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Kaio Felipe
Belo Horizonte, MG
30 de agosto a 2 de setembro de 2016
A CRÍTICA DO MARXISMO EM JOSÉ GUILHERME MERQUIOR
1. Introdução
Desde então, os ensaios de Merquior nos mais diversos campos são marcados por
uma contínua oposição às concepções marxistas: por exemplo, à teoria da mais-valia e ao
viés evolucionista do próprio Marx, ao pessimismo cultural de parte significativa dos
marxistas ocidentais (em particular os ligados à Escola de Frankfurt) e ao viés antiliberal e
antidemocrático (e, por conseqüência, autoritário e potencialmente totalitário) que marca
grande parte da filosofia política marxista.
Pretendo fazer uma exegese, em ordem cronológica, dos ensaios de Merquior que
tratam mais diretamente sobre o marxismo: certos capítulos de Arte e Sociedade em
Marcuse, Adorno e Benjamin (1969), Saudades do Carnaval (1972) e Formalismo e
Tradição Moderna (1974); alguns artigos compilados em As Idéias e as Formas (1981), O
Argumento Liberal (1983) e O Elixir do Apocalipse (1983); o artigo “A Responsabilidade
Histórica do Marxismo” (1983), publicado no Jornal do Brasil; a entrevista “O Marxismo está
Morto” (1987), concedida para a Folha de São Paulo; e, por fim, será discutida com maior
ênfase a obra O Marxismo Ocidental (1986), que é a consolidação de suas avaliações e
críticas do pensamento marxista.
Cabe investigar quais autores fundamentaram a interpretação de Merquior sobre o
marxismo. Trabalho com a hipótese de que um deles é Leszek Kolakowski (1927-2009),
autor da trilogia Main Currents of Marxism (1976), que teria influenciado a crítica de José
Guilherme aos aspectos irracionalistas e gnósticos do pensamento marxista, os quais
estariam presentes tanto em sua origem quanto em seus desdobramentos no século XX.
Baseando-se na contundente avaliação de Kolakowski quanto ao viés místico de autores
como Lukács, a crítica de Merquior tenderia a se concentrar nos marxistas ocidentais,
acusados de irracionalismo (pela rejeição da ciência e do progresso técnico) e, do ponto de
vista epistemológico, de uma visão excessivamente especulativa e culturalista. Já o
marxismo clássico seria relativamente poupado, pois Merquior valoriza sua metodologia
empirista7 e sua teoria do processo histórico.
Publicado em 1965, Razão do Poema, primeiro livro de Merquior, contém tanto seu
namoro quanto seu precoce afastamento das idéias marxistas. Há pelo menos quatro
ensaios em que o autor mostra certa influência da crítica literária da fase marxista de György
Lukács:
1) “Crítica, razão e lírica” (1962), no qual, para sustentar sua afirmação de que a lírica
contemporânea tem uma abertura para o social (cf. MERQUIOR, 2013, p. 195), o autor
recorre, dentre outros autores, a Lukács;
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“Mas a dificuldade não está em compreender que a arte grega e a epopéia estão ligadas a certas
formas de desenvolvimento social. A dificuldade reside no fato de nos proporcionarem ainda um
prazer estético e de terem ainda para nós, em certos aspectos, o valor de normas e de modelos
inacessíveis” (MARX, 2015, p. 196)
(essencial ao humanismo de Lukács) e o caráter “medularmente historicista”
da filosofia de Marx, sustentando, a partir daí, que cabia à antropologia
cultural determinar em que consistiria o que existe no ser humano de
permanente, de constante (KONDER, 1991).
Embora sua obra até meados dos anos 1970 ainda seja majoritariamente sobre
estética e crítica literária (A Astúcia da Mímese, De Anchieta a Euclides, Verso Universo em
Drummond e boa parte dos ensaios de Formalismo e Tradição Moderna), José Guilherme
Merquior já demonstrava grande interesse por temas de filosofia, sociologia e antropologia.
Diplomata, em 1966 foi mandado para Paris pelo Itamaraty, e nos quatro anos que
permaneceu lá intensificou suas leituras nessas três áreas. (cf. PEREIRA, 2012 p. 355)
Aliás, foi neste fim da década de 60 que Merquior freqüentou o curso de Claude Lévi-
Strauss (1908-2009), o qual inspirou seu ensaio A Estética de Lévi-Strauss.
Entre 1967 e 68 José Guilherme escreveu sua segunda obra, Arte e Sociedade em
Marcuse, Adorno e Benjamin (1969), um estudo pioneiro sobre a Escola de Frankfurt; cabe
lembrar que A Imaginação Dialética (Martin Jay) só foi publicada em 1973. A ampliação de
escopo temático fica evidente na introdução: o autor se propõe a estudar a “crítica da
cultura” (Kulturkritik) como “radicalização da crítica social „lato sensu‟”, verificando como
essa metamorfose ocorre no marxismo, levando a “novo tipo de teoria crítica da sociedade -
e muito possivelmente, uma nova concepção do esforço prático de renovação social”
(MERQUIOR, 1969, p. 14; grifos no original). José Guilherme também busca delinear as
“raízes ideológicas” do pessimismo da Escola de Frankfurt, visando a mostrar que as
limitações da Kulturkritik e da estética de Adorno e Marcuse (o “heterodoxo” Benjamin é
visto num prisma mais positivo) “remontam a alguns elementos básicos da tradição
hegeliano-marxista” (Ibidem, p. 16).
Desta forma, para Merquior, mesmo em sua fase madura o pensamento de Marx
revela uma dimensão finalista, messiânica e escatológica, o que o aproxima da tradição
judaico-cristã, ainda seja um messianismo secularizado:
Considerando que boa parte de Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin foi
escrita na França durante o efervescente ano de 1968, é sintomático que Merquior baseie
2
seus argumentos em Raymond Aron, um dos maiores críticos do “Maio de 68” e do
marxismo francês (destaque para as obras O Ópio dos Intelectuais [1955] e De Uma
Sagrada Família à Outra [1969]). Embora o único livro de Aron que Merquior cite em Arte e
Sociedade seja As Etapas do Pensamento Sociológico (1967), é possível que sua detecção
dos elementos religiosos do marxismo seja inspirada em passagens como as seguintes de
O Ópio dos Intelectuais:
2
Ainda que também fosse crítico do governo De Gaulle, Aron irritou-se com a guinada estetizante,
irracionalista e niilista que a revolta estudantil adquiriu, e concluiu que, em vez de revolução, tudo não
passou de um “psicodrama”. Vide ARON, Raymond. Reflections after the Psychodrama. Encounter.
London: Encounter Ltd., December/1968, pp. 64-71.
grupo, para vencer o espaço que separa o presente indigno do futuro
fulgurante. A sociedade sem classes, que terá progresso social sem
revolução política, é comparável ao reino de mil anos, sonhado pelos
milenaristas (ARON, 2016, pp. 79; 276-277).
O autor constata que o marxismo ocidental herda esse messianismo, pois tanto no
utopismo “pedagógico” de Marcuse quanto na “amargura autofágica” da estética de Adorno
há uma angústia resultante do senso da ausência de um horizonte revolucionário; porém, a
alternativa oferecida por Louis Althusser (1918-1990), o qual rechaça a abordagem idealista
e hegeliana de Lukács e dos frankfurtianos, não resolve esse impasse, e ainda por cima
sacrifica a “crítica da cultura” em nome de um suposto rigor analítico e epistemológico:
A segunda influência que pode ser detectada nessa crítica de Merquior é Eric
Voegelin. Embora este autor não seja explicitamente citado no capítulo “Nascimento e
fortuna da teoria social”, mas apenas na conclusão do livro, é plausível que José Guilherme
tenha sido influenciado pela relação traçada por Voegelin entre as ideologias políticas
modernas (em particular o marxismo) e o gnosticismo, que consiste em “toda tentativa de
promover a ação social com base numa suposta „certeza‟, num conhecimento exaustivo
sobre a essência humana” (Ibidem, p. 300).3 Em primeiro lugar, porque Merquior
reiteradamente afirma o caráter fortemente metafísico, escatológico e voluntarista da visão
de mundo marxista; em segundo, porque na conclusão de Arte e Sociedade o autor afirma
que Voegelin oferece para Merquior uma alternativa para o paradoxal pessimismo
messiânico dos marxistas frankfurtianos: diante da coexistência, no “pensamento negativo”
destes, de monismo no plano da interpretação da realidade e profetismo voluntarista no
plano da ação social, é preferível a atitude moderada evocada pelo conceito voegeliniano de
metanóia, que é a orientação existencial que permite a abertura do homem, a partir da
compreensão de sua finitude, à inteligência da ordem do Ser (cf. Ibidem, pp. 298-301).
3
É possível ampliar esta sucinta definição de Merquior com a de Voegelin, o qual elenca seis
características que, tomadas em conjunto, revelam a natureza da atitude gnóstica: 1) o gnóstico está
insatisfeito com sua situação existencial; 2) os inconvenientes (“drawbacks”) da situação são
atribuídos ao fato de que o mundo está intrinsecamente mal organizado; 3) a salvação do mal do
mundo é possível; 4) há a crença de que a ordem do ser (“order of being”) terá de ser transformada
em um processo histórico; 5) a transformação na ordem do ser reside no reino da ação humana, i.e.,
o ato salvífico é possível através do esforço do próprio homem; 6) é tarefa do gnóstico encontrar a
prescrição para uma mudança estrutural na ordem, de tal forma que estará de prontidão para ser o
profeta que irá proclamar o conhecimento (gnose) sobre a salvação da humanidade. (cf. VOEGELIN,
2004, pp. 64-65).
As considerações de José Guilherme sobre o marxismo em Arte e Sociedade não são
estritamente negativas, na medida em que o autor reconhece o legado de Marx para a
sociologia:
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Uma boa análise da estruturação do marxismo “oficial” pode ser encontrada em PAIM, 2009, pp.
499-530.
acabado da utopia social-comunista, de mentalidade quiliástica, na medida em que há em
Marx um catastrofismo messiânico. O pensamento marxista é uma “utopia” porque
transcende o estado de realidade dentro da qual ocorre (cf. MANNHEIM, 1968, p. 216);
porém, ainda que compartilhe com os socialistas utópicos, os anarquistas e os liberais a
expectativa pelo domínio da liberdade e da igualdade um futuro remoto, o marxismo localiza
esse futuro em um ponto mais especificamente determinado: “o período da derrocada da
cultura capitalista” (Ibidem, p. 263). Mesmo assim, nem essa pretensão “científica” anula a
consideração de que a utopia marxista, do ponto de vista sociológico, representa a migração
dos movimentos soteriológicos das religiões confessionais para as filosofias secularizadas:
2) No ensaio “Érato e Clio“, José Guilherme discorda da visão de Octavio Paz (1914-
1998) de que para Karl Marx o Estado aparece como simples expressão da classe
no poder e a cultura, como mero reflexo da realidade social, pois considera que
estas posições não aparecem de forma tão unilateral na obra de Marx, embora tal
crítica seja válida para a “vulgata marxista”:
O Véu e a Máscara (1979) é uma coletânea de ensaios escritos por José Guilherme
Merquior durante seus anos de doutorado em Londres. Percebe-se uma gradual mudança
metodológica: o autor apóia-se um “racionalismo crítico” inspirado em Karl Popper, e com
isso rejeita o “culturalismo” epistemológico (isto é, a visão idealista do conhecimento), o
5
O primeiro doutorado de José Guilherme Merquior foi em Letras pela Sorbonne, sob orientação de
Raymond Cantel, e concluído em 1972 (cf. PEREIRA, 2012, p. 337). Sua primeira tese foi Verso
Universo em Drummond.
qual, a propósito, caracteriza boa parte do marxismo ocidental. São três os ensaios que
tratam de temas ou autores ligados ao pensamento marxista.
Merquior, contudo, deplora em Habermas que a sua epistemologia “se torna uma
espécie de utopia soteriológica”, pois sua proposta de “reflexão dialógica emancipadora”
continua sendo um ideal humanista de conhecimento de baixa legitimidade cognitiva, pois
não permitiu a Habermas realizar nenhuma análise social substantiva (Ibidem, pp. 128-136).
Aliás, neste aspecto Adorno era superior a Habermas: embora sua imagem global da
sociedade fosse repleta de “etéreas especulações apocalípticas”, seus ensaios de micro-
sociologia, música e literatura “iluminam grande número de importantes tendências da arte
vitoriana e contemporânea” (Ibidem, pp. 135-136).
Louis Althusser, que já havia sido brevemente criticado no ensaio sobre Habermas,
volta a ser alvo de Merquior em “Althusser, o humanista malgré lui” (1976). Embora se
recuse a apelar para a práxis como a última instância da validação do conhecimento (e
critique tal “frouxidão teórica” em Lukács e Gramsci), Althusser e seus seguidores exaltam a
ciência sem se ocupar da epistemologia, i.e., sem debater com a filosofia da ciência para
além de Gaston Bachelard (1884-1962) – que inspirou sua leitura de Marx com o conceito
de “ruptura epistemológica” – e de autores do próprio marxismo. José Guilherme estranha
como as althusserianos podem ter uma “jactanciosa obsessão com a Teoria científica”
(Ibidem, p. 119) se em seus escritos não há qualquer menção aos debates epistemológicos
de Popper, Nagel (1901-1985), Hempel (1905-1997), Lakatos (1922-1974) e outros.
Avancemos para a coletânea As Idéias e as Formas (1981), que já começa com uma
provocação: “É possível atacar o marxismo, a psicanálise e a arte de vanguarda sem ser
reacionário em política, ciências humanas e estética?” (Idem, 1981, p. 11) Merquior acredita
que sim, e as posições que adota para desferir suas críticas a essas três correntes são,
respectivamente, o liberalismo social, o racionalismo crítico e uma abordagem da arte que
rechaça o formalismo e valoriza a crítica da cultura, mas sem cair no desprezo à
modernidade que caracteriza boa parte do modernismo estético.
A Natureza do Processo (1982), obra na qual José Guilherme Merquior apresenta uma
visão otimista e progressista da modernidade a partir de uma abordagem sociológica da
economia, da política e até dos intelectuais, também tem suas considerações sobre Marx e
o marxismo. Em primeiro lugar, o autor lembra que, ao contrário do que poderia sugerir o
Kulturpessimismus de tantos marxistas ocidentais, Marx louvou o papel emancipador do
capitalismo, e “tinha plena consciência do valor da indústria na evolução da humanidade”
(MERQUIOR, 1982, p. 22).
Merquior, contudo, mais uma vez observa que Marx tinha uma propensão ao
“otimismo catastrófico”, no sentido “reiterar profecias messiânicas que apontavam em cada
crise (...) do então jovem capitalismo industrial o parto glorioso da sociedade socialista,
prelúdio ao paraíso social do comunismo” (Ibidem, p. 59). O problema é que tal propensão
acabou comprometendo uma das percepções mais lúcidas do marxismo: a de que “a
tendência ao equilíbrio entre a procura e a oferta, afirmada pelos clássicos da economia
política, não correspondia à realidade das coisas‟ (Ibidem, p. 59). Além disso, esse
profetismo também permitiu que os marxistas não precisassem oferecer uma descrição
pormenorizada da economia socialista, mesmo que ainda estivesse justificava a luta
revolucionária para efetuar uma substituição radical e violenta da ordem econômica vigente:
No início dos anos 80, José Guilherme já esposava posições liberais em política mas
também em economia, o que talvez explique o novo contorno que sua crítica ao marxismo
ganhará: a rejeição da planificação econômica. O autor de A Natureza de Processo
6
Kolakowski também aplica suas considerações teóricas de A Presença do Mito para desvendar os
aspectos míticos e proféticos do pensamento de Lukács. Entender um mito corretamente é não
apenas entender seu conteúdo factual, mas também aceitar seus valores implícitos. Sendo assim, um
não-marxista não pode entender o marxismo propriamente, pois isso requer a participação efetiva no
movimento revolucionário. O marxismo não é simplesmente uma teoria sobre o mundo; é uma
compreensão do mundo que só pode ser apreciada por quem está dentro do movimento e
politicamente engajado nele (cf. KOLAKOWSKI, 2008, p. 1025).
considera que o ponto mais fraco da tradição socialista é a crença da necessidade de uma
administração econômica central:
Este argumento foi baseado em Ernest Gellner, que em Thought and Change (1964)
procurou mostrar que a “face weberiana” do marxismo é o fato de que, por conseqüências
não-intencionais, tornou-se uma ideologia da industrialização; ele foi para nossa época “o
que a famosa ética protestante, classicamente descrita por Max Weber, foi (...) no início dos
tempos modernos”, isto é, “um movimento social perfeitamente ascético e até repressivo
que conduz de uma maneira até brutal determinada forma de modernização social rápida”
(Idem, 1981b, p. 13). Nas palavras do próprio Gellner: “The historic role of Marxism seems to
be not to lead societies out of crises of industrial society, but to help them to pass over the
big hump of industrialization” (GELLNER, 1974, p. 133).
Por sua vez, Teoria da Revolução (1982) procura mostrar como a história do
revolucionarismo comunista “é uma progressiva liquidação do determinismo geralmente
associado ao „materialismo histórico‟” (Ibidem, p. 110), pois cada revolução se mostra mais
voluntarista e menos ortodoxa à explicação marxista da mudança histórica. A tese de
Gellner sobre o papel sociológico do marxismo volta a ser citada:
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Essa crítica ao Kulturpessimismus da intelectualidade “humanística” já havia aparecido em A
Natureza do Processo. Merquior alega que, desde o início do século XX, consolidou-se um
humanismo de mentalidade excludente, bastante negativo em relação à civilização moderna e crítico
da ciência, do progresso econômico e tecnológico e da democracia – sendo que esta última é
reduzida por certos pensadores a mera “sociedade de massa”. (Idem, 1982, p. 191) O discurso
desses intelectuais radicais geralmente é em tom de denúncia, mas com escassa dimensão factual e
analítica. Um dos principais expoentes deste pessimismo cultural exacerbado da intelligentsia
moderna é justamente o frankfkurtiano Herbert Marcuse, o qual voltará a ser duramente criticado em
O Marxismo Ocidental.
série de direitos civis, políticos e até sociais; (b) a obstinada tentativa de suprimir a
economia de mercado” (MERQUIOR, 1983c). Sobre o primeiro “legado”, José Guilherme é
cético quanto ao argumento marxista de que a infração daquilo que Isaiah Berlin (1909-
1997) definiu como “liberdade negativa” é feita em nome da realização por etapas da
“liberdade geral”. Quanto ao segundo ponto, Merquior parte de sua tese, expressa em A
Natureza do Processo, de que os três pilares do mundo moderna são a economia, a técnica
e a democracia para afirmar que a economofobia da “crítica da economia política” de Marx
legitimou a concentração de poder nos regimes comunistas:
3) A concepção do marxismo não como ciência, mas como crítica, i.e., como
“arma filosófica contra qualquer busca de regularidades sociais dotadas de
poder causal” – tal posição representa uma divergência com o próprio Marx,
que concebia a crítica como precondição da ciência, isto é, “limpar o terreno
para uma exposição verdadeiramente científica da evolução social e do
destino do capitalismo” (Ibidem, p. 16);
Em suma, os marxistas ocidentais são marcados por uma teoria da crise da cultura
que fundamenta uma Kulturkritik radicalizada, que tende ao “repúdio da ciência, da cultura
burguesa e da sociedade industrial” e a uma “obstinada rejeição do ethos industrial e (...)
dos valores da cultura social moderna” (Ibidem, pp. 22-23). Curiosamente, autores como
Lukács, Marcuse e Adorno lançam “uma inesperada reprise, pela esquerda, de certos
Leitmotiven da crítica conservadora da sociedade industrial” (Ibidem, p. 23).
Marx quis fazer uma sociologização do que até então fora tratado por disciplinas
menos voltadas para o social, como a filosofia política idealista ou a economia política
clássica. Essa sociologização marxista constituía uma tentativa de aprofundar a perspectiva
histórica generalizada que veio a ser a marca registrada das ciências sociais no século XIX.
Gramsci – exceção, pois possui uma ótica produtivista e tecnológica. Efeito libertador
na tradição marxista: evita reducionismo de classe
Adorno – pouco rigor teórico, atrativo é postura prática de crítica contra sociedade
industrial
Marcuse – mais político dos frankfurtianos; mais revolta moral do que revolução social
6. Considerações finais
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Michael Löwy também verifica elemento messiânico em Lukács, mas numa chave positiva.
O marxismo está morto – entrevista como epílogo. Elogio do marxismo analítico.
Persistência de certas críticas, mas outras surgem após doutorado com Gellner.
Referências bibliográficas
______________ O Marxismo de Marx. Trad. Jorge Bastos. São Paulo: Arx, 2005.
______________ O Ópio dos Intelectuais. Trad. Jorge Bastos. São Paulo: Três Estrelas,
2016.
GELLNER, Ernest. Thought and Change. London: Weidenfeld and Nicolson, 1974.
KOLAKOWSKI, Leszek. Main Currents of Marxism: the founders, the golden age, the
breakdown. Trad. P. S. Falla. New York: W. W. Norton & Company, 2008.
MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. Trad. Sérgio Santeiro. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1968.
MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. Trad. Maria Helena Barreiro
Alves. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2015.
PENNA, Antonio Gomes. Minha Convivência e meu Aprendizado com Merquior. Revista
Tempo Brasileiro, nº 109. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992, pp. 21-44.
PEREIRA, José Mário. O Fenômeno Merquior. In: MERQUIOR, José Guilherme. Verso
Universo em Drummond. Trad. Marly de Oliveira. São Paulo: É Realizações.
SINGER, André. O marxismo está morto: Para José Guilherme Merquior, o ensaísta e
embaixador do Brasil no México, a teoria marxista não tem nenhuma perspectiva e não se
sustenta à luz da razão. Folha de S. Paulo. São Paulo, 30 de agosto de 1987.
VOEGELIN, Eric. Science, Politics and Gnosticism: two essays. Wilmington: ISI Books,
2004.