada a ver com o futebol? Porque
um inovador num campo específico deve estar aberto a todas as novidades
que surjam no mundo. Não importa o setor que seja. Tal como a comida, quan-
to mais variada seja a nutrição inovadora, mais possibilidades haverá de esta-
belecer novas conexões. Quanto mais aberta e expandida esteja a mente,
mais poderá sair-se dos padrões habituais que a comprimem.
PREVISÃO 4
Os limites da inovação tecnológicas são ilimitados. Calcula-se que em 2035 o
nível de inteligência das máquinas superará o do cérebro humano. O que hoje
parece fantasia, amanhã será visível. No futuro os futebolistas treinarão com
robots que reproduzirão as habilidades do oponente. Tais habilidades poderão
ser “exponenciadas”, o que dará como resultado que o jogador que participa
da competição seja mais débil que aquele com o que se enfrentou no treino.
Para além disso, esse robot tomará dados do nosso desportista (capacidade
de força de choque em duelos um contra um, por exemplo), com o qual os da-
dos já não serão extraídos só desde o próprio desportista, mas também desde
o seu antagonista/robot, multiplicando a profundidade de análise de cada joga-
dor. O treinador espanhol Luis Milla é contundente ao referir-se aos vínculos
entre a inovação tecnológica e o futebol: “Como treinadores não podemos fi-
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PREVISÃO 5
A evolução da tecnologia jamais se deterá. Hoje é normal ver nas equipas de
alta competição coletes, com acelerómetros e gps, para medir as capacidades
e os esforços dos futebolistas. No futuro esses sensores estarão integrados
no corpo dos desportistas, tal como já se faz em implantes para correções car-
díacas.
Já é possível que os futebolistas tenham um arquivo dos seus movimentos,
tanto em treino como nas competições (estas tecnologias ainda devem ser
aprovadas pela FIFA e integradas aos gigantes da indumentária como a Adi-
das ou a Nike), graças a tecnologias como First V1sion, um sistema de grava-
ção de imagens desenhado para que os desportistas profissionais o levem du-
rante o decorrer de uma competição sem que interfira no seu rendimento ou
lhes cause algum incómodo.
Todas estas previsões pareceriam ser ficção científica. Mas no passado
eram ficção científica o submarino e a Internet. Isaac Asimov e Stanley Ku-
brick também faziam ficção científica e hoje muitas das suas ideias são uma
realidade. No futuro as gravações não provirão de uma câmara na camisola
desportiva, poderão sim ser realizadas diretamente desde a observação do
desportista com os seus próprios olhos.
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PREVISÃO 6
Irão-se incorporando ao futebol tecnologias em pleno processo de desenvolvi-
mento, como as roupas com sensores inerciais que permitem recolher dados
fiáveis em 3D do movimento do desportista (desenvolvido por Xsens).
PREVISÃO 7
Deixarão-se de utilizar as amostras de sangue no lóbulo da orelha para a me-
dição do lactato. Será em tempo real, graças a tecnologias com um sistema
ótico capaz de detetar o nível de oxigénio no sangue analisando as suas mu-
danças de cor (desenvolvido por Humon).
PREVISÃO 8
A nanomedicina controlará o meio interno dos futebolistas, e as suas variáveis
bioquímicas, através dos bio-sensores. Estes bio-sensores libertarão medica-
ção de forma controlada, graças a portadores a escala nanométrica que este-
jam formulados para dirigir-se só ás células ou órgãos. Num futuro mais distan-
te da nanomedicina, também teremos a aparição de nanorobots: dispositivos
eletrónicos minimizados capazes de moverem-se livremente pelo corpo para
obter amostras de órgãos ou células, ou para realizar intervenções extrema-
mente precisas.
Tudo o inovador se converte rapidamente em produto. Por exemplo, as ino-
vações no Mundial 2014 no Brasil (a bola de seis segmentos, o GoalControl
4D, as câmaras de rodagem em 4K para alta definição e o spray para delimi-
tar a distância das barreiras) converteram-se em tecnologias normais. Graças
à baixa de preço progressiva da tecnologia, a inovação está-se a pôr cada vez
mais ao alcance da maioria. O futurista José Luis Cordeiro refere-se a casos
que vêm de fora do futebol: “Quando as tecnologias arrancam, são caras e
más. Quando se massificam, tornam-se baratas e boas”.
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Lição 45
A inovação no século XXI deveria vir da mão da simplicidade. Nada complexo
terá êxito porque estamos na era da aprendizagem intuitiva. O usuário deveria
interatuar naturalmente com a tecnologia, apenas manipulando-a um tempo.
Já não se aceita uma instalação como a do Windows 95, para a qual era ne-
cessário utilizar treze disquetes.
No futebol, por exemplo, as análises de vídeo das partidas deverão conden-
sar a informação para uma aplicação ágil e dinâmica. Simeone condensa os
vídeos dos oponentes em doze minutos (tarefa da que se encarrega o seu aju-
dante).
No MilanLab, posto em funcionamento em 2002, convergem as últimas tec-
nologias para cuidar a integridade física, nutricional e mental dos futebolistas.
Nuns 16 hectares do Milanello, a tecnologia convive com campos de futebol,
bosques e ginásios. Os futebolistas são analisados ao máximo nível de indivi-
dualização, com diversos estudos, e surgem assim as dietas e as cargas per-
sonalizadas para cada um. A longevidade desportiva em alto rendimento con-
seguida com os seus jogadores (Costacurta, Maldini, Cafú, Serginho, Inzaghi)
provocou admiração no mundo. Aos três anos da sua abertura, já se tinha con-
seguido reduzir as lesões não traumáticas em 80% e melhorar a condição físi-
ca em 50%.
O MilanLab é um centro de investigação científica de alto conteúdo tecnoló-
gico que se aplica ao futebol. Ali o grande mérito é a inovação conceptual de
um cérebro: o de Daniel Tognaccini, que soube ver a necessidade de agru-
par toda a tecnologia num só lugar. De todo o mundo aproximam-se profissio-
nais do futebol para extrair conhecimentos da forma de trabalho do MilanLab.
E não são clubes menores. Até o Real Madrid conta com os conselhos de es-
pecialistas do MilanLab, como o nutricionista Francesco Avaldi e o bioquímico
Alberto Dolci. Também jogadores com a maior predisposição a ser o número
um, como Cristiano Ronaldo.
As chuteiras de futebol são um exemplo de constante inovação. E em cada
inovação encontramos futebolistas de alto rendimento dispostos a depositar a
sua confiança num produto que lhes dê um aumento de rendimento; para
além de um mercado desejoso por consumir as chuteiras do futebolista admi-
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rado. A inovação nas chuteiras de futebol passou por distintas criações, com
variadas aceitações do mercado. As primeiras chuteiras com pitões amovíveis
foram as Puma Atom em 1948. Os primeiros pitões assimétricos pertenceram
às Mizuno Wave Cup. Enquanto a Adidas criou as primeiras chuteiras para
gelo em 1956 e na atualidade, as chuteiras de futebol sem cordões.
PREVISÃO 9
No futuro as chuteiras serão ainda mais inteligentes, já que medirão a capaci-
dade do jogador de exercer força contra a superfície (e adaptar assim as suas
exigências de treino), os tempos de apoio, a força exercida contra a bola. E in-
clusivamente terão microcâmaras donde se poderá apreciar a técnica de rema-
te da bola para futuras correções técnicas.
PREVISÃO 10
Num futuro também as chuteiras ajustarão automaticamente as dimensões
dos pitões, de acordo com a superfície do terreno e a leitura inteligente que fa-
rão do desempenho do jogador sobre esta. Para além disso levarão consigo
um sistema de leitura dos apoios do futebolista, para adaptar as suas formas
a uma espécie de sola que os melhore desde o ponto de vista esquelético e
biomecânico.
Lição 46
Um profissional do futebol, quer se trate do treinador, seu adjunto, o prepara-
dor físico ou qualquer integrante da equipa técnica, deveria sentir-se um pou-
co “espólio de futebol”. Isto quer dizer que está condenado a ser inovador ou
qualquer outro inovador será seu substituto.
Graças à inovação tecnológica, o treino da técnica apresenta novidades
constantemente. Xavi promove o Tocball, um implemento simples para melho-
rar a qualidade do golpe da bola. A Universidade Manuela Beltrán da Colôm-
bia criou um laboratório para que os jogadores melhorem a sua técnica de
jogo, especialmente a técnica do passe vinculada à velocidade e à precisão.
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PREVISÃO 11
As novas tecnologias avançarão a passos surpreendentes. Estas espécies de
laboratórios evoluirão de acordo com a necessidade dos jogadores e, junto a
robots humanoides, cada um disporá de treinos individualizados segundo as
pretensões do treinador principal. Os robots serão parte da vida quotidiana em
todas as esferas.
Raúl Rojas, especialista em inteligência artificial da Universidade Livre de
Berlim, participou das primeiras experiências: “Desenvolvemos robots futebo-
listas que jogam tão bem futebol que não há maneira de ganhar-lhes”. Em
2013 fez-se uma experiência na qual os jogadores deviam marcar penaltis a
um Guarda-Redes robot. Com a exceção de Messi, nenhum futebolista conse-
guiu marcar mais de um golo ao Guarda-Redes robot.
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PREVISÃO 12
Em 1997 realizou-se o primeiro Mundial de Futebol de robots. No futuro en-
frentar robots humanoides nos treinos gerará mais oposição e se obterão me-
lhores resultados e um maior nível competitivo do que nos treinos e jogos ami-
gáveis atuais. Espera-se que em 2050 a equipa de robots humanoides ganha-
dor da Robocup seja capaz de vencer a equipa campeã do mundo dos tor-
neios da FIFA. Esta data coincide com a predição do momento no qual a inteli-
gência artificial superará a humana (singularidade tecnológica). Para o ano de
2075 existe 90% de probabilidades de que as máquinas alcancem a inteligên-
cia humana, segundo os resultados combinados de quatro sondagens realiza-
das por Nick Bostrom, diretor do Future Humanity Institute da Universidade de
Oxford.
Esta perspetiva do triunfo dos robots não parece absurda se tivermos
como exemplo que em 1997 o supercomputador Deep Blue (desenvolvido
pela IBM) venceu Gary Kasparov, campeão mundial de xadrez. O aconteci-
mento repetiu-se em 2006, quando o campeão do mundo Vladimir Kramnik
caiu derrotado frente à Deep Fritz. Estes antecedentes são superados pelo
ocorrido em 2016, quando um programa informático (desenhado pela filial da
Google DeepMind para jogar o jogo de Go) derrotou o melhor jogador do mun-
do: o sul-coreano Lee Se-dol. Os especialistas afirmam que é muito mais com-
plexo para um computador aprender do Go do que do xadrez.
Os computadores podem inovar? Faz já um tempo que entramos numa era
na qual as máquinas estão programadas para aprender de si mesmas. O futu-
rólogo e tecnólogo Santiago Bilinkis o explica com precisão: “Atrás destes me-
canismos de ensino conhecidos como Deep Learning escondem-se redes arti-
ficiais, inspiradas no funcionamento do cérebro humano. Muitas propriedades
destes computadores mostram analogias com as capacidades humanas pelo
seu engenho e criatividade”.
Mark Jarvis, diretor de soluções de rendimento do Instituto do Desporto em
Inglaterra, opina que a maioria dos desportos se sustentam na tomada de deci-
sões. A diferença entre ganhadores e perdedores está nas decisões que to-
mam. Se a inteligência artificial continua avançando, possivelmente a habilida-
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Lição 47
Devido aos avanços da hiperespecialização e os avanços no âmbito da com-
putação, os treinadores devem avançar para uma formação de caráter integral
e total para poder discernir (e integrar ou recusar) entre o que agrega valor e
o que só faz ruído.
Lição 48
Um treinador não pode ser especialista em bioquímica, inovação, realidade vir-
tual, neurociência, futurismo, robótica, realidade aumentada ou nanotecnolo-
gia como o será na tática ou na técnica. No entanto, se só sabe de tática e téc-
nica, será um treinador desadaptado ao século XXI.
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PREVISÃO 13
Num futuro próximo os jogadores treinarão com dispositivos, do estilo Google
Cardboard Plastic, que permitirão aumentar o seu nível de dificuldade de for-
ma virtual, mas que eles viverão como real. Tais treinos terão como resultado
a perceção da tarefa do jogador nessa competência simplificada. As equipas
serão capazes de oferecer “realidade aumentada personalizada” a cada joga-
dor, para que o treino lhe ofereça aquelas dificuldades que deve superar.
A importância que se atribui à tecnologia é cada vez maior. Karl-Heinz Ru-
menigge, em seu papel de diretor executivo do Bayern Munique, o resume as-
sim: “Aproveitando a inovação tecnológica, queremos assegurar a melhor posi-
ção a nível global para o Bayern. O rendimento e a saúde de nossos jogado-
res são de importância capital para alcançar este fim”. A seleção alemã pro-
vou este tipo de ferramentas com êxito, por exemplo, no Mundial do Brasil. Ali
utilizaram Match Insights, uma ferramenta de Big Data para conhecer as debili-
dades dos adversários, cuja exclusividade de uso tiveram. Nicolas Jungkind
da SAP utiliza de exemplo uma das métricas que analisaram: o tempo médio
de posse da bola por jogador. Dado que um dos objetivos da equipa é a veloci-
dade, graças a esta ferramenta, conseguiram reduzi-lo de 3,4 segundos a 1,1
segundos e movê-lo à filosofia do jogo e de um estilo agressivo como o ale-
mão.
Os treinadores também sobem a esta onda de inovação. Tal é o caso do
treinador argentino Jorge Sampaoli que desenvolveu um jogo de vídeo inspi-
rado no FIFA com o que os selecionados chilenos puderam ensaiar as joga-
das preparadas e simular confrontos com rivais. Este colaborou numa conquis-
ta histórica para o Chile: ganhar a sua primeira Copa América. Ainda que não
se possa dizer com certeza que o jogo de vídeo foi determinante para a vitó-
ria, o segredo está em associar no inconsciente a inovação ao resultado e,
pelo menos como suposição, a inovação posiciona-se como tendo êxito.
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PREVISÃO 14
No futuro cada jogador terá ao seu dispor um jogo de vídeo personalizado, no
qual deverá resolver as situações de jogo determinadas anteriormente pelo
software, Assim, poderá jogar a sua partida por antecipação contra o adversá-
rio da jornada, para além de com distintos oponentes nos duelos diretos. Tam-
bém poderá jogar a mesma partida contra um sistema 1-4-4-2 e contra um 1-
4-3-1-2. A equipa de especialistas táticos terá acesso à partida do jogador
para avaliar o seu desempenho, que logo debaterá com o jogador. Este
software convidará a “jogar” novamente uma situação de forma correta para
que o jogador possa aprender respostas apropriadas.
As marcas competem extremando o seu engenho para unir tecnologia com
criatividade. A Adidas inaugurou o primeiro estádio digital do mundo em Paris,
onde o público digital reagiu a cada golo, cada falta e às habilidades dos fute-
bolistas ao vivo numa visão do futuro digital do futebol. Inovações tecnológi-
cas existiram sempre. O ano 1931 significou um avanço tecnológico funda-
mental. O jornalista Alejandro Wall nos propõe recordar algumas delas:
1950: As luvas de Guarda-Redes. O Guarda-Redes argentino Amadeo
Carrizo as viu num amigável entre Argentina e Itália em 1957 e trouxe dois pa-
res. As luvas haviam sido estreadas cinco anos antes na Escócia.
1960: As bebidas isotónicas. Miguel Ignomiriello, treinador das equipas
de formação dos Estudiantes de La Plata da Argentina, conta que nos anos 60
colocavam sais no mate cozido dos jogadores. A bebida rehidratante nasceu
na Universidade da Florida para a equipa de basebol Florida Gators. Daí o
nome.
1970/1980: As bolas impermeáveis. Nos anos 70 começou a carreira tecno-
lógica das bolas. Nasceram os 32 gomos em forma de hexágonos e pentágo-
nos, cozidos à mão, brancos e negros, que marcaram as posteriores. A “Tan-
go”, que se utilizou no Mundial de 1978, começou com as mudanças do de-
sign. No Mundial de Espanha 1982, fabricou-se o mesmo modelo mas imper-
meável. A tecnologia roda tão rápido como a bola: cada ano são mais leves e
resistentes à água.
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1990: As camisolas ultraleves. Nos últimos vinte anos tudo mudou, desde
que apareceram as tecnologias Dry-Fit/Clima-Cool/Dry-Cool/Dry-Team, depen-
de da marca que se olhe, todas com nomes compostos. A chave é a microfi-
bra de poliéster que absorve a humidade e faz com que se evapore rapida-
mente. Assim, qualquer um transpira a camisola, como pedem os adeptos.
2000: Os intercomunicadores. Os árbitros, com o microfone colado à face e
os auriculares nos ouvidos parecem actores de stand-up. Algo de teatral havia
no árbitro argentino Javier Castrilli, que o utilizou pela primeira vez em 1995
depois de inspirar-se no filme O Guarda-Costas. Onze anos depois a FIFA o
oficializou no Mundial da Alemanha em 2006. Ali Horacio Elizondo expulsou
Zidane depois de que o quarto árbitro lhe contara pelo intercomunicador so-
bre a cabeçada que o francês havia dado a Materazzi.
A bola
O conceito de tecnologia não deveria ir unido ao de atualidade. Para jogar, en-
volvia-se as bexigas dos animais com couro ou pele, o qual também é tecnolo-
gia e foi inovação. Os maias utilizavam látex ou borracha para favorecer o res-
salto da bola. Podemos falar de tecnologias antigas mas nunca desconhecê-
las ou desprezá-las. Seria como desprezar o WM de Chapman, só porque é
uma tática antiquada.
A bola é um elemento tecnológico utilizado por todas as culturas. Crê-se
que os chineses, por volta do século IV a.C., foram inovadores neste aspeto.
Ainda que também a utilizaram os egípcios, os gregos, os romanos, as civiliza-
ções precolombinas e até na Idade Média. No ano III a.C., os chineses já joga-
vam um jogo que se denominava Cuju ou Tsu Chu, que significava “pontapear
a bola”, mas sem baliza nem Guarda-Redes. Consistia numa tela, com um bu-
raco recortado de cerca de nove metros, sustentada por paus de bambu.
Charles Goodyear (o inventor do processo de vulcanização da borracha)
desenhou a primeira bola de futebol em 1855, e também a bola com a qual se
jogaria a primeira partida de basquetebol da história.
Por volta de 1880 um artesão inglês desenhou a primeira bola de couro
que se conhece. Era cozida à mão e tinha cordões por onde se enchia. Mas a
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PREVISÃO 15
Os treinadores costumam utilizar distintas bolas em forma (râguebi, por exem-
plo), tamanho e peso, em exercícios recreativos e situações onde se procu-
ram adaptações novas. No futuro não serão necessárias, já que uma só pode-
rá personalizar-se de todas as formas, tamanhos e pesos possíveis, segundo
as necessidades do treinador.
O futebol disporá de inovações específicas e gerais que se adaptarão aos
seus propósitos. Em relação ao fenómeno da globalização dos jogadores, faz
um tempo que já não é estranho ver um plantel com jogadores procedentes
de distintos continentes. Isto, em princípio, dificulta a comunicação do treina-
dor e, para além das formas não linguísticas universais do futebol, esta não
consegue ser a melhor.
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PREVISÃO 16
Na atualidade estão-se fazendo traduções em tempo real por Skype. No futu-
ro, mediante um pequeno dispositivo desenvolvido graças às capacidades da
nanotecnologia, num treino ou numa palestra entre os exercícios não serão ne-
cessários os tradutores. Cada jogador receberá no seu chip implantado o rela-
to do seu treinador em tempo real e no seu próprio idioma.
Assim como a criatividade atravessa todas as necessidades que tem um
treinador, a inovação tecnológica percorre os mesmos caminhos. Um jogador
melhora tanto por ações diretas sobre si mesmo como em seu redor. O campo
de jogo é uma delas. Há cada vez melhores cenários, graças à contribuição
da engenharia genética, os sensores, os nanomateriais, etc. Por exemplo,
existem fibras nanomateriais capazes de reter água, que se parecem à relva
natural, sistemas de gestão apoiados em sensores instalados no campo e me-
didores de humidade. Tudo o qual entrega campos de jogos em notáveis con-
dições, tanto para a competição como para o treino.
As plataformas de gestão de dados são hoje soluções Big Data que oferecem
uma capacidade infinita para recolher, tratar e devolver grandes conjuntos de
dados. Estes dão informação útil que permite tomar decisões inteligentes, re-
duzindo ao mínimo a necessidade de recorrer à intuição na hora de decidir. O
Big Data é o Excel do século XXI.
Crê-se que o Big Data gerou nos últimos dois anos o mesmo volume de in-
formação do que no resto da história da humanidade, e que nos próximos cin-
co anos se gerarão mais dados do que nos cinco mil anteriores. No futebol se
produzirá o mesmo fenómeno com o mesmo volume. A empresa de investiga-
ção Gartner calculou que a informação do mundo crescerá cerca de 800% du-
rante os próximos cinco anos. Quem sabe o Big Data enterrará definitivamen-
te uma histórica frase de Isaac Newton: “O que sabemos é uma gota de água;
o que ignoramos é o oceano”.
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Lição 49
As ferramentas de Big Data têm muito que trazer ao futebol. Em 2016 o Lei-
cester City era uma equipa que devia lutar para evitar a descida na Premier
League. Entre outros argumentos para surpreender a todos e chegar a campe-
ão esteve a utilização do Big Data. Com os seus contributos procurava-se re-
duzir os níveis de imprevisibilidade do jogo. Os treinadores têm, nos dados
que dão os sensores, informação que permitirá bloquear as intenções do ad-
versário cada vez com maior facilidade. Recentemente um grupo de investiga-
dores da Universidade de Michigan descobriu que, na temporada 2013-2014,
o Atlético de Madrid tinha só 31 padrões recorrentes de passe que se repeti-
am, enquanto o Barcelona tinha 151 e o Real Madrid, 180. Sugerem que pode
ser um fator determinante para que o Atlético obtivera o título.
Porque é que nunca se sabe onde estará Messi no segundo seguinte? Jo-
han Cruyff ofereceu uma resposta contundente: “Messi dá um passo a cada
30 centímetros e, por isso, cada vez que pisa tem a possibilidade de mudar de
direção ou de ideia, o qual lhe permite ter o dobro das ideias que alguém que
mede 1,90m. O seu segredo é a velocidade da sua mudança de ritmo; muda
de orientação cada meio metro. Quando a defesa dá um passo, ele deu dois
em duas direções distintas. Tem técnica, domina a relação tempo-espaço, é
hábil, arranca sempre primeiro e a sua explosividade permite-lhe que não o
apanhem”.
Messi é um inovador e um adiantado em seus movimentos e em suas deci-
sões:
1. Mudanças de direção antes que os outros (“evitar oceanos verme-
lhos por oceanos azuis”, segundo Chan Kim).
2. Mudanças de ritmo (aceleradores de negócios, experiências beta,
etc.).
3. Arranca sempre primeiro (first mover, ou primeiro em mover, en ma-
nagement).
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Lição 50
Entram em contradição a necessidade de encontrar um estilo com a necessi-
dade de não transformar-se numa equipa previsível (ás ferramentas de Big
Data cada vez mais potentes). A exigência de criatividade será para interpre-
tar os dados que transmite o Big Data, para criar um estilo que seja previsível
para os seus jogadores mas imprevisível para o contrário. A capacidade de ge-
rar imprevisibilidade, só é possível com treinadores que façam da sua ideolo-
gia uma aposta permanente pela criatividade, no seu cérebro e o dos seus jo-
gadores.
PREVISÃO 17
No futuro um técnico deverá despistar o treinador rival e também aos senso-
res e aos computadores, para que a sua identidade não se torne previsível e a
tecnologia possa detetar a menor quantidade de padrões de jogo possíveis.
Lição 51
O desafio é que a capacidade criativa do ser humano continue superando a
capacidade de aprendizagem do que ele mesmo construiu: as máquinas que
entendem e decifram tudo. Estas ferramentas de Big Data irão popularizando-
se cada vez mais. SAP proporciona informação ao Bayern Munique e ao Hoffe-
nheim, e estão trabalhando em processar informação em tempo real para que
o treinador possa tomar decisões nos intervalos. A informação em tempo real
é imprescindível para um treinador que só pode interpretar com certeza 30%
do que ocorre no jogo e avaliar corretamente nada mais que 12% depois de
um encontro.
O Real Madrid utiliza tecnologias similares, em acordo com a empresa Mi-
crosoft, que se vêm difundindo cada vez mais entre as equipas de alta compe-
tição. Os treinadores mostram-se em geral muito abertos a todas as contribui-
ções que melhoram a parte física. Mas em alguns casos não estão tão predis-
postos às intromissões na parte tática.
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Conectar o distante
O Benfica de Portugal ostenta ser a primeira instituição do futebol interconecta-
da entre o estádio, os jogadores e os adeptos. A capacidade de inovar provém
desde fora (o francês Jules Rimet jamais jogou futebol, no entanto, isso não
foi impedimento para que fosse o inventor dos mundiais de futebol e também
presidente da FIFA. As autoridades do clube não pertencem historicamente ao
mundo do futebol, dando validez à famosa conexão em inovação entre o próxi-
mo e o distante). Conseguiram que o clube tenha o seu próprio centro de da-
dos, desenvolvido com a Huawei, para controlar a informação que gere atra-
vés de sensores. Assim se monitoriza os jogadores e, com sistemas de apren-
dizagem automática, desenvolvem-se estratégias personalizadas. Trabalha-se
na análise de vídeos para detetar os pontos fortes e débeis de cada um, para
além de controlar em tempo real as horas de descanso. Deste modo, os treina-
dores podem desenhar sessões de treino de acordo com a sua capacidade de
recuperação. O Benfica também procura chegar aos seus adeptos, para o
qual estão desenvolvendo uma plataforma de vídeo em streaming, onde trans-
mitem as suas partidas, e terminando o projeto Benfica Fans, onde se recolhe
informação sobre a interação dos seus adeptos através das redes sociais.
Tecnologias como o Footbonaut é capaz de entregar 50.000 dados por se-
gundo. Ou, como prognosticam os especialistas da SAP, dez jogadores com
três bolas podem produzir mais de 7.000.000 de dados em apenas 10 minu-
tos. Calcula-se que numa só partida se podem transmitir, analisar e armaze-
nar mais de 60.000.000 de registos posicionais.
PREVISÃO 18
A figura do especialista em criatividade e inovação estará mais tarde ou mais
cedo nas equipas desportivas. Se a criatividade e inovação é uma combina-
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PREVISÃO 19
Num futuro próximo, os jogadores receberão no seu Smartphone, logo após o
jogo finalizar, detalhes dos pontos fortes e débeis dos próximos oponentes. Jé-
rome Boateng, por exemplo, solicitava informação do jogador Cristiano Ro-
naldo com estas tecnologias. Assim, a oferta será personalizada segundo as
necessidades do treinador e dos jogadores. Estes últimos poderão receber
para além disso as instruções principais sobre as que se edificará a tática
para o enfrentamento.
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PREVISÃO 20
No futuro, os jogadores poderão visualizar todos estes detalhes num display
colocado na pele do seu antebraço. Assim poderá corrigir-se em tempo real
no mesmo treino e na competição (sempre e quando o regulamento permita
estes avanços). Excessivamente futurista? A Samsung registou uma patente
nos Estados Unidos para um sistema que permitiria aos seus smartwatches
projetar ecrãs sobre qualquer superfície, inclusivamente na mão do usuário.
PREVISÃO 21
Esta nova forma de obter informação e agrupar os dados permitirá criar perfis
de máxima individualização, brindando a possibilidade de criar “ofertas úni-
cas”. Estas irão conter informação individual sobre si mesmo e individual e de
grupo sobre o contrário (e sugestões de como aproveitá-la no jogo). De recen-
te criação, já existe o CDO (Chief Data Officer) e não tardarão muito tempo
em criar um CDOi2 (Chief Data Officer imagination&innovation).
PREVISÃO 22
Tal criação sobre os dados chegará ao futebol. A prioridade será capturar os
dados de valor e saber como os gerir. A obtenção de dados por si mesma não
é grande coisa, se não há um olho que os interprete e uma mente que lhes dê
um novo significado.
O Big Data pode ser contraproducente em dois sentidos. Por um lado,
pode sobrecarregar o treinador com uma quantidade excessiva de dados, que
não chega a apreciar como uma vantagem competitiva. E por outro, ante se-
melhante manipulação de dados, pode “desacelerar” a tomada de decisões,
em espera de novas conclusões. Estas ferramentas não têm a intenção de
anular as capacidades intuitivas, mas integrá-las de modo inteligente.
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PREVISÃO 23
No futuro, algumas retribuições económicas dependerão da análise de dados
que entrega o Big Data. No futebol a retribuição por quantidade de golos costu-
ma ser comum. Este tipo de retribuições não terão limites. Com estas contribu-
ições, poderão estabelecer-se objetivos individuais e coletivos para fixar no-
vas retribuições. Por exemplo, numa percentagem de passes positivos na saí-
da dos defensores.
PREVISÃO 24
No futuro, a grande quantidade de dados não se utilizará só com fins de análi-
se quantitativa, mas também como um elemento de motivação. A equipa técni-
ca poderia entregar prémios (simbólicos ou reais) ao jogador que percorra
mais metros, ou ao que rouba a maior quantidade de bolas, ou o que entrega
mais passes entrelinhas corretamente. Como todos os avanços tecnológicos,
estas ferramentas podem pôr em apertos os treinadores. Quanta informação é
fornecida? Quanta analisam? Quanta combinam criativamente? Quanta trans-
ferem ao futebolista?
Lição 52
Todo o treinador deve enfrentar-se ao que chamo o Paradoxo do Max&Min: vi-
vemos numa época na qual dispomos de mais informação do que nunca, mas
as decisões devem ser tomadas em menos tempo.
Neurociência
PREVISÃO 25
A descoberta a que se vê submetido o cérebro diariamente, permitirá em pou-
co tempo desenhar treinos individualizados, de acordo com os resultados que
este entrega.
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Lição 53
Os treinadores do século XXI estão obrigados a entregar aos jogadores o cin-
zel porque cada cérebro é diferente do outro e se molda a si mesmo cada dia.
O cérebro foi o grande esquecido do futebol durante muitos anos, ao ter-se en-
tregado protagonismo ao esqueleto. É importante ensinar ao futebolista sobre
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CAPÍTULO 3
Tática
Lição 54
O investimento em criatividade deverá ser cada vez maior. A tática evoluiu
mais em função da destruição do que da criação, com o qual será cada vez
mais difícil ultrapassar sistemas defensivos com jogadores coordenados devi-
do a análises completas do adversário.
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Lição 55
Só um futebol com a capacidade de criar e surpreender poderá romper com a
tendência atual de forçar mais o zero no próprio que o um no adversário.
A maior nível de imaginação, maior capacidade de pensar cenários (os ób-
vios que todos conseguem ver e os que ninguém vê). Em palavras de Guardi-
ola: “Para mim, o mais maravilhoso é planear o que sucederá em cada parti-
da. Com que jogadores conto, que ferramentas posso utilizar, como é o adver-
sário… Quero imaginar o que sucederá”. Essa forma de tentar antecipar tudo,
tem relação com a biologia que, segundo o especialista em neurociência Fa-
cundo Manes, selecionou animais com uma forte dose de ansiedade, já que
aqueles que mais tentavam antecipar os riscos do mundo mais sobreviviam.
PREVISÃO 26
A análise tática de uma equipa será realizada com uma abordagem multides-
portiva. Os treinadores terão à sua disposição especialistas em distintos des-
portos coletivos que, ao finalizar a jornada, lhes entregarão uma breve análise
do jogo desde a perspetiva do seu desporto. O treinador principal só comuni-
cará com eles caso estes consigam chamar a sua atenção com algum concei-
to que possa misturar com os do futebol. Em certas ocasiões, o treinador prin-
cipal poderá convocar esse corpo de especialistas multidesportivos para reali-
zar uma reunião do estilo “brainstorming” e discutir ideias em conjunto. Um
passo mais ambicioso ainda é que cada um desses treinadores de outros des-
portos trabalhem com um editor de vídeo em que possam combinar as situa-
ções de jogo comparativamente entre o seu desporto e o futebol.
PREVISÃO 27
No futuro, e na mesma sintonia, as instituições desportivas estimularão a cocri-
ação entre os seus profissionais. Assim, não parecerá estranho ver um treina-
dor de voleibol e um de andebol numa partida de futebol, estabelecendo rela-
ções de colaboração em benefício particular da tarefa específica de cada um.
Por exemplo, um Guarda-Redes de futebol treinará às vezes com Guarda-Re-
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PREVISÃO 28
Outra colaboração será que os Pontas de Lança treinem junto aos Pivots de
andebol, pelas semelhanças no jogo de costas, apoios, tabelas, etc. O de fute-
bol irá ao treino de andebol (e aprenderá a rudeza com que é marcado o Pi-
vot, bastante mais elevada que no futebol) e o Pivot irá ao treino de futebol. O
que num primeiro momento poderia ser uma obrigação mais adiante com o
tempo ocorrerá quotidianamente como uma prática colaborativa natural. O co-
laboracionismo é uma tendência inevitável e, até certo ponto, muito saudável
e produtiva.
Em 1870 produziu-se a primeira grande inovação tática, que consistia em
dividir os jogadores em três linhas (defesas, médios e atacantes) ainda que es-
tivessem muito desequilibrados numericamente por essa altura. No livro A Pi-
râmide Invertida de Jonathan Wilson, o autor recorre a história da tática e con-
ta que, desde o primeiro sistema tático conhecido como a pirâmide, o 1-2-3-5,
chega-se à atualidade em que os atacantes são cada vez menos. Nas gran-
des competições muitas equipas jogam apenas com um. A pirâmide não só foi
o primeiro sistema tático do futebol, mas também o mais duradouro (quase
quatro décadas). Se se jogava futebol, jogava-se 1-2-3-5. A sua desaparição
deveu-se à nova lei do fora de jogo em 1925.
O mesmo Wilson reconhece em Vittorio Pozzo um grande inovador: “…a
grande inovação posicional de Vittorio Pozzo, treinador da Itália no Mundial
1934. A posição do médio argentino (naturalizado italiano), Luis Monti, recua-
do sobre o Ponta de Lança adversário conseguiu dar equilíbrio à sua equipa.
No entanto, essa equipa de Pozzo trouxe outras novidades ao futebol que fica-
ram para sempre: o contato com o poder político, a procura de solidez defensi-
va, o recorrer a qualquer método para obter a vitória. Com a Itália de Pozzo, o
futebol perdeu definitivamente a inocência”.
Inovar em tática é jogar com fichas no tabuleiro e jogadores na mente, mo-
vilizando elementos de uma linha para a outra até chegar a opções extremas.
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Por exemplo, eliminar linhas, como o 1-3-7-0 que utilizou com êxito o Barcelo-
na.
Nesse jogo com fichas no tabuleiro, conta Pablo Cavallero (Guarda-Redes
da Seleção Argentina) que Marcelo Bielsa chegou a uma compilação de táti-
cas: “Ele diz que há 22 fórmulas táticas. Segundo a que uses, ele emparelha
tudo. O louco tinha um discman com todas as fórmulas táticas. Como eram
tantas, ele saía a correr de noite e as ia escutando nos auriculares”.
Numa oportunidade fiz diagramas para um treinador com uma proposta de
um sistema tático para enfrentar o Barcelona. O sistema defensivo estava pen-
sado com cinco marcações individuais (sobre os cinco jogadores que causa-
vam mais desequilíbrios no jogo) e com cinco líberos (dois deles defensivos,
se o Barcelona jogava com três atacantes). Cada líbero tem a função de osci-
lar em equidistância em relação às duas marcações individuais exercidas pela
sua frente. Partilhei os rascunhos via WhatsApp (ver em seguida). Porquê um
rascunho e não um esquema final elaborado? Para mostrar o caráter da inspi-
ração no processo criativo. A ideia de assistir um treinador com criatividade
não consiste em entregar-lhe soluções empacotadas, mas em oferecer-lhe dis-
paradores que despertem novas ideias e soluções.
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Lição 56
Os treinadores deveriam jogar, e fazer jogar os seus jogadores, todos os jo-
gos de tática e estratégia possíveis: Xadrez, Go, Stratego, Risco, Diplomacia,
TEG e tantos outros.
PREVISÃO 29
Os neurónios preparam-se e treinam-se para a estratégia, a tática e a tomada
de decisões. Quanto maior volume de tomada de decisões, maior familiarida-
de e menor possibilidade de surpresa. No futuro, os treinadores de futebol irão
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Lição 57
A flexibilidade mental que providencia a criatividade permite aos treinadores
flexibilizar táticas e construir uma variedade de linhas diferentes e surpreen-
dentes. O Bayern de Guardiola, por exemplo, que com um 1-4-1-4-1 se flexibi-
lizava para um 1-2-3-4-1. A inovação não é tão complexa no futebol.
Não são poucos os treinadores que elegem defender exercendo o que se
conhece como “pressão alta”. Quem sabe Marcelo Bielsa é um dos expoen-
tes mais conhecidos desta modalidade defensiva. Mas se efetivamente a recu-
peração da bola ocorre nesses espaços, é óbvio que os treinos de recupera-
ção devem ir associados a resoluções rápidas e em pouco espaço (o que fica
logo após uma recuperação de bola obtida com pressão alta). Esses esforça-
dos atacantes, médios ofensivos e médios de cobertura que participam na
pressão têm de se reconverter rapidamente em jogadores com alta criativida-
de, para poder resolver rápido e em pouco espaço.
O treinador que inova na tática procura ideias para desequilibrar o equilibra-
do e quem sabe o que parecia inovação momentânea termina sendo de aplica-
ção universal e eterna. Musa Okwonga relata o nascimento do Médio Ofensi-
vo: “A criação do organizador de profundidade pode-se atribuir a Gusztav Se-
bes, o ex treinador da equipa nacional da Hungria, que colocou Nandor Hi-
degkuti nessa posição contra a Inglaterra em 1953. Sebes era um caçador.
Um grande treinador sabe que a chave para desmantelar a defesa do oponen-
te é colocar-lhe armadilhas, e logo aproveitar-se do espaço que fica. Sebes sa-
bia que a Inglaterra possuía uma defesa formidável, pelo que pensou que era
melhor que os seus atacantes explorassem outras áreas do campo menos pe-
rigosas, fazendo com que Hidegkuti recuasse no campo para tirar os defenso-
res das suas posições. O encontro, que resultou numa humilhação de 6-3
para a orgulhosa equipa da Inglaterra, foi considerado um marco tático. Talvez
o precursor do futebol atual, mais reativo e de contraataque, onde os defenso-
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res são persuadidos para a fora das suas zonas de conforto e terminam sen-
do ultrapassados”.
A grande contribuição tática de Sebes foi a utilização de uma técnica de cri-
atividade tão simples como contundente: ir-se aos opostos. Como diz Valde-
mar Iglesias: “Sebes é reconhecido como um inovador no âmbito das táticas:
inverteu a tradicional formação 1-3-2-5 (conhecida como “a WM”) e tanto os
clubes como a sua seleção adotaram o que seria o começo do sistema 1-4-2-
4, que logo adaptaria o Brasil dos seus anos mais gloriosos”. No entanto, a
sua contribuição não se detém aí. Foi o primeiro em estabelecer um sistema
de treinadores informadores ao longo de toda a Europa, para além de ter envi-
ados que filmavam as partidas. Em 1950 isto só pode ser património de uma
mente avançada.
Todo o inovador necessita de inspiração. Gusztáv Sebes a reconheceu no
inglês Jimmy Hogan: “Jogamos futebol como Jimmy Hogan nos ensinou”. Ho-
gan foi acusado de traidor em Inglaterra por abandonar o país no início da Pri-
meira Guerra Mundial e por ter ensinado futebol fora das suas fronteiras”. Trei-
nou na Holanda onde cada jogador se treinava com uma bola, algo inusual
para a época. Dizem que foi o inventor do futebol total (60 anos antes que Mi-
chels e 40 antes que Sebes), já que pôde apreciar certas caraterísticas nos jo-
gadores holandeses que se diferenciavam dos ingleses e os convenceu sobre
a sua capacidade para jogar em várias posições.
A história da tática regista o que hoje poderia ser considerado como excen-
tricidades da criatividade aplicada. Mas ainda que pareça excêntrico ou dispa-
ratado, a sua invenção exibe um treinador com inquietudes pela criatividade:
“Joga-se assim”, “todas as equipas jogam a…”.
No ano de 1982 um Racing com um torneio irregular decidiu jogar perante
o então bem montado Ferro com 9 marcações individuais. Segundo recorda
Matías Bauso, as únicas exceções eram o Guarda-Redes e o Líbero. Racing
surpreendeu o Ferro e ganhou essa partida por 1 a 0.
Carlos Bilardo foi outro grande inovador na história do futebol. O seu siste-
ma de 1-3-5-1-1, com o qual ganhou o Mundial ’86 no México, tratou-se de
uma inovação tripla. Por um lado, a defesa com três componentes. Por outro
lado, a criação dos Médios Ala: aqueles que devem mover-se muito para trans-
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Lição 58
Quem sabe a melhor equipa é aquela que, com a sua dinâmica de trocas ines-
peradas, nunca permita determinar quantos jogadores há por linha. Talvez
essa é a razão pela qual a Holanda de 1974 e o seu futebol total seja um
exemplo de inovação na história do futebol. As boas ideias ganham partidas.
As muito boas ideias ganham campeonatos. As ideias geniais ganham a histó-
ria. Agora, o que acontece se uma equipa é multisistémica, independentemen-
te do resultado do jogo? O normal são as mudanças de sistemas táticos se-
gundo a combinação de variáveis do jogo: resultado, tempo de jogo, substitui-
ções, superioridades numéricas, necessidade de golos ou conservação do re-
sultado. Mas, que sucede se uma equipa realiza trocas no jogo sem necessi-
dade de depender de que alguma variável tenha modificado a partida? É um
sinal de iniciativa, de provocação de incertezas constantes no adversário, de
proatividade (e reatividade no adversário). No Torneio de Verão de 2016 na Ar-
gentina, Marcelo Gallardo realizou quatro mudanças de sistema na mesma
partida, independentemente da disposição do adversário. Como se tratava de
um jogo amigável, colocado dentro do trabalho de pré-temporada, poderia in-
terpretar-se que foi utilizado como ensaio de variantes para escolher as melho-
res e descartar as outras. Como disse Fernando Navarro Montoya, ex Guar-
da-Redes do Boca Juniors da Argentina: “No futebol a tática e os factos que
geram os seus movimentos são previsíveis; só são imprevisíveis a iniciativa e
a criatividade”.
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Identidade
Quem sou? Que quero ser? “Ser ou não ser, eis a questão”, como diz Hamlet
na obra de Shakespeare.
Há muitas formas de abordar a definição de identidade. Francisco Matura-
na, treinador da Seleção da Colômbia dos anos 90, costumava descrevê-la as-
sim: “Nós julgávamos o resultado, não a nossa identidade. Podíamos perder,
mas jogando o que sentíamos, o que o povo gostava e queria”.
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Lição 59
O que significa que uma equipa tenha identidade? Jogar sempre ao mesmo?
Denunciar as suas intenções e que sejam tão óbvias que nem sequer o contrá-
rio necessite estudar a sua dinâmica de movimentos táticos? Identidade nun-
ca pode ser sinónimo de obviedade, exceto que essa identidade esconda ele-
mentos que possam ser, inclusivamente, apreendidos cognitivamente pelo
contrário sem que possa resolvê-los mesmo sabendo da sua existência.
Lição 60
O conflito identidade-mudança é muito frequente no futebol. Não existe treina-
dor que não faça o seu máximo esforço para ter uma “equipa com identidade”.
Mas uma identidade demasiado óbvia e repetida permite uma maior capacida-
de de neutralização. Os esforços por conseguir uma identidade devem nutrir-
se de criatividade ao princípio, e mais além no tempo para sustentá-la sem
cair na previsibilidade. Fala-se de identidade quando uma equipa joga sempre
ao mesmo. Tal atitude garante que cada dia os adversários possam aproxi-
mar-se um pouco mais. Mas também é identidade que uma equipa elija jogar
sempre distinto e, nessa variabilidade, encontre a sua própria identidade. Para
isso, há que ter o valor de correr os riscos da inovação e a aceitação da crítica
de alguns míopes que veem na mudança intencionada a ausência de identida-
de.
Lição 61
Esse é o grande condimento da criatividade: dar ao trabalho duro a cota de
distinção que fará com que o produto desse trabalho seja uma imprevisibilida-
de ganhadora (ainda que os outros saibam como se joga). Seria algo assim
como a imprevisibilidade dentro do previsível. Todos sabem como jogam mas
ninguém pode achar o antídoto.
A criatividade também é o que permite ao treinador inventar-se a identida-
de, fazendo a sua equipa diferente do resto e igual a si mesmo e aos seus so-
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Lição 62
A obediência extrema acaba de forma extrema com a criatividade. Mais ainda
se esta responde a princípios que não têm nada a ver com o ADN do seu fute-
bol. Como disse Michel Platini: “Uma seleção de futebol representa uma for-
ma de ser, uma cultura”. A inovação no futebol tem que ser empática com a
sua história e o seu legado. Em especial, quando o legado leva dentro de si a
expressão artística da beleza do seu jogo.
A dificuldade e o perigo iminente são os mecanismos que necessita a imagi-
nação para pôr-se a funcionar. A criatividade e a inovação adormecem-se com
a comodidade, a segurança e a certeza. A função de “duplo 6” no meio campo
atribui-se a Juan Faccio, quando em 1973 o então treinador do Peñarol do
Uruguai viu-se obrigado a colocar Nelson Acosta e Ramón Silva para neutrali-
zar o circuito virtuoso do Nacional de Montevideu, integrado por Montero Cas-
tillo, Espárrago e Maneiro. Soichiro Honda, fundador da Honda Motors, costu-
mava dizer: “A minha emoção maior é quando penso algo e falha. A minha
mente enche-se de ideias sobre como posso melhorá-lo”.
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PREVISÃO 30
Ainda que o futebol se mostre relutante ás mudanças, podemos esperar que
em algum momento haja mudanças regulamentares que convertam o futebol-
desporto em futebol-espetáculo (como foi no seu momento a decisão de que o
Guarda-Redes não possa apanhar com as mãos o passe de um companheiro
com o pé). Como disse Jürgen Klopp: “Se os espetadores querem emoções
e tu lhes ofereces uma partida de xadrez sobre erva, alguma das duas partes
terá que procurar um estádio novo. Os 60.000 adeptos que enchem as banca-
das querem paixão!”. Apesar de que não o expressem abertamente, os futebo-
listas pretendem o mesmo.
Mas esse motivo de inovação requer de treinadores preparados no tema,
seja para antecipá-los e ter as respostas aprendidas, ou para ser reativos an-
tes que o resto dos treinadores e ganhar assim uma vantagem competitiva. A
história exemplifica isto muito bem. Em 1925, devido à queda da média de go-
los, diminuiu a quantidade de espetadores nas bancadas. A resposta foi mu-
dar o regulamento do “fora de jogo” para se atingir uma maior quantidade de
golos nas partidas, baixando de três a dois (Guarda-Redes e defensor) jogado-
res a exigência regulamentar.
Lição 63
O treinador do século XXI deveria prognosticar para onde se dirige o futebol
para ser ele mesmo um progressista na proposição e um inovador na execu-
ção. Inovação não é sinónimo de imediatismo, como pode sê-lo um “eureka
criativo”, pois da criação à execução às vezes há um longo caminho. Mas não
existe a execução original sem idealização original. Chapman, o criador do
WM, dedicou uns cinco anos no Arsenal para polir os detalhes do novo e ino-
vador sistema.
Inovar é ver que algo distinto se está formando, tanto de modo consciente
como inconsciente, com maior antecipação. É como crer que o futebol foi in-
ventado pelos ingleses porque lhe deram forma através do desenvolvimento
de um regulamento. O futebol sempre andou por aí, jogando-se na informalida-
de e mantendo-se em estado puro. Para os italianos, o “calcio”. Para os gre-
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São muitos os autores que sugerem que 30% a 40% das partidas decidem o
seu resultado por jogadas de bola parada.
Lição 64
Uma equipa não poderá ser a melhor executora de jogadas de bola parada,
se não conta com um treinador capaz de inventar jogadas exatas para os joga-
dores indicados. Isto requer noções de flexibilidade, mobilidade, combinação
e montagem. Uma desmarcação por aqui, um bloqueio por ali, uma distração
e uma cortina por acolá. Jogar com muitas variáveis, sonhá-las, fazer o rascu-
nho num papel, ou onde seja, configuram a mentalidade de um treinador criati-
vo.
Lição 65
Nas situações de bola parada, sempre se tenta aumentar a incerteza ao con-
trário, enquanto se diminui a própria. Em nenhum livre direto o adversário de-
veria saber de antemão que tipo de execução se realizará, ainda que este
seja preciso. Por isso, poderá executá-lo tanto um destro como um canhoto,
tanto um executor de colocação como de potência. Tais possibilidades contri-
buem a gerar cenários de incerteza e confusão no oponente.
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Barreira contínua
Barreira descontínua
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Ideias como estas têm que passar a prova da competição e, como toda a
inovação, podem ser rejeitadas e criticadas ou aceitadas e veneradas. O im-
portante aqui é a capacidade de ver e entender que, mediante os caminhos
da criatividade, qualquer necessidade, problema ou desejo de um treinador en-
contra novas e múltiplas respostas.
A oferta de novidades táticas nutre-se da criatividade dos jogadores e do
treinador. As reservas do Nice, na partida ante o Grenoble, experimentaram
provar novas formas de atuar defensivamente num livre direto. Colocaram cin-
co futebolistas na linha de golo, enquanto o Guarda-Redes colocou-se perto
da marca de pénalti e colocou dois jogadores da sua equipa à sua frente
(https://www.youtube.com/watch?v=eloOzlxItTY). Nunca saberemos se foi
pela ação tática ou pela falta de habilidade do executante, mas o remate termi-
nou afastado para longe da baliza. E isso não é tudo, numa partida com o Bir-
mingham, o Brentford executou uma jogada preparada que continha uma “tri-
pla barreira” (https://www.youtube.com/watch?v=UrNDkiwOTmo).
O jogador brasileiro Ronaldinho foi um fervoroso executor de livres diretos
junto ao solo, aproveitando o usual salto da barreira. O fez no Barcelona, no
Flamengo e no Atlético Mineiro. Mas, como toda a inovação que dá resultado,
teve as suas réplicas em novos aderentes. O futebol segue as leis da inova-
ção: ao inovador (2,5%) o seguem os “early adopters” ou primeiros adoptan-
tes (13,5%) e mais tarde, a maioria adiantada (34%) que é onde a inovação
se faz massiva para terminar na maioria atrasada (34%) e os “laggards” ou cé-
ticos (16%).
Outros futebolistas, como Pirlo, Messi ou Cristiano Ronaldo, começaram
a usar estes recursos (https://www.youtube.com/watch?v=k6FRtyHZqsU). E a
resposta finalmente chegou porque a criatividade não é excentricidade do pen-
samento, mas sim encontrar soluções simples a problemas reais. Adilson Ba-
tista, treinador do Figueirense do Brasil, em 2013 teve uma resposta criativa:
à barreira tradicional agregou um jogador deitado lateralmente no solo de cos-
tas para o marcador (https://www.youtube.com/watch?v=kOSpWkHWhh0).
Igual ao inovador (Batista-Figueirense), o seguiram os primeiros adoptantes
(Dado Cavalcanti-Ponte Preta Brasil).
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Porque é que cabecear deve permanecer só ao mundo dos altos? Pelé me-
dia 1,70m e fez 380 golos de cabeça. Porque é que cabecear deve pertencer
só ao mundo dos bons cabeceadores?
Lição 66
As jogadas de bola parada fazem-se com desmarcações, bloqueios, cortinas
e distrações, para que os melhores cabeceadores possam cabecear. Não é
possível utilizar essa concentração extrema do contrário para surpreender
com soldados débeis de qualidades específicas mas tão desacompanhados,
que seja tão fácil para eles cabecear como para o outro companheiro com
marcação? O que é óbvio combate-se. A surpresa gere-se. Se a tua equipa
sabe surpreender desta forma, passado um tempo os rivais não saberão a
quem marcar porque todos se convertem em opções com possibilidade de êxi-
to. É aqui onde o nosso principal cabeceador começa a ter mais opções que
antes. Talvez como treinador te expões ao ridículo, mas só até que convertes
o primeiro golo com esta fórmula. Nesse ponto, passas a ser um inovador e
um génio da tática.
Muitas poucas equipas e treinadores contemplam o pontapé de saída
como a possibilidade de criar uma ação criativa a favor da sua equipa. No en-
tanto, a crónica desportiva de uma partida da segunda categoria do futebol ale-
mão conta a seguinte anedota: “Quando parecia que no futebol estava já tudo
inventado, uma equipa da segunda divisão do futebol alemão surpreendeu
com uma estratégia incrível que lhe serviu para marcar golo em só sete segun-
dos de jogo. Os protagonistas foram os integrantes do Red Bull Leipzig, ao en-
frentar o Stuttgart II numa partida pela principal categoria da subida desse pa-
ís. Ao iniciar do centro, jogaram a bola para trás e imediatamente sete futebo-
listas começaram a correr para a área adversária. Outros dois, que tinham fica-
do na defesa, receberam o passe, pararam a bola e lançaram um remate po-
tente para completar a jogada. Um atacante conseguiu penteá-la e fazê-la che-
gar a um companheiro que entrava na área; este se posicionou e enviou um
centro preciso para Daniel Frahn, que entrava livre pelo centro da área e cabe-
ceou para abrir o marcador”
(https://www.youtube.com/watch?v=wCoagyGp8Nc).
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Lição 67
A moral é clara: quanto mai-
or criatividade para propor
algo distinto, maior capacida-
de de surpresa e confusão.
Já diz o velho refrão: “Rio
agitado, lucro dos pescado-
res”.
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CAPÍTULO 4
Motivação e liderança de
equipas
A felicidade
PREDIÇÃO 31
Num futuro próximo as equipas se aproximarão cada vez mais às novas ten-
dências de motivação empresarial. Em breve irão medir o índice de felicidade
dos seus futebolistas. Tal ferramenta terá um grande valor de diagnóstico acer-
ca do seu nível de motivação, compromisso e pertença. As pessoas felizes
com as suas tarefas permanecem o dobro do tempo nelas, têm mais 65% de
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101
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Lição 68
Os treinadores atuais têm em conta o “fator felicidade” no seu plantel? Talvez
seja o momento de fazê-lo porque, como diz Manes: “Um cérebro infeliz é me-
nos inteligente, menos criativo e menos produtivo”.
Lição 69
Um treinador líder deveria fazer jogar o futebolista como uma criança, apaixo-
nar-se como um adolescente, realizar como um jovem e refletir como um anci-
ão. A criatividade não evita as respostas óbvias. Que ocorre se um jogador
pede dois dias de licença para ir de festa? A resposta em 99% dos casos seria
um rotundo não.
Johan Cruyff contou que quando era treinador de Romário no Barcelona
de Espanha viveu uma situação que o obrigou a resolvê-la com engenho: “Um
dia veio Romário e me perguntou se podia perder dois dias de treino para ir
ao carnaval do Rio de Janeiro. Respondi-lhe que se no dia seguinte marcasse
dois golos lhe daria mais dois dias de férias que aos restantes colegas. Romá-
rio marcou dois golos em apenas 20 minutos nesse dia, pelo que rapidamente
se aproximou do banco e disse-me: “Mister, o meu avião sai numa hora”. Não
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tive outro remédio que substitui-lo como tinha prometido”. Quem sabe esse
lado colaboracionista do treinador tenha tido a ver com isso, para além da es-
pontaneidade criativa e com a empatia. Quando jogavam, um assistente o es-
perava nos intervalos com um cigarro acendido no túnel.
Propiciar a criatividade é uma nova forma de criar vínculos com o jogador,
potenciar a sua pertença e incrementar a sua motivação. Como disse o treina-
dor argentino Diego Simeone, a melhor forma de trabalhar é quando um sen-
te que pertence. Ele costumava dizer aos seus jogadores que, para trocar a
camisola do Atlético de Madrid no final da partida, o contrário devia dar-lhes
duas em troca. A pertença estará conseguida quando se escute da boca do jo-
gador (mas que o dite o seu coração) coisas como as que disse Carles
Puyol: “Estive olhando todas as roupas que tenho… Com a que me sinto me-
lhor é com o escudo do Barça no coração”.
Lição 70
A criatividade é o condimento ideal para as atividades nas que se criem novas
relações e se fortaleçam outras, sempre com uma bola como meio. Essa filo-
sofia é muito distinta que planear um treino do sistema 1-4-3-1-2, ainda que
pensemos treinar o mesmo. Ao mudar a visão, muda o todo e o tático é enri-
quecido com o social, o volitivo, o humano e o subjetivo. Já o disse o jornalista
e o relator desportivo argentino Dante Panzeri: “Fazer que todos sejam ami-
gos entre eles e corram a mesma quantidade de metros, transpirem a mesma
quantidade de suor, esforcem-se pensando como enganar o adversário e que
exista a segurança de que ninguém joga pensando em si próprio não é preci-
samente um trabalho técnico, mas mais uma missão espiritual”.
Lição 71
Criatividade para ativar zonas cerebrais que vão muito mais além do raciocí-
nio “há que dar tudo” (uma obrigação) a “sinto que vou dar tudo” (um desafio).
Os conhecimentos da neurociência do cérebro triúnico: que funções cumpre
cada um e como ativar/desativar de acordo com as circunstâncias, que um trei-
nador não pode desconhecer. Como a metáfora que costuma expressar o trei-
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nador holandês Van Gaal: “Como líder, temos que tocar a gente no coração”.
Algo que o neurocientista Patrick Renvoisé explica em palavras bem gráficas:
“A persuasão funciona, se a pessoa não se dá conta de que a estão persuadin-
do. Somos mandados pelo réptil no nosso interior, mas preferimos crer que
pensamos”. Semelhante exigência necessita a inteligência criativa.
O cérebro reptiliano necessita que lhe concedam a possibilidade de expres-
sar-se. Quem o tenha mais ativo sobreviverá. Renvoisé oferece uma informa-
ção sobre o cérebro réptil e como motivar um jogador ou a um plantel: “O rép-
til reduz opiniões ao binário para sobreviver, ainda que a realidade seja mais
complexa e compreendê-la necessite requerer uma lógica difusa. Madrid-Bar-
ça, nós e eles. O réptil em nós só entende de bons e maus, depois a razão en-
contrará desculpas ideológicas para embelezar esse instinto básico. O melhor
deveria dizer-se sempre ao princípio, pois o réptil economiza energia: quando
se aproximam dele, desperta cinco minutos, em caso de ameaça; depois pas-
sa ao modo “stand by”; e logo, se não o estimulas com comida, sexo ou po-
der, adormece”. Trata-se sempre de encontrar o oponente perfeito; e se não
existe, deve ser construído. Só assim, despertaremos o cérebro réptil, o Usain
Bolt dos três cérebros.
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Lição 72
Pensar, imaginar, escrever, desenhar e ensaiar histórias eleva o número de
possibilidades de intervenção motivacional de um treinador. O treinador do sé-
culo XXI deve ser em especialista em storytelling criativo.
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A comunicação
PREDIÇÃO 32
No futuro o treinador comunicará telepaticamente com o jogador. O futurólogo
José Luis Cordeiro afirma que vamos transmitir os pensamentos de cérebro a
cérebro num segundo. Já existe a primeira geração dos “leitores de mente”.
De momento, emprega-se só para jogar mas os seus usos serão extendidos
até sítios não imaginados, entre eles o controlo da “carga” ao cérebro num trei-
no.
Alguém disse que a forma de nos comunicarmos na vida é a que determina-
rá até que ponto podemos triunfar. Um estudo da empresa de consultoria
McKinsey menciona os vinte principais fatores que determinam o êxito de uma
liderança. Pelo menos 15 deles mostraram relação direta com a comunicação.
A mensagem tem que ser potente, mobilizante, sedutora e, às vezes, utópi-
ca. A utopia tem a força de desafiar e demonstrar que o que parecia impossí-
vel era só um objetivo de altas pretensões. Quando Elon Musk fundou a com-
panhia de automóveis Tesla, e começou a fabricar os seus primeiros veículos,
disse: “Queremos fazer o melhor carro do mundo”. A visão necessita inspirar.
A quem se pode motivar dizendo que queremos ser a equipa que ocupe a 15ª
posição? Uma boa política de objetivos é, antes do começo da temporada, fi-
xar uma visão grupal.
Lição 73
O treinador deve ser criativo na sua retórica mas também deve poder inventar
todos os canais de comunicação possíveis que convençam os jogadores a
apropriar-se da ideia. Só se defende o que é do próprio. Se a ideia lhes pare-
ce estranha (só pertence ao mundo da planificação do treinador), a defende-
rão tibiamente. Uma ideia deve entrar por todos os canais sensoriais possí-
veis para transformar-se em perceção, sem saturar. Mas sobretudo, devemos
assegurarmo-nos de que a ideia chegue a cada um dos três cérebros: o neo-
córtex ou cérebro racional (de uns 100 milhões de anos), o límbico ou cére-
bro emocional (de uns 200 milhões de anos) e o reptiliano ou cérebro de so-
brevivência (de uns 500 milhões de anos). Ninguém melhor do que o treinador
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Lição 74
O instinto animal treina-se, tanto como a emocionalidade adequada (límbico)
e o pensamento exato (neocórtex). Sem dúvida, o melhor treinador será quem
consiga extrair o instinto animal, as melhores emoções e o melhor raciocínio.
Isto significa que há que ensinar ao futebolista a extrair os três cérebros ao
máximo durante os 90 minutos e dosificá-los. O neocórtex encarrega-se de fa-
zer a pausa, acionar rapidamente a reflexão. O límbico, de incentivar, desfru-
tar, partilhar e detetar as emoções do contrário. E o reptiliano, das situações
individuais e os momentos culminantes da partida.
Lição 75
Costuma dizer-se que, se no jogo predominam as emoções, prejudica-se a
correta tomada de decisões. Mas também são necessárias as “leituras emocio-
nais” para a “tomada de decisões emocionais”: os momentos de dúvida do
oponente, de aborrecimento, de aflição, de fadiga. O jogador cerebral entende
de tática e estratégia; enquanto que o jogador emocional, de momentos sensí-
veis do jogo. Em resumo, é necessário chegar-lhes tanto à cabeça como ao
coração.
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Lição 76
O treinador criativo toma ferramentas de qualquer lado. E para isso, necessita
humildade. O treinador arrogante não pode aprender de ninguém, porque crê
que tem tudo.
Alex Ferguson costumava mostrar aos seus jogadores partidas da Juven-
tus de Itália de Marcelo Lippi, sem procurar nenhuma aproximação tática es-
pecial, mas procurando inspirá-los no desejo de ganhar.
Podemos distinguir a comunicação direta com o jogador da comunicação
indireta, que se transmite mediante outros canais formais e informais. A im-
prensa é um deles. Johan Cruyff estava a ponto de ser despedido do Barcelo-
na porque era só uma sombra do Real Madrid. Mas tiveram que se enfrentar
numa final, última oportunidade para Cruyff. Desde o Real Madrid, declararam
que era a partida mais importante da semana. Cruyff na conferência de im-
prensa não fez nem uma só menção à partida, com o objetivo de tirar pressão
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Lição 77
“Eu não quero só ganhar… também quero sentir!” é o resumo da filosofia de
Jürgen Klopp. A passagem do jogador pelo treinador deveria ser uma verda-
deira experiência. Um treinador pode ser contratado pelos dirigentes devido
aos seus sucessos, mas também pode ser contratado pelo que fizeram sentir
os seus ex-jogadores.
A grande época do Barcelona de Guardiola instalou a qualidade técnica
dos seus jogadores junto à capacidade tática do treinador para conseguir ex-
trair o máximo de cada um. Poucos reconheceram a capacidade de motivar
os seus jogadores de Guardiola. Um desses poucos é o treinador alemão Jür-
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Lição 78
O nível de motivação dos jogadores pode ser uma evidência da necessidade
de mudança, sem ter que esperar resultados adversos. Se a motivação baixa,
os resultados mais cedo ou mais tarde acompanharão essa descida.
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Lição 79
Mas porque é que se deve dar tanta importância a este momento? Não basta
apresentar-se e comunicar as novas formas de trabalho? Não, não basta por-
que o cérebro do jogador não conhece os seus preconceitos nem como mol-
dá-los. Numa experiência de John Bargh da Universidade de Yale demons-
trou-se que o cérebro necessita só de duas décimas de segundo para formar
a primeira impressão. Em 2006 na Universidade de Princeton, o número fixou-
se em 100 milissegundos. E mais tarde, em 2009, psicólogos alemães da Uni-
versidade de Halle-Wittenberg a fixaram em menos de 50 milissegundos.
Isto tem que ver com as emoções e com uma parte do cérebro chamada amíg-
dala. A primeira impressão a faz o inconsciente e, desde aí, começa a gover-
nar os nossos vínculos já que, equivocada ou não, determina as futuras perce-
ções para essa pessoa.
Lição 80
Os jogadores têm uma ideia do treinador que recebem. Seja por futebolistas
que tiveram, ou por comentários de outros colegas, ou pela imprensa. O pri-
meiro contato tem a oportunidade de confirmar todo o bom e dar pistas de mu-
danças no mau. Por isso, este deve captar a atenção, conquistar e intrigar.
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Lição 81
Na primeira impressão o jogador decide se esse treinador será perigoso para
ele ou não (comparando-o com outros treinadores de forma inconsciente). É
ali quando o treinador tem que deixar assente nas suas palavras, gestos e ex-
pressões corporais, que tipo de vínculo propõe ao jogador. Isto é, tanto a sua
confiança inicial como as suas expetativas. E o jogador tem que sentir coerên-
cia entre o que se expressa com as palavras e com o corpo. Logo, em cada
treino, deverá haver coerência entre as impressões iniciais e as que se se-
guem. Não existe possibilidade de obviar o efeito da primeira impressão, pois
o inconsciente não aceita ordens nem sugestões deste tipo. Mas é possível ir
modificando essa primeira impressão.
Carlos Bilardo conta uma anedota do seu primeiro dia no Estudiantes de
La Plata sob o comando de Osvaldo Zubeldía: “Convocou-nos na estação às
sete da manhã, uma hora antes do normal. Disse-nos que observássemos as
pessoas. Éramos nove olhando a milhares de madrugadores. Não esperáva-
mos ninguém mais, só queria que víssemos isso. Porque éramos futebolistas
e fazíamos o que gostávamos, isto é, que jogávamos por prazer. As pessoas,
ao contrário, vivem correndo, ganham pouco dinheiro e devem suportar os
seus chefes. Disse-nos: ‘Se me fazem caso e são bons profissionais, deixan-
do de lado tudo o resto para treinar forte, podemos chegar longe. Serão famo-
sos e ganharão dinheiro. E se não for assim (olhando para a multidão), serão
mais um deles’”.
Lição 82
Talvez seja nesse breve instante entre a apresentação, a conversa inicial e o
primeiro treino onde se decide a qualidade do vínculo entre o treinador e os
seus dirigidos. Não há uma segunda oportunidade a uma má primeira impres-
são. Essa situação merece uma planificação especial com todos os recursos
criativos disponíveis para mobilizar cada um dos três cérebros: um pouco a ra-
zão, muito as emoções e o suficiente a sobrevivência. Os jogadores têm um
volume de “apresentações” muito elevado nos seus ouvidos e nos seus olhos.
Se lhes oferecem o mesmo de sempre, eles (inconscientemente) devolvem o
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Lição 83
Um resultado extraordinário consegue-se com motivações extraordinárias
apoiadas na criatividade. Os treinadores têm que adaptar-se a novos jogado-
res com metodologias e culturas distintas. Quando em 2004 Mourinho deixou
o FC Porto (para ir para o Chelsea FC), o clube contratou Luigi Delneri, que
vinha de dirigir com êxito equipas italianas. No entanto, os jogadores do FC
Porto abraçavam a metodologia de Mourinho, com a que chegaram a ganhar
a Champions League, e nunca puderam ser convencidos da forma de trabalho
de Delneri. Isso provocou um breve ciclo de trabalho de apenas uns dias. A cri-
atividade deve-se aplicar nestes casos para seduzir o jogador e fazê-lo sentir-
se renovado e motivado com o seu novo líder.
Lição 84
O primeiro treino com o jogador é como a primeira saída com uma mulher: o
primeiro contato é decisivo para se apaixonarem. Não se pode desaproveitar
a oportunidade numa apresentação ou num treino entediante. O jogador tem
que desconfiar que este treinador é diferente, que, ainda não saiba bem por-
quê, há algo que lhe chama à atenção e o surpreende.
Lição 85
A criatividade é também estender uma ponte empática de alguma forma. Um
laço que comece a aproximar as partes.
Quando Diego Simeone chegou ao Atlético de Madrid, trouxe uma visão
firme e uma mensagem clara: “O que me punha contente chegar quando che-
guei era que o Atlético de Madrid jogasse como a história o mostrou. E nós jo-
gamos como historicamente jogou o Atlético de Madrid, uma equipa lutadora,
forte, de contra-ataque e intensa. Oxalá não mudemos, porque são as carate-
rísticas dos nossos futebolistas e depois da história do Atlético de Madrid.”.
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estádio. O objetivo era que se relaxassem. Ambos encontros eram de alta ten-
são, pelo que a sua aposta era que uma pequena bebedeira lhes tirava os ner-
vos. Em ambas ocasiões o tiro saiu-lhe bem. Ao Southampton ganharam 3-2
e obtiveram o título; e com o Liverpool empataram 0-0, cujo resultado lhes per-
mitiu passar à seguinte fase do torneio”.
O Everton padeceu outra das lições de Clough, depois de um encontro na
Taça da Liga. Os toffees terminaram zangados depois de perderem perante o
Nottingham Forest de visitantes, por culpa de um golo polémico. Para descon-
tar a sua frustração, os jogadores decidiram causar destroços no balneário.
Quando isto chegou aos ouvidos de Clough, ordenou que não limpassem
nada. Tinha um ás debaixo da manga: o Everton voltaria três dias depois para
um confronto da Liga. Quando chegaram ao balneário, o encontraram num es-
tado desastroso, tal e como o haviam deixado.
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xos. São rituais que procuram aumentar os aspetos “conhecidos” para contrari-
ar o “desconhecido”: o resultado da competição. Tal crença é produto da igno-
rância. No ambiente do futebol se crê muito nas superstições e na má sorte, e
pouco nas ciências aplicadas”.
PREVISÃO 33
O conceito de “memória dependente do estado” será, para os treinadores, o
substituto das superstições no futebol. Trata-se de lugares e situações que re-
cuperam certas memórias evocando tanto momentos agradáveis e ganhado-
res como angustiantes e perdedores. Um conceito verdadeiramente útil para
potenciar o “próprio” e debilitar o “alheio”.
Zornetzner explica: “Normalmente na formação da memória o padrão espe-
cífico de excitação presente no cérebro no momento da aprendizagem torna-
se um componente integral da informação armazenada. A representação neu-
ral deste padrão específico de excitação depende do padrão de atividade gera-
do pelos sistemas de acetilcolina, catecolamina e serotonina. Neste estado idi-
ossincrático de padrão cerebral único, presente no momento da formação da
memória, que deve ser reproduzido ou aproximado no momento da recorda-
ção, para que a informação armazenada seja elaborada”.
Como trabalhar esta memória a próprio favor (pela positiva) e contra o opo-
nente (pela negativa) no futebol? Detonando memórias inconscientes. Exem-
plos:
A próprio favor: No caso de jogar uma classificação em partidas de ida e
volta, e de ter ganho o primeiro, o conveniente é voltar a passar por tudo o
que antecedeu a partida anterior. Todos os detalhes possíveis. Tudo tem que
parecer-se à partida anterior mas nunca se tem de mencionar porquê, se pas-
sa pela consciência dos jogadores, se arruina tudo. Trata-se de recuperar,
através do inconsciente, bons momentos que aumentem a autoestima do joga-
dor (sem que se dê conta). Cada lugar, cada ação e cada pessoa tem que de-
volver sensações de plenitude do passado recente.
Consciente ou inconscientemente, isto o fez Zinedine Zidane para a final
da Champions League 2016 em Milão. Promoveu uma refeição com as famíli-
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A diversidade
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PREVISÃO 34
Num futuro, e segundo o projeto 2045 Initiative, poder-se-ão criar tecnologias
“capazes de transferir a personalidade de um indivíduo a um corpo não biológi-
co muito mais avançado. Isto permitirá estender a vida”. José Luis Cordeiro,
assessor e professor de Energia da Singularity University, acrescenta que “o
envelhecimento será uma enfermidade curável nos próximos 20 ou 30 anos, e
dentro de duas décadas não haverá Parkinson nem Alzheimer”. Cientistas da
Fundação Matusalén conseguiram alargar a vida a espécies simples, como a
mosca da fruta, quatro vezes e a uns tipos de minhocas, seis vezes. Mas mais
importante ainda é que os investigadores conseguiram multiplicar pelo menos
por três a vida dos ratos, passando de 1 ano e meio a uma vida de 5 anos.
Isto não teria nenhuma relevância científica se não fosse porque os ratos com-
partilham com os humanos cerca de 90% do seu genoma.
PREVISÃO 35
Isso significa que a longevidade desportiva se estenderá ainda muito mais do
que já se prolongou. Hoje é habitual ver no campo jogadores de futebol de
alta competência entre os 35 e os 40 anos (sobretudo aos Guarda-Redes).
PREVISÃO 36
No futuro, e produto dessa longevidade desportiva, as “ligas de jogadores ve-
teranos” serão integradas cada vez com mais força ao circuito dos negócios
do futebol. Os jogadores que participam atualmente nestas ligas não seguem
os padrões de profissionalismo que tinham quando se encontravam em ativida-
de (alguns jogadores estão fora de forma desportiva). Chegará o momento em
que continuarão a ser profissionais com treinos adaptados à sua idade mas
igualmente exigentes como no futebol profissional. Surgirão as transferências
e os formatos continentais e mundiais com um nível de profissionalismo simi-
lar às competições tradicionais. Serão as “ligas da nostalgia” porque para as
pessoas, em geral, todo o tempo passado foi melhor, há uma identificação
mais profunda que vem da infância ou da juventude e é uma forma de esten-
der o negócio. Uma espécie de inovação incremental. Porque hoje em dia al-
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Lição 86
Estas descrições aumentam a necessidade de atualização e colocação em
marcha destes temas por parte dos treinadores. Não encontrarão a forma de
chegar aos próximos jogadores, se não entendem que devem renovar-se e ex-
trair o melhor dos seus métodos tradicionais, para fazê-los conviver com pro-
postas refrescantes, atraentes, desafiantes e divertidas. O desafio é maiúscu-
lo.
Lição 87
Os Geração Z não entendem de hierarquias. Isso obriga os treinadores a re-
pensar os modelos de liderança tradicionais. Ser o treinador já não é sinónimo
de ter autoridade, como acontecia antigamente. Implica sim ter a responsabili-
dade de ganhar-se a autoridade. Ao anterior soma-se uma agravante. Segun-
do um estudo da Deusto Business School, possuem uma capacidade menor
para manter a atenção naquilo que não dê resultados a curto prazo (devido à
imediatez a que estão acostumados com as novas tecnologias). De maneira
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que as técnicas tradicionais utilizadas pelos treinadores para atrair o seu inte-
resse perderão vigência frente a esta nova caraterística.
Ao contrário de outras gerações, tanto a geração Z como a Y tem como pri-
oridade o desfrute. “Prefiro as vivências aos troféus”, disse Bojan Krkic, ata-
cante espanhol do Stoke de Inglaterra com passado no Barcelona. O seu
exemplo serve para ilustrar uma forma de pensar que se estende entre as car-
reiras profissionais e trabalhos que elegem os jovens e que penetrará no fute-
bol cada vez com mais força. Completa Krkic: “Há que mover-se pelo que se
sente. Há que saber desfrutar a profissão. Para além disso, trato de não ir por
objetivos mas sim reger-me pelas minhas sensações. O objetivo, a meta, é fu-
turo, e o importante é o presente. Viver o dia a dia leva-te onde quiseres. Os
troféus são algo material e tenho claro que prefiro as vivências”.
Estilos de treinador como o de Jürgen Klopp satisfazem melhor as novas
gerações. O jornalista Mariano Mancuso revelou que “um dos segredos de
Klopp é o seu olfato para detetar talentos. Pela sua personalidade, está próxi-
mo dos jovens e pode falar a sua linguagem. Transmite-lhes as suas ideias
com disciplina mas também com um sorriso e uma piada. Dá-lhes confiança,
os impulsiona a desenvolver-se. Ganha-os desde o humor. O início de cada
treino em Dortmund (equipa que dirigiu Klopp) é um stand up do treinador. O
treinador marca o tom alegre e intenso das práticas. Quem sabe por isso, até
um tipo difícil como Ibrahimovic disse que iria jogar de borla para ele”.
Lição 88
O treinador deve conhecer as particularidades de cada uma das gerações,
para poder administrar melhor as tarefas de comunicação referidas à tática e
à motivação. Assim, segundo um estudo da empresa Microsoft, os tempos e
as formas de atenção são bem variáveis entre gerações. Os Milenares e os
da Geração Z caraterizam-se por um intenso pico de atenção inicial a um de-
crescimento paulatino à medida que continua o estímulo. Pelo contrário, as ge-
rações mais velhas caraterizam-se por uma curva inversamente proporcional:
mais suave ao princípio e vão ganhando interesse à medida que o estímulo
avança. Cada vez mais estas novas gerações veem a sua profissão como par-
te de um todo mais relevante; um idealismo de contribuir a um mundo melhor.
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Lição 89 / PREVISÃO 37
A única empresa que poderá captar e reter o melhor talento será aquela que
tenha como missão mudar o mundo. As equipas de futebol vão na mesma dire-
ção. Nascerão, imitando as empresas, as Equipas B (conceito que não tem
nada a ver com as filiais como são agora conhecidas). Os jogadores de fute-
bol transformarão-se em verdadeiros modelos de propostas que ajudem a fa-
zer um mundo sustentável. Não será estranho ver a todo o plantel do Milan
deslocando-se em bicicletas de bambu pelo Milan Lab (bicicletas feitas com
material ecológico por empreendedores sociais do Gana).
Lição 90
Os treinadores do século XXI deveriam perseguir tanto a busca da vitória
como uma missão no mundo que exceda o futebol, e que congregue os joga-
dores num objetivo mais elevado que ser campeão de um torneio (ainda que
seja a Taça dos Libertadores, a Champions League ou o Campeonato do Mun-
do). Nessa luta pelo talento, o especialista em psicologia do trabalho Simon
Dolan explica: “Três coisas empurram para uma mudança radical: a digitaliza-
ção, a globalização e a virtualização”. Segundo ele, “vamos viver uma guerra
do talento tão grande como a do mundo desportivo.”
Lição 91
Um treinador que gere a criatividade faz a proposta mais sedutora para os fu-
tebolistas. Especialmente para “os outros”. Dessa forma, converte-se num fa-
rol na atração do talento, para competir contra aqueles que só têm dinheiro
para oferecer. As novas gerações exigem mais experiência que dinheiro.
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Lição 92
O treinador necessita uma sensibilidade especial para compreender o jogador.
Henry Ford disse que, se existe um segredo para o êxito, este encontra-se na
capacidade de colocar-se na situação de outra pessoa e ver as coisas desde
o seu ponto de vista. Quem sabe não existia o termo nos tempos em que Ford
irrompeu com a inovação automóvel, mas claramente estava falando de empa-
tia! A neurociência demonstrou que a provisão de neurónios espelho (conheci-
dos como neurónios de Ghandi) são a provisão da natureza que nos faz ten-
der à empatia.
Brian Clough, treinador do Derby County e Nottingham Forest, partilhou o
segredo do seu êxito com o escritor Duncan Hamilton: “Dou-me conta, no mo-
mento que vejo alguém no balneário, se está de mau humor, se teve uma dis-
cussão com a sua parceira, se deu um pontapé no gato ou se está chateado
nesse dia em particular. Sei quem necessita que lhe dê um pontapé no trasei-
ro. Sei quem necessita que o deixe só para continuar com o seu. O truque é
decidir o correto no momento indicado”.
Lição 93
Sensibilidade para compreender e criatividade para responder ao compreendi-
do é a combinação perfeita que garante a empatia entre treinador e jogador.
Lição 94
O ser humano procura classificar de imediato as pessoas (por uma necessida-
de evolutiva do cérebro de ordenar tudo). As ações posteriores, inconscientes,
terminam validando a perceção inicial. Vejamos um exemplo…
O treinador A crê que o jogador 1 tem boas condições mas o jogador 2 não
lhe agrada. Então, ao jogador 1 dedica-lhe atenção, o corrige, assinala-o e rea-
liza acompanhamentos personalizados. O jogador 2 participa dos mesmos trei-
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Lição 95
O manual do “bom treinador” não admite estas excentricidades. Como conce-
der uma licença injusta a um jogador, sem afetar o resto do plantel? Estas idei-
as pertencem àqueles treinadores que têm a sua perceção muito afinada e
um voo criativo alto para oferecer a cada jogador o que necessita (com o obje-
t i v o q u e t o d o o c o n j u n t o s e j a f a v o r e c i d o ) .
Jürgen Klopp é dos treinadores que acreditam que quanto mais te ocupas
das pessoas, mais se obtém em troca. Guardiola o exemplifica: “No meu pri-
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meiro ano como treinador, tinha um jogador de nível top que eu necessitava
muito. Não estava a jogar mal mas também não o fazia bem. Acabado o treino
disse-lhe: ‘Quando termines de tomar banho, sobe ao meu gabinete’. Subiu e
disse-lhe: ‘Ás 7 espero-te no bar do hotel’. Tomámos algo e falámos da sua fa-
mília e da minha, nada de tática. Depois paguei, como um bom senhor que
sou, e fomos para casa. No dia seguinte ganhámos 4-0 e meteu três golos. É
a tecla. Eu sabia que depois da conversa, faria uma boa partida”.
Lição 96
A fórmula é simples e complexa ao mesmo tempo: perceção para apreciar,
sensibilidade para compreender, empatia para vincular-se, criatividade para
dar a cada um o que necessita. Mas o fenómeno do futebol é tão complexo,
que a empatia e a compreensão não devem confundir-se com dúvidas e timi-
dez, que tanto danam a liderança do treinador.
Numa ocasião Marcelo Bielsa submeteu a votação do seu plantel da sele-
ção argentina sobre que sistema defensivo utilizar. Assim conta a história o jo-
gador Juan Sebastián Verón: “Bielsa chamou os jogadores e lhes fez eleger
se queriam jogar com linha de três ou de quatro defesas. Os jogadores não du-
vidaram e todos elegeram a linha de quatro. El loco, depois de algum tempo,
fez a recolha dos votos e escreveu num quadro o que saía: ‘Linha de quatro,
linha de quatro, linha de quatro…’. E quando terminou de contar, disse: ‘Bom,
isto demonstra qual é o sistema preferido de vocês. Lhes quero anunciar, en-
tão, que vamos jogar com linha de três. Adeus’. E foi-se”.
Lição 97
Nem sempre é fácil para um treinador mudar os hábitos dos jogadores (técni-
cos, táticos e de preparação). Isto também requer criatividade. Não se conven-
ce só com a palavra. Se convence com o exemplo. Neurocientistas do Max
Planck Intitute demonstraram que as interações neuronais entre um líder e os
membros da sua equipa é maior que entre o resto dos integrantes. O treinador
tem que ser mais líder que o líder.
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Chema Bravo do blog de futebol “Ecos del Balón” conta a seguinte história:
“Nos seus primeiros dias no Milan, a mensagem de Sacchi não terminava de
romper a resistência à mudança dos seus jogadores nem de impôr a sua cultu-
ra coletiva e tática. Entre os incrédulos estavam Gullit e Van Basten. O treina-
dor disse-lhes que elegessem mais oito companheiros (uma equipa de dez)
para enfrentar a sua eleição: cinco futebolistas, o Guarda-Redes Giovanni
Galli e os defesas Tassotti, Filippo Galli, Baresi e Maldini. A aposta consistia
em que, durante 15 minutos e atacando livremente, a seleção de Gullit e Van
Basten devia fazer pelo menos um golo a um Guarda-Redes e a quatro defe-
sas organizados e coordenados. Não o conseguiram. Dez futebolistas ao ata-
que desordenados não superaram a cinco estruturados e supervisionados por
Sacchi, quem conseguiu convencer as suas duas estrelas”.
O treinador necessita entender que a contribuição criativa não é somente a
que brindam os talentosos com a bola. Há jogadores que sabem relaxar um
plantel com uma ocorrência num momento adequado. Isso também é uma
contribuição criativa. Por isso, a criatividade será tão grande ou tão pequena
segundo as margens de amplitude daquele que a entenda e a promova.
Espírito de criança
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Lição 98
O conceito de felicidade torna-se complexo à medida que se cresce em idade
e em património. Realizando um bom trabalho de investigação em cada um
dos jogadores do plantel, pode-se levá-los a esses momentos de inocência,
de simplicidade, de felicidade: música, comidas e jogos. Cada jogador, por
exemplo, deveria ter um elemento da infância na sua mesa de luz. Isso que o
coneta com o seu espírito de criança e lhe recorda as ilusões, o desejo, a von-
tade de crescer.
Lição 99
A equipa técnica deve ser tanto mergulhadora de passados como construtora
de futuros. O principal benefício é aquele que tem que ver com o objetivo des-
te livro: a criatividade. Não há período mais fértil na história de um ser huma-
no que a sua infância. E levá-lo a esse tempo pode evocar essa personalida-
de capaz de inventar num jogo tudo do nada.
No livro Wired to Create, Scott Barry Kaufman e Carolyn Gregoire desta-
cam uma das dez grandes caraterísticas das pessoas criativas: “Os adultos
inovadores são, em geral, crianças crescidas que, ainda que passem os anos
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O valor da pergunta
Um adulto acredita ter todas as respostas. Uma criança tem todas as pergun-
tas e pode chegar a fazer até umas 400 por dia. A criatividade necessita man-
ter dentes de leite por toda a vida. A experiência afasta-nos da inquietude. En-
quanto que a arte da pergunta constante nos aproxima a “novas respostas”.
Para ter centenas de respostas, é imprescindível realizar milhares de per-
guntas. É uma conclusão que, ainda pareça óbvia ou disparatada, levou-me
anos a alcançar. E para isso, foi necessário… fazer-me uma infinidade de per-
guntas. A criatividade não é a exceção. A segurança que nos oferecem distin-
tos paradigmas, ou estruturas de pensamento, impede-nos chegar a um nível
superior. Não tenho dúvidas que a escalabilidade se estagna, quando a capa-
cidade de perguntar é silenciada.
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Lição 100
A possibilidade de gerar experiências inéditas para os jogadores pareceria um
pouco menos que utópica, perante personalidades que têm mais respostas
que dúvidas. Essa é a razão porque às vezes o saber pode converter-se
numa vedação para a elaboração de novas perguntas relevantes. Se acredito
que sei, existe a possibilidade de cair na armadilha da certeza absoluta. Só as
grandes personalidades são capazes de deixar de lado o grande conhecimen-
to que os distingue, para fazerem as perguntas típicas de uma criança. Para
perguntar-se se requer humildade. Mais ainda para perguntar. Quantas pesso-
as andam por aí escondendo as suas dúvidas, ocultando as suas inquieta-
ções. A aparência de conhecimento é também uma barreira para apropriar-se
de novas respostas, a partir de novas perguntas. A vaidade do conhecimento
e a vergonha do desconhecimento são causas de estancamento intelectual.
Conhecê-las é um passo importante para superá-las. Admiti-las é o passo defi-
nitivo para abordar um novo estilo de pensamento produtivo. Que os conheci-
mentos que nos transformam em especialistas não afoguem a naturalidade de
voltar a ser sempre um pouco crianças. O cabelo branco é à experiência o
que o dente de leite é à inocência. Ambas, conjugadas em sábia harmonia,
são imprescindíveis. Queres um adulto inovador? Ajuda a manter a imagina-
ção de uma criança, quando a pessoa comece a deixar de sê-lo.
Gamificação
Lição 101
A gamificação é o processo de implementar mecânicas de jogo num contexto
não lúdico, para conseguir um maior compromisso com o jogador. Tudo o que
possa ser vivenciado como jogado deve jogar-se. Porque tanto o lúdico-recrea-
tivo como o lúdico-competitivo tem que ver com o futebol (como jogo e compe-
tência). O mundo da empresa está utilizando a gamificação para seduzir os
seus potenciais clientes e para melhorar o clima interno do lugar. Para uma
equipa técnica de futebol deveria ser uma tarefa relativamente simples fazer
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PREVISÃO 38
No futuro as equipas técnicas incorporarão especialistas em recreação, entre-
tenimento e gamificação porque “jogar” será tão importante como “competir”.
E serão tão valorizados como o kinesiólogo ou o preparador físico. Estes espe-
cialistas desenharão atividades lúdicas segundo as necessidades do treinador
e incluirão o aumento da tensão competitiva, a procura do triunfo e o desejo
extremo de ganhar e a recreação com fins opostos: o desfrute do jogar por jo-
gar e a eliminação do stress da exigência competitiva.
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pação). Depois de ganharem ao Crystal Palace por 1-0, levou os seus jogado-
res à Peter Pizzeria em Leicester City Square. Mas tinha-lhes preparado uma
surpresa. Disse-lhes: “Têm que trabalhar para conseguir qualquer coisa. As-
sim que trabalhem também pela sua pizza. Faremos a nossa própria pizza”.
Uma dúzia de vezes, depois da pizza, deixaram a baliza a zero.
Pode resultar irracional dar valor a uma pizza. Mas não se trata desta, mas
de todos os atributos simbólicos que esconde partilhar uma comida. Pode re-
sultar irracional mas não tanto quando nos reconhecemos como seres que to-
mámos decisões irracionais.
Pep Mari, psicólogo e referência espanhol destes temas, diz a respeito das
motivações intrínsecas: “Para despertar as motivações intrínsecas dos jogado-
res, devemos conetá-los com os seus sonhos e os seus anseios mais íntimos.
Uma motivação intrínseca é algo que sempre te fez ilusão, mas a que jamais
lhe deste uma oportunidade. É aquilo que farias ainda que ninguém te visse”.
Lição 102
Quantos treinadores se sentaram a escutar os sonhos dos seus jogadores em
vez de impôr os seus? Se escutas qual é o seu sonho (pelo menos um deve
ter), encontrarás o fio para que conete com o teu de treinador. Quem partilha
o seu sonho pode exceder o futebolístico e assim também é possível ter uma
rede de comunicação, compromisso e solidariedade entre companheiros e
equipa técnica. Meter-se nesses terrenos com respeito e profissionalismo,
mas também com audácia e criatividade, está reservado para treinadores que
são capazes de ver muito mais além de uma bola de futebol.
Lição 103
A imposição sempre gera uma força de reação contrária. Nos tempos que cor-
rem, o melhor modelo é o Treinador Coca-Cola. Porquê Coca-Cola? Porque é
uma marca que seduz longe da obrigação. Sabe que a gente quer comprar
sem que tenham que vender-lhe. Os mecanismos de sedução passam pelo in-
consciente, não por argumentos de explicações racionais. A venda não se im-
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põe, a compra não se obriga. Para entender os seus jogadores, o treinador de-
veria pôr-se no lugar de comprador. Quando nos querem impôr um produto
(mesmo quando o necessitamos), costumamos rejeitá-lo. Os anúncios que for-
çam a compra produzem afastamento.
Lição 104
Uma das formas de motivação extrínseca mais utilizada é o dinheiro e merece
um “volte-face criativo”, devido ao seu duvidoso efeito. Se a bonificação econó-
mica fosse infalível, os jogadores do Haiti tinham obtido um resultado mais de-
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cente que três derrotas (em três apresentações) no Mundial de 1974, com só
três golos a favor e catorze contra. Duvalier, o seu presidente, havia prometi-
do a cada jogador 300.000 dólares por triunfo e 200.000 dólares por empate.
Deveriam evitar-se os facilitismos motivacionais.
Estudiosos do comportamento organizacional têm em conta um número
maior de variáveis para melhorar a motivação laboral. O futebol é o trabalho
do futebolista. Uma primeira conclusão que alcançaram os investigadores, me-
diante técnicas de construção com Legos, é que ter à vista os frutos do traba-
lho enriquece a motivação.
Uma segunda conclusão alcançada em estudos com estudantes do MIT é
que quanto menos apreço se tem pelo trabalho, mais quantidade de dinheiro
se necessita para fazê-lo. Justamente por esta razão, não se necessita mais
dinheiro como motivação. Se se necessita mais e mais, falta motivação tanto
no futebolista como no treinador. Uma coisa é “lutar” por um bom salário e
bons prémios, e outra muito distinta é necessitar incentivos económicos para
jogar bem e entregar tudo.
Uma terceira conclusão estabelece que a maior dificuldade, maior orgulho
pela tarefa realizada.
Uma quarta conclusão a que chegou o psicólogo Adan Grant tem que ver
com que se o nosso trabalho ajuda os outros, reforça a motivação inconscien-
te.
A uma quinta conclusão se chegou através de uma experiência com entre-
vistas a estudantes de Harvard, entre os quais a melhoria do rendimento tinha
relação direta com os reforços positivos sobre as suas habilidades.
E uma última conclusão obtida com estudantes de Hiroshima é que a visua-
lização de imagens positivas ajuda a melhorar a concentração.
Lição 105
O treinador deve focar-se na criatividade para criar ambientes, situações e ex-
periências que maximizem as seis conclusões anteriores. Pode-se reconhecer
um treinador que sabe liderar as formas de motivação, apesar de não o ter vis-
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CAPÍTULO 5
Marketing
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Lição 106
Cada uma dessas novas pretensões tem que ser associada a uma experiên-
cia singular para que o cliente possa extrair valor disso. Cada experiência de-
veria ser desenhada de maneira criativa e cativante. Para isso, é necessário
produzir centenas (às vezes milhares) de ideias para encontrar aquela que re-
almente valha a pena executar. Puy Trigueros reclama criatividade, quando
diz: “Se pões no mercado o mesmo pacote de patrocínio que o resto das equi-
pas da liga, não terás nenhuma vantagem competitiva, excepto o preço”.
E partilha duas ideias que resultaram inovadoras:
Lição 107
Para manifestar-se, a criatividade deve saber interpretar os desejos daquele
para quem se emprega. De contrário, a ideia mais extravagante (máxima criati-
vidade) pode ficar longe do adepto (mínima empatia). A inovação devia gerar
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e manter um vínculo com quem receberá essa criação. O clube Rosario Cen-
tral da Argentina tem a sua plataforma de jogos online com prémios que, para
os adeptos, são muito especiais: um desafio de PlayStation a um dos jogado-
res, a oportunidade de entrevistar glórias do clube e inclusivamente viajar com
a delegação da primeira equipa numa partida oficial.
Lição 108
O consumo não determina tanto o poder aquisitivo como o sentido de perten-
ça e a paixão que desperta o clube no adepto. O Racing Club da Argentina
desenvolveu em 2016 uma ação de marketing denominada “janelita”, pela
qual todas as crianças simpatizantes que percam um dente têm acesso a uma
prenda grátis da loja oficial (para além de descontos especiais em certos pro-
dutos).
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Lição 109
Como utiliza uma equipa de futebol uma plataforma de crowdfunding? Parece
haver poucas experiências mas as inovações merecem ser utilizadas com cria-
tividade de alguma das seguintes formas:
• Pelos treinadores para “premiar” os jogadores em forma conjunta
com os adeptos. Não é o mesmo um prémio entregue pela direção ou por um
patrocinador, que um obséquio pago moeda a moeda pelos simpatizantes.
• Pela direção destinada a comprar jogadores. Cada investidor fica
com uma percentagem de uma transferência futura do jogador, em relação ao
dinheiro entregue.
• Pelos jogadores para realizarem iniciativas sociais de doação. Por
exemplo, “por cada dólar que um adepto dá, os jogadores dão outro”. Cabe
mencionar o valor emocional, pelo vínculo empático jogador-adepto que deri-
va desta ação e das anteriores.
Lição 110
Não importa em que categoria se encontre um clube de futebol. Se é uma
equipa dos denominados “grandes”, necessita da criatividade para manter a
sua história e continuar a alimentar a glória da instituição e o fanatismo dos
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Inovação aberta
PREVISÃO 39
No futuro as equipas mais débeis não terão vergonha de realizar open calls
(chamadas abertas) em forma de concursos de ideias onde conseguir indica-
dores altos em seu grupo de participantes, para assim reduzir essas vanta-
gens técnicas, táticas e tecnológicas visíveis entre equipas ou entre jogado-
res.
No ano 2012 o desenhador Oscar de la Renta pediu aos seus seguidores
que subissem todas as suas inspirações em formato de imagem na sua plata-
forma online. O objetivo era receber inspiração para a sua fase de criação da
sua nova coleção do ano seguinte.
Não poderia fazer o mesmo um treinador antes de preparar a nova versão
que exibirá na temporada seguinte? Aquele que solicita ideias também pode
integrar no seu grupo de trabalho quem foi fonte de inspiração. Se se trata de
uma tática, não somente tomar a inspiração, mas para além disso convidar
essa pessoa a dialogá-la (ideação), participar nos treinos (protótipo) e fazer
parte da equipa técnica no dia que a tática se ponha à prova numa partida
(mercado).
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PREVISÃO 40
Um treinador é uma empresa, uma marca. Tal como a Boeing, Lego, Barcelo-
na, Nike e Racing. No futuro o treinador disporá de uma rede social na qual
um especialista em tática da sua equipa técnica analisará e discutirá ideias
em tempo real com adeptos e treinadores que sejam seus seguidores. Se al-
guma contribuição chama a atenção da equipa técnica, a rede social permitirá
a comunicação em privado para aprofundar o vínculo. Nada limita as possibili-
dades da rede social para o treinador, porque segmentará os temas de conver-
sação.
PREVISÃO 41
Desta possibilidade de inovação aberta às redes, o treinador poderá dispor
também de uma atividade anual ou “celebração de ideias presencialmente”
como uma forma de fidelizar os seus seguidores-enriquecedores, onde se pre-
miará as melhores ideias, haverá sorteios, jogos e se lançarão novos desafios
a solucionar na temporada seguinte.
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Lição 111
A inovação necessita do desafio e da sensação de instabilidade. O oponente
clássico, é uma fonte de inspiração e de urgência. Se não tens um, recomen-
do-te que o procures ou o inventes. O exemplo da Adidas-Nike vale para tudo,
incluindo clubes, treinadores e jogadores.
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Lição 112
A criatividade assiste ao produto para pensá-lo, à inovação para fazê-lo, à pu-
blicidade para exibi-lo, ao marketing para vendê-lo e ao cliente para desfrutá-
lo.
O marketing inclui ações que têm a ver com a responsabilidade social. A
aceitação das diferenças e outros valores similares necessitam da criatividade
para serem visíveis e efetivos na comunicação. O Barcelona de Espanha, o
River Plate da Argentina e a Universidade Católica do Chile utilizaram em
seus números uma tipografia criada por Anna Vives, uma mulher catalã com
síndrome de Down. Isto permitiu leiloar camisolas em benefício de instituições
vinculadas à melhoria da qualidade de vida de pessoas com necessidades es-
peciais.
Para a Copa América do Chile 2015, havia oito sedes designadas mas só
uma (Antofagasta) teve a ideia de converter as paragens de autocarros urba-
nos em balizas de futebol e assentos como os que se usam nos bancos de su-
plentes. Com um pequeno ato subtil da inteligência, a criatividade consegue
uma diferenciação imediata.
Lição 113
Marketing é também fazer distinto o óbvio, chamar a atenção, conseguir tor-
nar virais os comentários e que a foto circule sem parar pelas redes sociais.
Isso consegue-se até com a determinação do arquiteto para desenhar as
obras da infraestrutura de um clube. Há estádios cómodos e acessíveis mas
também há estádios insólitos, incapazes de passar despercebidos. Em Singa-
pura construíram o Marina Bay, um estádio no qual as bancadas estão em
solo firme e o campo é flutuante. Essas bancadas são utilizadas também para
as corridas de… Fórmula 1! A criatividade não conhece limites. Estes encon-
tram-se na capacidade de pensar criativamente. Ou o Ecoestádio Janguito Ma-
lucelli do Brasil onde as cadeiras da plateia estão colocadas sobre a colina,
com o fim de se evitar o uso de betão. Hoje, depois de três restaurações, o Es-
tádio Universitário Alberto “Chivo” Córdova no México é considerado um dos
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Lição 114
Os aspetos organizacionais também requerem criatividade e inovação, para
não cair sempre no mesmo. Os mundiais jogaram-se, desde o seu nascimen-
to no Uruguai 1930, num único país. A rutura ocorreu em 2002 quando se or-
ganizou conjuntamente entre a Coreia do Sul e o Japão. Para o Mundial do
Qatar em 2022, a cidade sede da final chama-se Lusail e atualmente só figura
nos planos de inovação, pois ainda não existe.
PREVISÃO 42
No futuro, e perante a necessidade do marketing e dos negócios de gerar novi-
dade, os mundiais manterão as suas formas tradicionais convivendo com no-
vas ideias. Assim veremos mundiais nos quais as fases de grupos se disputa-
rão em países diferentes, enquanto que a fase final se concentrará num só pa-
ís. Deste modo, se lhes brindará a oportunidade de serem recetores do acon-
tecimento desportivo até a uma dezena de países.
PREVISÃO 43
Não será estranho, por exemplo, ver uma dezena de países europeus organi-
zar o Campeonato do Mundo de forma conjunta, já que os espetadores pode-
rão deslocar-se facilmente de um país a outro mediante novas tecnologias de
transporte como os “comboios” de alta velocidade Hyperloop, que alcançarão
até 1000 km por hora.
Marcas
As marcas tentam associar-se ao futebol e procuram presença através de
ações criativas. Numa ocasião a Heineken lançou uma campanha em que pro-
metia entradas para o jogo… em troca de uma namorada.
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CAPÍTULO 6
O treino
Lição 115
Os treinos têm que ser entretidos, com conteúdo que ensine, melhore o indiví-
duo e faça mais sólido o grupo. Também deveriam ser desafiantes e, inclusiva-
mente, imprevisíveis. O jogador deve sentir vontade de voltar no dia seguinte.
Para isso, é necessário um treinador que tenha paixão pelo treino e pela com-
petição.
Um dia antes de jogar a meia final da Taça dos Campeões Europeus, o júni-
or Demetrio Albertini do Milan pisou o tornozelo de Evani, titular do setor es-
querdo do centro do campo, o qual o impediu de jogar no dia seguinte. O trei-
nador Arrigo Sacchi, longe de lamentar-se, disse: “Melhor perder um jogador
assim do que não ter essa cultura do treino e essa vontade”.
A unidade de treino é sagrada porque, como o expressou Johan Cruyff:
“O mais bonito na nossa vida é jogar; mas o que mais perto fica dessa sensa-
ção é treinar”.
Lição 116
“A criatividade consiste em inventar, experimentar, crescer, correr riscos, rom-
per as regras, cometer erros e, sobretudo, divertir-se”, disse Mary Lou Cook
numa ocasião. Se és treinador de futebol, vê quantos destes verbos estás a
exercitar contigo mesmo e com os teus jogadores.
Um treinador foi capaz de fazer jogar uma partida a seus dirigidos sem
bola. E para além disso dar correções aos gritos. Ridículo? Pode ser. Distinto?
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Sem dúvida. O treinador era nada mais nada menos que Arrigo Sacchi e o
treino era um dos últimos que antecedia a partida que o Milan ganhou 5-0 ao
Real Madrid (nas meias finais da Taça dos Campeões Europeus de 1989).
Logo venceu o Steaua de Bucareste na final e o Atlético Nacional de Medellín
na Taça Intercontinental, convertendo-se numa das equipas mais implacáveis
na história do futebol.
O mesmo Sacchi fazia treinar os seus jogadores unidos por cordas. E Mau-
ricio Pochettino fez caminhar os seus jogadores sobre brasas. Os exemplos
são muitos e deveriam ser cada vez mais.
A memória
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Ainda que seja contraditório, a ciência demonstra que se temos uma memó-
ria, quanto mais a usámos, mais a modificámos. A memória não é sobre o
evento que vivemos, mas sobre a última recordação que temos.
Segundo a descrição de Manes, podemos dizer que a diferença entre a me-
mória e o esquecimento do treinado marca a novidade, a qual precisa de criati-
vidade para ser construída e sustentada. Os doutores Daniela Fenker e Har-
mut Schütze dão o seguinte exemplo: “Todos os dias o mesmo caminho para
o trabalho no mesmo veículo, pelas mesmas ruas e os mesmos cruzamentos,
com idênticas rotundas. No entanto, esta manhã ocorreu algo diferente: viu
pastar uma vaca na rotunda! Tal surpresa na sua viagem matutina ao trabalho
será recordada por um longo tempo, incluídas as circunstâncias (o sol brilha-
va, na rádio soava We are the Champions e os narcisos da rotunda flores-
ciam). Pelo contrário, se esquecerá de todas as vezes anteriores que circulou
por essa rotunda”.
Esta nova forma de entender a memória desde a neurociência coloca por
terra o velho ditado: “A letra com sangue entra”. Se se necessitou de sangue,
faltou novidade. O contexto novo e original reduz a quantidade de estímulos
necessários para a aprendizagem, atuando a novidade criativa como um otimi-
zador da aprendizagem ao reduzir custos, especialmente tempo de treino.
Lição 117
Este último é algo do que carecem as equipas de alta competição, devido ao
seu calendário de duas competições semanais no qual os tempos entre parti-
das devem ter uma minuciosa planificação.
A memória e a aprendizagem são dependentes da novidade. E a novidade,
da criatividade. Por caráter transitivo, a memória e a aprendizagem são depen-
dentes da criatividade. Daniela Fenker e Harmut Schütze agregam: “Os psicó-
logos sabem desde muito tempo que, quando vivemos uma situação nova
num contexto conhecido, o acontecimento enraíza melhor na memória. Em ge-
ral, os novos estímulos a ativam mais que os conhecidos, por isso foi conside-
rado o “detetor cerebral de novidades”. Talvez a fórmula seja a de Arrigo Sac-
chi: programar treinos mais difíceis que a própria partida de competição. Se
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se pode resolver um desafio maior, o que lhe segue será mais fácil. Contava o
defesa Franco Baresi que, em muitos treinos, costumavam defender 4 contra
11, e que essa era a razão pela qual nenhuma equipa da liga italiana podia inti-
midá-los.
Uma proposta onde os fatores de jogo se alteram, para enriquecer a capaci-
dade percetiva e estimular uma maior quantidade de tomada de decisões, é
mudar o número de bolas. Assim podemos jogar um 11 contra 11, mas com 10
bolas. A cada golo, joga-se com uma bola menos até se jogar com uma só
bola. Desta forma, o jogador é capaz de incorporar a simplicidade de variáveis
que implica jogar com uma só bola, em relação a jogos enriquecidos em variá-
veis.
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Lição 118
Os treinos devem incluir conhecimentos da neurociência para aumentar a sua
efetividade. Também devem provocar emoção e uma certa forma de stress
para que a ativação de estruturas cerebrais (como a amígdala) e a libertação
no sangue de hormonas (como a adrenalina e os glucocorticóides) contribuam
à facilitação da aprendizagem e a memória. Os glucocorticóides regulam a pre-
sença dos componentes essenciais para a plasticidade cerebral e a memória
(chamados recetores NMDA) e promovam mudanças epigenéticas que facili-
tam, no ADN dos neurónios, a expressão dos genes que fazem possível a sín-
tese das moléculas necessárias para formar as memórias.
Lição 119
Um treino que não provoca mudanças moleculares e neuronais no cérebro po-
derá ser um bom estímulo para as fibras musculares… mas nunca para o cére-
bro.
PREVISÃO 44
O treino inovador no século XXI modelará tanto dinâmicas musculares e bio-
químicas como neurais. É que, segundo os investigadores do Instituto Karo-
linska em Estocolmo, a maior nível de jogo, maior exigência de altas habilida-
des de aprendizagem. Num estudo que realizaram com 83 futebolistas do seu
país procurou-se comprovar a possibilidade de prever o êxito de um futebolis-
ta medindo funções, a capacidade executiva, a criatividade, a inibição da res-
posta e a flexibilidade cognitiva. Tal estudo confirma o conteúdo desta obra.
A diferença entre um futebolista de alto rendimento e outro de menor qualifi-
cação está na sua capacidade criativa. No estudo mencionado, os futebolistas
de maior nível destacaram-se numa área em particular: a função cerebral exe-
cutiva. As funções executivas incluem a capacidade mental para solucionar
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PREVISÃO 45
Entre outras tendências de individualização dos treinos e de participação ativa
dos jogadores, os treinadores irão dispor de sessões especiais de práticas
com uma oferta variada. Assim, cada futebolista elegerá a tarefa que se ajuste
mais às suas necessidades, o qual aumenta a sua responsabilidade (por ser
ele mesmo quem a elegeu) e a sua motivação (porque coincide com as suas
perceções internas do que deve treinar).
Aqui é útil ter em conta a teoria dos sistemas dinâmicos (TSD) ao estrutu-
rar os treinos atendendo os parâmetros de perturbação e variabilidade, alter-
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Lição 120
O treino da criatividade, da intuição e da improvisação faz correr o cérebro
mais rápido que as pernas. Durante anos desgastamos (o plural não é casuali-
dade) os futebolistas nos treinos para que corressem apenas uns milissegun-
dos menos; mas não treinámos o seu cérebro para que aumente a sua veloci-
dade de resolução e, por ação surpresa no campo, diminua a velocidade de
resolução do contrário.
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PREVISÃO 46
No futuro os treinos baseados em critérios fisiológicos serão um complemento
de treinos baseados em critérios da neurociência. A medição do lactato, o ní-
vel do ritmo cardíaco, o glicogénio e demais fatores fisiológicos são importan-
tes mas insuficientes.
PREVISÃO 47
Em poucos anos veremos jogadores treinando com capacetes desenhados
para estudar o nível de ativação que tem essa prática no seu cérebro (mais
para a frente não serão necessários). Assim, se poderá saber, por exemplo,
se chegou a ativar os circuitos de recompensa (motivação) de forma correta.
Desta maneira, passamos de uma planificação fisiológica a uma planificação
pensada também para o cérebro, que é onde podemos medir os impactos da
aprendizagem e as emoções. Esses capacetes serão tão habituais como são
hoje em dia os coletes com GPS, acelerómetro, etc.
Muitos treinadores, hoje em dia, estão dando grande importância a estes
parâmetros medidos de maneira intuitiva e desde a experiência. Diz José
Mourinho: “Quando a semana tem uma só partida, dou descanso no dia se-
guinte. Eu sei que, desde o ponto de vista fisiológico, diz-se que não é o mais
adequado, mas o é desde um ponto de vista mental. (…) É melhor para o “cor-
po” mas pior para a cabeça. E temos que ver esta questão desde um ponto de
vista global!”. Rui Faria, da equipa técnica de Mourinho, acrescenta: “Quando
falámos de intensidade, falamos de intensidade da concentração, porque jo-
gar é fundamentalmente pensar, o qual exige concentração. E se falámos de
um jogo de qualidade, nos referimos a pensar tendo em conta uma referência
coletiva, como determinados princípios do jogo. Isso exige ainda mais concen-
tração. Por isso, não é de estranhar que a fadiga tático-cognitiva surja antes
que a física”.
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PREVISÃO 48
Devido a que a máxima diferenciação se treinará pelas prestações que entre-
gue o cérebro, se conhecerão novas formas de o treinar. Como uma evolução
dos métodos de privação sensorial e devido aos imparáveis conhecimentos e
tecnologia com que conta a neurociência, surgirá o método de Privação Cere-
bral Seletiva. Sabe-se desde a neurociência que, quando uma zona se encon-
tra afetada, outras zonas menos específicas saem ao resgate dela para cum-
prir a missão especializada que essa zona tinha. Desta maneira, o cérebro
será especialista em tudo, já que haverá a privação das zonas que correspon-
dem a cada tarefa e se expandirão as conexões neurais que se integrarão,
quando se volte a reintegrar o funcionamento normal da zona que teve a priva-
ção. Entre muitos outros exemplos, se poderá fazer a privação do hipocampo
(do que depende a memória de longo prazo), obrigando assim o jogador a en-
contrar novas respostas que suplantem as suas contribuições; também os gân-
glios basais, que são os que tomam decisões muito rápidas tendo como base
padrões de condutas já programadas.
PREVISÃO 49
Os avanços no conhecimento do cérebro crescem de dia para dia e este tam-
bém chegará, mais cedo que tarde, ao mundo do futebol. O neurocientista
Randal Koene, diretor da Iniciativa 2045, insiste na possibilidade de criar uma
réplica funcional do cérebro humano: “O desenvolvimento de próteses neurais
demonstra que já é possível replicar as funções da mente”. Ted Berger, profes-
sor do Centro de Neuroengenharia da Universidade de Southern Califórnia,
conseguiu criar uma prótese funcional do hipocampo, provada com êxito em
ratos vivos e primatas não humanos. Berger e a sua equipa propõem-se a pro-
vá-la em seres humanos.
PREVISÃO 50
Estamos vivendo uma época em que rapidamente o treino do cérebro será
tão, ou mais importante, que o das pernas. É que, em pleno século XXI, o cé-
rebro do futebolista ainda está destreinado. Pode-se dizer que está instruído
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PREVISÃO 51
No futuro o jogador completo não será o que saiba passar, cabecear e mar-
car; mas sim aquele que possa extrair o máximo potencial dos seus três cére-
bros. Por isso, os treinadores deverão primeiro detetar o seu “perfil cerebral”.
Se são mais racionais, a sua tarefa será potenciar o cérebro reptiliano sem
prejudicar o potencial do córtex pré-frontal. Se são jogadores muito impulsi-
vos, deverão agregar-lhe funções do cérebro superior sem tirar-lhe nada des-
se cérebro de sobrevivência tão ativo.
Numa ocasião, numa assessoria a um pugilista profissional, fizemos um di-
agrama com o seu preparador físico de todos os treinos para potenciar o seu
cérebro reptiliano ao máximo. Tanto com práticas de treino e visualizações no
lar como com mudanças no exercício da sexualidade. O desportista respon-
deu ao planificado no dia do combate com um espírito de combate invejável e
um claro triunfo perante um pugilista contra quem os antecedentes consistiam
numa derrota e num empate no duelo entre ambos.
PREVISÃO 52
No futuro os clubes irão dispor de um corpo de profissionais em modalidade
freelance e part-time que irão atender os desportistas nos seus lares, ou onde
eles queiram, fora do seu horário habitual de treino. Assim, veremos a inclu-
são de massagistas, terapeutas de reiki, harmonizadores de distintos tipos e
outros profissionais que equilibrem positivamente as energias dos futebolistas.
Não serão empregados do clube no sentido tradicional, mas irão trabalhar sob
eleição dos jogadores e os seus honorários serão pagos pela instituição, que
confiarão nas suas “sensações subjetivas” para encontrar o caminho para o
seu bem-estar físico-emocional.
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Lição 121
Os domingos competem-se jogando futebol. Na semana treina-se, às vezes,
para jogar futebol e, muito menos, para competir. A força vital competitiva, de
sobrevivência, expressa-se tirando tudo o que há numa porção da arca do cé-
rebro reptiliano, não através de seleções táticas e motivações artificiais que só
chegam à superfície e à razão.
Lição 122
Por isso, necessita-se tanto treinar para jogar futebol como para ativar a com-
petitividade. O primeiro necessita da criatividade. O segundo é imprescindível
para renovar-se através de motivações que gerem atividades competitivas e
melhorem o desejo de ganhar.
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Lição 123
Os treinos demasiado pensados, lógicos e racionais para os jogadores não co-
incidem com a lógica do jogo, com os imprevistos e as infinitas variações que
ocorrem numa partida. Se o jogo fosse lógico, como se explica que uma equi-
pa de futebol seja a que teve a percentagem mais alta de posse de bola, a
que mais situações de golo criou e a que mais cantos executou e, apesar dis-
so, fique eliminada na fase de grupos? Isto foi o que ocorreu à Seleção Argen-
tina de Marcelo Bielsa em 2002.
Lição 124
Se o jogador estivesse todo o tempo “pensando”, seria um jogador bloqueado.
Por isso, é necessário treinar a flexibilidade de todas as partes que o com-
põem o cérebro: as que têm capacidade de pensar no sentido tradicional e as
que têm outras formas de pensar baseadas nas respostas que oferece o in-
consciente. A neurociência contribui cada vez mais conceitos utilizáveis no fu-
tebol.
Lição 125
António Damásio, célebre pelo “O Erro de Descartes”, argumenta que perante
um aumento de complexidade, no qual as variáveis podem chegar a ultrapas-
sarmo-nos a nível consciente, é o inconsciente o que oferece as melhores so-
luções. Em que momento o futebolista tem tempo para pensar? Basicamente
nas situações onde as variáveis ficam paradas ou simplificadas por um mo-
mento (uma bola fora, uma infração que permite uma jogada de bola parada).
O resto das interações produzem-se com distintas variações de vertigem, velo-
cidade e intensidade mas sempre em mudança, o que deixa de fora o “pensar
racional” e dá lugar ao “pensar inconsciente”.
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Quem sabe tanto Frade como Mourinho e Seirul.lo tenham recebido inspi-
ração do filósofo e sociólogo Edgar Morin, quem faz muitos anos dizia: “Na
atualidade verifica-se uma falta de adequação entre os conhecimentos (dividi-
dos, fragmentados, parcelados, enclausurados e compartimentados em disci-
plinas) e os problemas (interdependentes, transdisciplinares, multidimensio-
nais, transnacionais e planetários)”.
Entre muitas outras afirmações, Seirul.lo contava: “A mim, os jogadores
muitas vezes me dizem: ‘Ouve, Paco, porque não treinámos a velocidade?’. E
lhes respondo que isso o treinámos todos os dias. Porque o futebol é isso: ve-
locidade, aceleração, não correr à sorte mas sim adaptar-se a correr em rela-
ção à bola e ao adversário. Tocar a bola com a velocidade adequada e para
onde tu desejas. É aplicar a tua energia no momento oportuno”.
Lição 126
É que, na minha perspetiva, qualquer novo e inexperiente programa de treinos
de fragmentação já não necessita criatividade porque a multiplicidade de variá-
veis fica adormecida na facilidade de exercitar umas poucas. É fácil desenhar
treinos para o nada mesmo. O verdadeiramente exigente da criatividade é de-
senhar treinos que envolvam a maior quantidade de variáveis possíveis que
se manipulam no jogo.
José Mourinho coincide com essa forma de especificidade do treino: “Em
vez de desenvolver a ‘força’ de uma forma isolada, o fazemos através de exer-
cícios com caraterísticas, jogando com o espaço, o tempo, o número de joga-
dores e as regras que lhes impomos. Assim estamos desenvolvendo algo rela-
cionado com a força, mas num contexto mais específico. Qual é para mim o
significado da força no futebol? A capacidade de arrancar, travar, mudar de di-
reção, saltar para cabecear. Não utilizo programas individuais de musculação
com os meus jogadores para manter ou potenciar algumas qualidades, tudo o
que fazemos relaciona-se com o nosso modelo de jogo. O ginásio e as máqui-
nas de musculação são para o departamento médico, para usá-los na reabilita-
ção de lesões”.
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Como sucede com todo o inovador, as suas formas originais tendem a ser
criticadas porque atacam as formas anteriores, aquelas que conformam o sta-
tus quo e sobre as quais se apoia a maioria. A inovação os tira do lugar e os
faz sentir antiquados; inclusivamente os pode deixar fora do negócio, e isso
ninguém gosta. Os métodos de Mourinho foram muito criticados em Itália,
onde a preparação física tem sido prioridade e é exigida nos treinos. Rui Fa-
ria, colaborador de Mourinho, explica a sua singular forma de treino: “Fomos
criticados pelo sistema de trabalho utilizado no Inter. Pelos vistos, a nossa for-
ma de treinar não permitia trabalhar a força nem a resistência. E na realidade,
tinham razão. Não é essa força nem essa resistência que pretendemos conse-
guir. São coisas completamente diferentes, com uma especificidade distinta.
Mas os resultados falam por nós. Não corremos, do mesmo modo que quem
pratica atletismo não joga futebol para se treinar. Alguma vez viram algum pia-
nista a correr à volta do piano antes de começar a tocar? Na nossa metodolo-
gia, não damos voltas em redor do campo”.
Mourinho é contundente: “Quando vejo referências às pré-temporadas e
me mostram imagens dos jogadores correndo, trabalhando em espaços que
não são o campo de futebol, desde a praia até aos campos de golfe, me po-
nho a pensar que são métodos superados, para não dizer arcaicos. A forma
não é física, é muito mais do que isso. O físico é o menos importante na globa-
lidade da forma desportiva. Não sei onde começa o físico e acaba o psicológi-
co e o tático. Para mim, o futebol é globalidade, o jogador também e daí que
não consiga fazer a divisão. Eu não faço trabalho físico”.
Se bem, devido aos resultados obtidos, tanto seja por Guardiola como por
Mourinho, esta ideia de descartar a preparação física pode parecer algo intuiti-
vo, desenvolvê-la e levá-la à prática teve um caráter eminentemente inovador.
Desafiou várias décadas de tradição “física”; talvez por isso, é submetida a
tantas críticas, como as que recebeu Mourinho no Inter ou as perguntas so-
bre velocidade que faziam os jogadores a Seirul.lo.
Lição 127
A aposta pela especificidade requer entender que a experiência é o componen-
te essencial para a correta descodificação dos estímulos. Se se treinam situa-
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Lição 128
Chegará um momento em que não se poderá correr mais distância ou em me-
nor tempo, porque as margens de melhoria são cada vez menores, mas sem-
pre haverá oportunidade para optimizar o seu uso e surpreender com as suas
trajetórias.
Lição 129
A ausência de treino em criatividade não permitiu ao cérebro desenvolver a
sua máxima velocidade de interpretação do jogo e de respostas dissonantes.
Estamos passando de uma era em que se valorizava a velocidade máxima a
uma na qual se valoriza a velocidade ótima (a obtida em situações específicas
de competição). Em conclusão, a diferença no futuro a farão aqueles cuja velo-
cidade física assente na sua velocidade cerebral.
A distância percorrida num jogo cresceu exponencialmente com os anos.
De aproximadamente uns 4 km que se corriam no Mundial da Suécia 1958,
elevou-se a 5,5 km no México 1970, 6 km no Argentina 1978, 11 km no Fran-
ça 1998 e mais de 13 km por partida, como o fez o americano Michael
Bradley no Mundial do Brasil 2014. No momento de escrever este livro, segun-
do Jonny Northeast, um futebolista pode chegar a percorrer até 15 quilóme-
tros por partida. As exigências de aprendizagem, treino, processamento da in-
formação e obtenção de respostas originais terão crescido na mesma propor-
ção?
Lição 130
O treinador inovador tem o desafio de repensar esta tendência e descobrir
onde estará a próxima ou inventá-la, criá-la, testá-la e impô-la. Desafio nada
fácil porque parecera que no futebol encontramos os limites do treino específi-
co. As inovações nascem de perguntas para o futuro. O treinador espanhol Jo-
an Oliva faz as perguntas corretas: “Teremos no futebol treinadores para cada
setor ou posição? Ou para cada momento do jogo? Nunca se sabe. Sei que o
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treinador irá dispor de muitas mais ajudas, o que não significará que seja mais
fácil”.
As perguntas de Oliva parecem encontrar indícios de respostas afirmati-
vas. Se existem os treinadores de Guarda-Redes, porque não ter treinadores
de Defesas Centrais ou de Pontas de Lança? Se existem treinadores defensi-
vos e ofensivos, porque não fazer conviver ambos para que colaborem com o
treinador principal? A resposta definitiva a esta interrogação será dada somen-
te pela capacidade de criar e a decisão de inovar.
PREVISÃO 53
Ao futuro do futebol de alto rendimento o esperam muitas outras ideias. Have-
rá treinadores de Pontas de Lança especializados ao máximo nível de individu-
alização da técnica ou da tática. Um Ponta de Lança terá um treinador especi-
alizado em jogar de costas para a baliza e outro em cabecear. Tudo depende-
rá da experiência cultivada por esse treinador na sua época como jogador.
PREVISÃO 54
Mas os jogadores também treinarão com especialistas em outras posições. As-
sim um Defesa Lateral poderá praticar com um treinador de Médios Ofensivos
com uma só finalidade: melhorar a sua capacidade de passar entre linhas.
Esse mesmo Defesa Lateral poderá praticar com um treinador de Extremos
para melhorar a sua capacidade de drible e especialmente de brindar cruza-
mentos precisos. Assim, cada jogador será enriquecido ao máximo do seu po-
tencial.
PREVISÃO 55
O treinador poderá sugerir (e os jogadores muito mais ainda) especialistas
com os quais deseje enriquecer o seu jogo. Estes treinadores pessoais, que
se anexarão à equipa técnica, terão um trabalho estável mas também em mo-
dalidade freelance, pelo que o jogador terá a possibilidade de mudá-los se
sente que não tem já nada de novo para aprender. No futuro não será estra-
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nho ver “11 treinadores de posição” intercomunicados com cada um dos seus
jogadores em partidas amigáveis, enviando retroalimentação permanente.
PREVISÃO 56
No futuro nos treinos (e também na competição) os jogadores levarão incorpo-
rado um dispositivo eletrónico biointegrado que irá reportando, em tempo real,
os níveis de glicogénio e lactato, dopamina e noradrenalina, entre outros mi-
lhares de dados bioquímicos e neurais. Assim as cargas poderão ser monitori-
zadas, mais além das medições que se fazem hoje através dos gps, aceleró-
metros, girómetros, etc. Importará tanto o impacto fisiológico como a medição
estatística e no cruzamento de dados se poderão obter decisivas conclusões
em relação às cargas de treino e aos níveis de rendimento no jogo.
A inovação não vem substituir o esforço e o sacrifício nos treinos para al-
cançar altos rendimentos. Esta vem complementá-los melhorá-los e otimizá-
los. Ninguém poderá deixar de reconhecer o caráter inovador de Arrigo Sac-
chi nos métodos de preparação e nas táticas de jogo. No entanto, conta-se
que chegou a destinar sessões duplas de quatro horas dedicadas à tática (e
outras quatro à bola).
Valeri Lobanovski
O treino deve planificar-se de acordo com o jogo que se quer atingir em cam-
po. E os treinadores deveriam encontrar as ferramentas para maximizar o ren-
dimento em função dos objetivos. E não ter medo de inovar, nutrindo-se de
elementos por fora do sistema. O treinador Valeri Lobanovski da Escola de
Leste, campeão da Europa com o Dinamo de Kiev e selecionador russo em
1986, caraterizava-se pelo rigor dos seus treinos. Mas não se sustentava só
no rigor, para além disso tinha abertura mental para enriquecer-se e enrique-
cer os seus dirigidos. Amante do pressing extremo, incorporou um especialista
em bioenergia chamado Anatoly Zelentsov para potenciar o aspeto físico
dos seus futebolistas, quem foi de alguma forma pioneiro em encontrar esque-
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O seu caráter inovador nos treinos combinou-se com uma exigência extre-
ma. Conta Luis Vilarino no blog Ecos del Balón: “Os métodos de Lobanovski e
da sua equipa, cada vez mais radicais, incluíam a avaliação quantitativa do tra-
balho do jogador após cada partida. O método estatístico permitia que se avali-
asse publicamente cada jogador e, se este não havia cumprido com o que Lo-
banovski exigia, era castigado. Por exemplo, se no dia seguinte à partida um
Médio Centro havia completado 60 ações técnicas e táticas, ia passar algum
bocado fazendo flexões. Tinha que completar, pelo menos, cem!”. A exigência
era fundamental na ideologia de Lobanovski, que costumava fazer sua a frase
de Einstein: “O génio é 1% de talento e 99% de esforço”.
Quem sabe a máxima inovação de Lobanovski e o seu maior legado ao fu-
tebol moderno, foi impedir que os adversários conseguissem imaginar e trei-
nar cenários de controlo das suas habilidades através da sua variabilidade téc-
nico-tática. Algo que atualmente resulta bastante fácil e óbvio graças às contri-
buições das tecnologias do Big Data, que permite encontrar padrões recorren-
tes de jogo tanto na técnica dos futebolistas como nas táticas do seu treina-
dor.
Conta a história que Igor Belanov, estrela dos anos 80, elegeu para o seu
fillho o nome de Valeri em honra ao treinador. Que Shevchenko, logo depois
de ganhar a Liga dos Campeões com o Milan em 2004, voou imediatamente a
Kiev para visitar a campa de Lobanovski e deixar ali a sua medalha a modo
de oferta. Só os inovadores e apaixonados podem aspirar a um reconhecimen-
to semelhante. Só os inovadores podem obrigar desde os factos a redigir títu-
los que falem de inovação (sem nem sequer a mencionar). Quando em 1985
o Dinamo de Kiev se impôs na final da Taça das Taças perante o Atlético de
Madrid, o jornal El País de Espanha colocou na capa: “Jogaram como uma
equipa vinda do futuro”.
Gusztáv Sebes
A criatividade, essa inteligência sem repressões, costuma imaginar as me-
lhores respostas para cada um dos problemas. Um dos treinadores mais ino-
vadores da história, o condutor dos magiares húngaros Gusztáv Sebes, tinha
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Lição 131
A forma de inovar de Sebes seguiu a dupla vertente que exemplifica a biblio-
grafia tradicional: incremental por um lado (maiores cargas físicas e unidades
de treino às habituais) e radical por outra (treino de fatores desconhecidos até
então: bola parada).
Pré-temporadas
Lição 132
A pré-temporada é provavelmente o momento mais entediante que deve atra-
vessar o futebolista, já que neste período costuma dar-se o máximo volume
de trabalho e o menor contato com a bola. Ainda que, graças às novas teorias
promovidas por Guardiola e Mourinho, isto estará a mudar. Perante este ce-
nário, é fundamental que o treinador ponha em jogo a sua capacidade criativa
para desenhar estrategicamente uma pré-temporada que cumpra com os obje-
tivos propostos e desenvolva altas cargas sem incomodar os jogadores.
Jürgen Klopp conta que, comandando o Mainz 05 da Alemanha, atreve-
ram-se a desenvolver uma pré-temporada singular: “Decidimos fazer parte de
uma pré-temporada numas ilhas da Suécia. O que nunca esqueceram os joga-
dores foi que tiveram de fazer exercícios de sobrevivência para poder comer.
Chegámos ao sítio e só tínhamos as tendas de campanha para dormir. Com
as canoas e divididos por grupos, os primeiros que chegavam à ilha seguinte
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deviam encontrar a lenha para acender o fogo e ferver a água. Essa era a cha-
ve: pescar para poder comer. O meu adjunto perguntava-me se era idiota por
pensar esse tipo de ações, mas o grupo entendeu a metáfora: se queríamos
fazer uma boa temporada com o Mainz 05 na Bundesliga, ninguém nos pre-
sentear nada e teríamos que encontrar soluções para os problemas. Voltámos
a casa pensando ser o Braveheart”.
Luis Enrique disse alguma vez: “Não gosto das pré-temporadas. Nunca
gostei, e isso que agora não corro. Prefiro a competição”. Os pensamentos de
Luis Enrique são universais. Muitos jogadores detestam as pré-temporadas,
caraterizadas em muitas ocasiões por esforços físicos extremos. Há só uma
aceitação do córtex pré-frontal da necessidade desse esforço mas os outros
dois cérebros não o acompanham. É por isso que se faz com respeito mas
também com desgosto. Com profissionalismo mas sem alegria. Acrescentar
criatividade à forma de realizar os esforços permitiria uma aceitação dos ou-
tros dois cérebros, muito especialmente do límbico-emocional, e a pré-tempo-
rada deixaria de ser uma carga para todo o plantel. O distinto motiva. O distin-
to atrai.
Um treinador que se anima ao distinto também faz, por caráter transitivo,
distinto o jogador. O treinador argentino Guillermo Szeszurak, a cargo do De-
portivo Riestra (clube ao que fez ascender duas categorias num mesmo ano),
inspirou-se no filme brasileiro Tropa de Elite para desenhar a sua pré-tempora-
da. Seguindo as exigências do Batalhão de Operações Policiais Especiais do
Brasil, fez os seus jogadores realizar treinos às 3 da madrugada na costa e co-
locou cartazes motivacionais nos quartos com frases extremas como “sacrifi-
car-se ou morrer”.
Jürgen Klopp parece entender a necessidade de interação do córtex pré-
frontal com o cérebro límbico: “O futebol tem que ser muito emotivo, muito rápi-
do, muito forte, nada aborrecido, não como o xadrez. E tático, como é óbvio.
Mas tática com um grande coração. A tática é importante, não podes ganhar
sem tática. Mas a emoção faz a diferença”.
O treinador deve ter flexibilidade adaptativa e esta necessita de criatividade
para poder nutrir-se das mudanças inesperadas com respostas adequadas. O
treinador argentino Ángel Cappa diz a respeito: “Programo em virtude das ne-
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cessidades da equipa, mudo dia a dia. Quero ser criativo e moldo o treino ao
que vou vendo. Se tenho que mudar coisas programadas, as mudo”. Um trei-
nador que exibe flexibilidade oferece-se como exemplo e inspira os seus joga-
dores.
Quanto treinar?
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CAPÍTULO 7
O jogador
Lição 133
O atual comentador e ex-jogador Diego Latorre costuma dizer: “Uma só ação
de um jogador pode mudar a dinâmica de uma partida. Entre outras coisas, o
futebol é fascinante por isso”.
O jogador criativo salvará o treinador em mais de uma oportunidade de
uma má estratégia de jogo, um erro nas substituições, uma formação inicial
equivocada ou uma reorientação no intervalo errónea. O jogador mecânico
(obediente ao extremo) e disciplinado mas pouco criativo não o salvará nunca.
Porque com a sua obediência validará as propostas que os levam à vitória
mas também aquelas que os conduzem à derrota. A combinação perfeita é o
jogador obediente (enquanto funciona) e criativo (quando não).
Lição 134
Nem todos os treinadores, mesmo sabendo que estes jogadores serão os
seus “salva-vidas”, os desejam nas suas equipas. A personalidade criativa nun-
ca é fácil de entender nem lidar. Em 1995 aos psicólogos americanos Valina
Dawson e Erik Westby ocorreu-lhes cruzar os dados dos alunos criativos com
os favoritos dos professores. Descobriram então que os professores dizem ad-
mirar a criatividade mas preferem a obediência.
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Lição 135
O mesmo ocorre ao treinador que ama as qualidades criativas de um futebolis-
ta mas rejeita os seus aspetos desobedientes que costumam terminar em con-
flitos. Nem todos sabem lidar com jogadores diferentes. Ao criativo há que
aceitá-lo com as suas luzes e as suas sombras. E o obediente deve entender
que esse outro jogador tem um cérebro distinto, o qual não se deve apagar
mas sim estimular.
Onze jogadores criativos são a melhor tática. O jogador criativo faz o que
ninguém espera, o ilógico, que às vezes o põe em situações incómodas peran-
te o treinador mas dignas de admiração perante o público. O jogador argenti-
no Oreste Omar Corbatta, numa partida contra o Chile, primeiro driblou o de-
fesa e logo depois o Guarda-Redes. Mas, em vez de converter o golo com
toda a baliza à sua disposição, regressou para trás e voltou a driblar o Guar-
da-Redes para definir entre dois defesas.
Lição 136
O jogador diferente possui rebeldia e, em ocasiões, é necessário estimulá-la
porque só assim provaremos o seu caráter indomável ou se a rebeldia é uma
máscara que cai perante o primeiro obstáculo. Conta quem seguiu o processo
de evolução de Messi nas equipas de formação do Barcelona que a indicação
de jogar a um e dois toques o perseguiu durante anos. Ele encarregou-se de
ignorá-la cada vez que entendia que o seu jogo requeria uma situação de de-
sequilíbrio com base em simulações, acelerações e dribles. Nesse ponto Mes-
si ganhou à La Masia, que terminou por entender que a rebeldia de Lionel era
uma forma inconsciente de proteger a sua individualidade criativa.
Lição 137
Estimular a criatividade do jogador torna-se imprescindível, pois descobriu-se
que as pessoas criativas tendem a ser mais sonhadoras e vivem imaginando
novos cenários que melhoram substancialmente a realidade. Numa equipa
“normal” um jogador realista quem sabe ignore a possibilidade de ser campe-
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ão, simplesmente pela sua posição realista. As suas forças só proverão os re-
cursos energéticos para chegar à posição pensada. Um jogador sonhador, pe-
rante o mesmo cenário, não limita os seus pensamentos. Contrariando a reali-
dade, sonha com a obtenção do campeonato. Um jogador assim é capaz de
extrair de si mesmo mais do dobro de recursos energéticos que o anterior.
Aqui há uma clara coincidência entre pensamento criativo, sonhos e pensa-
mento positivo.
Lição 138
Todo o jogador deveria, pelo menos, ter uma ação surpresa para o rival por
partida. E às vezes inesperada até para a sua própria equipa. Daí, a exigência
de jogadores inteligentemente criativos, capazes de criar disrupção e surpresa
em algum momento e de entender as surpresas dos seus companheiros nou-
tro momento.
Lição 139
O jogador criativo necessita que o treinador lhe dê poder. Tem que sentir que
o treinador confia (e por vezes delega, quando é necessário) na sua capacida-
de de resolução criativa em situações onde a tática do balneário não pode con-
trolar a imprevisibilidade do jogo e a proposta do contrário. O treinador inglês
Roy Atkinson, antes da partida, costumava lançar uma profecia aos seus jo-
gadores: “Vou dar um prognóstico. Pode acontecer qualquer coisa”. Garrin-
cha, logo depois de uma palestra do seu treinador Feola, perguntou-lhe:
“Você já se colocou de acordo com os rivais para deixar-nos fazer tudo isso?”.
Lição 140
Geralmente os treinadores trabalham para reduzir ao mínimo as intervenções
da sorte e do azar. Mas a orientação costuma ser bastante unidirecional. Tra-
balha-se para diminuir a margem da imprevisibilidade mais que para gerá-la.
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Lição 141
Para aquele que tenha a criatividade desenvolvida e treinada, a variabilidade
de cenários favorecerá este tipo de jogadores. A criatividade surgirá nos trei-
nos, quando os treinadores decidam aceitar os limites do seu intervencionis-
mo controlador e os ampliem, no sentido da interpretação criativa. Não se tra-
tará somente de controlar cenários mas de descontrolar variáveis.
O treinador argentino Ángel Cappa contava uma das tantas formas de dar
poder que se pode conseguir no jogo numa história curiosa que, em realidade,
é uma ferramenta virtuosa: “Muitas vezes um futebolista diz-me na partida:
‘Ángel pressiono e vou se me sai o Médio Centro’. Eu lhe respondo que sim,
se o vejo convencido. A maioria das vezes não entendo o que me diz mas se
a solução sai deles, seguramente que é boa”. Não deve ser tão equivocado o
método Cappa, já que, no 6-1 histórico do Barcelona sobre o Paris SG na
Champions League, Neymar Jr., figura indiscutível do triunfo catalão, confes-
sou que antes de cobrar as faltas sugeriu ao seu companheiro que fosse à
área porque ia marcar golo. Sergi Roberto confiou nele e desafiou as instru-
ções do seu treinador, que lhe pedia que ficasse numa posição mais recuada,
preparando a perda da bola.
No momento do jogo a incidência do treinador torna-se relativa porque nun-
ca num jogo se podem submeter as variáveis ao controlo do treino. No “corpo
a corpo” é o jogador o que deve tomar as decisões “micro” e se uma decisão
“macro” (do treinador) não é a adequada, só ele poderá corrigi-la com a sua
capacidade de improvisação.
Lição 142
A criatividade pode resolver as “armadilhas” que propõe o rival, e o treinador
não pode antecipar a semana (porque nunca deve subestimar a capacidade
criativa do outro treinador e seus jogadores). Essa sublevação criativa pode
indicar ao treinador a necessidade de corrigir o rumo. O jogador mostra o que
o treinador não pode ver. O treinador mostra o caminho ao jogador mas o joga-
dor deve sugerir propostas ao treinador (desde o jogo). Por quem se pagam
mais milhões nas transferências? Por quem se vendem mais camisolas? Por
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Lição 143
O jogador de futebol precisa entender que, só através da criatividade, da cons-
trução de um estilo único, de ampliar o seu talento com a inovação das suas
potencialidades, conseguirá destacar-se. Em geral, trata-se de jogadores asso-
ciados a uma grande técnica e uma capacidade de surpreender e irromper no
jogo com algo que contraste com tudo o visto até esse momento. Esse tipo de
jogadores são os mais procurados pela imprensa e os que conseguem os me-
lhores contratos. A criatividade é um bom negócio para um jogador. Desenvol-
vê-la desde a formação é um grande negócio para os clubes. E estimulá-la
nos treinos é o melhor negócio para os treinadores.
O jogador criativo nem sempre utilizará o seu dom a favor da eficácia mas
sim, do espetáculo desportivo. Um exemplo disto é “La máquina”: o River Pla-
te da Argentina (1941-1945), batizado assim por Ricardo Lorenzo Borocotó,
da Revista El Gráfico, devido ao nível de jogo que manifestava o quinteto de
Muñoz, Moreno, Pedernera, Labruna e Loustau. Muñoz tinha a particularidade
de driblar um rival e, com todas as possibilidades de ir para a baliza, o espera-
va novamente para repetir o truque. Ás vezes a criatividade expressa-se tão
naturalmente que a beleza supera a eficácia.
Há jogadores que inventam um protótipo de si mesmos nunca antes visto
no futebol. É o caso de Alfredo Di Stéfano, considerado o primeiro jogador to-
tal da história, que porventura foi a inspiração de muitos treinadores que exigi-
ram essas qualidades nos seus dirigidos. Di Stéfano jogava como atacante e
organizador de jogo e possuía grandes aptidões defensivas, o qual hoje não
seria novidade mas Alfredo demonstrava essas qualidades num Real Madrid
que ganhou entre o ano de 1956 e 1960. O jogador tem capacidade de inovar
sobre si mesmo, agregando condimentos ou modificando perfis. Lautaro Mar-
tínez, atacante do Racing da Argentina, estuda e aplica movimentos da NBA
para melhorar as suas desmarcações.
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Lições 144/5
As contradições só são para justificar a relutância de fazer a outra metade. As
ferramentas que provêm da criatividade e a inovação servem para engrande-
cer as forças e atenuar as debilidades.
Lição 146
Uma das formas de desenvolver um jogador de futebol mais criativo é estimu-
lando a sua astúcia natural. Esta consiste na habilidade para que não se veja
ou para que não se saiba algo, ou para tirar proveito de certas situações. A as-
túcia é somente para pessoas atentas ao ambiente com uma qualidade especi-
al para aproveitá-la. Tudo dentro da legalidade do regulamento. Quantos ata-
cantes astutos (antes da mudança do regulamento) aproveitaram para tirar a
bola ao Guarda-Redes no mesmo momento em que a lançava para cima para
fazer uma saída longa? Os treinadores não dedicam tempo a treinar as situa-
ções que necessitam astúcia, o que parece normal e até razoável. O que não
parece nada razoável é não treinar a criatividade do futebolista que logo é ca-
paz de gerar situações imprevistas.
Numa partida da liga da Polónia entre Maćka Adamiaka (TVP) e Kuba We-
sołowski (TVN), o jogador Rzuty Karny converteu um golo de pénalti muito ori-
ginal: fez todo o movimento para rematar com uma perna mas acabou por re-
matar com a outra (https://www.youtube.com/watch?v=QZV33IW2Zmc).
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Lição 147
A astúcia prepara-se mas também se improvisa. Uma é criatividade estratégi-
ca, a outra só intuitiva. Ambas, cada uma com o seu método e a sua forma,
são treináveis. Um jogador não pode ser astuto, se antes não é criativo. Como
o caso do atacante da liga alemã que, quando num veloz contra-ataque o
Guarda-Redes saiu longe da baliza e a colocou fora pela linha lateral, sem es-
perar executou o lançamento lateral contra o corpo do Guarda-Redes (que ha-
via iniciado o seu regresso para a baliza) e se habilitou a si mesmo para jogar,
rematar à baliza e converter o golo.
Lição 148
A soma de astúcia individual pode transformar-se em astúcia coletiva, pois a
criatividade é tanto um ato de criação solitária como coletiva. Só a capacidade
de simular uma ação, de confundir e de iludir simplifica os terrenos para uma
seguinte ação. Na Alemanha, no momento de marcar um livre direto, seis fute-
bolistas da mesma equipa fingiram uma discussão. Dessa maneira, distraíram
os seus rivais, que terminaram apanhando a bola no fundo da baliza. Ocorreu
na partida entre o Rot-Weiss Essen e o Fortuna Dusseldorf II, que os locais ga-
nharam por 2 a 1, graças ao engenho criativo dos seus futebolistas
(https://www.youtube.com/watch?v=hGeUP8HUqos).
Claro que também a astúcia de alguns futebolistas chegou ao ilícito. Em
1906 o Guarda-Redes galês John Tracey foi suspenso por cobrar dinheiro do
Wrexham FC. Tracey tirou o bigode, mudou o seu apelido e continuou jogan-
do. Ou treinadores que são ex-jogadores e fazem uso da astúcia, chegando a
limites difusos. Como o caso de Carlos Bilardo em Espanha, num amigável
de verão contra o Valencia CF. A organização tinha determinado que, em caso
de empate, o campeão se decidiria por lançar uma moeda ao ar. Bilardo orde-
nou ao seu capitão: “Antes de que a moeda chegue ao solo, começa a cele-
brar. Iremos todos correndo e nos atiraremos para cima”. A sua equipa ficou
com o troféu.
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Em 2016 o mundo ficou fascinado com um pénalti que Messi executou de for-
ma indireta para que o seu companheiro Suárez convertesse um golo
(https://www.youtube.com/watch?v=OojdXAGK2Bw). Antes, em 1972, Johan
Cruyff tinha passado a bola a Olsen e este a havia devolvido em forma de ta-
bela para que ele convertesse
(https://www.youtube.com/watch?v=IjGbB0_fUXA). Então deu-se por certo
que Cruyff era o inventor de semelhante genialidade que alterava tudo o visto
até esse momento (respeitando a essência do regulamento). Mas o verdadei-
ro inventor foi o belga Rik Coppens em 1957 numa partida de qualificação
para o Mundial 1958 na Suécia, frente à Islândia
(https://www.youtube.com/watch?v=vyy8XVgK4sY). O mesmo Cruyff reconhe-
ceu ter-se inspirado na genialidade de Coppens durante a sua infância. Assim
o conta Coopens: “Coloquei a bola sobre o ponto de pénalti e, recuando, vi
Pieters atrás de mim. Disse-lhe em francês ‘en deux temps’ e ele entendeu ra-
pidamente. Não rematei, dei-lhe o passe; ele devolveu-me a bola e marquei.
Não me perguntes porquê e como sucedeu, aquilo não o tínhamos combinado
de antemão”.
Do sublime ao ridículo há só um passo. Esse é justamente o risco que cor-
re o inovador em caso de falhar. A mesma genialidade de Coppens-Cruyff-
Messi quiseram realizar Pires e Henry no Arsenal FC da Inglaterra mas ambos
ficaram em ridículo porque o médio tocou duas vezes a bola, cometendo infra-
ção (https://www.youtube.com/watch?v=N4bQVTczcLQ).
Como todo o inovador, Coppens era distinto dos restantes. O jornalista bel-
ga Rik De Saedeleer o definiu como “um atacante que se atreveu a fazer o
que nunca se tinha visto antes”; e o seu companheiro Theo van Roy como “al-
guém muito extrovertido a quem sempre lhe gostava fazer coisas que deixas-
sem boquiabertas as pessoas”.
Quem sabe a invenção do pénalti indireto de Coppens ajude a entender
que, em muitas ocasiões, a criatividade surpreende de repente para que não
tenhamos tempo de analisar desde a razão e apareça a possibilidade de anu-
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lar o novo, único e distinto. Talvez a aparição repentina da ideia e a sua neces-
sidade imperiosa de ser concretizada seja o mecanismo de sobrevivência da
criatividade.
Resiliência
Lição 149
Tanto o jogador de futebol como o treinador necessitam da criatividade para
reinventar-se logo depois dos estancamentos, elevar-se depois das críticas e
renascer detrás da letargia. São muito poucos os jogadores que não atraves-
sam uma crise ou, pior ainda, um período de decaimento nas suas presta-
ções. É nesses momentos que o futebolista valoriza a criatividade na sua jus-
ta dimensão. O chileno Alexis Sánchez teve uma caída de rendimento pro-
nunciada no futebol inglês, pela qual esteve uma boa quantidade de partidas
sem converter golos. Quando pôde renascer e converteu três na mesma parti-
da, expressou: “A criatividade nasce da angústia, da crise é donde nascem os
descobrimentos e as grandes estratégias. Sem crise não há desafios. É na cri-
se onde se aflora o melhor de cada um. Quem supera a crise, supera-se a si
mesmo”.
As palavras intuitivas de Sánchez têm relação com as dos psicólogos Ri-
chard Tedeschi e Lawrence Calhoun, que nos anos 90 cunharam o termo
“crescimento pós-traumático”. Este descreve casos de indivíduos que experi-
mentaram uma transformação profunda depois de superar diferentes circuns-
tâncias difíceis. Segundo a ciência, 70% dos sobreviventes de traumas experi-
mentam posteriormente um crescimento psicológico positivo.
Marie Forgears, psicóloga do McLean Hospital da Harvard Medical School,
explica: “As situações de adversidade nos obrigam a reexaminar o nosso siste-
ma de crenças e de prioridades e podem ajudar-nos a sair das nossas formas
de pensamento habitual e, portanto, aumentar a criatividade. Vemo-nos obriga-
dos a reconsiderar coisas que dávamos por certas e a pensar em opções dife-
rentes. As situações adversas podem influir ao ponto de nos obrigar a pensar
em questões sobre as que, de outra maneira, nunca haveríamos refletido”.
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Rafa Benítez, atual treinador, contou alguma vez que na sua época de jo-
gador, e após uma entrada por trás de um oponente, rompeu o joelho direito,
que nunca voltou a estar como antes. Com o joelho em dificuldades, Benítez
não se entregou. Começou a treinar para ser um jogador canhoto (o joelho
que tinha ficado bem), apesar de ser destro por natureza.
Lothar Matthäus era um médio alemão com uma entrega infinita. Jogou
também em Itália e, com o passar dos anos e uma séria lesão no joelho, che-
gou o tempo do abandono ou a resiliência. Optou por esta última. Abandonou
a incansável azáfama do meio-campo para estabelecer-se como líbero no
Bayern Munique que o voltou a receber sob as ordens de Franz
Beckenbauer, o ideólogo da sua conversão no campo.
Lição 150
O conceito de resiliência está mais além daqueles que são capazes de recon-
verter-se logo depois de experiências traumáticas, pois abarca também aque-
les que ainda estão no cume para reinventar-se e suster no tempo os seus êxi-
tos. Messi, com as suas transformações através do tempo, é um caso de resi-
liência no topo. Diz Jorge Valdano, diretor geral do Real Madrid, a respeito:
“Com o tempo, Messi foi somando diversas transformações. Foi Extremo Direi-
to, Falso 9 e agora recuou a sua posição 30 metros para converter-se num es-
tratega capaz de dar um passe de 35 ou 40 metros, ainda que a sua frequên-
cia goleadora não tenha diminuído. O Messi atual é mais pensante e mede
muito bem cada situação. Os batimentos do Barça são os seus batimentos”.
Valdano opina que Cristiano Ronaldo também é um resiliente à sua maneira:
“É curioso um evoluiu recuando uns metros e o outro adiantando-se”. Desta-
cou a sua maior presença na área, o aumento da sua capacidade goleadora e
o seu maior volume de golos de cabeça. Todas estas transformações deve-
ram-se a um ligeiro declive físico provocado pelas contínuas moléstias na rótu-
la.
Resiliente também é Luis Zubeldía, aquele prometedor jogador do Lanús
da Argentina que teve que retirar-se aos 23 anos por uma osteocondrite disse-
cante no joelho, que já não lhe permitia jogar normalmente. O futebol o retirou
dos campos como jogador mas a sua reconversão fez que seguisse nos cam-
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pos de outra forma. Como treinador. Aos 27 anos, dirigiu o Lanús na primeira
divisão, sendo um dos treinadores mais jovens da máxima categoria. O mais
jovem foi outro resiliente: Carlos Cavagnaro que em 1969, e aos 22 anos, diri-
giu a primeira divisão dos Argentinos Juniors e foi recordista do Guiness. Isso
o converte num inovador do futebol. Mais à frente dirigiu outras equipas da Ar-
gentina e do exterior. Quando jogava na formação do Vélez Sarsfield, teve
que abandonar prematuramente o jogo devido a uma lesão. Cavagnaro foi
também um treinador criativo: fez jogar os seus jogadores uma partida de 6
contra 6… na Praça Vermelha de Moscovo!
A resiliência é um conceito tanto individual como coletivo. Quando o Brasil
perdeu a final de 1950, no histórico “Maracanaço” com o Uruguai, decidiu-se
fazer reset e iniciar tudo em modo zero. O Brasil redesenhou-se por completo.
A sua camisola anterior foi considerada pouco nacionalista e o seu uniforme
branco, “carente de simbolismo moral e psicológico”. Então lançou-se um con-
curso e Aldyr García Schlee, um jovem desenhador de 19 anos, ganhou entre
mais de duas mil ilustrações com o que hoje são as suas clássicas cores: a
verde-amarela, a identidade absoluta das seleções brasileiras.
O exemplo mais claro de resiliência institucional foi quem sabe o treinador
Matt Busby, a quem tocou armar as suas equipas depois da Segunda Guerra
Mundial. O estádio estava destruído pelos bombardeamentos inimigos e teve
que transladar-se ao estádio do seu inimigo: o Manchester City. O bom futebol
era prioridade antes que qualquer outra coisa. Em 1958 e logo depois de uma
tragédia aérea, morreu grande parte do plantel. A imprensa reconheceu essas
duas equipas… como as duas melhores da história do Manchester United!
A resiliência coletiva apoia-se numa vontade de resiliência grupal, onde
cada um eleva-se sobre si mesmo a favor do conjunto. Em 1982 o modesto
IFK Gotemburgo da Suécia, dirigido por um desconhecido Sven-Göran Eriks-
son e com futebolistas padeiros, eletricistas, banqueiros e bombeiros, chegou
aos quartos de final da Taça UEFA. Acontece que após uma larga paragem do
torneio, essa humilde instituição declarou-se em bancarrota, sem muitas possi-
bilidades de viajar a enfrentar-se no duelo de ida a Espanha com o Valencia
CF. Mas a história está disposta sempre a entregar grandes surpresas. Com o
apoio dos simpatizantes, criou-se a cooperativa IFK Gotemburgo que incluía
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dado por uma ideia do presidente do clube, ele usou a 18. De perto podia-se
apreciar um sinal + que deu lugar à original e excêntrica 1+8 (9).
O jogador de futebol, no seu sentido de pertença, deve entregar tudo pela
camisola. E nesse entregar tudo, para além do esforço, reclama-se criativida-
de. O brasileiro Ronaldo chegou à Copa América de 1999 com excesso de
peso, para o qual tomava laxantes. E chegou a disputar partidas com fraldas!
O jogador de futebol necessita que a criatividade o assista também na área
comercial, aquilo que deve explorar fora do terreno da competição. O futebolis-
ta japonês Kagawa, do Borussia Dortmund, participou num clinic para peque-
nos futebolistas e uma das ideias criativas foi jogar uma partida contra umas
trinta crianças. As imagens não tardaram em dar a volta ao mundo.
O jogador excêntrico
Lição 151
O jogador que se expressa criativamente no campo tem a potencialidade de
fazê-lo fora dela. O futebolista que demonstra a sua criatividade em ações
que nada têm que ver com o jogo tem a potencialidade para exibi-la no jogo.
O brasileiro Sócrates exibiu a sua criatividade em muitas ocasiões. Recor-
dam-se duas especialmente. Uma delas foi uma espécie de “medida de força”
que exerceu com a sua claque pois, depois de perder várias partidas, os fute-
bolistas tinham sido ameaçados. Sócrates, decidiu deixar de gritar os golos
até que lhe perguntaram os motivos da não celebração e respondeu que não
podia celebrar com quem não entendia o valor da palavra equipa. Resultado:
conseguiu que a claque apoiasse a equipa e voltou a festejar os seus golos.
A Sócrates, com a ajuda de Casagrande e Wladimir, conhece-se como o
criador do balneário-democracia, a famosa “democracia corinthiana”, onde
cada uma das decisões (horários limites de treino, menu nas viagens, quem
devia concentrar, etc.) eram votadas por todos os integrantes do plantel. Isto
não seria nada criativo se estas ações não se tivessem implantado num con-
texto político complexo do Brasil no que não se permitia a votação.
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Lição 152
As ações excêntricas costumam estar associadas a jogadores rebeldes e in-
disciplinados. Mas é uma forma genuína, ainda que perigosa, que têm de ex-
pressar a sua criatividade. Dentro deles há boa matéria para converter essas
excentricidades fora do campo em soluções e ideias para implementar dentro
dele.
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Lição 153
É imprescindível para um treinador saber até onde convém submeter um joga-
dor destas caraterísticas aos extremos da disciplina, porque quem sabe obte-
nha um jogador disciplinado (êxito) mas anule um jogador criativo (rotundo fra-
casso).
Mario Balotelli serve de exemplo para compreender o caso. Atirou toma-
tes a um treinador da Seria A italiana, frequentava a claque do Milan enquanto
jogava no Inter, foi a uma entrevista de televisão com uma camisola do Milan
com o seu nome sendo jogador do Inter, deixou a sua namorada por SMS en-
quanto estava num programa de televisão, levou o seu iPad ao banco de su-
plentes durante um amigável da Itália e no Natal vestia-se de Pai Natal e re-
partia dinheiro pelas noites.
O atacante brasileiro Ronaldo teve relações sexuais com duas mulheres
no Camp Nou. O que sem dúvida é um escândalo para alguns pode ser infor-
mação muito precisa para um treinador sobre os processos criativos que inun-
dam a mente de um jogador.
Lição 154
Esta classe de jogadores necessitam um treinador que, primeiro, saiba distin-
guir essa qualidade distintiva (que nem todos possuem naturalmente mas to-
dos podem treinar). E que, mais tarde, seja capaz de valorizá-la no futebolista
para que consiga redirecioná-la a favor dos interesses da equipa.
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O jogador consagrado
O jogador que já atingiu tudo (desde o desportivo) e que já tem tudo (desde o
material) pode ser difícil de motivar. Carlos Bianchi e o seu professor Julio
Santella reconheceram publicamente que o grande problema que tiveram na
sua passagem pela AS Roma de Itália não teve que ver nem com o tático,
nem com o técnico, nem com o físico. Custou-lhes motivar um grupo de joga-
dores completamente feitos desde o económico. Mas nem todos os jogadores
se separam das suas origens. Francesco Totti, para além de ser caritativo e
ter dado muito dinheiro a obras de caridade, é uma pessoa que não esquece
o seu passado. A fama e os milhões não mudaram os seus gostos: continua a
cortar o cabelo no mesmo cabeleireiro que quando era criança e compra os
seus sapatos na mesma sapataria de então. Para além disso, as suas cami-
nhadas ou trotes os realiza pelos mesmos caminhos de sempre.
Lição 155
A criatividade é o único que pode fazer que aqueles futebolistas de elite que
têm tudo saiam da sua zona de conforto e complementem esse profissionalis-
mo com espírito amador renovado, que os faça sentir como nos velhos tem-
pos quando tudo era novidade. En caso de plantéis como o mencionado, se
poderia “desestabilizar” os jogadores (na pré-temporada por exemplo), alojan-
do-os no primeiro dia num hotel de poucas estrelas e trabalhar com um psicó-
logo desportivo uma volta às suas origens para que não se esqueçam de
onde vieram e lutem com mais força por conservar o que têm. Uma variante
deste conceito é alojar o plantel no primeiro dia num hotel de uma estrela, o
dia seguinte num de duas e assim sucessivamente, até chegar a um hotel de
cinco estrelas, que é o habitual em equipas de elite. Já o disse o treinador Jür-
gen Klopp: “Não é tão fácil correr com toda a vontade quando alguém se le-
vanta da cama de um hotel de cinco estrelas”.
Convencer e seduzir a estes jogadores requer não só do máximo conheci-
mento, mas também do exercício extremo da criatividade. Xavi reconheceu
que, nos seus primeiros dias com Van Gaal, acreditava que ele era um idiota
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CAPÍTULO 8
Futebol de rua
O grande treinador holandês Rinus Michels costumava dizer que os bons trei-
nadores utilizam os critérios básicos do futebol de rua pela sua importância no
desenvolvimento dos jovens futebolistas. Eles dão-se conta de que estes ele-
mentos produzem um processo natural que promove uma formação eficaz
para as crianças. Os maiores futebolistas da história, como Maradona, Pelé,
Ronaldinho e Puskas, não são jogadores de laboratório, mas sim “de potre-
ro” (como costuma chamar-se na Argentina os futebolistas educados natural-
mente pelo futebol de rua).
Lição 156
A criatividade no futebol em geral, e no futebol infantil em particular, consistirá
em oferecer experiências de jogo que enriqueçam tanto a parte motriz como o
desafio de resolver distintas situações. E a partir disso, compreender a sua na-
tureza e fazer-se dona da sua imprevisibilidade, sem que por isso terminem
sendo futebolistas que reclamem todas as soluções ao treinador. Tudo o con-
trário, aqueles futebolistas educados na criatividade terão mais soluções que
problemas para os seus treinadores. Soluções que manifestarão no campo
com a naturalidade de quem as pratica desde criança.
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Lição 157
Desenhar os treinos para as crianças é um desafio, desde o ponto de vista mo-
tivacional. Só desde a empatia (para conhecer os seus gostos, necessidades
e desejos) se lhes pode brindar uma experiência que os cative.
Lição 158
As crianças, antes de entrar numa automatização como a do século XX, ne-
cessitam entrar num conto de fantasia. Todo o conto tem um título e uma histó-
ria. Um conflito e uma resolução. Uma introdução, um nó e um desenlace.
Isso mesmo deveria ter a exercitação de uma criança que joga futebol.
Lição 159
A criatividade passa também por oferecer soluções simples a problemas com-
plexos. Os treinos de futebol infantil (e também os do juvenil e sénior) deveri-
am oferecer espaços de jogo livre pré e pós treino, baseados na realidade atu-
al mas associados ao velho estilo sul-americano onde os jovens dispunham
de muitas horas ao dia para praticar futebol informalmente. Assim as crianças
poderiam jogar várias horas sem árbitros (autodisciplina) e sem treinadores
(autoconhecimento e autoaprendizagem). Isto é, sem o olhar corretivo, que às
vezes resulta tão intimidante.
Lição 160
A formação natural é um treinador anónimo. Sábio, motivador, silencioso, di-
vertido. Grandes futebolistas da história vêm desse treinador sem nome. Eva
Puskas, irmã do grande futebolista húngaro Ferenc Puskas, contava que ele,
sempre que podia, roubava as meias da sua mãe e armava bolas de trapo
para jogar com os seus amigos, com os vizinhos. Era um especialista nisso.
Não é casualidade que a melhor geração húngara de toda a história
(Puskas, Kocsis e Hidegdkuti, entre outros), que venceu pela primeira vez a
Inglaterra em sua casa em 1953 e obteve o sub-campeonato Mundial em Ber-
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Lição 161/2
O mesmíssimo Arrigo Sacchi encontra, neste ponto, uma debilidade no fute-
bol italiano: “Custa-nos ganhar à Áustria e à Suíça nas seleções jovens. As ho-
ras que ali dedicam ao futebol numa semana nós as fazemos num mês”. Os
escalões de formação são uma grande oportunidade para instalar a criativida-
de na mente das crianças em forma definitiva, porque a tarefa mais importan-
te não é construí-la mas evitar que a percam. A gestão da criatividade deveria
nascer nos primeiros treinos dos escalões de formação para que o jogador, de-
pois do seu ciclo de desenvolvimento, saiba enfrentar os desafios que o jogo
propõe, com mais ferramentas que a habilidade das suas pernas e o suor do
seu esforço. Nesse sentido podem-se apresentar múltiplas propostas para en-
riquecer as crianças. Por exemplo, poderiam jogar em distintas posições em
cada uma das partidas de competição. Ou uma rotação, pelo menos, de três
posições distintas por partida. A sua posição predileta e a sua posição “odia-
da”. Ou a sua posição predileta e a posição em que o treinador crê que será
melhor explorada a sua potencialidade. A criatividade não admite limites.
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Lição 163
O clube que forme as suas crianças na criatividade aplicada, se encontrará no
dia de amanhã com jogadores formados com uma capacidade de resolução
de problemas, de espontaneidade prática muito distinta de quem não a desen-
volve. A previsibilidade do jogo é rompida por aqueles que têm a imprevisibili-
dade no seu cérebro. Arrigo Sacchi costumava dizer: “O futebol nasce na ca-
beça, não no corpo. Michelangelo dizia que pintava com a mente, não com
as suas mãos. Por isso necessito jogadores inteligentes”.
As crianças jamais esquecem quando têm uma orientação firme e um pro-
pósito de jogo nobre. Xavi recorda sempre a quem quer ouvi-lo: “Nunca esque-
cerei o que me disseram em criança ao chegar ao Barça: ‘Aqui não se pode
perder a bola’”.
tão na mesma situação. Uns não são melhores que outros mas os que apren-
deram a ler mais tarde desenvolveram elementos essenciais que os outros
não têm”.
Lição 164
A lição é bastante simples: deveria adaptar-se, com nuances criativas, o que a
Finlândia faz no sistema educativo na educação futebolística de uma criança.
Isto é, atrasar o treinar por jogar; atrasar o ensinar por experimentar. O psiqui-
atra Pablo Malo expressa: “Mais rápido não é sempre melhor. Por exemplo,
tentar acelerar o desenvolvimento intelectual colocando alunos da pré-escola
em programas orientados de uma maneira académica aumenta os níveis de
ansiedade e os problemas de conduta. Isto reduziria a sua posterior motiva-
ção para aprender, as suas expetativas de êxito nas tarefas escolares e o or-
gulho pelas suas conquistas”. No futebol infantil, há crianças que abandonam
precocemente, ou para quem os treinos deixam de ser significativos e desafi-
antes a uma determinada idade porque já lhes “foi ensinado tudo”.
Lição 165
No futebol costuma-se ver as crianças como pequenos jogadores, antes que
como crianças. E não são pequenos jogadores mas sim pequenos jogando,
que não é o mesmo. Isto fez que, por muitos anos, as práticas com eles foram
réplicas mais ou menos adaptadas dos treinos dos adultos. E ainda mais pare-
cidas, quando eram treinados por ex-futebolistas sem nenhum tipo de forma-
ção pedagógica.
Os centros de treino para crianças e jovens bem podem adotar ensinamen-
tos de estilos formativos como as Escolas Montessori (uma vez mais, como
Guardiola, roubando ideias). Ali basicamente observa-se a criança mudando
radicalmente o eixo, ao deslocar a importância do centro da cena de quem en-
sina por quem aprende. Trabalha-se em base aos interesses das crianças. Ou-
tros lugares onde tomar inspiração para o futebol de formação são as Escolas
Waldorf e Cossettini.
194
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Lição 166
Não veremos jogadores criativos, se os treinadores não são capazes de for-
má-los nessa direção. A carência do treinador será a carência do seu dirigido.
Assim explicou a tarefa fundamental de um treinador com uma criança o ex-jo-
gador alemão Manfred Schellscheidt: “A habilidade de um futebolista não é
resultado do trabalho de um treinador, mas do amor entre uma criança e a
bola”. A emoção sobre a razão. A subjetividade sobre a objetividade. A inspira-
ção sobre o conhecimento. A motivação sobre a obrigação.
Lição 167
Em sintonia com Schellscheidt, deveria haver uma bola por criança e esta de-
veria levar o nome de cada um, para que possa enamorar-se dela e cuidá-la
de uma forma que não se faz habitualmente com a bola de treino.
Outra voz a favor de um treino de crianças e jovens orientado à criatividade
é a de Marco Tamarit: “Chegámos à conclusão de que o preparador físico terá
relevância em equipas da formação sempre e quando a sua metodologia de
trabalho se baseie em deixar jogar. Só assim se desenvolverá a criatividade
do jovem futebolista juntamente com a sua habilidade motora”.
O mesmo Vitor Frade faz uma contribuição à autocrítica: “É urgente que
os clubes pensem no que fizeram desde os 5 ou 6 anos até aos 14, já que sis-
tematicamente os jogadores que mais alcançam um nível superior de rendi-
mento chegam aos clubes com cerca de 14 anos. Eles vêm exatamente de
um processo em que jogam três vezes por semana na rua. Portanto, só se de-
veria pensar na reciclagem do futebol de rua em função de criar o futebol de
rua nos próprios clubes”. O investigador Andrés Roca, do Research Institute
for Sport and Exercise Sciences da Universidade John Moores de Liverpool,
explica sobre a inteligência no futebol: “O treino intensivo, como o das crian-
ças que jogam futebol na rua diariamente entre os 6 e os 12 anos, é funda-
mental para desenvolver inteligência para o jogo no futuro”.
195
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Lição 168
É necessário que as equipas de formação se organizem com a primeira divi-
são. Porque aí estão os seus ídolos, as suas referências, a sua inspiração
para chegar em algum momento a esse mesmo lugar. A palavra de um ídolo
pode gerar numa criança e num jovem um compromisso de superação pela
vida. Nos referimos aqui à criatividade, a fazer coisas novas e distintas, a pro-
piciar encontros cara a cara, sem que isso seja uma obrigação para o jogador
consagrado. Uma proposta (entre milhares) seria que os jovens aprendam as
técnicas de alongamentos com a mesma precisão que um preparador físico e,
ao terminar a sessão de treino da equipa sénior, estes realizem alongamentos
personalizados aos adultos. Assim poderiam estabelecer conversações ame-
nas e profundas nesse espaço de treino.
La Masia e o Barcelona
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Lição 169
O ecossistema de inovação é completo quando os treinadores exibem os
seus produtos na vitrina principal: a primeira divisão. Neste ponto o Barcelona
completa muito bem o seu ecossistema de inovação. Luis Enrique fez estrear
sete jogadores da formação no ano de 2014. Em quatro anos Guardiola utili-
zou 22. Não se vê com bons olhos que os treinadores principais não agitem a
formação, como ocorreu com Gerardo Martino.
O Barcelona tem agora o desafio da resiliência e da reinvenção, devido ás
determinações da FIFA onde aparecem limitações para contratar estrangeiros
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De Toekomst e o Ajax
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• As idades dos jogadores vão dos 7 até aos 18 anos e todos são motiva-
dos para jogar contra equipas de jogadores de maior idade, sem importar se
obtêm a vitória. Nos mais jovens enfatiza-se a importância do jogo rápido ao
primeiro toque, que serve como preparação à seleção por parte da primeira
equipa.
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CAPÍTULO 9
O treinador
A figura do treinador cobrou cada vez mais relevância com os anos. Pelos
seus êxitos e também pela sua figura simbólica como bode expiatório ou, em
termos futebolísticos, o “primeiro fusível a saltar”. Já o disse Bryan Robson:
“Na mente do público, os jogadores ganham as partidas e os treinadores as
perdem”.
PREVISÃO 57
A evolução da figura do treinador e da sua equipa técnica não se deterá. No
futuro, a obrigação natural de possuir capacidades táticas e de motivação, se
somará a exigência de criatividade e inovação. Como o profetizou Steve
Jobs: “A inovação é o que distingue um líder dos seguidores”. Quantos tenta-
ram copiar (seguidores) o Catenaccio de Helenio Herrera (líder)? Quantos
tentam copiar (seguidores) o Jogo de Posição de Guardiola (líder)?
Lição 170
Para construir-se como treinador, resulta útil a figura do ladrão de ideias de
Guardiola: ponho o melhor de mim, o mais interessante daquele e o mais valio-
so desse outro. Combina-se tudo e, dessa amálgama, sai um produto único.
Diego Simeone sempre reconheceu que tomou de Sven-Göran Eriksson a
forma de exercer justiça na gestão de grupos, de Alfio Basile a maneira de
trabalhar a parte anímica e de Marcelo Bielsa tudo o referido ao trabalho de
campo. Construir-se a um mesmo é um ato criativo, porque há que saber ele-
ger primeiro para saber como combinar depois.
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Lições 171/2
O treinador que ignora a criatividade comete um pecado capital. Perder-se a
oportunidade de gerar novo conhecimento, com todos os seus conhecimentos
somados às ferramentas criativas, para poder sair-se do lugar de especialista
e introduzir-se no de inovador. Com isso, instalam-se num estado de “soberbo
conforto” e o conhecimento ao que tanto se agarram vai ficando um pouco
mais velho cada dia. E nos tempos que correm, velho é o de ontem. Nos negó-
cios ao fenómeno de pensar criativamente chama-se habitualmente “out the
box” (pensar fora da caixa). No futebol é mais um “think out the ball” (pensar
fora da bola).
Lição 73
Segundo Einstein, loucura é fazer sempre o mesmo esperando resultados di-
ferentes. Clayton Christensen perguntava-se, na sua obra de 1997 O dilema
da inovação, que fazer: centrarmo-nos em melhorar o existente e adaptá-lo
constantemente às circunstâncias; ou fazer caso do potencial perturbador deri-
vado das novas ideias. Que fazer?
Há treinadores para os quais nem sequer existe o dilema do inovador, por-
que não têm tal conceito em seu radar de competências. O tempo os condena-
rá ao esquecimento.
Há treinadores dispostos à inovação mas o dilema do inovador os condicio-
na e os inibe.
Há treinadores dispostos a resolver o dilema…
Lição 174
Todo o treinador de futebol deve trabalhar em dois módulos distintos e comple-
mentares, pensando no presente e construindo, ao mesmo tempo, o futuro.
Isto conhece-se como ciclo operacional (trabalha com as ferramentas atuais e
dá resultados hoje) e ciclo inovador (ocupa-se de pensar como será o futuro
do negócio para manter-se no cenário competitivo do futuro).
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Lição 175
Podemos distinguir cinco categorias de treinadores:
1. O treinador imutável. Não copia nem inventa. Só reproduz fórmulas
do passado sem questionamentos nem ambições. É igual a todos e diferente
de ninguém.
2. O treinador descontextualizado. Tem desejos de progresso, averigua,
investiga e tenta pôr ao serviço dos seus jogadores as novidades que entrega
o futebol mundial. Copia sem ter em conta o seu contexto e, por essa mesma
razão, o fracasso o persegue. É igual a quase todos e diferente de quase nin-
guém.
3. O treinador contextualizado. É como o anterior só que as ideias que
propõe aos seus jogadores extraídas de outras equipas e treinadores estão
sincronizadas com as suas necessidades, interesses e aptidões.
4. O treinador inovador incremental. Apoia-se nas caraterísticas do trei-
nador anterior mas os elementos, ferramentas, táticas e metodologias que
toma para a sua equipa são revistos, adaptados, corrigidos e melhorados para
oferecer uma contextualização plena. É igual a uns poucos e diferente de uns
quantos.
5. O treinador inovador disruptivo. É aquele que tomando a maior quan-
tidade de elementos do jogo, isto é tendências, é capaz de combiná-las de for-
ma original para oferecer aos seus jogadores uma proposta única, original e
ao alcance das suas capacidades. É quem muda e evolui o futebol para novos
patamares. É o que tem a capacidade de maravilhar os seus jogadores. É
igual a ninguém e diferente de todos.
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Lição 176
Os jogadores criativos são os que vendem mais camisolas. Os treinadores
não competem nessa rubrica mas a eles lhes pertencem os melhores contra-
tos. Número 1 é Guardiola e número 2 é Mourinho. Dois inovadores. Dois
que se atreveram a transgredir. Dois que correm riscos com as suas ideias e
se expõem à crítica. Mas na lista também estão Klopp, Wenger, Tuchel, Sar-
ri, Nagelsmann e Van Gaal pelas suas caraterísticas que abraçam a criativi-
dade e a inovação. Assim como ocupam o topo da pirâmide em salários, não
é casualidade que ocupem o topo da pirâmide que vimos anteriormente.
Lição 177
Treinadores que sabem de futebol, que trabalham duro, que são estudiosos e
atualizados, há milhões por todo o mundo e, ainda assim, não conseguem tri-
unfar como eles desejam e como acreditam merecer. A criatividade é a que
pode condimentar essas qualidades para que esses treinadores se tornem
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Lição 178
A era do conhecimento ja terminou porque este está disponível. Estamos na
era da criatividade. Não é suficiente ser muito estudioso, se desse conheci-
mento não podemos criar ferramentas novas e úteis. Para além disso esta-
mos na era da inovação aberta que, com as suas práticas e processos, permi-
te integrar conhecimentos externos que originem soluções. A criatividade e a
inovação gerem-se de forma aberta. De alguma forma é necessário envolver
no processo os jogadores, familiares, amigos dos jogadores, especialistas
freelancers, dirigentes, empresas, universidades, think tanks (fábricas de idei-
as) e, porque não?, também adeptos.
Lição 179
Muitos perguntam-se qual é a margem de progresso e inovação que falta ao
futebol. A resposta é simples: tal margem estará determinada por aquilo que
desenvolvam as equipas técnicas e os jogadores.
Lição 180
Está tudo inventado até que alguém invente algo novo. E quando isso sucede,
os que diziam que estava tudo inventado são os que copiam as novas inven-
ções. O dia em que todos pensem que está tudo inventado, existirá a possibili-
dade de deter a evolução da invenção. Nem sequer perante um acordo univer-
sal sobre os limites da invenção, esta se poderá deter. Basicamente por duas
razões: 1º) porque a invenção é uma habilidade inata do ser humano para ga-
rantir a sua sobrevivência; 2º) porque, mesmo tentando bloquear os proces-
sos de invenção desde a consciência e a razão, esta responde mais a impul-
sos do inconsciente que a esforços da razão.
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Lição 181
Existe também o que se chama “hibridação e inovação aberta conceptual”.
Isto quer dizer que o treinador pode tomar exemplos de confrontos (o futebol é
um) de espécies animais, de batalhas, de disputas de qualquer tipo para to-
mar elementos que sirvam para conetar com os do futebol e extrair novas idei-
as.
Lição 182
O treinador deve dispor de dois tipos de criatividades bem distintas: a pensa-
da e a espontânea. A racional e a intuitiva. Por um lado, uma criatividade mais
elaborada que usará com a sua equipa técnica para planificar o diferente, origi-
nal e imprevisível (para surpreender os seus jogadores no treino e o adversá-
rio no campo). E por outro lado, uma criatividade espontânea para resolver
problemas grandes e pequenos à medida que sucedem.
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Lição 183
O treinador deve ter uma criatividade repentina e intuitiva que colocará em
jogo em cada uma das situações onde a criatividade anterior (planificada) não
dá resultado. Por exemplo, quando há uma mudança repentina num treino ou
modificações velozes durante o jogo.
Lição 184
É muito comum no futebol distinguir entre os treinadores da semana: aqueles
que fazem muito bons treinos; e os treinadores do “domingo”: aqueles que se
destacam pelas decisões que tomam no jogo. O treinador completo é tão bom
na semana como na partida e sabe tanto de criatividade planeada como intuiti-
va.
Um claro exemplo de criatividade pensada foi o de Van Gaal no Mundial do
Brasil em 2014 com a seleção da Holanda. Antes da partida com a Costa
Rica, assegurou que no futebol tudo estava inventado. Umas poucas horas de-
pois, contradisse-se. Nenhum treinador na história dos mundiais de futebol ti-
nha substituído o Guarda-Redes segundos antes de terminar o prolongamen-
to e o jogo avançar para pénaltis por estar empatado. Tim Krul, um aparente
especialista em defender pénaltis, conteve dois e deu à Holanda a passagem
ás meias-finais. “Um ganha porque se antecipa”, havia dito Van Gaal no dia
anterior. O maravilhoso da criatividade é que se pode inventar um sistema táti-
co que revolucione a estratégia tanto como uma aparente insignificância na
substituição do Guarda-Redes antes da definição por pénaltis.
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A ideia de Van Gaal é de uma simplicidade tal, que provoca frases do esti-
lo: “Como não se me ocorreu antes?”. Faz muito tempo que se vem definindo
uma partida por pénaltis nos mundiais (desde Espanha 1982), mas só Van
Gaal pôde ver uma situação óbvia que estava à vista. Por suposto que, se a
Holanda tivesse perdido, a sua inovação haveria sido tomada como uma ex-
centricidade desnecessária e os jornais holandeses não teriam escrito: “Van
Gaal supera-se” (Jornal De Telegraaf) e “Obra prima de Van Gaal”
(Volkskrant). A criatividade tem que estar associada à valentia da execução e
ao risco do resultado que todos critiquem para ser considerada inovação.
Schuster já tinha substituído Casillas por Dudek antes do final, o que foi uma
experiência falhada porque lhe converteram um golo antes de terminar e não
se chegou aos pénaltis, mas ninguém se tinha atrevido a tanto: fazê-lo num
mundial.
Lição 185
Van Gaal guardou esta criatividade tão pensada e de laboratório sob sete cha-
ves: os Guarda-Redes e treinador de Guarda-Redes Frank Hoek. A inovação
requer surpresa para que o seu efeito não se dilua. E o caráter de uma ideia
disruptiva gera novas ideias incrementais.
PREVISÃO 58
Ao ver a decisão de Van Gaal aquele dia, soube que a composição dos Guar-
da-Redes para os mundiais mudaria para sempre. A partir do Mundial de
2018, o terceiro Guarda-Redes será sempre um especialista a defender pénal-
tis. Os treinadores dispõem de quatro anos para eleger este terceiro Guarda-
Redes e treiná-lo com centenas de pénaltis semanais, vídeos dos marcadores
de cada país e detalhes técnicos sobre a posição corporal do executante e o
seu olhar, para desenvolver assim movimentos distrativos e “armadilhas” psi-
cológicas ao rematador.
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Lição 186
Marcelo Bielsa tem razão quando diz que não pode exigir aos seus jogado-
res que desequilibrem com base na criatividade porque esta não surge da exi-
gência e a obrigação. A criatividade é mais provocada que obrigada. Em todo
o caso, a obriga a circunstância, a necessidade, o problema e o desejo. Mas
nunca um terceiro com uma ordem de ser criativo.
Lição 187
O treinador deveria valorizar sempre o processo independentemente do resul-
tado, porque isso mesmo fará o jogador. Reconhecrá no treinador alguém que
lhe brindou ferramentas para pensar e jogar diferente; um treinador que valori-
za a sua contribuição e confia na sua capacidade para surpreender resolutiva-
mente. A classe de treinador que está comprometido numa formação integral
que excede o futebolístico. A criatividade é um fenómeno transversal de aplica-
ção a qualquer tema, em qualquer âmbito e em qualquer momento. Um treina-
dor que por um lado promove a criatividade mas por outro condena a ideia
pelo resultado obtido, é alguém que mata a criatividade antes de que floresça.
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Lição 188
O futebol é um desporto coletivo, de caráter aberto, que se retroalimenta com
altos níveis de incerteza. Mas é necessário entender que o ponto de partida
de um pensamento é uma situação incómoda e incompleta, onde a incerteza
joga um papel central. A estabilidade é sempre fictícia, aparente e momentâ-
nea. A ordem é mais crença do que realidade, tal como a possibilidade de con-
trolo absoluto. Estas crenças provêm do determinismo de Newton e as teorias
de Taylor. Mas não podemos escapar a trabalhar nesse sentido. Os treinado-
res devem saber que nunca todas as variáveis podem ser amarradas por com-
pleto e que não existe a linearidade absoluta em causa-efeito. É fundamental
que eles convivam com os seus jogadores num campo de natural proximidade
com a ambiguidade, as contradições e o difuso. Como diz o professor Taleb,
existe uma base genética e filosófica para entender a má preparação dos hu-
manos frente à incerteza e à aleatoriedade. A evolução não favoreceu um tipo
de pensamento complexo e probabilístico; bem pelo contrário, somos muito rá-
pidos em adotar decisões instantâneas sobre uma mínima quantidade de da-
dos ou teorias superficiais. Talvez porque quem via um leão e começava a cor-
rer (por crer que todos os animais selvagens comem seres humanos) tinha
mais probabilidades de sobreviver que quem colocava à prova tal hipótese de
maneira experimental. Os seres humanos são muito melhores fazendo coisas
que compreendendo o que os rodeia.
E neste ponto sobre contradições e incerteza, vale bem roubar para o fute-
bol (ao estilo Guardiola) os princípios de trabalho do filósofo e político francês
Edgar Morin. Em primeiro lugar, o princípio dialógico, que associa dois concei-
tos ao mesmo tempo complementares e antagonistas, mas indissociáveis e
necessários. Por exemplo, a ordem e a desordem que em geral se rejeitam
mas, em certos casos, colaboram gerando organização e complexidade. Em
segundo lugar, o princípio de recursividade, que se contrapõe à ideia linear de
causa-efeito, de produto-produtor, de sistema-supersistema, já que o todo
constitui um ciclo auto-constitutivo, auto-organizador e auto-produtor. E em ter-
ceiro lugar, o princípio hologramático, que evidencia que não só a parte está
no todo, mas que o todo está na parte. Por exemplo, cada célula que compõe
um organismo tem a totalidade da informação genética desse organismo.
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Lição 189
Para entender melhor os cenários cada vez mais complexos, os treinadores
têm que interiorizar-se de teorias como a de Edgar Morin e tantas outras so-
bre o tema da complexidade, a ambiguidade, as dictomias, etc. Por exemplo,
Lorenz e a teoria do caos, Mandelbrot e os fractais, Kahneman e a teoria da
prospeção ou Lucas e a sua crítica de Lucas. Com estes autores compreen-
de-se mais profundamente o fenómeno da complexidade e abraça-se com
mais força o caminho da criatividade. Tal cenário é necessário para pôr em fun-
cionamento o processo de investigação, requisito essencial do processo de
aquisição do conhecimento. Segundo esta forma de pensar, tudo o que seja
indagação tanto como intuição, dedução e indução é totalmente válido. Esta
afirmação filosófica tem muito a contribuir para aprender como construir um
treino de futebol.
Alguns treinadores tentam fazê-lo o mais fechado possível na sua firme
postura de desconhecer a limitação da intervenção à qual está sujeito o jogo.
A partir de um certo ponto, este intervencionismo começa a incomodar o joga-
dor limitando a sua capacidade de resolução. Psicologicamente até poderia es-
conder desconfiança na sua própria capacidade resolutiva. No livro Psicologia
do jogador de futebol, Marcelo Roffé expressa: “Sem confiança, a assunção
de riscos, a inovação e a criatividade veem-se asfixiadas, na medida em que
os desportistas antepõem o não cometer erros à procura sem garantias”.
Podemos dividir o intervencionismo, de uma forma teórica, em três terços.
Um primeiro terço no qual o intervencionismo é leve, moderado e gera descon-
fiança de pouco trabalho no jogador para o treinador (zona de escassez). Um
último terço no qual o jogador tende a sentir-se esgotado, avassalado e oprimi-
do na sua liberdade de jogo, devido à interação sobredimensionada (zona de
excesso). E uma zona intermédia na qual a intervenção do treinador é tudo o
importante que necessita a equipa e tudo o desnecessário como para não pro-
vocar nem ausências nem excessos. O treinador deve investigar, auscultar e
medir de forma constante esse terço que vai desde os 33,33% aos 66,66%,
de possível intervenção teórica, para encontrar a percentagem adequada a
essa equipa. A percentagem inferior é inegociável para um treinador mas a
percentagem superior sempre está preparada para ser profanada (em zonas e
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Caráter
Zonas
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Quando isto sucede, e o jogador só se limita a obedecer àquilo que foi ordena-
do, encontra um cómodo refúgio detrás do mandato do superior e não enten-
de a sua responsabilidade mais importante: pensar” (Santiago Solari sobre trei-
nadores como Bielsa, março de 2011).
Lição 190
Pensemos em três cenários possíveis:
1. 11 jogadores com alta capacidade de entregar automatismos no
jogo.
2. 11 jogadores com alta capacidade de brindar criatividade no jogo.
3. 11 jogadores com alta capacidade para entregar automatismos quan-
do é preciso e criatividade quando é necessário.
Criatividade aplicada
Criatividade limitada
Eixo vertical: total
Meios criativos Criatividade
Criatividade nula
descontextualizada
Eixo horizontal: Liberdade
Lição 191
Um estudo realizado por Carl Frey e Michael Osborne conclui que a habilida-
de humana mais difícil de automatizar é a criatividade. O automatismo pode
acabar por ser uma imposição, enquanto o treinador contrário não descubra
os padrões que o guiam. Nesse mesmo momento, começa a decretar-se o
seu desaparecimento. Por isso, o treinador precisa ter sempre a seu lado a es-
pontaneidade da criatividade que o auxilie e rompa os automatismos. Assim
poderá converter numa missão mais complexa para o contrário entender os
automatismos que governam a estrutura de jogo da sua equipa.
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Lição 192
A conclusão de quem escreve estas linhas em relação ao automatismo frente
à criatividade é que se trata de um confronto estéril e uma contradição aparen-
te. Como disse Feyerabend, uma ideologia é uma ciência que insiste em pos-
suir o único método correto e os únicos resultados aceitáveis.
O equilíbrio não é ficar-se no meio, mas utilizar os extremos cada vez que
são necessários. Todo o ato pode pecar por excesso ou por ausência. E é um
erro tanto o excesso do automatismo como a ausência de criatividade, como o
excesso de criatividade e a ausência de automatismo. O equilíbrio encontra-
se no uso de ambos. Se bem que reconheço em Osvaldo Zubeldía um gran-
de inovador no futebol argentino, isso não significa que esteja de acordo com
frases como esta (que fundaram um pensamento de exclusão): “O meu receio
era que o jogador de qualidade e inspiração se impusesse sobre os sistemas,
a preparação e o laboratório”.
Lição 193
Nenhum automatismo deveria eliminar a criatividade do futebolista mas tam-
pouco nenhuma criatividade deveria ser um obstáculo para a criação de al-
guns automatismos, pois estes servem para economizar.
Lição 194
Ambas as coisas permitem um ciclo virtuoso. Sempre há tempo para automati-
zar alguma criatividade virtuosa, como também sempre há espaço para rom-
per um automatismo com alguma irrupção criativa espontânea. Treina-se o au-
tomatismo para auxiliar a natural espontaneidade criativa do jogo, quando es-
casseia; e treina-se a criatividade para auxiliar os automatismos, quando es-
tes mostram escassez de eficácia. Se não se é capaz de treinar ambos ele-
mentos, trata-se de um treino a 50% do que posteriormente exigirá o jogo.
Treiná-los para a criatividade é diminuir a dependência do treinador, engran-
decer a sua liberdade no jogo e transferir o poder do treinador para o jogador,
dando-lhes poder de verdade. Isto não o pode fazer um treinador que necessi-
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Lição 195
Se eleges tapar os pés, estás elegendo a mecanização por cima da criativida-
de. Se eleges tapar a cabeça, tudo o contrário. Talvez o futebol seja uma man-
ta curta mas, se sabemos quando movê-la, taparemos os pés quando corres-
ponda e a cabeça quando seja necessário.
Lição 196
O treinador do século XXI não pode ser um simples resultadista. Deve ser um
desenhador de experiências, que crie um espaço do qual ninguém queira sair,
onde todos desejem pertencer, ainda que com resultados não desejados. Re-
sultados e experiências não são incompatíveis. O caminho para o resultado
não se faz mais longo por se dispor de um treinador que desenhe “treinos de
autor”. Bem pelo contrário: o caminho faz-se mais atrativo, original, sedutor e
intrigante. Se há algo que ensina o futebol de alto rendimento do século atual
é que, ao mandar os resultados, as urgências aceleram-se e os fusíveis (trei-
nadores) vêm com uma data de validade cada vez mais limitada. É nesse mar-
co onde a sedução de um desenhador de experiências poderia brindar uma
margem maior de tempo de experimentação, o necessário para que o proces-
so comece a obter resultados.
Lição 197
Como diz Guardiola: “Os futebolistas são intuição pura, cheiram o sangue;
quando te veem débil, te espetam a espada”. Há aqui um instinto de sobrevi-
vência ditado pela evolução. O jogador não “espeta a espada” por ser uma má
pessoa, mas para sobreviver. Intui que com esse treinador lhe esperam derro-
tas e precisa “matá-lo” para que chegue um novo que os volte a encher de es-
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Lição 198
Um treinador do século XXI está atento a todas as fontes possíveis de evolu-
ção que lhe entregam desde os jogadores até aos adeptos. Assim pode gerar
ambientes de inovação, uns a partir do jogador e outros a partir do adepto.
Tem a visão bem firme mas também a escuta bem flexível. Sabe que aumenta-
ram tanto a complexidade da sua tarefa como a instabilidade do seu trabalho.
Por isso, deve obter resultados (um bom produto) e, ao mesmo tempo, gerar
experiências satisfatórias na interação com o produto (jogadores desejosos de
ser dirigidos e espetadores desejosos de ver jogar a equipa). O treinador do
século XXI deve “saber escutar” (através de ferramentas e colaboradores ad
hoc) como o fazia no mundo empresarial Sam Walton, o criador da Wal-Mart.
Walton costumava estar disponível nas portas das suas lojas para escutar o
cliente, conhecer os seus gostos e desgostos e a avaliação de preços e produ-
tos. Nunca poderia ter chegado a construir esse império se não fosse a sua es-
cuta atenta e focada.
Os treinadores inovadores geram ambientes inovadores. A Marcelo Biel-
sa, na sua passagem pelo Marselha, lhe fabricaram um carro para usar nos
treinos, que ele mesmo desenhou e não era mais do que um carro de golfe
adaptado com um ecrã LED que refletia a captura ao vivo dos treinos com um
quadro para indicar táticas e um temporizador digital. Isto permitia a Bielsa ex-
plicar os exercícios e analisar as sessões em direto, graças a um mecanismo
para a gravação ao vivo de treinos de alta frequência e um sistema de tempo
real que ajudava a corrigir erros e esclarecer as instruções.
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Lição 199
Um treinador comprometido com a criatividade e a inovação gera jogadores,
uma equipa técnica e dirigentes comprometidos com a criatividade e a inova-
ção.
PREVISÃO 59
No futuro não serão necessários os dispositivos como o mencionado anterior-
mente. O treinador levará toda a informação de vídeos e animações no seu te-
lemóvel e os projetará nas paredes do balneário e também de forma holográfi-
ca em qualquer lugar do campo onde se deseje dar a indicação, seja uma jo-
gada que se produza no meio do campo ou nas áreas. Esta possibilidade ex-
cederá os treinos.
PREVISÃO 60
Os treinadores disporão em tempo real de editores de vídeo que terão prepa-
rados os relatórios, as animações e as compilações para o intervalo das parti-
das, e o jogador os poderá interiorizar de uma forma mais real e visual. As ani-
mações respeitarão os formatos tradicionais mas também terão a possibilida-
de de aproximar-se às novas experiências, como o vídeo 360º.
Lição 200
Costuma ver-se com melhores olhos aqueles treinadores que mantêm uma for-
mação estável e com maus olhos aqueles cujo onze inicial é variável. Este últi-
mo é um treinador que não “encontrou a equipa”. É verdadeiramente assim?
Talvez seja um treinador que se motiva a criar para cada ocasião, porque reco-
nhece em cada jogo umas condições que lhe são próprias e únicas. Costuma
estar associado a certa insegurança, mas e se na realidade se trate de encon-
trar os artistas certos para a função adequada? Este tipo de treinador joga
também com variáveis motivacionais (os jogadores devem competir entre si
para obter a sua posição), o qual exige dele grande condução, determinação
e liderança para ser capaz de realizar essa dinâmica de substituições sem re-
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fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
ceber maus humores dos futebolistas. Unai Emery, por exemplo, é um treina-
dor reconhecido por esta capacidade de reciclar os seus onze iniciais.
Uma forma de treinar a criatividade é pensar os jogadores em posições no-
vas novas e desafiantes. Uma forma de inovar é correr o risco de levá-las à
prática. O brasileiro Cafu era um bom jogador do meio-campo até que Telê
Santana pôde apreciar que as suas potencialidades se adaptavam muito me-
lhor à posição de Lateral Direito, em vez de Médio Centro. Inovação também
é sair-se da comodidade do herdado e das próprias comodidades do jogador
para realizar uma aposta original. Outro caso similar é a troca de Andrea Pir-
lo para a posição de “Médio Defensivo”. A visão e a aposta pertenceu a Carlo
Mazzone, nesse momento treinador do Brescia de Itália (também se dá o méri-
to a Carlo Ancelotti no AC Milan). Este tipo de apostas podem ter um caráter
permanente ou uma implementação em “modo de ensaio”, sempre reversível
em caso da inovação não funcionar.
Lição 201
O treinador necessita ter encanto, sedução, magia para seduzir os seus joga-
dores. Mas ainda completo de qualidades, é necessária a criatividade para
não transformar-se num treinador previsível para o jogador. Quando o jogador
adivinha tudo, é quando se acaba a magia (é válido também para o casamen-
to). O treinador Béla Guttmann, que levou o SL Benfica aos títulos da Taça
dos Campeões Europeus em 1961 e 1962, advertiu que a terceira temporada
sempre é fatal. Se há rotina de trabalho, deverá recorrer a nuances para que
o seu efeito não se dilua do encanto ao aborrecimento e à previsibilidade. Es-
sas mudanças só as pode realizar um treinador criativo e fanático da inova-
ção.
Lição 202
O jogador precisa ter uma função, uma tarefa geral a cumprir, para cada fase
do jogo: desde a transição defensiva até à sua consolidação posicional e des-
de a saída em contra-ataque até à organização posicional do jogo. E em cada
uma dessas fases, deverá ter o incentivo e a motivação para enriquecer o
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Lição 203
O verdadeiro treinador inovador submete-se aos riscos de transferência ao jo-
gador e aprende a tolerar as falhas assim como também a desfrutar dos êxi-
tos dos seus futebolistas. O treinador medíocre, pelo contrário, submete os
seus futebolistas asfixiando todas as suas possibilidades de enriquecimento
criativo e limitando tanto o potencial de contribuição individual como coletivo.
O primeiro que um treinador deve avaliar é se compreende em profundida-
de com que elementos conta para criar a identidade futebolística e a composi-
ção tática da sua equipa. Ninguém pode combinar criativamente os jogadores
em distintas linhas, se não é um profundo conhecedor das suas particularida-
des. O Brasil chegou ao Mundial do México em 1970 com a saída traumática
de João Saldanha, que desconfiava da mais valia de Pelé como titular. O dita-
dor Garrastazu Médici decidiu substituí-lo por Mário Zagallo, que era acusado
de inexperiente por não analisar rivais na Europa (como o fazia o anterior trei-
nador), para além de receber críticas por levar jogadores consagrados mas ve-
teranos. Se todos te criticam, continua. Seguramente estás no caminho de exi-
bir algo novo e, como o expressou o genial Mark Twain: “O novo não se per-
doa, até que o novo triunfe”.
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fernandovalentecoach@gmail.com 23 Nov 2018
O Brasil tinha cinco jogadores com a função de número 10. A nenhum trei-
nador razoável lhe ocorreria fazer jogar a todos juntos. Dois é razoável. Três é
muito. Quatro é uma aposta arriscada. Mas cinco é uma verdadeira loucura
desde o ponto de vista tático. Mas assim são os inovadores. Não estão para
fazer coisas razoáveis, mas para desafiar a razoabilidade. Zagallo fez jogar os
cinco ao mesmo tempo numa preciosa e romântica inovação. Mas, ao mesmo
tempo, muito realista. Se dispunha de jogadores semelhantes, porque não ter
um sistema tático que permita a sua convivência em campo? Os resultados
premiaram o seu romantismo inovador e o Brasil foi campeão do mundo em
1970 e uma das seleções mais recordadas de todos os tempos.
Outro grande expoente do futebol carioca foi o Brasil de 1982. Telê Santa-
na era o treinador e nessa equipa não era habitualmente titular um jogador
chamado Falcão. Devido a uma lesão de Toninho Cerezo, jogou a titular a
primeira partida perante a União Soviética com um desempenho excecional.
Tal como Zagallo, e numa decisão contrária à de um treinador convencional,
deixou quatro talentosos numa metade do campo descuidando, se quisermos,
os aspetos defensivos e de contenção na zona média. Assim dispôs de Toni-
nho Cerezo e Falcão jogando por trás de Zico e Sócrates. Santana guarda
também o mérito de ter liderado uma das grandes equipas a nível de clubes: o
São Paulo FC que na Taça Intercontinental venceu nada mais nada menos
que o FC Barcelona de Cruyff e o AC Milan de Capello.
Nem todos os treinadores ganhadores são inovadores. Giovanni Trapatto-
ni, que teve grandes triunfos com os seus clubes, foi acusado de ser pouco
inovador pelo seu estilo de jogo, o qual representava as ideias dos seus maes-
tros do catenaccio, em especial de Nereo Rocco. A figura de Trapattoni é só
um exemplo, pois não é o primeiro nem será o último.
Lição 204
Não há nada de mau nisso mas na história do futebol há menos treinadores
revolucionários da inovação que triunfadores. Porque cada campeonato devol-
ve um triunfador mas não entrega necessariamente um inovador.
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Lição 205
O treinador pode cair num excesso de paternalismo ao entregar “todas” as res-
postas. E nem sempre é bom entregar-lhe o peixe na mão, mas dar-lhe uma
cana para que o jogador mesmo o pesque. Cada vez que se lhe entregam to-
das as soluções (táticas), se lhe abrem todos os futuros problemas porque o
jogador termina desconfiando da sua própria capacidade de pensar.
Lição 206
O treinador nunca deveria entregar todas as respostas, porque assim anula a
capacidade de encontrá-las pelo próprio jogador. E apropriar-se do conteúdo
não resulta emocionalmente igual de potente se vem pelo caminho da imposi-
ção e do ensino, que pelo caminho da descoberta subjetiva. O treinador deve
levar o jogador a um eterno exercício de pensamento. E se é criativo, muito
melhor.
Pensando o futuro
PREVISÃO 61
No futuro não será descabido ver os futebolistas fazendo estimulação elétrica
transcraniana (tES). Tais experiências já forma levadas adiante com saltado-
res de esqui, equipas de ligas de basebol, Michael Johnson Performance e fu-
tebolistas americanos selecionados para a NFL. Curiosamente encontrou-se
nos saltadores de esqui uma melhoria na força de salto de cerca de 31%, ten-
do-se preparado com um dispositivo de estimulação elétrica contra só 18% de
um grupo de controlo. Se bem que o início das investigações sobre a técnica
de estimulação transcraniana remontem ao século XIX, é no presente que se
encontram os avanços mais surpreendentes. Em “Estimulação transcraniana
com corrente contínua em treino desportivo”, publicado em Frontiers in Hu-
man Neuroscience, pelos investigadores londrinos Michael Banissy e Neil
Muggleton, conclui-se: “Parece provável que, ao empregar-se adequadamen-
te, a [tES] pode ser benéfica para melhorar o rendimento em muitos despor-
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PREVISÃO 62
Se os benefícios, assim como também a ausência de efeitos colaterais, se
comprovarem, no futuro os jogadores assistirão 30 minutos antes dos seus
treinos só para exercitar-se nos aparelhos neuroestimuladores, de forma a
que a prática lhes resulte mais rentável. E porque não? Os veremos nos bal-
neários, antes das partidas, ou nas palestras táticas com um Halo (ou dispositi-
vo similar) na cabeça.
Os treinadores de elite são muito detalhistas em todos os aspetos e se
Guardiola, por exemplo, é capaz de mandar analisar desodorizantes e perfu-
mes que usam os seus jogadores para saber se tiveram incidência nas suas
lesões (como aconteceu com Jeffrén no Barcelona), como não vão prestar
atenção ao valor da dopamina cerebral?
PREVISÃO 63
No futuro as equipas de especialistas em neurociência regularão a dopamina
cerebral dos jogadores para estimular a sua impulsividade, em caso de trans-
tornos de ausência ou vice-versa. Tal regulação dependerá das caraterísticas
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PREVISÃO 64
Quem diz que não se podem desinibir os lóbulos frontais (ou atenuar a sua in-
cidência) a favor de um jogador mais desinibido e espontâneo (o que também
pode afetar negativamente um jogador menos obediente taticamente e mais
propenso a infrações fora do regulamento)? Quem diz que não se pode ser
exatamente o contrário? Um discurso que compromete o pensamento do fute-
bolista e reconhece e estimula a sua capacidade de entregar soluções seria:
“Estas são as minhas soluções mas também conto com as tuas, ok?”.
PREVISÃO 65
Historicamente o único que exercitava o cérebro era o treinador e algum joga-
dor desses conhecidos como o “treinador no campo”. No futuro todos os joga-
dores deverão treinar ao máximo a sua capacidade de pensar, que inclui mui-
tas categorias como a criatividade, a intuição e a lógica. De alguma forma tra-
ta-se de revolucionar o cérebro do jogador, não tanto para “encher o copo de
conhecimentos” mas para que “o copo fique cheio de ideias”. Como disse Plu-
tarco: “A mente não é um copo para encher mas um fogo para acender”.
Lição 207
Não se pode pretender um jogador criativo, se é treinado para repetir. Isto é,
que só replica tarefas motoras e habilidades táticas absolutamente predetermi-
nadas. Isto não significa que não deva fazer-se, mas que não deve ser o úni-
co que se faça. Como sempre, as exclusões limitam. Um jogador deve saber
combinar o melhor da repetição com o necessário da criação. O melhor da car-
tilha com o imprescindível da improvisação.
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Lição 208
Talvez aos treinadores lhes produza medo entregar essa oportunidade ao joga-
dor porque, a partir do dar poder ao “pensar”, poderia discutir, rebelar-se e até
ser um insurreto tático. Mas, perante o descontentamento, o farão de todos os
modos. O aconselhável é dispor de uma espécie de código de discussão ou
manual de intervenção, que estabeleça onde, quando e com quem se pode
discutir. Dessa forma, sustem-se a variável “controlo de autoridade do grupo”
com a variável “descontrolo de criação de ideias”.
Lição 209
Os treinadores sabem mais de revolucionar corações que cérebros porque ex-
traem dos jogadores entregas emocionais potentes mas enriquecimentos cog-
nitivos débeis. O vínculo treinador-jogador mede-se por um bastão de aprendi-
zagem muito tradicional e antigo. O treinador pode pôr à disposição do joga-
dor uma grande quantidade de conhecimentos de utilidade mas não ser capaz
de provocar que este “invente, crie e faça”. Esta é a diferença entre uma expe-
riência de aprendizagem tradicional e uma própria do século XXI. Não são
opostas mas complementares.
Existem equipamentos de vídeo de alta tecnologia que permitem um zoom
de extrema precisão e envios personalizados aos jogadores (como o que usa
o Manchester ou o que usou Bielsa no Marselha) e as equipas técnicas con-
tam com um técnico de edição de vídeo que se está transformando em chefe
de edição de vídeos que coordena o trabalho para que cada jogador possa dis-
por de vídeos personalizados do seu próprio desempenho e o dos próximos
rivais.
PREVISÃO 66
Mas os vídeos serão vistos cada vez menos em grupo massivo, a não ser que
o treinador assim o queira, a favor de vídeos individualizados e de pequenos
grupos para aumentar os níveis de detalhe e de motivação (quanto maior a im-
plicação do jogador no vídeo, maior a motivação para o ver).
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PREVISÕES 67/8
A presença de psicólogos já é quase um costume em muitas equipas de fute-
bol. Para eles, haverá novas tarefas e desafios. Também no futuro chegare-
mos à incorporação de psicólogos e sociólogos no grupo de análise de vídeo.
Os psicólogos terão que descobrir os traços de personalidade dos oponentes,
úteis no momento de projetar duelos 1x1, situações de bola parada, etc. Des-
de esse olhar, ampliam-se as perspetivas de intervenção tática. Não será des-
cabido procurar finalização sobre aqueles jogadores que tenham tendência à
distração, volatilidade de atenção ou ausência de persistência. Os sociólogos,
juntamente com os psicólogos, terão que achar essa rede de relações que
une uma equipa, úteis para reconhecer as ligações mais débeis dessa cadeia
e obter vantagens competitivas por esse setor, débil de relações de confiança
e solidariedade. Lançar um cruzamento à área já não será uma questão antro-
pométrica (estatura) ou técnica (de cabeceamento). Será isso mais tudo o an-
teriormente referido.
PREVISÕES 69/70
Num futuro mais longínquo do que o anterior, mais igualmente concreto e pos-
sível, cada jogador receberá um vídeo com todas e cada uma das correções
do seu comportamento e rendimento no jogo. A cada “ação real” lhe seguirá
uma “ação animada de caráter simulado, correta e ideal” onde se justificarão
os fundamentos técnico-táticos pelos quais se deveria ter atuado dessa forma:
com contribuições de todos os ramos, por exemplo a biomecânica, o jogador
disporá de ângulos dos segmentos corporais, os gestos técnicos, as posturas
corporais determinadas em graus de ação frente ao oponente, as trajetórias
de deslocamento mais eficientes, etc. Receberá tanto “o que fez” como “o que
devia ter feito” (e mais de uma oferta alternativa). O mais singular é que este
trabalho não o fará nenhum grupo humano da equipa técnica, mas um softwa-
re desenhado para tal efeito. O jogador terá a oportunidade e o desafio, tam-
bém, de propor novas e distintas soluções às já exibidas no campo e às pro-
postas pela animação do software.
Implementar a criatividade numa equipa de futebol requer liderança do trei-
nador para convencer e seduzir os jogadores da imprescindibilidade da sua
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Lição 210
A forma como se seduzem, canalizam, conduzem e disciplinam os egos re-
quer de muita criatividade para não se cair num estilo autoritário e obsoleto
para este século XXI. Isso não implica falta de rigidez ou autoridade nem facili-
tismo, mas inteligência criativa para extrair o melhor e remover o pior do joga-
dor. Qualquer tática desvanece-se frente a estas intromissões na estabilidade
emocional de um grupo. Como o expressou o treinador Rexach: “Um bom trei-
nador deve dominar o galinheiro”.
Quando Guardiola estava descontente com a conduta de alguns dos seus
jogadores, combinava a mão de ferro com criatividade intelectual e habilidade
estratégica de modo elegante e discreto. Outro treinador ao qual se reconhe-
ce uma grande “gestão do balneário” é Vicente del Bosque, campeão euro-
peu e mundial com a Seleção Espanhola. Luis Enrique criou o seu próprio re-
gulamento disciplinar que aplicou com êxito no Celta de Vigo, FC Barcelona e
AS Roma. Este tem sanções importantes que, em vez de se destinar a um jan-
tar com o plantel, vão dirigidas à beneficência ou a instituições necessitadas.
Para além disso procura que as suas sanções tenham um caráter de justiça,
sendo proporcionais aos salários dos jogadores.
O líder deve conhecer, negociar e resolver conflitos permanentemente. Es-
tes nascem, em geral, de “balneários com egos”. Gerir os egos também re-
quer de criatividade para se encontrar as formas de suavizá-los (nunca perdê-
los) a favor de se dar mais energia ao coletivo. Planificar juntamente com o jo-
gador para exercer uma ação em “contrário positivo” (por exemplo, humildade
para um arrogante) pode ser um ato que comece sendo não natural mas termi-
ne motivando a sua prática (por retroalimentação positiva) no jogador qualifica-
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Motivar-repreender
Lição 211
O treinador deve ser criativo tanto para motivar como para repreender.
Para motivar. Na final da campanha de 1983-84, no intervalo do jogo da 2ª
mão realizado no estádio Azteca no México, o marcador estava 0-0 (na 1ª
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Lição 212
A criatividade é uma ferramenta insubstituível para exercer autoridade e conse-
guir desestabilizar o jogador, com o fim de recolocá-lo no lugar que lhe corres-
ponde.
A criatividade é uma boa aliada para deixar uma impressão emotiva. Numa
ocasião Florian Halagan, preparador físico do Steaua de Bucareste, depois
do Guarda-Redes da sua equipa ter tido uma atuação desafortunada, o fez
descer do autocarro em que viajavam no meio de um bosque. O Guarda-Re-
des teve que caminhar vinte quilómetros com uma temperatura de dez graus
abaixo de zero para chegar à cidade.
Ou o relato que contou Cruyff ao jornalista desportivo Ezequiel Fernández
Moores sobre Rinus Michels, pai original do chamado futebol total, e que o
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Lição 213
O treinador deve ser criativo tanto para “extrair mais” do jogador como para
“obter menos”, quando seja necessário. A tradição no mundo do futebol peran-
te jogadores de “sangue quente”, que costumam ser expulsos com mais fre-
quência do que o esperado, não costuma afastar-se muito da lógica do casti-
go económico em forma de multa. Isso não está mal mas é apenas mais do
mesmo. Cada problema merece e é factível de uma solução original. Quando
se está tentado a cair-se nas soluções de sempre, nos lugares comuns, há
que evitar essa rotina intelectual, rebelar-se ao “sempre se fez assim” e inven-
tar as próprias soluções. Nunca se sabe o desenlace que produzirá uma contri-
buição original.
Canibalizar
Lição 214
Um treinador deveria “canibalizar” sistemas e métodos antes de que percam a
sua força (motivação), esgotem o jogador (cargas) e sejam muito óbvios para
os rivais (estratégia-tática).
Que significa canibalizar? É um termo utilizado no mundo dos negócios
quando uma empresa decide descontinuar um produto para ser substituído
por outro, mesmo quando está em vigência. “Matar” algo que todavia funciona
pertence ao âmbito das mentes arriscadas e aos espíritos inovadores. Um dos
especialistas nesta estratégia é o gigante empresarial Procter and Gamble,
que monopoliza o mercado através das suas distintas marcas em diversas li-
nhas de produtos. A eles não lhes importa, por exemplo, que a Head & Shoul-
ders tire clientes à Pantene, mas que as suas marcas dominem o mercado.
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Lição 215
A dificuldade está no facto de que um treinador sabe como treinar técnica e tá-
tica mas não, criatividade. O jogador necessita ter iniciativa para ir também à
procura das respostas, e não ser só um depositário delas. Necessita ter capa-
cidade de improvisação para tentar resolver aquilo que não houve forma de
prever. Necessita ter autonomia, isto é, a capacidade de oferecer respostas in-
dependentemente da aprovação do treinador. Em termos de criatividade e ino-
vação, é fundamental treinar num jogador a capacidade de fluir que determina-
rá o volume de ideias, a originalidade que diferenciará essas ideias das co-
muns, normais e óbvias, a flexibilidade pela qual se ajustará aos ambientes e
situações em mudança e a elaboração que consiste na sua avaliação, corre-
ção e melhoria. E para além disso outras caraterísticas como a sensibilidade,
a capacidade de síntese para conseguir fusões criativas e a capacidade de co-
municar o criado.
O treinador Rafa Benítez o advertiu: “Para ser um jogador de elite, há que
contar com a personalidade suficiente para desenvolver-se em situações em
mudança. Quanto melhor te adaptes a todas essas circunstâncias, mais tem-
po poderás permanecer numa grande equipa de elite”.
A formação em criatividade e inovação é imprescindível porque, em definiti-
vo, é necessário que o jogador perceba, antecipe, crie e invente, adapte-se ori-
ginalmente e execute. E para além disso tudo, em contextos de segundos.
Quanta margem de melhoria competitiva fica desde a preparação física no
seu estado atual? Desde a tática segundo a conhecemos hoje? Desde a moti-
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vação segundo se pratica nestes dias? Desde a técnica segundo o seu desen-
volvimento atual? Essa margem de melhoria tende a zero porque, em maior
ou menor medida, todos os treinadores de elite estão cientes delas. Essa mar-
gem de melhoria torna-se exponencial ao agregar a criatividade e inovação às
tarefas quotidianas dos jogadores, da equipa técnica e dos dirigentes do clu-
be.
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C A P Í T U L O 10
Técnicas de criatividade e
ecossistemas de inovação
Lição 217
Um ecossistema de inovação agrupa e vincula as capacidades que podem
transformar indústrias de maneira radical. Para os propósitos deste livro, a in-
dústria do futebol em cada um dos aspetos que fomos vendo: tática, marke-
ting, motivação, tecnologia, etc. Tal ecossistema no mundo futebol deve incluir
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Design thinking
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Lição 218
Um treinador que manifeste abertamente o seu desejo de inovar e abertura
para escutar ideias inovadoras converte-se, per si, no primeiro inovador já que
abrirá espaços a inovações não consolidadas, em fases de prototípicas ou de
experimentação. Deste modo se colocará à vanguarda das novas possíveis
inovações, capturando para ele e para a sua equipa as últimas tendências em
qualquer âmbito que potenciem o rendimento futebolístico. Uma boa adminis-
tração do funil da inovação permite a entrada de ideias desde qualquer âmbi-
to, pessoa ou setor. As verduras que se comem no Tottenham de Inglaterra,
por exemplo, são produto da aceitação da equipa técnica a uma ideia do presi-
dente do clube que é fanático, juntamente com a sua esposa, dos cultivos or-
gânicos. O horto encontra-se na mesma cidade desportiva e tem profissionais
especializados para o cuidar. No futuro os treinadores não estarão à espera
de ideias isoladas obtidas em oportunidades casuais, mas montarão uma es-
trutura que permita um fluxo contínuo de ideias em todo o momento, lugar e
p e s s o a ( j o g a d o r e s , a d e p t o s , d i r i g e n t e s , j o r n a l i s t a s , e t c . ) .
O processo de ideação
Lição 219
O processo de ideação tem que ser o suficientemente criativo para se traba-
lhar logo com ideias que tenham potencial rompedor. Para isso, não é suficien-
te perguntar só por ideias. Uma das primeiras formas mais primitivas que exis-
tiram nas organizações foi a colocação de uma caixa de ideias onde os empre-
gados deixavam as suas contribuições e sugestões. Já tens uma no clube?
Se ainda não a tens e estás decidido a promovê-la, assegura-te que tenha
vida: que as ideias sejam lidas, que quem participe receba feedbacks e que al-
guma dessas ideias corram o risco de ser implementadas. Se nada disto ocor-
re, a caixa de ideias tem cada vez menos sugestões até que finalmente mor-
re.
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Técnicas de criatividade
No futebol nem os dirigentes nem as equipas técnicas estão acostumados a
trabalhar a gestão de ideias de forma profissional, tanto para o treino da técni-
ca e da tática como para os aspetos psicológicos. Perante um pedido informal
do tipo “necessitamos ideias para isto”, costumam ocorrer duas coisas: conten-
tam-se com as primeiras ideias que surgem (quantidade) ou com aquelas que
são pobres de disrupção (qualidade).
Os treinadores, mais cedo ou mais tarde, também profissionalizarão os
seus processos intelectuais, criativos, de pensamento e de ação inovadora.
Pois eles sabem que a única forma de diferenciação é oferecer um produto
novo que surpreenda os seus (para motivar) e a competição (para obter resul-
tados).
As seguintes são algumas das técnicas ou ferramentas que os treinadores
podem utilizar no caso de que não disponham de um profissional especializa-
do no tema:
A Scamper
SCAMPER é uma técnica que propõe aplicar uma lista de perguntas (check-
list) que estimula a pensar de maneira diferente acerca do problema, gerar
ideias e conseguir soluções de caráter inovador. Foi criada por Bob Eberle.
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Adaptar: Como adaptar para adicionar outra função? Que adaptar para que
seja mais acessível para todos? Que adaptar para que seja complexo para o
oponente? Que coisas podem-se adaptar do passado? Que se pode copiar de
outros? A quem poderíamos emular? Em que diferentes contextos pode-se in-
cluir o conceito? Que ideias de outros campos diferentes podem-se incorpo-
rar?
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Por-lhe outro uso: Que outros usos pode ter? Há novas maneiras de usá-lo tal
como é ou está? E se se muda um pouco? Que modificar para dar outros
usos? Que mais se poderia fazer a partir disto? Outras extensões? Outros mo-
delos? Há novos usos aos que se possa destinar? Pode dedicar-se a outros
usos se se modifica? Outras funções?
Eliminar, minimizar: Que função pode ser eliminada? Que função não pode
ser eliminada? Que se deveria omitir? Pode-se dividir? Separá-lo em diferen-
tes partes? Reduzir? Condensar? Compactar? Subtrair? Eliminar? Podem-se
eliminar as regras? Que há que não seja necessário?
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Analogias
Consiste em resolver um problema mediante um rodeio. Em vez de atacar o
problema de frente, é comparado com outra coisa. Gordon, criador da sinécti-
ca (método criativo baseado no uso das analogias) insistia em que se trata de
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tes que estavam prestes a marcar. Ambos resultaram ser os disparadores que
refletiram a necessidade de resolver o problema.
Também em 1891 a história da inovação no futebol voltou a repetir os seus
motivos. Um problema que surgiu e a necessidade de o solucionar. O Stoke
City perdia 2-1 perante o Aston Villa. Uma falta dentro da área terminou em pé-
nalti a favor do Stoke City. Como faltavam poucos segundos para finalizar a
partida, a um jogador do Aston Villa se lhe ocorreu pontapear a bola para bem
longe do lugar onde se devia marcar o pénalti. Uma vez regressada a bola, o
árbitro teve que dar por finalizada a partida devido a que o tempo regulamen-
tar se havia cumprido. Esse “problema” derivou na criação de novas regras
que emendaram a situação injusta.
Porque mudou a regra onde o Guarda-Redes podia agarrar a bola no seu
meio-campo limitando-a finalmente à grande área? Uma vez mais, para soluci-
onar um problema. A dificuldade é um disparador de ideias e inovação. Tal mu-
dança decidiu-se em 1912 devido ao hábito que, pela sua habilidade, tinha
desenvolvido o Guarda-Redes do Sunderland e País de Gales, Leigh Ri-
chmond Roose. Este levava a bola até ao meio do campo onde frequentemen-
te, devido à potência das suas pernas, rematava à baliza rival.
Porque se mudou a retribuição de dois a três pontos? Porque um problema
disparou uma necessidade e a necessidade, ideias que entregaram alternati-
vas de solução. Na temporada 80/81 a liga inglesa teve a pior assistência de
espetadores desde a Segunda Guerra Mundial. Acreditava-se que se devia a
uma descida na quantidade de golos que se convertia por jogo (entre 1950 e
1960 marcaram-se 3,42 golos por partida; entre 1960 e 1970 3,14 golos; e en-
tre 1970 e 1981 2,5 golos). Jack Dunnet era novo na presidência da liga e se
permitiu realizar uma “experiência” na seguinte temporada, a qual segue vigen-
te ao momento de escrever estas linhas. Se bem que a inovação se gerou em
1981, a FIFA tardou 13 anos em aceitar a sua universalização. Só em 1994 or-
denou a todos os países afiliados a premiação de três pontos ao ganhador.
A necessidade e o desejo provocam o cérebro criativamente. Jamais a obri-
gação. Em 1893 um soldado estava preso mas acontece que também era um
futebolista do clube Reading. Um dia embebedou o guarda com whisky e esca-
pou-se para poder jogar uma partida.
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Think manager
O think manager deverá, como dizia o slogan da Apple, think different (pensar
diferente).
O think manager, aquele que gere e potencia os processos cognitivos e em
especial os criativos, estará ao serviço de cada componente da equipa. Sobre-
tudo, da equipa técnica e dos jogadores (70% das ideias das empresas pro-
vêm dos seus empregados) mas também dos dirigentes e da equipa médica.
O think manager no futebol será similar ao chief innovation officer (diretor de
inovação) das empresas, um cargo que se começou a conhecer a partir de
2000, quando os MBA’s do mundo universitário incluíram a disciplina da inova-
ção nos seus programas de estudo.
As responsabilidades de um diretor de inovação numa empresa não dife-
rem muito das que se devem gerir nos clubes: conhecer e incorporar as melho-
res práticas, desenvolver habilidades, dar suporte às unidades de negócio
para desenvolver novos produtos e serviços, identificar novos espaços nos
mercados, ajudar as pessoas a gerar ideias, dirigir o capital inicial e finalmen-
te proteger e nutrir projetos prometedores, liderar e facilitar uma cultura de ino-
vação na organização, cultivar uma cultura de curiosidade, capturar inspira-
ções e insights, fomentar a conexão, nutrir a criação, promover a colaboração
e trabalhar a comercialização e a comunicação.
Os diretores, segundo um estudo Global CEO Outlook da KPMG, conside-
ram que o posto de diretor de inovação será o mais importante nas empresas
nos próximos anos. Como disse Diomedes Kastanis: “A inovação é na atuali-
dade a palavra mais importante para as organizações”.
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A técnica
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Lição 220
Lamentavelmente a história não tem registos do germe da invenção. Isto é, se
pertence ao domínio do “eureka”: uma criatividade súbita e espontânea, ou ao
da criação pensada e racional. Ambas variantes da criatividade devem-se esti-
mular no jogador de futebol, permitindo a resolução espontânea e estimulando
o pensamento criativo para encontrar novas soluções que podem ser ensaia-
das nos treinos antes de serem exibidas no campo.
Alguns asseguravam que o inventor da técnica chamada “o elástico”, aque-
la que consiste em levar a bola para fora com a parte externa para envolvê-la
de imediato com o interior do pé e mudar de sentido de surpresa, foi o perua-
no Julio César Uribe. Mas não se rendem perante a evidência de que, na ver-
dade, a sua invenção pertence ao brasileiro Roberto Rivelino.
Romário é conhecido como o jogador que popularizou a técnica “drible da
vaca” que consiste numa meia volta com a bola envolvida no interior do pé, de
dentro para fora, que sempre oculta as possibilidades de roubo do defensor.
D´Alessandro é reconhecido como o criador da finta “o bobo”, uma técnica
que combina finta e superação do oponente geralmente mediante um túnel.
Na finta inicial das pernas, o jogador argentino conseguia que o oponente am-
pliasse o ângulo de separação das suas pernas, momento que aproveitava
para fazer passar a bola por esse espaço e correr a recebê-la por detrás des-
se jogador. Contam que as suas criações faziam divertir a alguns dos seus
companheiros mais experientes, por exemplo, Coudet na sua época no River
Plate.
A Pelé é atribuída a invenção da “finta fantasma”, aquela na qual em ne-
nhum momento toca a bola para iludir o Guarda-Redes. A exibiu, para assom-
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Lição 221
Que deve fazer um treinador perante isto? Como primeira medida, propiciar
que cada jogador se transforme num inventor em potência para a sua posição
e para cada evento da partida que lhe corresponda resolver. Como segunda
medida, utilizar anúncios destas caraterísticas como fornecimento para os trei-
nos. Por exemplo, anunciar um torneio de “pénaltis originais” com uma premia-
ção surpresa incluída no final do treino do dia seguinte. Desta forma simples,
desafiará os seus jogadores a pensar criativamente e motivará o plantel, fa-
zendo-o passar por um momento alegre e divertido.
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C A P Í T U L O 12
Regulamento e arbitragem
PREVISÃO 71
O regulamento do futebol, com as suas mutações e inovações, terá uma influ-
ência direta sobre as futuras mudanças no jogo. Nas suas formas e nas suas
táticas. Será tão determinante, ou mais, que as inovações tecnológicas.
Um grupo de investigadores da Universidade do País Basco assegura que
a ação de jogo, baseada num modelo linear, permaneceu imutável em três
mundiais consecutivos (França, Coreia/Japão e Alemanha). Analisaram até 48
contextos produzidos em cinco zonas do campo e concentraram-se nos “con-
textos de interação” e a colocação da bola em relação com a dos jogadores
das duas equipas. Nesse momento prognosticaram que o jogo continuará a
ser igual no futuro. Segundo Julen Castellano, um dos autores da investiga-
ção, se fizessem novos registos nos próximos mundiais, seriam similares, a
não ser que as mudanças em regras importantes do regulamento modifiquem
as condutas que jogadores e equipas adotam durante o desenrolar do jogo.
Inovações rejeitadas
Existem ensaios que, apesar de resultarem em êxito, nunca chegam a conver-
ter-se em inovação porque não conseguem a aceitação final para que a experi-
ência deixe de sê-lo e se materialize em algo aceitado universalmente.
Em 1990, no Chile, realizou-se uma experiência singular atingindo o resulta-
do esperado: aumentaram a quantidade de golos por encontro. A regra dizia o
seguinte: “Para os efeitos do que se disporá em seguida, se traçará a 25 me-
tros da linha de baliza uma linha descontínua que atravessará o campo (…).
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O futuro do regulamento
As regras de jogo também serão suscetíveis de revisão criativa em busca de
um maior espetáculo e uma tendência para a ofensiva.
Serão avaliadas opções de adaptações próprias do futebol, como as extraí-
das de outros desportos.
PREVISÕES 72/3
Será analisada a possibilidade de estabelecer superioridades numéricas transi-
tórias, como as já conhecidas do andebol ou do râguebi por penalizações a jo-
gadores infratores que devem descansar uns minutos fora do campo. Mas
como a criatividade corre em todas as direções, também o fará no sentido
oposto. Evitando a penalização, irá no sentido da premiação para criar a figu-
ra transitória do jogador “número 12”, uma vez convertido um golo, premiando
a insistente procura do golo. Esta mesma regra poderá ser pensada ao contrá-
rio: obrigar o treinador a uma extração momentânea de um jogador.
Em qualquer de ambas direções, os treinadores contarão com a necessida-
de de investir em novos desenvolvimentos táticos para interpretar essas situa-
ções de inferioridade-superioridade que dominarão o jogo.
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PREVISÃO 74
Até os pontapés de canto, produto de uma equipa que procura verticalidade,
poderão ser bonificados com a possibilidade de um jogador “número 12”.
PREVISÃO 75
As substituições também serão revistas, podendo contemplar-se opções
como a substituição ataque-defesa, defesa-ataque. Esta modalidade brinda a
possibilidade (sempre teórica) de dispor de uma equipa de onze defensores
na perda da bola e de onze atacantes quando se dispõe dela. Talvez seria me-
nos espetacular, mas não por isso menos inovador, permitir as substituições
em modo voleibol. Isto é, se o jogador B substitui o A, em determinado mo-
mento da partida, o jogador A pode voltar a entrar pelo jogador B e fechar a
substituição.
PREVISÃO 76
Será avaliada também a possibilidade de implementar a “substituição tempo-
ral”, que permitirá fazer entrar um jogador pela zona de substituições sem pa-
rar o jogo por só uns minutos, para que o treinador entregue a outro jogador
orientações desde o ponto de vista técnico-tático e volte a entrar de imediato
no campo. Isto incrementará a capacidade de alterar os rumos do jogo com
maior assiduidade, concedendo-lhe um maior enriquecimento e aumentando a
visibilidade dos treinadores, para corrigir e enriquecer os seus jogadores.
Esta mesma regra se utilizará para os jogadores que necessitem atenção
médica momentânea, sem necessidade de que se detenha o jogo até à sua
recuperação (tal qual ocorre com a última mudança regulamentar de 2016) e
de que uma equipa fique em inferioridade numérica (como até 2016). Uma
vez que o jogador se recupere, voltará a entrar no jogo naturalmente após sair
o seu substituto momentâneo. Se limitará por partida a quantidade de vezes
que possa ser utilizada esta substituição para evitar que seja usada como me-
dida de recuperação perante o cansaço.
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PREVISÃO 77
O golo como atributo a premiar também pode entregar uma bonificação espe-
cial que pode ir desde a reposição desde o centro (para a equipa que conver-
te!) até à execução de um pontapé livre numa zona predeterminada.
PREVISÃO 78
Se estudarão regras para proteger aqueles jogadores que contribuem à estéti-
ca do jogo desde a sua qualidade técnica. Não é o mesmo um Sancho Pança
que um Dom Quixote de la Mancha. O regulamento penalizará uma equipa
que cometa mais de um número determinado de faltas (três? cinco?) a um jo-
gador. Pela natureza do jogo ou pela intenção tática destrutiva, a maior quanti-
dade de infrações contra recaem nuns poucos futebolistas. Ao chegar ao limi-
te de infrações, se pensará uma penalização: inferioridade numérica, execu-
ção benéfica de um lançamento, etc. Esta incorporação regulamentar não su-
plantará os cartões mas os complementará. Aos dias de hoje os cartões me-
dem a intensidade das infrações (a repetição costuma castigar-se só de forma
individual). Com estas inovações se castigará tanto a sua intensidade como o
seu volume.
PREVISÃO 79
Já não existirá a possibilidade de que o Guarda-Redes agarre a bola com as
mãos quando é alcançado por um companheiro, se o passe é executado com
o peito ou com a cabeça, seguindo a tendência iniciada faz muitos anos quan-
do se eliminou a possibilidade de agarrá-la quando era passada com os pés.
PREVISÃO 80
Se bem que existem regras universais para competições internacionais que
deverão ser respeitadas, em caso de competir a esse nível, cada vez mais se
aceitará a particularidade de cada região ou país para adaptar as regras. Na
Coreia do Norte, o basquetebol tem as suas próprias regras: falhar um lança-
mento livre tira pontos e um lançamento de três que não toca o aro vale qua-
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tro pontos. As mudanças se permitirão por duas razões. A primeira razão tem
que ver com a idiossincrasia de cada lugar. Por exemplo, Itália, tão tradicional-
mente voltada para o jogo defensivo do catenaccio, poderia premiar com um
ponto mais aquelas equipas que terminem com a sua baliza a zero. A segun-
da razão tem que ver com a propensão, em termos de Vitor Frade. Assim, se
se quer fomentar o jogo ofensivo, a premiação se valorizará com um ponto ex-
tra em caso de superar um número mínimo de golos.
PREVISÃO 81
A entrega de pontos modificou-se pela primeira vez no início da temporada
1981-82 da liga inglesa, passando de conceder dois a três pontos para favore-
cer a procura da vitória. Tais retribuições poderão ser revistas. Se analisará a
possibilidade de entregar um ponto mais em caso de se superar os três golos
e outro ponto de bonificação em caso de se manter a baliza a zero. Para não
perder o “efeito jogo ofensivo”, o ponto por deixar a baliza a zero só se conce-
derá se for cumprido o objetivo de três ou mais golos. Trata-se de premiar a
excelência e a perfeição no jogo.
PREVISÃO 82
Perante um empate, se avaliará a possibilidade de jogar cinco minutos mais a
golo de ouro. Isso colocará em marcha mecanismos de inovação por parte
dos treinadores para desenvolver alguma estratégia surpreendente que permi-
ta apropiar-se da máxima pontuação, acrescentando a intensidade e a intriga
no resultado da partida.
PREVISÃO 83
Perante equipas que vão ganhando e enviam a bola fora do campo, mostran-
do a sua manifesta vontade de não “jogar o jogo”, o árbitro permitirá que des-
de as laterais possam ser enviados centros para a área com o pé. Assim se re-
tomará uma velha ideia provada e descartada em seu tempo (no Mundial de
Sub20 na Austrália, o Sub17 do Japão e o Europeu da Turquia de Sub16 de
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Lição 222
As novas regras aparecerão somente se se tem a valentia de questionar as ve-
lhas. A proposição de novas regras dá lugar a novas criações desde a estraté-
gia, a tática e a técnica. A inovação não necessita ser ruturista nas competi-
ções internacionais desde o início, pode ser ensaiada e experimentada em
competições de menor categoria até chegar às máximas competições (ver-
sões beta). Esse é o caminho que seguirão as tendências expressadas anteri-
ormente. Só o tempo dirá quais chegarão a instalar-se no regulamento oficial.
Arbitragem
Lição 223
Os árbitros, por serem fiéis executores do regulamento, parecem estar isentos
da necessidade de criatividade e inovação. Mas a imprevisibilidade de algu-
mas situações necessita delas para resolvê-las.
Na final do Mundial de 1930 ao árbitro Langenus se gerou um problema
de último momento, já que ambas equipas queriam jogar com a sua bola.
Como o resolveu? Fez jogar um tempo com cada bola.
Em 2005 numa partida de uma liga amadora da Inglaterra, entre o Peterbo-
rough North End e o Royal Mail AYL, o árbitro Andy Wayn ficou fora de si pe-
rante os protestos do Guarda-Redes Richard McGaffin do Peterborough após
validar um golo do Royal. Em vez de o admoestar, deu-lhe um golpe, pelo que
logo decidiu “expulsar-se” a si mesmo. Mais tarde justificou a insólita atitude
com as seguintes palavras: “A minha reação não foi profissional. Se o tivesse
feito um jogador, lhe haveria mostrado o vermelho, razão pela qual tive que
ir-me”.
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Ken Aston inventou os cartões amarelo e vermelho logo após vários pro-
blemas de comunicação com as expulsões no Mundial de 1962, numa partida
que ele mesmo dirigiu entre o Chile e a Itália conhecida como “a batalha de
Santiago”. Retirado em 1963, esteve na comissão técnica de arbitragem no
Mundial de 1966 e na polémica partida entre a Inglaterra e a Argentina, onde
Rattín foi expulso e ninguém se inteirou de que Jack Charlton foi admoesta-
do, motivo que gerou a reclamação dos ingleses perante a FIFA no dia seguin-
te.
Lição 224
Todas estas dificuldades foram incubando a necessidade de uma solução na
cabeça de Aston até que um dia… eureka! Assim o relata ele mesmo: “En-
quanto conduzia pela rua Kensington de Londres, o semáforo colocou-se em
vermelho e pensei: ‘Amarelo, podes ainda passar; vermelho, alto, fora do terre-
no’”. Criatividade é também combinar o não combinado todavia. A Aston tam-
bém é atribuída a criação das bandeiras que utilizam os árbitros assistentes e
a figura do quarto árbitro.
A personalidade inovadora e criativa, também nos juízes, deve ser levada
com inteireza e dignidade. Nem todo o mundo a aceita e a compreende. Em
2012 o árbitro mexicano internacional Marco Antonio Rodríguez foi autoriza-
do a voltar a dirigir logo após cumprir a sua suspensão de cinco partidas. O
motivo? Numa partida da 2ª mão da Final do Torneio de Abertura 2011, entre
Tigres e Santos Laguna, sacou simultaneamente dois cartões amarelos dos
bolsos do seu calção, um em cada mão para indicar a admoestação a diferen-
tes jogadores.
A criatividade consiste em encontrar soluções simples, contornar a burocra-
cia e, muitas vezes, romper as mesmas regras que conduzem o jogo e susten-
tam o regulamento. Na Colômbia, no ano 2000, o juiz internacional Oscar
Ruiz anulou um golo ao Santa Fe de Bogotá porque o quarto árbitro observou
a jogada num monitor da partida que se estava transmitindo pela televisão na
cadeia Caracol (contra o Deportes Tolima de Ibagué) e lhe avisou da falta.
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C A P Í T U L O 13
O apito final
Estás obrigado a ser diferente. O que faz todos os dias o mesmo, exceto que
seja dono de uma singularidade excecional, coloca-se a si mesmo mais ao al-
cance dos seus competidores, isto é, cada dia mais previsível.
O ladrão de ideias que somente rouba e não faz outra coisa com elas mais
que reproduzi-las é simplesmente um ladrão vulgar, um imitador grosseiro.
O ladrão de ideias que rouba e logo combina a paleta de cores da imagina-
ção, para obter uma proposta singular, nova, ajustada ao jogo-jogador, não
merece ser chamado ladrão mas sim artista.
A criatividade é a arte da combinação. De extrair de um lado para colocar
no outro, como as concentrações de Helenio Herrera e as formas de trabalho
de Zubeldía. De tomar uma coisa e juntá-la com outra para obter algo novo. O
pénalti e picar a bola existiram no futebol desde 1898. Panenka, mais de 75
anos depois, os uniu de forma requintada num “pénalti à Panenka”.
O ladrão de ideias não é um ladrão, mas uma pessoa que entendeu de for-
ma cabal como funcionam os mecanismos da criatividade. Mas tais mecanis-
mos não funcionam sozinhos, se não se ativam os recursos da personalidade.
Num mesmo cocktail faz-se a fusão da ambição, da inquietude, da curiosida-
de, da rebeldia, da necessidade, da intuição e do método.
Todos temos direito, quase como regra universal, a nutrir-nos de qualquer
elemento do universo para produzir algo novo. Não existe a criação “no va-
zio”. E nessa criação se encontra a única forma de fazer-se único, de deixar
marca, de sobreviver no presente e alcançar o nobre propósito de ficar algum
dia num livro da história do futebol como o “criador de…”.
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Criatividade estratégica. O norte a seguir pode ser óbvio mas nunca a rota
será previsível em todo o seu caminho.
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Criatividade tática. Cada partida é única. Porque nem sequer o mesmo opo-
nente pode repetir-se na sua totalidade num novo enfrentamento. Por isso,
cada partida exige uma tática pensada especialmente para esse oponente. E
esse nascimento tático deverá ser o mais afastado possível do que se espera.
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Não é o mesmo ser ladrão de ideias para roubar que para criar.
Não é o mesmo ser ladrão de ideias para copiar que para inventar.
Não é o mesmo ser ladrão de ideias por incapacidade para criar que por ta-
lento para inovar.
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Bibliografia
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Weiner, Eric; Geografía del genio: en busca de los lugares más creativos del
mundo, desde la antigua Grecia a Silicon Valley; Simon & Schuster (2016).
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C A P Í T U L O 15
Agradecimentos
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Albertini, Demetrio. Alcántara, Thiago. Alegre, Pablo. Alí, Assad. Alí,
Muhammad. Almeyda, Matías. Alonso, Argimiro. Alonso, Mabra. Alonso, Xabi.
Altshuller, Genrich. Álvarez, Billy. Amieiro, Bruno. Ancelotti, Carlo. Anelka, Nico-
lás. Anzuaga, Ramón. Araujo, Duarte. Arconada, Gonzalo. Arellano, David. Are-
nas, Augusto. Aristóteles. Arnau, Francesc. Arnold. Asimov, Isaac. Aston, Ken.
Ates Bitnel, Deniz. Atkinson, Roy. Avaldi, Francesco. Averoff, George. Ávila, Jo-
an. Ayala, Roberto. Azcona, Nacho. Azkargorta, Xabier. Azlor, Pedro. Bacon,
Steve. Baía, Vitor. Bale, Gareth. Balmaceda, Daniel. Balotelli, Mario. Balvone-
si, Juan. Banissy, Michael. Baraja, Rubén. Barberón, Alejandro. Barbosa, Val-
dir. Baresi, Franco. Bargh, John. Barovero, Marcelo. Barreto, Ricardo. Barros
Schelotto, Guillermo. Basile, Alfio. Batista, Adilson. Batistuta, Gabriel. Batteux,
Albert. Bauman, Zygmunt. Bauso, Matías. Bavelier, Daphne. Bechara, Antoi-
ne. Beethoven, Ludwig van. Beckenbauer, Franz. Begiristain, Txiki. Belánov,
Igor. Bell, Graham. Bendtner, Nicklas. Benigni, Roberto. Benítez, Rafa.
Bentley, Tom. Beotas Lalaguna, Eduardo. Berger, Ted. Bergkamp, Dennis. Ber-
goglio, Jorge (Papa Francisco). Berizzo, Eduardo. Berlusconi, Silvio. Berna-
béu, Santiago. Best, George. Bianchi, Carlos. Bielsa, Marcelo. Bilardo, Carlos
Salvador. Bilinkis, Santiago. Bisztynek, Reduta. Bjorkund, David. Blanco, Jor-
di. Bloom, Benjamin. Boateng, Jérome. Bochini, Ricardo. Bolt, Usain. Borghi,
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to, Eiichi. Najdorf, Miguel. Nally, Patrick. Navarro, Pau. Navarro Montoya, Fer-
nando. Neren, Uri. Newton, Isaac. Noble, Mark. Noll, João Gilberto. Northeast,
Jonny. Norton, Michael. Ogawa, Sensen. Okwonga, Musa. Olave, Juan Car-
los. Olazar, Francisco. Oliva, Joan. Olivares, Luciana. Oliveira, Bruno. Olson,
Ken. Onega, Ermindo. Onzari, Cesáreo. Ortiz, Francisco. Ortiz-Tudela, Javier.
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Passarella, Daniel. Parker, Mark. Parlebas, Pierre. Patiño, Salvador. Pattitoni,
Pierpaolo. Patuelli, Roberto. Pedernera, Adolfo. Pekerman, José. Pelegrini,
Manuel. Pelusso, Gerardo. Pellegrino, Mauricio. Pemberton, John. Peral,
Isaac. Perarnau, Martí. Pereira, Vitor. Pereira, Waldir (Didí). Pérez, Oscar. Pes-
ce, Gaetano. Petersen, Steven. Petit, Emmanuel. Petrovic, Predrag. Picasso,
Pablo. Pieters. Piqué, Gerard. Pirés, Robert. Pirlo, Andrea. Platini, Michel. Pla-
tón. Plutarco, Mestrio. Pochettino, Mauricio. Poincaré, Henri. Polanyi, Karl.
Polo, Luis. Posner, Michael. Pozzo, Vittorio. Prahalad, Coimbatore Krishnarao.
Puskás, Eva. Puskás, Ferenc. Puyol, Carles. Queiroz, Carlos. Ramacciotti,
Carlos. Ramaswamy, Venkat. Ramallo, Tito. Ramellow, Carsten. Ramón y Ca-
jal, Santiago. Ramsey, Ralf. Randolph, Marc. Ranieri, Claudio. Rappan, Karl.
Rattín, Antonio. Ray, Michael. Reçber, (Rüştü). Redknapp, Harry. Reep, Char-
les. Reeves, J. A. Reid, Steven. Reinoso, Carlos. Reithofer, Norbert. Renvoise,
Patrick. Resende, Nuncio. Rexach, Carles. Reyes, Salvador. Richmond Roo-
se, Leigh. Rijkaard, Frank. Rimet, Jules. Rivelino, Roberto. Rizzi, Mario. Robin-
son, Ken. Robson, Bryan. Roca, Andrés. Rocchia, Juan Domingo. Rocco, Ne-
reo. Rodgers, Brendan. Rodhes, Mel. Rodrigues dos Santos, (Wladimir). Ro-
dríguez, Marco Antonio. Rodríguez, Matías. Rodríguez, Maximiliano. Rodrí-
guez Guillén, (Vicente). Rodríguez Ledesma, Pedro Eliezer (Pedro). Roffé,
Marcelo. Rohrbach, Bernd. Rojas Morillo, Oscar. Rojas, Raúl. Romero, Iker.
Romero, Pablo. Ronaldo, Cristiano. Röntgen, Wilhelm. Rooney, Wayne. Roo-
sevelt, Franklin Delano. Roque Júnior, José Vitor. Rossi, Ernest. Rossi, San-
dra. Rous, Stanley. Roy, Bryan. Ruggeri, Oscar. Ruiz, Laureano. Ruiz, Oscar.
Rumenigge, Karl-Heinz. Sabella, Alejandro. Sacchi, Arrigo. Saint Exupery, An-
toine de. Saiz, José Patricio. Saldanha, João. San Miguel, Adrián. Sánchez,
Alexis. Sánchez, Hugo. Sampaoli, Jorge. Sanders, Harland. Santana, Felipe.
Santana da Silva, Telê. Santella, Julio. Sarriugarte, Félix. Sartre, Jean-Paul.
Scalfari, Eugenio. Schellscheidt, Manfred. Schneiderlin, Morgan. Schon, Hel-
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vich, Javier Brines Gandia, Javier Sanz, David De la Peña, José David López,
Piergiorgio Sandri, Marcus Brandt, Cristina Domínguez, Luis Fernando Botero,
Joaquín López-Dóriga, Rosario Linares, Raquel Quelart, Jaime Morente Sán-
chez, Sergio Parra, Luis Fradua Uriondo, Carlota Torrents, José Carlos Sán-
chez, Alejandro Varela, Juan Sobejano, Rubén Rodriguez, Paco Corma, Luis
Martín, Gretel Ledo, Ramón Besa, Jenny Moix Queraltó, Jorge Mosqueira, Fer-
nando Gordillo, José Arana, Lilia Mestas, Judith Salvador, Cipriano Romero
Cerezo, Rubén Cohen Grinvald, Santiago Igartúa, Alonso Cerón, Marcela Ric-
cilo, Juan Liquete, Yaiza Martínez, Adrian Mateos, Ángel Alba, Marta Dios.
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Germán Castaños
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