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Ortotanásia

(óbito natural)

O Homem quando repousa no seu leito e adormece, lida com um fenómeno que é conhecido
como sonho. Embora não seja tangível, não possa ser examinado por aparelhos laboratoriais, ou
sujeito a outros tratamentos, e, ainda que não se consiga fazer prova material do mesmo, é aceite
por todos. Desde o cientista ao ignorante todos o observam. O sonho é universalmente
autenticado como uma realidade intrínseca ao próprio ser Humano. Pelo simples motivo; ser
vivenciado por todos eles.
Sendo o sonho absolutamente imaterial, constitui um paradigma para o mundo dos
materialistas, que não encontram forma razoável de o entender, mas seguem sonhando na
incerteza dos sonhos. Esquecendo por vezes que há sonhos maiores que os homens. Desta
forma simples e clara, o Homem sabe que tanto o material como o imaterial têm lugar na sua
existência, e pobre do Homem, se lhe tirassem este quase nada, um simples sonho.

Porém, o Homem ao acordar de seu profundo sono - algures numa caverna errante no tempo -
e se auto-questionou pela vez primeira, tomou consciência de sua existência. Auto-questionou-se,
e voltou a fazê-lo, uma e outra vez, como um alquimista em demanda contínua pela pedra
filosofal. Nascendo assim nesse preciso momento, o homem cientista e o homem religioso.

Avolumou em quantidade, mas, principalmente refinou em qualidade as indagações, em firme


propagação mesmo para além do tempo sentido. Este próspero crescimento originou perguntas
tão eminentes como delicadas. Ainda que muitas interrogações, profetizem na sua enunciação
intrincados labirintos, embaraçosos enigmas ou complexas análises, exigem respostas
competentes, concretas e cheias de lucidez.

“Qual é a minha origem?”, “Qual é o meu destino”,


“O que é a pessoa?”, “O que é a vida?”, “O que sou eu?”.

Pela reflexão do filósofo Sócrates, veio uma das mais elevadas e eloquentes respostas,
através da máxima, “Conhece-te a ti mesmo”, esculpida no Templo de Delfos.

Há questões filosóficas que ultrapassam o olhar da ciência materialista, as quais fazem parte
da existência humana. Os cientistas actuais têm uma visão redutora, sobre questões pertinentes
que colocamos todos os dias. Desde o cientista ao ignorante todos se questionam, e todos sabem
quanta riqueza uma pergunta contém, e seguem indagando na busca da verdade, e todo aquele
que procura a verdade, procura Deus, ainda que o não saiba. Desta forma simples e clara, o
Homem sabe quanto seria pobre, se lhe tirassem este quase nada, simples sinal de interrogação.

Hoje, apesar de todos os progressos das Ciências da Vida, os cientistas nunca conseguiram
conceber vida em laboratório, e não o explicam pela simples casualidade, como é que os átomos
se organizam em Homens, seguindo caminhos tão inteligentes, que o próprio cientista se depara
com incalculáveis obstáculos para desvendar.

O corpo físico humano é um engenho extraordinário, e os seus constituintes são muito mais
intrincados, do que se alcança visualizar a olho nu ou através das modernas tecnologias.
Substâncias químicas especializadas, em tão perfeita harmonia nas suas reacções bioquímicas,
mesmo nas mais complexas das quais participam, e que parecem exalar inteligência em toda a
sua organização. Assim, é muito delicado explicar o funcionamento de estruturas sofisticadas,
como por exemplo, o olho humano ou a coagulação sanguínea, demonstrando passo a passo
como se agregam, pela simples obra do acaso.

É absurdo negar ao ser Humano o direito de ponderar, que a vida não é um despretensioso
imprevisto da natureza, porque o que apelidamos de acaso não existe, logo o acaso não pode
criar inteligência, o que está provado cientificamente. O que existe é o amplo desconhecimento de
todas as leis que nos regem. Desta forma simples e clara, o Homem tem consciência, que dentro
de seu corpo físico vive algo mais, onde tem lugar a sua verdadeira existência.
Nesta discutida, discutível e velha questão, da existência de uma componente abstracta e
imparagonável do ser, está de volta também um velho conceito, o da presença do princípio
inteligente que anima a matéria. Herdámos dos helénicos, nomeadamente de Platão e Aristóteles,
a evidência de existir no Homem a presença deste elemento divino, o qual lhe confere a exclusiva
característica de um ser sagrado, sendo causa e fundamento da própria dignidade Humana. É
esta a outra realidade, a alma, que dá vida, que anima o corpo e lhe dá movimento, sentido e
organização, transcende a matéria física e nos eleva acima da terra. A visão holística do Homem
contribui efectivamente para a transformação do modo de vida, na percepção da realidade, no
comportamento da humanidade futura, dentro de padrões éticos superiores que dão primazia aos
sentimentos de amor e paz.
Desde o cientista ao ignorante todos sabem que são muito mais, do que um simples agregado
celular mais ou menos complexo. E pelo simples motivo, ser intuitivo em todos eles, num sentir
tão íntimo, que está muito para além do que é perceptível pelo corpo denso. E o Homem sabe,
desde há muito, o que ocorre quando a alma deixa de habitar o seu corpo físico.

Porém, ao invés do que alguns possam pensar, assistimos a dois partos durante a nossa
existência terrena. O primeiro, para nos desenlaçar do ventre das nossas mães, e nascer para o
mundo terreno. O segundo, para nos libertar do corpo físico, e nascer para o mundo espiritual. Os
obstetras sabem de há muito que quem determina o momento do parto é a criança, e sabem
ainda, o quanto é desejável acautelar, para que este não seja precoce.

Todos reconhecemos necessitar da ciência para entender o mundo e usar esse saber para
melhorar as condições Humanas. Temos, nas descobertas da ciência, a revelação das leis de
Deus. Porém, a ciência com visão materialista deve reservar uma postura prudente pelos
conteúdos espirituais. Utilizar a visão de um cientista materialista para discutir religião será uma
atitude imprópria e equívoca, sendo assim possível construir um grande embuste, juntando
pequeninos fragmentos da verdade.

Contudo, os que sustentam esta separação com o sagrado, não sabem exactamente onde
fundamentar a dignidade Humana, a qual têm o intuito de defender. Assistimos, hoje àquilo que se
denomina pela diluição dos confins da pessoa, ou seja, o esvanecer da noção de pessoa nos
chamados limites da existência, tanto no início como no fim, o que tem levado muitos países à
legalização do aborto e à tentativa de também legalizar a eutanásia. Criando a ilusão de que, um
acto imoral, quando legalizado deixa de o ser. Assim, alguns vivem como se nunca fossem morrer
e morrem como se nunca tivessem vivido. Não têm claramente autoridade para criticar, quem
adere a um movimento que contraria princípios fundamentais doutrinários, como os valores
Humanos, que jamais devem ser vistos como princípios em decadência.
Não importa se o ser está consciente ou não; se é feto ou doente em coma, para todos os
efeitos é uma pessoa e como tal deve ser respeitado, pelo que intrinsecamente é.

Em última análise, a Vida é um bem outorgado e indisponível. Esta verdade tem sua base de
sustentação na própria ciência, devendo como tal ser reconhecida e directriz na conduta ética do
homem. Não pensemos que somos apenas Homem como fenómeno, mas façamos acontecer em
nós o maior fenómeno, o da transformação moral para melhor, movida por uma vontade não
catalogada no genoma Humano.

Estas palavras são minhas, porém as ideias não. As ideias são de todos os Homens, que
mesmo com as suas imperfeições são dotados de honestidade nos propósitos, dedicação, firme
disposição de servir e acertar, e desta forma constroem um património de credibilidade. Assim
sendo, seremos agentes do nosso próprio progresso. E que este advenha, não pela adesão
incondicional a sistemas de fé, mas sim pela busca incessante do conhecimento e da tolerância,
pela perseverança no trabalho produtivo, pela prática da justiça e do amor, porque todo aquele
que busca no amor a solução, é profundamente religioso, ainda que o não saiba.

Veiga Torres

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