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Rua Rubino de Oliveira, 85
A IDÉIA É COMO A GOTA D'ÁGUA. PODE REFLETIR A IMENSIDADE. Correspondência: Caixa Postal 5739
São Paulo
ANOII NÚMERO 10 SÃO PAULO, DEZEMBRO DE 1967 PREÇO NCr$ 0,20
unesp"^ CZedap
Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa
notícia
Profundamente comovidos nos deixa aos 73 anos de ida-
ao Nirvana.
Agora, o Nirvana cai do céu, de estranhos
Pássaros metálicos
entre os dentes.
Do outro lado do mundo
morrem por nós.
•
Social, gozaram do privilégio apresentação. Demonstrou ta- g^eneral. Sua presença impri- sucessivas, corrigindo imper-
Ano 2 - Número 10 DEZEMBRO DE 1967 — Preço NCP$ 0,20
de assistir no dia 27 de outu- lento e se deixou transpare- primiu força ao espetáculo, feições em pequenos detalhes
bro p. . à apresentação da pe- cer em alguma oportunidade seja pelo próprio persona- que só o observador mais
ça «Zoo History», de Edward que não tinha domínio com- gem, seja pela interpretação, acurado pode notar.
Autoritarismo
Albee, cujos personagens pleto do texto soube com cujo domínio e segurança con- Noutra oportunidade fala-
Jerry e Petter foram repre- tranqüilidade impressionante tagiou todo o elenco. E Luiz remos sobre o texto, que con-
sentEuJos respectivamente por valorizar cada palavra, cada Antônio Lopes com um tra- sideramos importante.
Ibsen Wilde e Odilon de Sou-
za. Trabalho de inteiT)retação
de nível profissional no mais
elevado sentido, valorizado (continuação do número anterior)
por debates que se seguiram
à apresentação da peça, com Os traços sádicos e masoquistas são provavelmente
a participação dos intérpre- encontrados em toda a gente. Num dos extremos há indi-
tes. A direção foi de Ibsen víduos cuja personalidade toda acha-se dominada por esses
Wilda traços, e no outro aqueles em quem esses traços não são
( OS GUEBBEIBOS característicos. Só ao discutir os primeiros é que podemos
Finalmente deu-se a es- falar de um caracter sadomasoquista. O termo «caráter»
tréia da peça «Os Guerrei- ó aqui usado no sentido dinâmico empregado por Freud.
ros», de Kopezky, ainda que Neste sentido, refere-se não apyenas à soraa total dos pa-
em caráter de ensaio, dia 28 drões de comportamento caracteristicos de uraa pessoa,
de outubro p. p. como aos impulsos dominantes que motivara esse corapor-
Embora ressentindo-se de tamento. Desde que Freud presumiu que as forças motiva-
alguns senões, causados pe- doras básicas eram sexuais, chegou a conceitos como os
los mesmos motivos que de- de caracteres «oral», «Anal» ou «genital». Como não parti-
termínaraun o adiamento da lhamos dessa suposição, somos obrigados a conceber tipos
estreia — tais como substi- de caráter diferentes; o conceito dinâmico, contudo, per-
tuição de atores à última ho- manece o mesrao. As forças impulsoras não são necessa-
ra e outros de ordem técnica riamente conscientes como tais a uraa pessoa que se acha
— o espetáculo ao seu final dominada por elas. A pessoa pode estar inteiramente do-
foi calorosamente aplaudido minada por seus anelos sádicos e conscientemente crer que
de pé pelo público que super- está motivada por seu sentimento de dever. Pode até não
lotava o pequeno teatro de cometer nenhum ato sádico ostensivo, mas suprimir seus
arena do Laboratório. Aplau- impulsos sádicos suficientemente para fazê-lo aparecer
sos provocados principalmen- coma alguém que não seja sádico. Não obstante, uma aná-
te pelo valor do texto, tanto lise mais cerrada de seu comportamento, suas fantasias,
mais sentido pelo público na sonhos e gestos mostrará os impulsos sádicos atuando em
medida em que os atores me- camadas mais profundas da personalidade dela.
lhor transmitiam a vivência Malgrado o caráter das pessoas era que predominara
dos personagens. Waldyr
Kopezky, sendo o autor e o os impulsos sadomasoquistas possa ser classificado como
diretor da peça, incumbiu-se sadomasoquista, essas pessoas não são forçosamente neuró-
do ptópel principal, do intelec- ticas. Depende, em grande parte, das tarefas especiais que
tual. Iniciou bastante nervo- as pessoas têm de realizar em sua situação social e de
so, afirmando-se depois, con- quais são os padrões de sentimentos e comportamento pre-
tribuindo para valorizar sua sentes em sua cultura, para se saber se um determinado
interpretação a afinidade que tipo de estrutura de caráter é «neurótico» ou «normal». Em
como autor tem com o perso- verdade, o caráter sadomasoquista é representativo de con-
nagem. Farias Magalhães, sideráveis parcelas da classe média inferior da Alemanha
como o homem australiano, Da esquerda para a direita, em cima: Luiz C. La False, Fatrias Magalhães, e de outros países europeus, e é, consoante raostraremos
bom, com uma interpretação adiante, aquele sobre o qual a ideologia nazista exerceu
tranquiUi. Dinah Kruse, como Waldyr Kopezky, IAúX Antônio Lopes. Em baixo: Luiz OoeDio Neto, Cuberos Neto maior fascínio. Visto o nome «sadomasoquista» estar asso-
Chila, a secretária, estreante, ciado a idéias de perversão e neurose, prefiro falar do ca-
surpreendeu, demonstrando e Dinah Knise, o elenco de «OS GUERREIROS». ráter sadomasoquista, especialmente quando não se refere
à pessoa neurótica mas à norraal, corao sendo o «car&ter
autoritário».
Esta terrainologia justifica-se porque a ipessoa sado-
O SOLIDARISMO NA VIDA masoquista sempre é assinalada por sua atitude face à
autoridade. Ela admira a autoridade e mostra-se inclinada
a submeter-se a esta, mas, ao mesrao tempo, deseja ser,
SOCIAL BRASILEIRA ela mesraa, uraa autoridade e fazer com que os outros se
lhe submetam.
J>lo6 entretuilmentõs to de relações, que, de pes- ra também .se desenvolvem Há outra razão para escolher esta denominação. O
proveitosos soais passam a tomar pro- atividades praticadeis como sistema fascista chama-se a si mesmo de autoritário por
Entre as organizações de porções coletivas, não só den- passa-tempo («hobbys»), co- causa do papel dominante da autoridade em sua estrutura
Iniciativa particular surgidas Na tecitura do convívio tro do País, mas através das mo os cultivadores de rosas política e social. Pelo nome «caráter autoritário» suben-
livremente, sem a interven- social há atividades que sen- fronteiras de todos os qua- do qualidades raras, promo- tendemos o que êle representa na estrutura de personali-
ção do Estado incluem-se do praticadas com objetivos drantes, concretizando-se em vendo exposições. dade que constitui as funções humanas do fascismo.
também atividades que envol- de entretinimentos, passa- organizações de existência Há núcleos ativos de culti-
vem incumbências do Estado, tempo, ou, usando um desses permanente, em cujas ativi- vadores de flores que se têm Antes de prosseguirmos no exame de caráter auto-
tanto no âmbito nacional co- estrangeirismos muito em dades incluem a realização de ultimamente destacado pela ritário, cumpre esclarecer o têrrao «autoridade». Autorida-
mo estadual e municipal, ou, moda — como «hobby», che- exposições periódicas e de sua atividade — os orquidó- de não é uma qualidade que uma pessoa «tem», na acep-
mais positivamente, que sa gam a tomar feição utilitária. congressos nacionais com in- filos, com organização pró- ção em que possui qualidade físicas ou bens materiais. A
relacionam com os serviços tervenção nos internacionais. pria, promotora de exposições autoridade refere-se a uma relação Interpessoal era que
públicos. São essas atividades exerci- uraa pessoa vê outra corao seu superior. Há, no entanto,
das não profissionalmente, que constituem mostras en-
Essas agrupações assumem Em São Paulo existe um cantadoras pela raridade e be- uma diferença fundamental entre o tipo de relação de su-
mas em horas vagas, exigin- perioridade-inferioridade que pode ser chamada autorida-
modalidades diversas, não do preocupações, trabalho e numeroso e ativo núcleo de leza dos esptécimes que exi-
apenas em suas finalidades, filatelístas, muitos dos quais, bem. de racional e o que pode ser descrito como autoridade ini-
despesas, sem outra compen. bidora.
mas também em suas estru- sação senão a satisfação pes reunem-se, aos domingos, Ainda recentemente, os or-
turas. Umas tê!m caracter per- soai que proporciona a seus numa das praças mais cen- quidófílos do Brasil partici- Um exemplo mostrará o que tenho em mente. A re-
manente e outras sáo de executores. trais da cidade (Praça da Re- param da III Conferência In- lação entre professor e aluno e a entre o dono de escra-
existência transitória; umas pública), para a permuta de ternacional de Orquídeas. Tal vos e seu escravo baseiam-se, Eunbas, na superioridade de
têm por incumbência estudar Entre essas atividades po selos e troca de impressões a o desenvolvimento desta ati- um sobre o outro. Os interesses do professor e do aluno
os problemas de interesse co- dem ser citadas a numisma propósito de suas atividades. vidade que já existem possi-
letivo e sugerir às institui- têm direção coincidente. O professor fica satisfeito se con-
ti ca e o filatelismo, cuja ori- Sem que sejam praticadas bilidades de ganho. segue aperfeiçoar o aluno; se não o consegue, o fracasso
ções devidas medidas a serem gem vem do tempo de anta propriamente com esse obje- Todas essas atividades são é dele e de seu aluno. O dono de escravos, pelo contrário,
postas em prática em benefí- nho. tivo, essas duas modalidades desenvolvidas pela iniciativa
cio de bairros, subúrbios ou quer explorar o escravo tanto quanto possível; quanto
Parecendo constituírem de entretenimento, consti- particular, sem a intervenção mais tirar dele, tanto mais satisfeito ficará. Ao mesmo
cidades, ou, ainda, de logra- preocupações banais, além de tuem um veículo de pesqui- do Estado, que só se apre-
douros públicos, bem como tempo, o escravo procura defender ao máximo seus anseios
entretenimento, servem igual- sas de interessantes elemen- senta como o «bicho-papão»... por um mínimo de felicidade. Estes interesses são decidi-
indicar reparações a fazer e mente de elemento de sociabi- tos históricos.
melhoramentos a serem exe- damente antagônicos, pois o que é vantajoso para um pre-
lidade, com o estabelecimen- — No campo da floricultu- EDGARD LEVENROTH judica o outro. A superioridade tera uma função diferente
cutados em serviços públicos.
Para esses fins as socieda- nos dois casos: no primeiro, ela é a condição para o auxi-
des dos Amigos das Cidades lio à pessoa sujeita à autoridade; no segundo, é a condi-
ou de bairros e de subúrbios ção para sua exploração.
são agora comuns. Já se tra-
ta de constituir a Federação
das Sociedades dos Amigos
O HOMEM... UM AUTÔMATO?! A dinâmica da autoridade, nestes dois tipos, é dis-
tinta também: quanto mais o aluno aprender, raenor será
a distância que o separa do professor; êle ficará cada vez
dos Bairros. mais semelhante ao professor. Por outras palavras, a re-
Em suas finalidades essas lação autoritária tende a desvanecer. Porém, quando a su-
sociedades não incluem intui- Por ROBERTO COSTA filme «Tempos Modernos». que havia era o artesanato. perioridade serve de base à exploração, a distância vai-se
tos políticos ou religiosos. Naquela situação, seu perso- Um homem que trabalhasse, intensificando era toda sua longa duração.
— Com intuito de existêii- Máquinas, máquinas, má- nagem é um operário de uma por exemplo, com calçados,
cia efetiva, existem, em cer- quinas. Alavancas, engrena- grande fábrica, integralmen- fazia um sapato do princípio A situação psicológica é diferente era cada uma des-
tas cidades do interior, orga gens, porcas e parafusos. te condicionado, totalmente ao fim. Realizava-se com seu tas situações autoritárias. Na primeira prevalecem elemen-
nizações de Bombeiros Vo- Nas grandes capitais e nos alienado à sua restrita fun- trabalho e sentia-se útil. Ho- tos de amor, admiração ou gratidão; a autoridade é, si-
luntários, que prestam servi- centros industriais moderni- ção na gigantesca empresa. je, o operário de uma fábrica multaneamente, um êmulo com quem a pessoa quer iden-
ços onde não há corpos de zados, é atribuída à máquina Tudo isso num clima bem é apenas uma pequena peça tificar seu eu, parcial ou inteiramente. Na segunda situa-
bombeiros municipais ou es- uma importância cada vez engraçado, mas que faz o es- de uma complexa engrena- ção formar-se-á ressentiraento ou hostilidade contra o ex-
taduais. maior. Um cérebro eletrôni- pectador sair do cinema e gem. E o que se vê são ho- plorador, pois subordinar-se a êle contraria os interesses
— Existem também socie- co, após ser adquirido por pensar no assunto. mens se ocupando 8 horas du- próprios da pessoa. Muitas vezes, contudo, como no caso
dades dos Amigos das Árvo- alguma empresa ou estabele- É por esse serviço em que rante o dia em fazer ranhu- do escravo, este ódio só leva a conflitos que submetera o
res, cuja finalidade está ex- cimento bancário, vem, de o operário se aliena total- ras para determinado tipo de escravo a sofriraentos sem possibilidade de vitória. Por
pressa em sua deriominação. imediato, substituir dezenas, mente é que estamos diame- roldana. Ou mulheres pas- conseguinte, a tendência será geralmente peu-a reprimir o
— Além dessas organiza centenas de homens. E o que tralmente contra. A pessoa sando o dia inteiro fazendo sentimento de ódio e, às vezes, até mesmo para substitui-
ções de caráter permanente, acarreta com isso? Um pro- não se realiza com seu traba- «casas» para botões. lo por um de adrairação cega. Esta tem duas funções: 1',
há as que se formam para blema de desemprego que lho. Não constrói nada. O ho- Não vai nesse artigo ura afastar o perigoso e doloroso sentimento de ódio; 2', ame-
. atender a certas necessidades está se revelando cada vez mem necessita de um empre- protesto contra o progresso. nizar o sentimento de humilhação.
^ emergentes de serviços pú- mais grave. E o homem vai go onde êle se sinta satisfei- Isso seria inconcebível. Pen- Se a pessoa que manda era mira é tão maravilhosa
blicos, como reparação de assistindo, perplexo, à uma to, onde êle possa criar algu- samos apenas que o proleta- ou perfeita, eu não devo ter temta vergonha de oliedecer-
pontes, abertura ou limpeza transformação em que êle, o ma coisa, ver o fruto do seu riado deveria participar um Ihe. Não posso ser seu igual porque ela é muito mais forte,
de caminhos e estradas, ar- senhor, o inventor da máqui- tiabalho. Nêtese trabalho êle pouco mais das finalidades da sábia, raelhor etc. do que eu. Em conseqüência, no tipo
ranjos de logradouros públi- na, toma-se vítima de sua vai colocar amor, carinho, de- empresa em que trabalhasse. inibidor de autoridade o elemento, quer de ódio ou de su-
cos etc. própria inteligência, passan- dicação. E o homem do sécu- Nunca fazer seu serviço co- perestima ou admiração irracional pela autoridade, tende-
Nessa obra de cooperação do à condição de servo e lo XX carece dessa sensação mo um autômato, sem sal>er rá a intensificar-se. No tipo racional de autoridade, êle
espontânea e livre sem obje- tornando-se um verdadeiro es- de criação. Em seu incons- por que e para que. tenderá a descrever na razão direta do grau com que a
tivos de remuneração para a cravo dos mais variados «ca- ciente, êle se julga um inútil, pessoa submetida à autoridade vá-se tomando mais forte
execução de serviços é, em prichos» da máquina. um elemento perfeitamente Alguns psicólogos, inclusi- e, por isso, mais semelhante àquela.
muitos casos, usado o muti- Toda essa problemática é dispensável ou Rubstitulve^ ve, explicara essa sociedade
rão, velho sistema de ajuda magistralmente exposta pelo Na Idade Média, em vez alienada era que viveraos, (continua no próximo número)
mútua, tradicional na vida genial Charles Chaplin, em dessa produção em massa de através dessa automatização
rural. termos de comédia, era seu nossas indústrias atuais, o de que somos \^timas.