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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO – UEMA

CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES DE CAXIAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
COORDENAÇÃO DO CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
MUNICÍPIO: CAXIAS – MA PERÍODO: 2020.1

A Espanha e a América nos Séculos XVI E


XVII

Prof. Marcus Pierre de Carvalho


Baptista

Caxias (MA), setembro de 2020.


O pós-conquista e o colapso das civilizações nativas

As consequências destrutivas da conquista afetaram as


sociedades nativas em todos os níveis: demográfico,
econômico, social e ideológico.

Após o primeiro contato – Declínio da população ameríndia em


toda a América.

Quantos nativo-americanos estima-se que existiam antes da


Conquista?
Planalto Central Mexicano – 25 milhões.
Andes – 10 milhões.

Nos anos que seguiram a invasão até o final do século XVI ocorreu
uma queda vertiginosa desta população – Mais de 90% de declínio.

Ilha de Hispaniola – Os registros apontam que a maioria terminou


morrendo.

Planalto Mexicano: 1519 (25 milhões), 1532 (16 milhões), 1548 (6


milhões), 1568 (2,6 milhões), 1580 (1,9 milhões).
Nos Andes a taxa de decréscimo aparenta ter sido menos
acentuada, sobretudo nas regiões mais frias.

Nos Andes setentrionais a taxa foi similar a do planalto central


mexicano com um declínio vertiginoso até 1560 e uma redução
gradativa posteriormente.

1530 (10 milhões), 1560 (2,5 milhões), 1590 (1,5 milhões).

O que provocou uma queda tão vertiginosa da população? O que


possibilitou essa catástrofe demográfica?
As doenças – Varíola, Sarampo, Gripe, Peste.

Isolados do restante da humanidade os nativos não possuíam


sistemas de defesas para essas novas doenças que os europeus
traziam.

Vários registros de epidemias durante e após a Conquista da


América.

1519 – Epidemia de Varíola que enfraquece a resistência asteca


durante o cerco a Tenochtitlán – A epidemia se espalhou pela
América Central chegando até os Andes.
1524 – Anterior a expedição de Pizarro – Epidemia de Varíola ou
Sarampo – Milhares de mortes no império inca.

1529 – 1534 – Epidemia de Sarampo nas Antilhas, posteriormente a


Mesoamérica.

1545 – Epidemia na Nova Espanha, Nova Granada e no Peru.

1557 – Gripe endêmica se espalhou pela América Central.

1558-1559 – A varíola se espalhou novamente pelo Peru.

1586 – 1589 – Varíola, Peste e Gripe novamente nos Andes.


As epidemias podem ser percebidas enquanto a principal causa do
declínio demográfico.

Mas teria sido apenas ela?

Não haveria outros fatores que pudessem ter contribuído para um


declínio tão vertiginoso?

Quais outros fatores poderíamos elencar?


A Conquista em si é marcada por um período de opressão
sanguinária.

Primeiros censos demográficos – Taxa de mortalidade alta da


população masculina – Provavelmente devido as guerras e
cobrança de tributos.

Outros documentos apontam a existência de suicídios coletivos ou


individuais e as práticas de aborto – Clima de desespero ou mesmo
de protesto perante a nova conjuntura.

Pirâmides etárias do século XVI – Queda na taxa de natalidade –


Consequência do trauma da Conquista.
Como estes censos demográficos eram produzidos?

Quais questionamentos eram feitos aos indígenas?

Quais as consequências destes declínios populacionais?


Questionava-se: Se os números de índios haviam aumentado ou
diminuído desde antes da conquista? Se tinham saúde pior ou
melhor?

Pediam que explicassem também o que havia mudado e as causas


dessas mudanças.

Respostas apontavam na mesma direção: Índios sentiam que viviam


menos e que tinham uma saúde pior.

Causas do declínio populacional segundo sua interpretação: Guerra,


Epidemias, Migrações e Excesso de trabalho.
Respostas plausíveis para a conjuntura que viviam, mas outras
respostas também podiam ser encontradas.

Em alguns casos a menor expectativa de vida ou o declínio


populacional era atribuído ao fato de terem menos trabalho a fazer,
de serem mais livres e mais bem alimentados.

“[...] E viviam mais nos tempos antigos que agora, e atribuem isso
ao fato de que então comiam e bebiam melhor. [...] Porque se
entregavam a mais vícios que antes e têm mais liberdade vivem
vidas menos saudáveis.”
“[...] Viviam mais porque antes, dizem, tinham vidas mais ordenadas
do que agora, e porque não havia abundância tão grande de coisas,
nem tinham as possibilidades que têm agora de comer e beber e
entregar-se a outros vícios, e com todo o trabalho que tinham de
fazer quando o Inca reinava, não havia sequer vinho, o que
geralmente encurta a vida.”

Estariam buscando unicamente agradar os espanhóis com as suas


respostas?

Ou estas refletiam em partes suas percepções sobre a nova


conjuntura que vivenciavam?
Se buscassem unicamente agradar os espanhóis ou se
respondessem por temor é estranho que em outros momentos não
hesitassem em queixar-se da nova situação que viviam.

Probabilidade que o sentimento inexplicável referente a demasiada


liberdade correspondesse ao vazio deixado pelo desaparecimento
das antigas estruturas do estado e pelo colapso das regras
tradicionais de conduta.

Estas respostas apontam a desintegração de seus sistemas


religiosos, social e econômico que, anteriormente, davam sentido as
suas vidas e ordenavam a vida cotidiana – As mudanças
demográficas eram um reflexo da desestruturação do mundo nativo.
Além disso, a própria maneira dos espanhóis de organizarem a nova
“colônia” também contribuiu para a transformação do mundo nativo
e ao processo de desestruturação deste – A instalação de novas
formas de tributo, introdução da moeda e da economia de mercado.

Rebeliões mais profundas no Peru do que no México – Súditos do


Império Inca deviam apenas trabalho servil e não pagamento de
impostos.

As Encomiendas –1512 – significava recomendar ou confiar algo a


alguém – Esse regime entregava sob os cuidados de um
encomedero comunidades indígenas diversas que poderia utilizá-las
enquanto mão-de-obra para agricultura ou mineração – Deveriam
assegurar a educação cristã aos indígenas.
Tratava-se de uma concessão feita pela Coroa Espanhola –
Proibição de agressão contra os indígenas e de tomar as terras da
comunidade.

O nível de tributos cobrados não eram fixados por qualquer medida


oficial – Consistia de pagamentos variados: milho, trigo, batatas,
carneiros, porcos, aves, ovos, peixes, frutas, coca, sal, tecidos e
artigos manufaturados.

Caso os indígenas não conseguissem produzir algum desses itens


eram forçados a viajar por longas distâncias para obtê-los.

Nessa primeira metade do século XVI tem-se a origem dos tributos


em prata também, embora em quantidade limitada.
A partir da segunda metade do século XVI as taxações foram
simplificadas – Produtos de importância secundária desapareceram
e a prata passou a ser o tributo mais relevante a partir da década de
1570.

Seria possível comparar os tributos cobrados pelos espanhóis com


aqueles existentes no mundo pré-colombiano?

Existem fontes suficientes que permitiria ao historiador essa análise


comparativa?
Fontes escassas e não há a disposição de números exatos.

Com relação aos encomenderos – Imposição de decisões arbitrárias


e sem restrições – Ignoravam ou nem sempre respeitavam as leis
tributárias – Muitos exemplos de abusos e também de taxação
injusta.

Exemplo: Obrigações e impostos cobrados de acordo com o número


de indígenas – Decréscimo demográfico e discrepância entre as
taxações originais e a população em declínio.

Os índios solicitavam uma revisita para ajustar a taxação – Mesmo


quando a reavaliação era feito a quantidade reduzida de indígenas
era obrigada a suportar os altos impostos.
Embora a Espanha tenha dado continuidade as obrigações devidas
aos estados pré-colombianos, o tributo espanhol era ainda pior.

1562 – Pesquisa de Ortiz de Zúniga – Chupachos deviam tributo


têxtil similar ao mundo pré-colombiano – Os Incas forneciam a
matéria-prima, a lã, e recebiam as roupas manufaturada.

Os encomendero, no entanto, exigiam roupas de algodão, mas não


fornecia a matéria-prima, que deveria ser fornecido também pelos
indígenas.

“[...] E eles lhe dão o tecido não de cumbi, mas de algodão, que
plantam e colhem, e o Inca costumava dar-lhes a lã para tecido de
cumbi. [...] E queriam que se encomendero lhes desse algodão para
fazer roupa.”
Os espanhóis, sejam eles encomenderos ou não, auxiliados pelo
declínio população, não tardaram a usurpar parte das terras
cultivadas pelos índios.

Os novos governantes tomavam as melhores terras, os melhores


solos e aos índios restavam as terras marginais.

“[...] e as terras nas quais costumavam plantar milho e alimentos


para o Inca estavam neste vale, inclusive onde fica agora esta
aldeia, e a região ao redor dela. Essa terra foi distribuída aos
habitantes espanhóis quando a aldeia foi fundada, mas agora os
índios demarcaram uma parte de sua própria terra para plantar
milho, trigo e batatas para pagar o tributo.”
Não é surpresa que o tributo espanhol parecesse ser mais pesado
que o Inca e terminavam dedicando um período de sete a oito
meses apenas para pagar esses tributos.

“E agora se sentem mais cansados do que nunca estiveram antes,


pois todo mundo trabalha, homens e mulheres casados, velhos e
mulheres, rapazes e moças e crianças, e não fica ninguém de fora,
e é por isso que foram ao tribunal em Lima para pedir justiça e a
diminuição dessa carga.” (Ortiz de Zúniga)

Enquanto o sistema de pagamentos inca funcionava dentro de uma


estrutura circular e equilibrada, o tributo espanhol era desequilibrado
e unilateral – Os espanhóis herdaram o papel centralizador e
garantiram que a transferência de riquezas fosse unilateral.
A partir de 1550 com o desenvolvimento do tributo em prata os
índios passam a ser obrigados a assumirem novas atividades para
obter o metal precioso necessário.

Minas do México (Zacatecas) e Andes (Potosí) – Afluência de


trabalhadores indígenas.

Outros indígenas alugavam seus serviços para os comerciantes


espanhóis como transportadores de mercadorias ou iam pra as
cidades trabalhar nas construções.

O caso de Potosí: Imposição pelos indígenas de suas próprias


condições de trabalho de 1545 até 1574 – Responsáveis pela
extração do minério e por sua transformação em prata.
Formavam equipes de trabalhadores, forneciam as próprias
ferramentas, entregavam uma quantidade fixa de minério e tinham
permissão para ficar com o excedente – Transformavam esse
excedente em prata, bem como a parte do minério dada aos
espanhóis – Dupla fonte de ganho para os indígenas.

Inúmeras tentativas dos espanhóis de libertar-se do monopólio


tecnológico dos indígenas.
“Os donos de mina, ao verem que com essa forma de fundição com
o vento natural suas riquezas eram dissipadas através de muitas
mãos, pois eram muitos os que tomavam parte nelas, tentaram
remediar a situação a fim de que eles mesmos desfrutassem do
metal e dos lucros. Assim, começaram a pagar aos mineiros em
base diária e construíram seus próprios fundidores em vez de usar
os dos índios, pois até então eram os índios que extraíam a prata,
tendo sido combinado que os donos tinham o direito a uma certa
quantia de prata de cada quintal extraído. Em sua cupidez, fizeram
enormes foles, que podiam soprar as fornalhas de longe, como o
vento natural. No entanto, nem chegaram a usar esse artifício, mas
fizeram máquinas e rodas com velas, como as dos moinhos, mas
puxadas por cavalos. No entanto, acharam-nas inúteis, e não mais
confiando em suas invenções, acabaram ficando com o que os
índios haviam inventado.” (Garcilaso de la Vega)
Com o processo de amalgamação em 1574 os espanhóis rompem
com o controle indígena sobre a produção da prata.

Ainda assim, toda a prata produzida pelos indígenas retornavam à


circulação no sistema colonial – Os que trabalhavam em Potosí, por
exemplo, enviavam a prata para o pagamento dos tributos aos
encomenderos ou para a coroa.

Através do comércio dominado pelos espanhóis estes também


garantiam a posse do restante da prata – A introdução do dinheiro
integrava os indígenas no sistema econômico, seja através do
comércio ou do pagamento de impostos ou do trabalho.
A Organização Político-Administrativo da América
Espanhola nos século XVI e XVII

Importância da Conquista da América para a constituição do


Império Espanhol – Acrescentou uma dimensão imperial ao
poder do rei da Espanha – Rei da Espanha e das Índias.

Expressão no século XVII – “Emperador de Las Indias” –


Consciência subjacente de um império americano.

Império das Índias – Expressão complicada – Parceiras de um


agrupamento complicado, a Monarquia Espanhola, formada por
vários Estados, alguns mais “iguais” que outros.
No início Castela assumiu uma posição de destaque na
Monarquia e no relacionamento com as Índias.

A bula papal de 1493 que legitimava o domínio espanhol sobre


os novos territórios foram concedidas inicialmente aos reis de
Castela e Leão e não aos reis de Espanha.

Índias – Posse de Castela devendo ser governada de acordo


com suas leis e instituições neste momento – Benefícios da
conquista atribuídas a Castela.

Início do século XVI – Monopólio sobre os cargos e comércio


do Novo Mundo por parte de Castela.
Criação do Conselho de Castela no início do século XVI –
Responsável pelos “[...] negócios das Índias nos primeiros anos
de descoberta e conquista.” (ELLIOT, 1998, p. 285).

Com a ampliação dos contatos com a América foi criado a


Casa de la Contratación em Sevilha – Tornou-se responsável
por organizar e controlar os homens, navios e mercadorias que
iam para a América.

Sevilha se tornou o principal centro comercial do mundo


atlântico nos séculos XVI e XVII.
“Ao canalizar todo o comércio americano para Sevilha, a coroa
buscava assegurar, para proveito de suas próprias finanças e
de uma Castela que reclamava direitos exclusivos sobre as
terras recém-descobertas, um grau máximo de controle sobre o
que se esperava ser um empreendimento altamente lucrativo”
(ELLIOT, 1998, p. 286).

Acreditava-se que com o controle da navegação poderia se


manter fora das novas terras descobertas elementos que não
fossem desejáveis, bem como o comércio com as novas
colônias que eram construídas.
“O tempo mostraria, no entanto, que um comércio controlado
tinha um meio de produzir a sua própria forma de infiltração não
controlada, e que as incontestáveis vantagens organizacionais
do monopólio deviam ser contrapostas às não menos
incontestáveis desvantagens em colocar enorme poder nas
mãos de um pequeno grupo de funcionários em situação
estratégica (ELLIOT, 1998, p. 286).”

Ampliação do comércio – Criação de um novo conselho em


1523 – Conselho das Índias independente do Conselho de
Castela.
“Dada a estrutura específica da monarquia espanhola, tratava-
se de um desdobramento lógico. Uma organização conciliar,
onde conselhos distintos eram responsáveis por diferentes
Estados e províncias da monarquia distintos, era o melhor meio
de combinar interesses plurais com um controle central
unificado. Ocupando seu lugar ao lado dos conselhos de
Castela e de Aragão, o conselho das índias forneceu o
mecanismo formal para garantir que os negócios das índias
fossem trazidos regularmente à atenção do monarca e que a
vontade do monarca, corporificada em leis, decretos e
instituições, fosse devidamente transmitida a suas possessões
americana (ELLIOT, 1998, p. 286).”
Deste modo, o governo real na América tratava-se de um
governo feito através de consulta.

O que significa dizer isto?


Essas consultas tratavam-se de documentos produzidos pelo
Conselho em formato de atas que traziam recomendações a
serem tomadas pela coroa espanhola no tocante a seus
domínios ultramarinos.

“Os conselhos eram nominalmente representantes da pessoa


do rei, e somente em 1561 encontraram um local permanente
no palácio real de Madri, que a partir desse ano se tornou a
sede da corte e a capital da Monarquia. De todos, o conselho
das índias foi o único que esteve mais afastado em tempo e
espaço da área de sua jurisdição (ELLIOT, 1998, p. 287).”

O que isto significava?


“Os funcionários da coroa nas índias, dispondo teoricamente de
plena liberdade nos grandes espaços abertos de um grande
Novo Mundo, viram-se na prática acorrentados por cadeias de
papel ao governo central da Espanha. Pena, tinta e papel eram
os instrumentos com que a coroa espanhola respondia aos
inéditos desafios da distância implícitos na posse de um
império de amplitude mundial” (ELLIOT, 1998, p. 287).

Produção de uma nova casta de burocratas – Maioria dos


membros do Conselho eram letrados – Poucos com
experiência na América.
“A maioria deles haviam feito carreira em postos fiscais ou
judiciais na própria península, e inevitavelmente tendiam a ver
os problemas das índias através do prisma de sua experiência
peninsular. Sua formação e visão eram legalistas; pensavam
em termos de precedentes, de direitos e de status; e viam-se
como guardiães supremos da autoridade do rei.” (ELLIOT,
1998, p. 287).

Apesar da distância e dos problemas encontrados o século XVI


pode ser percebido enquanto um “sucesso” para o governo real
espanhol – Razoável ordem pública e respeito a autoridade da
coroa.
“Após a derrota da rebelião pizarrista da década de 1540 e uma
onda conspira - tória em Cidade do México em 1566, centrada na
pessoa de Don Martin Cortês, filho do conquistador, não haveria
outras .contestações diretas da autoridade real por parte de
comunidades de colonos, muitas vezes ressenti-, das
amargamente com as imposições de Madri; Esse alto grau de
passividade foi em parte um reflexo de um senso de deferência à
coroa inculcado de uma geração à outra; no entanto, deve ser
atribuído sobretudo ao caráter de um sistema que foi por demais
vitorioso em sua determinação quase obsessiva de impedir a
excessiva concentração de poder num único ponto. Não havia
nenhuma necessidade de desafiar o poder real diretamente
quando se podia arquitetar com sucesso um desafio indireto
mediante o aproveitamento das fraquezas de um sistema no qual
o poder estava tão cuidadosamente disperso” (ELLIOT, 1998, p.
288).
“A disseminação da autoridade baseava-se numa distribuição
de deveres, que refletia as diferentes manifestações do poder
real nas índias; administrativa, militar, jurídica, financeira e
religiosa. Muitas vezes, no entanto, as linhas de demarcação
não eram traçadas claramente: ramos diferentes de governo
poderiam sobrepor-se, um único funcionário podia combinar
tipos diferentes de função, e havia inúmeras possibilidades de
atrito e conflito que só seriam resolvidos, se o fossem, pelo
demorado processo de consulta ao conselho das índias em
Madri” (ELLIOT, 1998, p. 288).

Com relação a essa administração nos primeiros anos da


Conquista os principais representantes da Coroa foram os
gobernadores – título dado a vários dos primeiros
conquistadores.
Governador – Direito de dispor dos índios e da terra – Similar
aos donatários portugueses – Estímulo a outras Conquistas.

“A governadoria era, portanto, uma instituição ideal para


estender o domínio espanhol através das índias,
particularmente a regiões remotas e pobres como o Chile, onde
as compensações da conquista eram de outro modo exíguas.
No entanto, uma vez que a coroa se colocara firmemente
contra a criação de uma casta de senhores feudais nas índias,
os dias da governadoria pareciam estar contados. As
nomeações eram feitas para pouco tempo — de três a oito
anos — e acabaram sendo não-hereditárias” (ELLIOT, 1998, p.
289).
Ao término da fase das conquistas as governadorias não foram
abolidas – Haviam provado sua utilidade para administração e
defesa de territórios distantes – Burocratização – Novos
governadores tornaram-se administradores e não mais
conquistadores, tendo funções administrativas e militares.

“Nos séculos XVI e XVII existiram trinta e cinco governadorias


provinciais num ou noutro período — o número não era
constante devido a unificações e mudanças de fronteira.”
(ELLIOT, 1998, p. 289).

Ainda que as governadorias tenham se mantido a unidade mais


importante da América Espanhola será o vice-reino.
“Foi em 1535 que o vice-reino foi revivido como instituição
efetiva, quando foi criado o vice-reino de Nova Espanha e Don
Antonio de Mendoza foi designado seu primeiro vice-rei. Em
1543, Blasco Núnez Vela foi nomeado vice-rei de um segundo
vice-reino, o do Peru. Nova Espanha e Peru, tendo suas
capitais em Cidade do México e em Lima, seriam os únicos
vice-reinos na -América no governo dos Habsburgos. Os
Bourbons acrescentaram mais dois: o vice-reino de Nova
Granada em 1717, com a capital em Santa Fé de Bogotá, e o
de Rio de la Plata, tendo Buenos Aires como capital, em 1776”
(ELLIOT, 1998, p. 290).

O vice-rei era o representante direto do rei na América.


“Unia em sua pessoa os atributos de governador e capitão-mor, e
era também, em seu papel de presidente da audiência, considerado
o principal representante judicial da coroa. Ê natural que o enorme
prestígio do cargo e as possibilidades de lucro que ele parecia
oferecer tornaram o vice-reinado altamente atraente para as famílias
nobres de Castela” (ELLIOT, 1998, p. 290).

“[...] uma vez estabelecido o sistema, o vice-rei podia com boas


razões esperar que seu governo durasse seis anos. Mas isso podia
não ser o fim das suas funções vice-reais nas Índias. Dos 25
homens enviados dá Espanha para servir como vice-reis do México
entre 1535 e 1700, nove vieram a tornar-se vice-reis do Peru. A
experiência que esses vice-reis obtinham no governo das Índias
tornaria suas vozes imensamente valiosas nos mais altos conselhos
da monarquia, ao seu retorno à Espanha” (ELLIOT, 1998, p. 290).
Apesar de aparentemente atrativos os vice-reinos tornaram-se uma fonte
de problemas comprometendo a saúde e reputação de quem assumia
esse cargo.

“Um dos predecessores de Enriquez, Don Luis de Velasco (1550-1564),


descreveu sua semana de trabalho. Nas segundas e quintas-feiras, as
manhãs eram devotadas à recepção de delegações de índios
acompanhados de seus intérpretes e à elaboração de uma lista de
tópicos a ser discutidos com a audiência, a que comparecia à tarde. À
noite, das oito às dez horas, despachava questões do governo com seu
secretário. Nas terças e sextas-feiras participava, de manhã, da
discussão dos processos na audiência, e de uma até três horas resolvia
problemas religiosos e dava audiências a espanhóis — algo que tinha de
estar pronto a fazer a qualquer momento da semana. Ia depois discutir
questões financeiras com os funcionários do tesouro. As manhãs das
quartas-feiras eram também reservadas para ouvir os índios e as tardes
para as questões de Cidade do México. ” (ELLIOT, 1998, p. 291).
Além disso, recebiam ordens de Madri que, por vezes, eram
incapazes de aplicar na América.

“A mais importante de todas as ordens da coroa era a provisión, que


ostentava o nome e os títulos do rei e era lacrada com o selo do
chanceler. A provisión era na verdade uma lei geral relativa a
questões de justiça ou de governo — as Novas Leis, contendo 54
artigos relativos à organização do governo e ao trato com os índios,
eram de fato provisiones. O documento mais comumente usado era
a real cédula, que começava com as simples palavras El Rey
seguidas do nome do destinatário. Comunicava na forma de ordem
uma decisão real por recomendação do conselho das Índias, e era
assinada Yo el Rey. Além da provisión e da cédula, havia também o
auto, não-dirigido a algum destinatário, mas que corporificava as
decisões do conselho das Índias ou das audiendas” (ELLIOT, 1998,
p. 292).
Até o final do século XVI e início do século XVII havia um número
significativo de leis referentes às Índias.

“As leis impressas nesses volumes eram mais seguramente um


guia das intenções da coroa em Madri do que uma indicação do
que realmente ocorria na América; mas o próprio fato de sua
existência devia entrar nos cálculos tanto dos governadores
quanto dos governados em sua vida quotidiana nas Índias”
(ELLIOT, 1998, p. 292).

Divergências políticas – Inimigos do vice-rei poderiam se


utilizar das leis para formular uma acusação contra este.
As ações dos vice-reis eram avaliadas pelos oidores ou juízes,
considerados os guardiões oficiais da lei no Novo Mundo a
partir das audiencias.

“Durante o século XVI dez audiências foram estabelecidas no


Novo Mundo [...] No conjunto, essas audiências mantinham
cerca de noventa cargos em nível de presidente, oidor e fiscal
Os mil homens que os ocuparam durante os dois séculos de
domínio Habsburgo constituíram a elite da burocracia da
Espanha na América. Os vice-reis vinham e iam embora,
enquanto que para o mandato dos oidores não havia qualquer
limite fixo, que dessa forma constituíam um importante
elemento de continuidade tanto administrativa quanto judicial”
(ELLIOT, 1998, p. 293).
“Embora a sua finalidade fosse a de ser os tribunais judiciais
supremos no Novo Mundo, com a responsabilidade de
assegurar a adequada observância das leis nas índias, as
audiências também adquiriram certos atributos .de governo,
especialmente em virtude das Novas Leis. As audiências do
México e de Lima, em especial, assumiram as funções de
governo no período entre a partida de um vice-rei e a chegada
do seguinte, enquanto que os presidentes de audiências
menores podiam atuar como governadores e capitães-mores
da área de jurisdição de sua audiência” (ELLIOT, 1998, p. 293).

Os oidores, assim como os vice-reis eram mantidos sob


controle da Coroa – Regulamentos rígidos de como deviam se
comportar – Desconfiança da Coroa para com seus
funcionários.
“Era tacitamente esperado que não se casassem com mulheres
da área de jurisdição de sua audiência, nem adquirissem
propriedades fundiárias nem se envolvessem no comércio.
Essa tentativa de convertê-los em guardiães platônicos, que
julgavam e governavam sem a interferência de vínculos e
pressões locais” (ELLIOT, 1998, p. 293).

O resultado disso era o fracasso, especialmente em função dos


baixos salários.

A Coroa, no entanto, legislava já com a presunção que essa


política era fadada ao fracasso assegurando que todos seus
funcionários, inclusive os oidores, seriam rigorosamente
examinados.
Juízes independentes eram enviados pela Coroa para investigar determinado
funcionário ou determinadas áreas o que remonta a preocupação da coroa
espanhola de garantir não apenas o funcionamento da colônia, mas de
garantir o seu controle.

Além disso, “[...] vice-reis governadores e as audiências formaram o nível


mais alto da administração secular nas índias. As suas áreas de jurisdição
foram subdivididas em unidades menores, conhecidas com nomes diferentes.
Em Nova Espanha eram chamadas ou alcaldías mayores ou corregimientos,
e no restante das Índias corregimientos. Alguns dos mais importantes
corregidores e alcaides mayores eram designados pela coroa, os menos
importantes pelos vice-reis. Eram nomeados para um mandato limitado, e
esperava-se que pelo menos os mais importantes não fossem proprietários
rurais locais nem encomenderos. Sua área de jurisdição tinha como base
uma cidade ou vila, mas estendia-se — como aconteceu na própria Castela
— à região rural próxima, de modo que os corregimientos eram basicamente
grandes distritos com um centro urbano” (ELLIOT, 1998, p. 294).
“A ênfase do governo local sobre a cidade era característica da
vida das índias em geral. Do ponto de vista da lei, nas índias
mesmo os colonos espanhóis que viviam na região rural
existiam apenas em relação a sua comunidade urbana. Eram
vecinos (cidadãos) do povoado urbano mais próximo, e era a
cidade que definia sua relação com o Estado. Isso concordava
muito mais com as tradições do mundo mediterrânico; e,
apesar da crescente importância da grande propriedade na
América espanhola, os núcleos rurais nunca alcançaram a
importância que tiveram no Brasil, embora também aqui as
cidades tenham exercido uma influência preponderante.”
(ELLIOT, 1998, p. 294).
As vilas tinham os próprios conselhos – os cabildos –
responsáveis por regulamentar a vida dos habitantes e por
fiscalizar os bens públicos – Variaram de acordo com o tempo e
o espaço que foram instalados.

“Basicamente, no entanto, compunha-se de funcionários


judiciais (alcaides, que eram juízes leigos e presidiam o
cabildo, sempre que o corregidor não estivesse presente) e
regidores, ou conselheiros da cidade, que eram responsáveis
pelo abastecimento e administração do . município e
representavam a cidade em todas as funções cerimoniais que
ocupavam parte tão substancial da vida urbana” (ELLIOT, 1998,
p. 295).
Logo se tornaram espaços constituídos pelas elites locais –
Nos casos que haviam eleições eram restritas aos mais
abastados – A relação entre funcionários eleitos e hereditários
nas vilas reduziu-se à medida que a Coroa passou a vender os
cargos públicos.

“[...] de modo geral os governos de cidades eram corporações


fechadas que, por seu caráter, representavam mais os
interesses do patriciado urbano do que a generalidade dos
cidadãos.” (ELLIOT, 1998, p. 295).

Lembrando que o interesse em torno destes variou muito


dependendo do tempo e espaço.
“O cabildo, no entanto, não era apenas uma instituição de
autogoverno local e uma corporação em que se disputavam as
rivalidades das principais famílias locais. Era parte também de
uma estrutura maior de autoridade que se estendia às
audiências, aos governadores e aos vice-reis, e por
conseguinte ao conselho das Índias em Madri. Somente
atuando dentro dessa estrutura e recorrendo a pressões e
petições é que as aristocracias urbanas podiam esperar
exercer alguma influência sobre a ação e a decisão do governo,
pois não lhes restavam outras saídas constitucionais” (ELLIOT,
1998, p. 295-296).

O poder do Estado na América era quase absoluto – A coroa


espanhola detinha em mãos também o poder eclesiástico.
Através de bulas papais a coroa espanhola havia ficado
responsável por evangelizar as novas terras – Ganharam o
direito de organizar a igreja na América e oferecer benefícios
eclesiásticos.

“Isso permitiu ao rei autodesignar-se “vigário de Cristo” e dispor


das questões eclesiásticas nas Índias por sua própria
iniciativa., sem a interferência de Roma” (ELLIOT, 1998, p.
296).
“A Igreja nas Índias era por origem e natureza uma igreja
missionária, ou de doutrinamento — um fato que conferiu às
ordens religiosas a liderança natural da obra de evangelização.
No entanto, quando foi cumprida a primeira obra pioneira, os
mendicantes, apesar do poder de que dispunham, viram sua
ascendência desafiada por um clero secular que tinha sua base
nas vilas e operava dentro da estrutura de uma igreja
institucionalizada agora bem estabelecida. No final do século
XVI, outras ordens religiosas receberam permissão de juntar-se
às três ordens originais, os agostinianos, os franciscanos e os
dominicanos; e os jesuítas [...]” (ELLIOT, 1998, p. 297).
Posteriormente a igreja missionária foi posta sob a jurisdição
dos bispados no Novo Mundo.

Os bispados do Novo Mundo tinham como ocupantes


funcionários da Coroa e exerciam forte influência sobre a vida
dos colonos.

“A linha divisória entre a Igreja e o Estado na América


espanhola nunca foi claramente definida, e os conflitos entre
bispos e vice-reis eram uma característica constante da vida
colônia.” (ELLIOT, 1998, p. 297).

Responsáveis pela supervisão do bem-estar material e


espiritual dos indígenas – Responsáveis também pela
Inquisição.
O Santo Ofício teve tribunais instalados em Lima (1570, Cidade do
México (1571), Cartagena (1610) – destinado a proteger a fé e evitar
o desvio da conduta por degenerados sexuais ou mesmo por ideias
protestantes.

Com o passar do tempo a Inquisição termina entrando em conflitos


com outros elementos do clero.

A existência de diversos interesses contribuíam para evitar uma


homogeneização da instituição e também para reduzir seu poder e
espaço de atuação.
“É esse caráter fragmentado da autoridade, tanto na Igreja
quanto no Estado, uma das .mais notáveis características da
América colonial espanhola Externamente, o poder real era
absoluto, tanto na Igreja quanto no Estado. Uma torrente de
ordens eram emitidas pelo conselho das índias em Madri, e
esperava-se que uma burocracia numerosa, secular e clerical,
as colocasse em vigor. Mas na prática havia tanta manobra
pelo poder entre os diferentes grupos — entre os vice-reis e as
audiências, entre os vice-reis e os bispos, entre o clero secular
e o regular, e entre os governadores e os governados — que as
leis inoportunas, embora olhadas com deferência devido à fonte
de que emanavam, não eram obedecidas, enquanto a própria
autoridade era filtrada, mediada e dispersada” (ELLIOT, 1998,
p. 299).
O Estado, deste modo, estava presente em tudo, mas não
comandava tudo – Tratava-se de uma administração bem-informada
e que adotava práticas para que isto fosse possível – Realização de
questionários e censos; criação do cargo de cronista e historiador
das índias.

Com relação a dominação dos povos que viviam na América cria-se


uma ideologia para justificação a manutenção do império e
exploração da Prata nas Índias – Era necessário governa-los, tirá-
los da “barbárie” e levar a “civilização” e a fé cristã.

Conflitos em como lidar com a questão indígena após a conquista –


Amplo debate entre os direitos dos espanhóis e como sujeitar os
nativos – Essa questão refletia também na legitimação da Espanha
no tocante a posse do Novo Mundo perante os demais estados
europeus.
“Se o imperador estava preocupado, numa frente, com a
contestação internacional a seu governo nas Índias, na outra
temia ainda mais a contestação interna representada pelos
encomenderos, uma aristocracia feudal em potencial que
possuía servos indígenas. Os colonos punham em risco tanto'
sua própria autoridade quanto, com seu vergonhoso tratamento
dos índios, a missão evangelizadora que era a raison d’être do
domínio espanhol. Que os índios eram cruelmente maltratados,
estava claro não apenas pelas violentas denúncias do próprio
Las Casas, como também pelas sucessivas cartas que
checavam das Índias” (ELLIOT, 1998, p. 303)

Las Casas vs Sepulveda – Coerção (Coroa e Colonos) vs


Pacifismo (Missionários)
A proibição dos mal tratos e da barbárie realizada contra os nativos foi
legalizada apenas em fins do século XVI – Isso não impediu uma série de
atrocidades cometidas pelos espanhóis e denunciadas por Las Casas,
entre outros.

“Medida pela legislação que emergiu das discussões do conselho das


Índias, a ação da Espanha na América, no século XVI, sob muitos
aspectos atendeu notavelmente aos princípios da Ilustração. Foram feitos
esforços ingentes para proteger os índios das formas mais grosseiras de
exploração, e houve uma tentativa genuína, embora equivocada, da parte
da coroa e da Igreja de introduzir os habitantes das Índias no que se
admitia automaticamente ser um modo mais elevado de vida. Mas o
abismo entre a intenção e a prática era quase sempre
desalentadoramente vasto. As aspirações da metrópole, derivadas como
eram de grupos diferentes de interesse, muito freqüente- mente tenderam
a ser mutuamente exclusivas: e sucessivamente as melhores intenções
naufragaram nos escolhos das realidades coloniais” (ELLIOT, 1998, p.
306).
Até o momento viemos tratando sobre como o Novo Mundo foi
administrado pela Espanha e os novos mecanismos criados no
decorrer do século XVI para garantir que o poder real fosse
consolidado em terras americanas.

Refletimos também sobre a relação Igreja-Estado no caso


espanhol e a situação dos indígenas pós-conquista.

E como era a realidade na nova colônia? O que diferenciava-se


entre o que a coroa queria e o dia a dia no Novo Mundo?
É preciso apontar que, inicialmente, era incompatível o desejo da coroa de
enriquecer através da exploração das novas terras e, ao mesmo tempo,
proteger os nativos, conforme legislações criadas a partir de meados do
século XVI.

“Por outro lado, a perene escassez de dinheiro da coroa levava-a


naturalmente a maximizar suas rendas nas índias por todos os meios
disponíveis. A maior parte dessas rendas provinham das índias diretamente
na forma de tributos, ou indiretamente na forma de trabalho que produzia
mercadorias e serviços passíveis de fornecer um dividendo à coroa. Numa
época em que o tamanho da população indígena diminuía catastroficamente,
mesmo a tentativa de preservar as taxas tributárias nos níveis estabelecidos
no período imediatamente posterior à conquista muito certamente seria
causa de crescente gravame para as comunidades indígenas, sem contar
com uma quantidade cada vez menor de força de trabalho disponível para
distribuição. Toda tentativa, portanto, de aumentar a contribuição indígena
somente podia desintegrar ainda mais a república de los indios, que cada vez
mais parecia fadada à destruição em consequência do impacto da conquista
e do declínio populacional.” (ELLIOT, 1998, p. 307).
“O pagamento de tributo, em espécie ou em moeda sonante, ou
numa combinação das duas, constituiu uma obrigação para os
índios sob o domínio espanhol quase desde a conquista até
sua abolição durante as guerras de independência no início do
século XIX. Pago à coroa ou aos encomenderos, o tributo
ocupava um lugar central na vida indígena na qualidade de
imposição inescapável altamente discriminatória pelo fato de
que somente os índios eram a ela submetidos.” (ELLIOT, 1998,
p. 307).

Os tributos dos indígenas foram sendo reavaliados à medida


que a população foi entrando em contínuo decréscimo e
mesmo aqueles que gozavam de algum prestígio não
escaparam a essa cobrança.
“A organização da coleta dos tributos foi colocada nas mãos de
uma nova casta de funcionários, os corregidores de indios, que
desde a década de 1560 estavam surgindo em todas as áreas
mais densamente povoadas da América espanhola [...] Eram
espanhóis nascidos na Espanha, às vezes oriundos da comitiva
que cada vice-rei trazia consigo, ou criollos (espanhóis
nascidos nas Índias) sem terras ou encomiendas; esperava-se,
portanto, que se mostrassem, agentes de confiança da coroa”
(ELLIOT, 1998, p. 308).

Eram responsáveis não apenas pela cobrança de tributos, mas


por administrar a justiça, organizar a oferta de trabalho
público/privado.
“Vivendo de um pequeno salário deduzido do tributo indígena,
naturalmente usava seu curto mandato para aproveitar ao máximo o
enorme poder de que se via repentinamente investido. Não havia
muita coisa que pudesse impedi-lo de fazer suas próprias extorsões
particulares quando organizava os tributos e dirigia parte da força de
trabalho para empreendimentos que o beneficiassem [...] Os
próprios funcionários que deviam velar pelos interesses da
tradicional república de los indios estavam, portanto, entre seus
inimigos mais perigosos. Mas é o funcionamento do sistema de
trabalho sob a supervisão dos corregidores de indios que revela de
modo mais vívido as contradições inerentes às políticas indigenistas
da coroa. Teoricamente, o índio devia levar uma vida isolada. Com
exceção dos funcionários da coroa, espanhóis não tinham
permissão para viver entre os índios, e esses por sua vez não
tinham permissão para viver nas cidades espanholas” (ELLIOT, 1998,
p. 308).
Ao mesmo tempo em que buscava-se isola-los também
apropriavam-se de sua força de trabalho e integravam-se em uma
economia colonial.

“Com a proibição da escravidão e a tendência a substituir a


encomienda de serviço pela encomienda de tributo, tornou-se
necessário criar métodos de mobilizar a mão-de-obra indígena.
Os vice-reis da segunda metade do século XVI estimularam da
melhor forma que puderam um sistema de trabalho assalariado,
mas, com o rápido decréscimo da população indígena, sentiram
também a necessidade de recorrer à coerção a fim de salvar do
colapso a frágil vida econômica das Índias” (ELLIOT, 1998, p.
309).
“Os trabalhadores índios recrutados eram impiedosamente
arrancados de suas comunidades e encaminhados para o
trabalho no campo, para as obras públicas, as obrajes, ou para
as oficinas têxteis, a produção de tecidos de lã ou de algodão
e, sobretudo, para as minas. A coroa fez alguns esforços, no
início do século XVII, para legislar contra os abusos mais
graves do sistema de trabalho, mas sem muito sucesso. O fato
de a organização da mão-de-obra ser pelo menos controlada
mais firmemente foi facilitado pela ampla reorganização da
população indígena em declínio que ocorrera tanto na Nova
Espanha quanto no Peru durante a segunda metade do século
XVI e a primeira década do século XVII. Sob a chamada
política de congregaciones e reducciones, os índios dispersos
pelo sertão haviam sido reunidos em aldeias maiores, onde
podiam ser governados e cristianizados com mais facilidade.”
(ELLIOT, 1998, p. 309)
A partir do século XVII caía por terra a ideia da manutenção de
uma estrutura hierárquica indígena anterior a Conquista e cada
vez mais os colonos pressionavam pela integração destes na
sociedade colonial.

Os indígenas que mudaram-se para as vilas e cidades foram


integrados e “hispanizados” – Fora das cidades, no entanto, a
situação dos indígenas era diferente.

O novo corregimento de índios e as reduções alteraram o modo


de vida indígena, mas não tanto quanto aqueles que foram
viver nas cidades.
“De fato, os índios reunidos em aldeias assimilaram alguns elementos do
cristianismo, apropriaram-se para uso próprio das técnicas, plantas e animais
europeus e ingressaram na economia monetária do mundo adjacente.
Preservaram ao mesmo tempo muitas de suas características indígenas, de
tal modo que continuaram sendo comunidades genuinamente indígenas, que
conduziam suas próprias vidas sob a supervisão de funcionários da coroa,
porém através de suas próprias instituições municipais em grande parte
autônomas. As mais bem-sucedidas dessas municipalidades índias
desenvolveram suas próprias formas de resistência contra agressões
externas. Suas cajas de comunidadlb.es permitiam formar reservas
financeiras para pagar seus tributos e outras obrigações. Aprenderam como
garantir suas terras com documentos legais e como utilizar as técnicas dos
lobbies e das petições, que eram essenciais à sobrevivência política no
mundo hispânico. Em consequência, essas comunidades indígenas, que se
consolidaram durante o século XVII, acabaram por funcionar como barreiras
contra a maré engolfante da grande propriedade, ou hacienda, que as varria
a seu redor sem jamais submergi-las completamente” (ELLIOT, 1998, p. 310).
A América Espanhola ia se moldando deste modo entre dois
mundos: dos espanhóis e dos indígenas – Vinculados em diversos
pontos, mas mantendo identidades distintas – Entre os dois mundos
estavam os mestiços.

De qualquer modo prevalecia o mundo espanhol e este que ditava


as normas a serem seguidas – Neste novo mundo, embora a coroa
tenha tentado impedir o surgimento de uma nova “Nobreza”,
conforme vimos anteriormente, na prática terminou fracassando.

Esta nova nobreza diferenciava-se em diversos aspectos da


nobreza peninsular – Se na metrópole a sociedade estava dividido
entre os que pagavam impostos e os que não pagavam (nobres), no
Novo Mundo a situação era outra.
“[...] toda a população hispânica das índias não pagava tributo
e, dessa forma, desfrutava de uma posição aristocrática em
relação à população indígena tributária. Por conseguinte, a elite
entre os crioulos (criollos) — os de sangue espanhol que
tinham nascido nas índias — não era distinguida por quaisquer
privilégios fiscais especiais. Também, contrariamente a seu
equivalente metropolitano, não possuía quaisquer direitos de
jurisdição sobre vassalos [...] Também não possuía distinções
relevantes de títulos.” (ELLIOT, 1998, p. 311).

Essa situação passa a se transformar a partir do século XVII à


medida que esta nova elite se legitimava em detrimento das
aspirações metropolitanas, além dos problemas financeiros da
coroa que a obrigava a atender certas demandas anteriormente
recusadas.
Ao término do século XVI essa nova aristocracia era heterogênea,
baseada na velha colonização, em ligações influentes e nas novas
riquezas – Os primeiros conquistadores foram incapazes de manter
uma “dinastia”.

Além disso, oficiais da coroa casavam-se com as principais famílias de


colonos, assim como os juízes das audiências e os parentes do vice-
rei.

Os matrimônios e as alianças decorrentes foram cuidadosamente


planejados com o objetivo de evitar a dispersão de riquezas e garantir
uma rede de famílias interligadas.

“Inevitavelmente, a consolidação de oligarquias locais se revelou mais


fácil em algumas partes das Índias do que em outras. Muita coisa
dependia da chance biológica de sobrevivência da família e do grau de
saúde possível no local” (ELLIOT, 1998, p. 313).
“[...] nos vice-reinos de Nova Espanha e do Peru, várias
famílias importantes, que se beneficiaram de seus vínculos
estreitos tanto com a administração vice-real quanto com
figuras influentes na metrópole espanhola, construíram para si
mesmas uma formidável base de poder em suas regiões locais”
(ELLIOT, 1998, p. 313).
“Inevitavelmente, os laços de parentesco e interesse, que
associaram essa oligarquia crioula cada vez mais entrincheirada a
setores da administração vice-real e também aos nobres e altos
funcionários da Espanha metropolitana, tornaram potencialmente
difícil a adoção por parte de Madri de qualquer política coerente que
tendesse a entrar em conflito com a vontade das oligarquias. O
fortalecimento das oligarquias do Novo Mundo também coincidiu
com um enfraquecimento do governo central em Madri após a morte
de Filipe II em 1598; e esse enfraquecimento por sua vez deu novo
ímpeto à consolidação do poder oligárquico que já ocorria em
decorrência das condições locais. Para as índias, como para a
própria Espanha, o reinado de Filipe III (1598-1621) foi um período
em que a visão do último rei de uma sociedade justa governada por
um monarca justo nos interesses do conjunto da comunidade foi
embaçada pelo sucesso de grupos específicos de interesses em
assegurar as principais posições de poder” (ELLIOT, 1998, p. 314).
De modo geral os governos que seguiram eram caracterizados
por corrupção e conluio entre funcionários da coroa e as elites
locais, favorecendo estas últimas.

A partir do momento que se tem o estabelecimento destas


novas oligarquias o Estado espanhol torna-se incapaz de
rompê-la apesar de algumas tentativas no século XVII.

O caso do vice-rei Gelves – “[...] nada podia alterar o fato de


que um vice-rei havia sido deposto de seu cargo por uma
poderosa combinação de forças locais determinadas a obstruir
as políticas de cuja implementação Madri o encarregara”
(ELLIOT, 1998, p. 315).
“[...] os ‘tumultos’ mexicanos de 1624 representaram um desafio mais
dramático à autoridade da coroa nas Índias do que qualquer outro que ela
teve de enfrentar no século XVII. Mas, se em outras ocasiões e outros locais
o drama foi menos impressionante, eram as mesmas forças fundamentais
que estavam em ação. As oligarquias estavam em processo de estabelecer-
se nas Índias, tanto nas áreas mais desenvolvidas como nas regiões de
fronteira, e estavam desenvolvendo formas eficazes de resistência aos
comandos vindos de um distante governo real. O crescente poder e
autoconfiança dessas oligarquias era um dos elementos importantes, embora
menos facilmente documentados, de mudança no que era na realidade uma
situação em contínua transformação. Pois a relação entre a Espanha e as
índias nunca foi estática, desde o momento inicial da conquista à extinção
dos Habsburgos espanhóis com a morte de Carlos II em 1700. Cada membro
dessa relação tinha sua própria dinâmica interna, que ao mesmo tempo
afetava os desenvolvimentos na outra e era afetada por eles. A relação
também não existia num vácuo. Ao contrário, eslava dentro de uma estrutura
mais ampla de interesses e rivalidades internacionais, das quais nem as
aspirações da metrópole nem as realidades da vida no Novo Mundo podiam
em momento algum desvincular-se.” (ELLIOT, 1998, p. 315-316).
As relações entre a Espanha e a América começam a
transformar-se a partir da segunda metade do século XVI,
especialmente com a morte de Carlos V e a ascensão ao trono
de seu filho, Filipe II.

A segunda metade do século XVI marca uma Espanha cercada


por um contexto de conflitos, sejam eles religiosos, com o
protestantismo cada vez mais presente em seus domínios, seja
em conflitos bélicos com estados distintos.

Além disso, marca também uma dependência cada vez maior


da metrópole de suas possessões ultramarinas, bem como a
percepção de outros estados europeus desta realidade.
“À medida que a interdependência entre a Espanha e as índias se
tornou mais acentuada, cresceu também a determinação dos
europeus do Norte a contestar o monopólio ibérico sobre o Novo
Mundo; e essa contestação, por sua vez, teve consequências no
caráter do vínculo entre a Espanha e a América” (ELLIOT, 1998, p.
318).

As Índias tornam-se o império da prata – A partir de 1520 tem-se o


surgimento da prata pela primeira vez – De 1550 em diante a
produção de prata dispara em decorrência das novas minas do Peru
(Potosí) e México (Zacatecas).

Além disso, a partir entre 1550 e 1570 com o processo de refino da


prata com mercúrio a partir da amalgamação a produção se ampliou
e, consequentemente, a exportação do produto também.
“A vida econômica e financeira da Espanha e, através dela, da
Europa passou a depender maciçamente da chegada regular das
frotas das índias, com suas novas remessas de prata. Após sua
chegada a Sevilha e seu registro na Casa de la Contratación, a
prata era liberada para uma série de finalidades. A parte do rei —
provavelmente cerca de dois quintos da remessa total — que
derivava do quinto de toda a produção e da cobrança de alguns
tributos nas índias, era usada para pagar seus compromissos
internos e internacionais, que estavam sempre atrasados” (ELLIOT,
1998, p. 318-319).

Apesar de parecer uma quantia exorbitante no final do século XVI


(Reinado de Filipe II) tratava-se de apenas 20% da receita total do
reino.
“Mas esses vinte por cento eram, de fato, capitais para. os
grandes empreendimentos dos últimos anos de seu reinado —
a luta para suprimir a revolta na Holanda, a guerra naval contra
a Inglaterra de Isabel e a intervenção na França. Foi justamente
por consistir de capital líquido na forma de prata, e por ser,
portanto, avidamente procurada pelos banqueiros, que
constituíra uma parte atraente da receita da coroa. Era fiado
nas remessas de prata da América que o rei podia negociar
com seus banqueiros alemães e genoveses os grandes
asientos, ou contratos, que asseguravam o pagamento de seus
exércitos e a superação do período difícil antes que nova
rodada de tributos, reabastecesse os cofres reais.” (ELLIOT,
1998, p. 319).
Com relação ao restante da prata que chegava na Espanha
pertenciam a indivíduos privados – Remessas dos colonos a amigos
ou familiares – Outra parte era trazida pelos próprios colonos que
retornavam a Espanha e que buscavam viver uma nova vida na
península.

Outra parte era referente a pagamentos de mercadorias que haviam


ido sido enviadas anteriormente para a América – Como eram
mercadorias espanholas os pagamentos eram destinados à
Espanha.

Essa situação, no entanto, passa a transformar-se à medida que a


Espanha torna-se incapaz de suprir a demanda de seu império
americano, o que amplia a participação de outros mercados em
Sevilha, consequentemente, o acesso da prata americana a
estrangeiros.
“Tanto através da participação estrangeira no comércio de
ultramar quanto por intermédio do mecanismo dos asientos, a
prata ‘espanhola’ estava espalhada por toda a Europa, e,
assim, qualquer flutuação acentuada nas remessas do Novo
Mundo tinha amplas repercussões internacionais. Os tempos
de largueza em Sevilha foram épocas de confiança no
comércio internacional, mas, quando os sevilhanos espirravam,
a Europa ocidental sentia calafrios” (ELLIOT, 1998, p. 320).

A segunda metade do século XVI até as décadas iniciais do


século XVII foi marcada por uma expansão e manutenção do
comércio das Índias – A partir de 1620 este começa a entrar em
declínio – Novas relações entre Metrópole e Colônia, além da
presença maior de mercadores estrangeiros refletem esse
contexto.
“Dentro das fronteiras flutuantes do comércio transatlântico, as relações
econômicas da Espanha com seus territórios americanos sofreram mudanças
importantes. Na primeira metade do século XVI, a economia de Castela e a
das comunidades de colonos que emergiram no Novo Mundo eram
relativamente complementares- Castela e Andaluzia tinham capacidade de
abastecer os colonos de produtos agrícolas — azeite, vinho e cereais — de
que necessitavam em grandes volumes, e simultaneamente a crescente
demanda nas índias também servia de estímulo para várias indústrias de
Castela, especialmente a de roupas. Eram crescentes as queixas em Castela
contra o alto preço das manufaturas domésticas, especialmente dos têxteis, e
a tendência era atribuir esse fato às exportações para as índias. Em 1548 e
novamente em 1552 as Cortes castelhanas exigiram da coroa que proibisse
a exportação para a América de roupas feitas na metrópole. A coroa resistiu à
pressão das Cortes no sentido de excluir de seus próprios mercados
ultramarinos os têxteis de Castela, mas é evidente que a conexão americana,
embora inicialmente tenha funcionado como estímulo para certos setores da
indústria de Castela, também criou problemas aos quais a economia
castelhana, relativamente pouco sofisticada, tinha dificuldade de responder.”
(ELLIOT, 1998, p. 320).
O problema existente não era apenas o de aumentar a produção,
considerando o aumento da demanda, mas também como produzir
para o mercado interno e americano a preços competitivos.

“Os altos preços de que se queixaram insistentemente os


consumidores castelhanos na metade do século XVI eram altos não
apenas em relação aos preços de Castela no começo do século,
mas também em relação aos das importações estrangeiras. Não há
uma explicação única para a incapacidade dos fabricantes
castelhanos de permanecer competitivos internacionalmente, mas
deve-se atribuir um lugar central ao influxo de metais preciosos da
América numa economia carente de moeda sonante — um influxo
cujos efeitos se fizeram sentir primeiramente em Castela e na
Andaluzia, antes de estender-se à Europa numa espécie de reação
em cadeia” (ELLIOT, 1998, p. 321).
Quanto mais prata ingressava na Espanha mais caro tornava-se o
custo de vida, isto é, inflacionava-se a economia e isto enfraqueceu
a capacidade da Espanha de competir internacionalmente –
Tratava-se de um problema gerado pelo império ultramarino.

A prosperidade espanhola escondeu as mudanças que se faziam


presentes no comércio estabelecido entre América e Espanha – Até
o final do século XVI predominava os produtos agrícolas, mas a
partir do momento que os colonos passaram a desenvolver o gado e
os próprios produtos agrícolas a procura começou a reduzir.

Ampliou-se, no entanto, a procura de produtos manufaturados – A


partir da década de 1580 a incapacidade da Espanha de dar conta
da demanda levou ao ingresso de mercadores estrangeiros no
mercado americano.
Além disso, à medida que os colonos criam as próprias
indústrias têxteis passa a haver uma demanda por artigos de
luxo que a Espanha não possuía a capacidade de oferecer.

“Nos anos que se seguiram a 1567, quando se estabeleceram


as primeiras rotas de comércio entre o México e as Filipinas, os
comerciantes do Peru e da Nova Espanha acharam cada vez
mais vantajoso buscar no Extremo Oriente do que na Espanha
metropolitana o suprimento desses têxteis de alta qualidade. O
rápido crescimento do comércio oriental — de têxteis,
porcelanas e outros produtos de luxo da China — provocou um
desvio para o Pacífico, via Acapulco e Manila, de grandes
quantidades de prata americana que de outro modo teriam
seguido pelo Atlântico” (ELLIOT, 1998, p. 322)
A coroa espanhola, receosa do que isso significaria para suas finanças,
buscou legislar no sentido de proibir esse tipo de comércio e limitar o
comércio com a Espanha, mas apenas teve o efeito contrário levando ao
contrabando.

“Se até então as economias de Castela-Andaluzia e das índias se


complementavam relativamente bem até por volta da década de 1570,
houve depois disso uma divergência que nenhuma legislação
protecionista espanhola pôde sanar completamente. As índias
simplesmente tinham menos necessidade econômica da Espanha
metropolitana do que haviam tido outrora; mas a Espanha, de seu lado,
linha uma grande e crescente necessidade das índias [...] Quando não se
pôde mais obter a prata na forma de pagamento por produtos de Castela,
teve-se de consegui-la por outros meios: através da manipulação de
tributos alfandegários, da introdução de alguma forma de taxação e do
recurso a uma série de expedientes fiscais” (ELLIOT, 1998, p. 322).
Outros modos encontrados pela coroa espanhola para arrecadar
dinheiro foi a venda de terras (a exemplo da legalização de terras
colonizadas ilegalmente), legitimação de mestiços, venda de cargos
(o que resultou na criação de novos cargos e uma burocracia
parasitária que dificultou mais ainda a implementação de qualquer
ordem que vinha da Espanha).

Esses elementos ampliaram os rendimentos da coroa no final do


século XVI – Entretanto, não foi o suficiente pra salvar a Espanha da
bancarrota das campanhas militares dos anos finais do reinado de
Filipe II.

Outro problema enfrentado pela Espanha também no transporte da


prata era o contrabando e a ação de piratas, algo constante na vida
transatlântica – Necessidade dos carregamentos serem
acompanhados por comboios.
“A defesa das frotas, no entanto, revelou-se mais exequível que a defesa
das próprias índias. A área a ser defendida era simplesmente demasiado
extensa e habitada de modo muito disperso pelos espanhóis. Quando os
inimigos europeus da Espanha identificaram na prata das índias a fonte
do poder espanhol, desenvolveram a ambição de cortar as rotas
transatlânticas da Espanha e de estabelecer suas próprias colônias no
mar dos Caraíbas e no continente americano. Uma das possíveis reações
dos espanhóis foi a fundação de novas colônias nas regiões vulneráveis a
um ataque. Foi a tentativa dos huguenotes, em 1562, de fundar uma
colônia na Flórida que levou os espanhóis a estabelecer sua própria
colônia permanente de San Agustín em 1565. Essa, porém, era uma
política que não podia ser adotada uniformemente: cada novo posto
avançado apresentava seus próprios problemas de abastecimento e
defesa, e havia grande possibilidade de que o isolamento de seus
defensores os levasse, por pura necessidade de sobrevivência, ao
comércio de contrabando com os mesmos entrelopos estrangeiros que
tinham a missão de banir.” (ELLIOT, 1998, p. 324).
Contudo, o império ultramarino era muito extenso e cada vez mais essa
vulnerabilidade foi sendo percebida pelos inimigos da Espanha, como por
esta última e pelos próprios colonos.

Os ataques ocorridos já no final do século XVI levaram a construção


de fortificações em locais estratégicos que terminaram por se
mostrar bastante dispendiosos.

No final do século XVI e primeira metade do século XVII com a


União Ibérica e a ascensão de Filipe II ao trono de Portugal amplia-
se o território a ser protegido, especialmente dos holandeses, cada
vez mais interessados nas possibilidades da América.

No início do século XVII os vice-reinados deixavam retidos parte dos


lucros espanhóis para investir em defesas.
“Os custos da coroa com a defesa do império, portanto, subiram
numa época em que as rendas das índias diminuíam e num
momento em que o próprio comércio de Sevilha, no qual a Espanha
desempenhava uma parte cada vez menor, começou a dar sinais de
estagnação. Consequentemente, o início do século XVII surge como
um período crítico no relacionamento entre a Espanha e as índias.
Os doces dias da prata fácil pareciam estar chegando ao fim, e em
Castela surgia uma crescente percepção dos gastos do império em
oposição a seus benefícios. Assim, não é de surpreender que o
papel das Índias fosse colocado em discussão quando os
castelhanos do reinado de Filipe III se envolveram em grande
debate sobre o que começavam a perceber como a decadência de
seu país. Que benefícios, afinal, as índias haviam trazido a
Castela?” (ELLIOT, 1998, p. 326).
A alta taxa de emigração da Espanha para as Índias tornou-se um
problema também (Em torno de 4 mil por ano no século XVII) – O
alto número de emigrantes ampliou a população desempregada,
fator de constante preocupação das autoridades.

Toda essa conjuntura levou a um enfraquecimento dos laços entre a


América e a Espanha no decorrer do século XVII – No entanto,
novos conflitos bélicos obrigavam a Espanha a recorrer a seus
domínios ultramarinos e, juntamente a isso, tentativas de fortalecer o
poder da metrópole perante a colônia visando ampliar a renda.

Além disso, o estado espanhol a partir da década de 1620 busca


reduzir o ônus da defesa obrigando os vice-reinados a, além dos
tributos pagos, contribuírem com os gastos com a defesa do
território.
“Pode-se dizer, portanto, que as décadas de 1620 e 1630 foram
um período de novo e intenso fiscalismo nas Índias, tanto
quanto na própria Espanha e nos territórios espanhóis da
Europa. Aumentos dos impostos, doações e empréstimos
compulsórios e a venda de direitos, privilégios e cargos [...] As
Índias estavam sendo convocadas para suportar os custos de
sua própria defesa, enquanto ao mesmo tempo se esperava
que contribuíssem mais para o tesouro central” (ELLIOT, 1998,
p. 328).

Até onde os territórios americanos neste momento podiam


atender as novas demandas feitas pelo governo espanhol?
Os vice-reinados passavam por problemas econômicos, além
de problemas climáticos o que provocou a morte das
plantações e do gado, bem como a inundação da Cidade do
México.

As minas também reportavam baixa produção, especialmente


por falta de mão de obra e o esgotamento de alguns veios.

Zacatecas entrou em declínio a partir de 1630 – Potosí


manteve uma produção regular até 1650 – A manutenção das
minas, contudo, tratava-se de um negócio caro. Além dos
aspectos já ressaltados a queda do valor da prata na Europa
também refletia nisto.
O aumento dos impostos no século XVII, além da redução do valor
da prata e os perigos para a exportação desta, minou a confiança
dos produtores americanos na coroa espanhola.

“Em consequência, o delicado mecanismo da carrera de índias, a


ligação marítima entre a Espanha e o Novo Mundo, começou a se
aproximar do colapso na década de 1630. Se somas substanciais
ainda chegavam a Sevilha para a coroa, os indivíduos privados
agora retinham o metal, e consequentemente havia menos dinheiro
disponível em Sevilha para investir na próxima frota. Em 1640 — o
ano fatal para a própria Espanha, pois tanto a Catalunha quanto
Portugal se rebelaram contra o governo de Madri — nenhuma frota
do tesouro aportou em Sevilha, As excessivas exigências fiscais da
coroa haviam levado o sistema ultramarino à beira do colapso.”
(ELLIOT, 1998, p. 330).
“Durante os decênios intermediários do século, da década de 1630 à de
1650, parecia de fato que o conjunto da monarquia espanhola estava à beira
da desintegração. A monarquia se expandira tanto, suas linhas de
comunicação eram tão frágeis, seus recursos limitados sofriam tão intensa
pressão da parte de uma guerra que se travava simultaneamente em várias
frentes, que havia motivo para temer que uma parte após outra se rompesse,
ou sucumbisse ao ataque inimigo. Embora, sob Filipe II, o conflito
internacional se tenha estendido às águas do Atlântico, o Novo Mundo da
América havia permanecido à margem da luta. Sob o governo de seu neto,
no entanto, as rivalidades européias assumiram uma dimensão global, na
qual as Américas se viram na linha de frente do ataque. As colônias inglesas
na América do Norte, nos anos que se seguiram à paz anglo-hispânica de
1604, já haviam mostrado que as esperanças de manter o monopólio ibérico
sobre a América eram ilusórias; mas foi a agressividade dos holandeses nos
anos que se seguiram ao armistício de doze anos em 1621 que revelou a
verdadeira escala do problema de defesa com que agora Madri se
defrontava.” (ELLIOT, 1998, p. 330).
O caso do fim da União Ibérica com a incapacidade da
Espanha de proteger a América Portuguesa dos ataques
holandesas – Soma-se a isso o preconceito sofrido por
lusitanos que haviam se mudado para a América Espanhola

“A separação de Portugal foi outro golpe contundente na


carrera de índias, minando ainda mais a confiança de Sevilha e
privando-a dos investimentos de Lisboa que de forma alguma
podia dar-se ao luxo de perder. Além disso, ao mesmo tempo
em que perdeu o Brasil, a monarquia também sofreu outras
perdas nas Antilhas. Aqui mais uma vez foram os holandeses
que tomaram a dianteira.” (ELLIOT, 1998, p. 331).
Não apenas os holandeses, mas cada vez mais os europeus
estavam presentes no mar do caribe, com a presença de
ingleses e franceses também.

A Espanha buscava defender seus domínios da melhor forma


que poderiam, assim como os colonos – No final da primeira
metade do século XVII, a exceção de alguns poucos territórios,
a Espanha conseguia manter seus domínios quase intactos –
Perdera, no entanto, o monopólio sobre o Novo Mundo.
“Esse fato foi tacitamente reconhecido no acordo de paz de Mümster em
1648 que pôs fim à guerra de oitenta anos entre a Espanha e a Holanda
— um acordo que permitiu aos holandeses manter a posse daqueles
territórios que ocupassem de fato, embora os proibisse de comerciar com
as índias espanholas. Em 1670, isso também foi reconhecido, numa
escala significativa, pelo tratado anglo-espanhol de Madri, pelo qual a
Espanha aceitava efetivamente o argumento inglês de que não era a
descoberta mas a ocupação e colonização genuínas que conferiam o
direito de posse. Assim, as relações entre a Espanha e as Índias
experimentaram uma mudança decisiva em consequência do conflito
internacional da década de 1620 à de 1650. A própria Espanha
enfraqueceu-se desastrosamente; o mar dos Caraíbas se
internacionalizou e se transformou na base de onde iria desenvolver-se o
comércio ilegal em larga escala com o continente americano; e as
sociedades coloniais das Índias voltaram a depender de seus próprios
recursos, inclusive na área de organização militar” (ELLIOT, 1998, p. 332).
À medida que o século XVII avançava os colonos perceberam cada
vez mais a incapacidade da Metrópole de proteger seus territórios
ultramarinos – Organização de milícias e do serviço militar voluntário
por parte dos vice-reinos.

Deste modo, a partir de meados do século XVII enfraquece-se tanto


economicamente como militarmente as relações entre a América
Espanhola e a Espanha, resultado do enfraquecimento da própria
coroa espanhola.

Além disso, a América sofria com a burocracia espanhola e com os


altos impostos – Essa conjuntura permitiu o desenvolvimento de
uma elite local que aproveitou o enfraquecimento da coroa para
ampliar mais ainda a sua influência e poder na América adquirindo
verdadeiros latifúndios.
Além do surgimento de latifúndios tem-se também o surgimento do
caciquismo rural com o aumento do poder destas oligarquias.

“Tanto o latifundismo quanto o caciquismo foram, em certa medida, os


produtos da negligência da metrópole. Um terceiro produto a longo prazo
dessa época foi o desenvolvimento do criollismo — o senso de uma
identidade crioula distinta — que refletia a outra faceta da vida nas Índias no
século XVII, a exploração pela metrópole. As relações entre os crioulos e os
recém-chegados da Espanha, os chamados gachupines, nunca foram
inteiramente tranqüilas. Havia, de um lado, ressentimento e, de outro,
desprezo. O ressentimento nascia dos inúmeros aborrecimentos que os
recém-chegados da metrópole inevitavelmente causavam aos colonos com
sentimentos ambivalentes sobre a mãe-pátria. Provinha também das
frustrações de uma comunidade mercantil que se irritava com as coerções de
Sevilha no exercício de seu monopólio. Mais que tudo, resultava do fato de
muitos dos cargos, c quase todos os melhores postos, na Igreja e no Estado,
serem reservados aos espanhóis” (ELLIOT, 1998, p. 334).
Isso levou a um sentimento de distanciamento de cada nova
geração crioula em detrimento a Espanha.

No entanto, “[...] os laços de parentesco, interesse e cultura que


ligavam a metrópole aos colonos das índias estavam
fortemente incrustados e não eram fáceis de romper. O
desenvolvimento da cultura urbana nas índias foi, e
permaneceu, amplamente dependente do da Espanha [...] Para
sua cultura, os colonos dependiam dos prelos da Espanha [...]”
(ELLIOT, 1998, p. 334).
“[...] Enquanto livros e peças espanhóis mantinham os colonos
em contato com as mais recentes tendências intelectuais de
Madri, os colégios dominicanos e jesuítas que brotaram em
todo o Novo Mundo forneciam uma educação hispânica
tradicional. Em 1538, o colégio dominicano de Santo Domingo
foi elevado à condição de universidade, segundo o modelo da
de Alcalá de Benares. Lima e a Cidade do México ganharam
suas próprias universidades em 1551 [...]” (ELLIOT, 1998, p.
334-335).

Embora tenha-se tentado, em partes, reproduzir a cultura


espanhola essa sofreu mudanças à medida que adentrava a
América – Exemplo do vocabulário
Novas formas de sensibilidade como o sentimento de
identidade territorial com o Novo Mundo percebidas a partir da
produção literária local – Exemplo: Grandeza Mexicana
publicado em 1604.

“No século XVII, multiplicaram-se os indícios de que os crioulos


se haviam empenhado na grande busca de sua própria
identidade. A crescente popularidade do culto à Virgem de
Guadalupe na Nova Espanha, por exemplo, era um meio de
proclamar que o México constituía uma entidade distinta e
separada, sem no entanto chegar ao ponto de romper os
vínculos de lealdade com a coroa e a metrópole espanhola”
(ELLIOT, 1998, p. 335).
Outro exemplo – A criação do Arco do Triunfo no início do
século XVII na Nova Espanha que traziam elementos da cultura
asteca – A presença do passado pré-hispânico tornava-se um
elemento constituinte de identidade em detrimento a Espanha
metropolitana.

Isso não significava dizer que existia já neste momento um


sentimento de independência ou mesmo que os colonos não se
identificassem com a Coroa Espanhola.
“Em 1700, portanto, quando finalmente se extinguiu a dinastia Habsburgo
que havia governado a Espanha e as índias na melhor parte dos dois
séculos, os Bourbons viram-se incumbidos de um legado que não era
facilmente administrável. No século XVI, a coroa, apesar de todas as suas
falhas, havia conseguido manter um controle surpreendentemente firme
sobre a nova sociedade posterior à conquista que se desenvolvia nas
índias. No entanto, tanto quanto na própria Espanha metropolitana, no
final do reinado de Filipe II as tensões começaram a se fazer sentir. Ás
necessidades financeiras da coroa, resultantes de seus altos gastos na
aplicação de uma política estrangeira extremamente ambiciosa,
forçavam-na a estabelecer constantes compromissos com as
comunidades locais e grupos sociais privilegiados. As índias não foram
exceção. Aqui, como em Castela e na Andaluzia, cargos eram postos à
venda, acordos tácitos eram celebrados com as elites locais, e o Estado,
mesmo que ainda interferisse muito, estava perdendo terreno
claramente.” (ELLIOT, 1998, p. 336).
“O sistema que os Bourbons do século XVIII encontraram já estabelecido nas
possessões espanholas na América era, dessa forma, um sistema que
poderia ser mais bem descrito como um autogoverno sob o comando do rei.
As oligarquias das índias haviam alcançado uma espécie de autonomia
dentro do quadro mais amplo de um governo centralizado exercido a partir de
Madri. Era um sistema que ficava aquém das aspirações de Carlos V e de
Filipe II, mas que também mantinha as índias ainda extremamente
dependentes da coroa espanhola. Refletindo um equilíbrio implícito entre a
metrópole e as comunidades de colonos, o sistema garantia mais
estabilidade que mobilidade; e suas principais vítimas foram inevitavelmente
os próprios índios. Permitiu que a América espanhola sobrevivesse às
calamidades do século XVII e até mesmo prosperasse moderadamente; e, a
despeito das depredações estrangeiras, o império espanhol na América ainda
estava em grande parte intato quando o século chegou ao fim. Restava
verificar se um sistema tão comodamente flexível poderia sobreviver a um
novo tipo de rigor — o rigor da reforma do século XVIII” (ELLIOT, 1998, p.
336-337).
REFERÊNCIAS

ELLIOTT, John Huxtable. A Espanha e a América nos Séculos


XVI e XVII. In: BETHELL, Leslie (ed.). História da América
Latina. São Paulo: Edusp/ Brasília: Fundação Alexandre
Gusmão, 1998, vol. 1, p. 283-338.

WACHTEL, Nathan. Os índios e a conquista espanhola. In:


BETHELL, Leslie (ed.). História da América Latina. São Paulo:
Edusp/ Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1998, vol. 1, p.
195-239.

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