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Hitler Samussuku

O PRESO DE JLO
Relatos sobre o rapto do ativista e rapper Hitler Samussuku, um
dos membros do processo 15 + 2.
Escrita na primeira pessoa.

SIAPR’s
O PRESO DE JLO

Produção: Israel Clinton


Técnica e imagem: Eliane Azevedo
Correção: Tito Adriano
ãHitler Samussuku, 2020
ãSobre a presente edição: SIAPR’s
[ANGOLA]
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos aqueles que estiveram envolvidos diretamente


desde José Da Silva Alfredo, Arante Kivuvu Lumumba, Dago Nível
Intelecto, Nelson Dibango Santos, Dito Dalí, Gabriel Versace Mugabi,
Kambolo Tiaka-Tiaka, Luaty Beirão, Mbanza Hanza, Ginga Casimiro,
Pedrowski Teca e Utukidi Scott Scott.

A minha mãe, meu tio, ao vizinho que informou sobre o meu sequestro
e aos meus familiares.

Não poderia deixar de incluir o Adalberto Costa Júnior aos


agradecimentos pela reação quando soube do sequestro, ao
Professor Nelson Domingos, ao MCK e a Human Rights Watch Brasil.

Um especial agradecimento à SIAPR’s.


PARTE I

No dia 8 de Maio de 2019, havia sido convidado para participar na festa


de celebração dos 60 anos da União Europeia. A festa decorreu no
bairro Miramar e naquela noite eu nem sequer sabia que estava a ser
vítima de uma perseguição implacável sem precedentes históricos.

Na festa havia algumas pessoas que trabalhavam na Presidência da


República e uma dessas pessoas até foi meu professor na Universidade,
saudou-me e disse que estava preocupado com o vídeo que havia feito
a repreender o João Lourenço. Ele disse-me que estava a ser analisado
pelos Serviços de Segurança e que ele chegou a explicar que me
conhecia muito bem, que eu não consumia álcool nem fumava alguma
substância. Confesso que fiquei um pouquinho preocupado com a
narrativa dele, mas já estava na minha agenda não dormir em casa
porque a festa terminaria tarde. Antes de dormir, entrei no WhatsApp,
encontrei dezenas de partilha do vídeo em todos os grupos em que
estava inserido e em mensagens privadas.

Fiquei a refletir na situação com certa preocupação, mas a noite passou.

No dia seguinte, acordei as 6 da manhã e fui ao aeroporto despachar


material publicitário para o show do MCK e o Ikonoklasta (Luaty Beirão),
mais a conferência do Professor Nelson na província do Moxico,
iniciativa da Laulenu. Tendo despachado, fui direto no ISCED onde
estava a decorrer uma conferência sobre autarquias locais. A
conferência havia terminado as 18h e levei muito tempo para pegar o
táxi.
Neste caso, cheguei em casa por volta das 20h30, estava com febre,
mas não quis sair à compra de remédios a farmácia.

Dormi e no dia seguinte as 6h30 da manhã, meu tio que saiu para
trabalhar pediu para eu não sair de casa porque o bairro estava cheio
de gente estranha, que no seu ponto de vista eram agentes dos
serviços de segurança do Estado. Eu achei que ele estava em paranoias,
quando foi sensivelmente 8h30, decidi sair para fazer exame de sangue
numa clínica próximo de casa. Uma vizinha minha disse-me:

- Cuidado vizinho... estão a te caçar.

Eu todo descontraído com a minha mãe, saímos em direcção à Clínica.


Depois de 10 metros de casa, apareceu um grupo de 8 elementos sem
fardamento nem identificação, apenas carregavam pistolas nas mãos.
Quatro seguraram-me, dois seguraram a minha mãe e outros faziam
cobertura.
PARTE II

Já sobre o controle deles, eu disse para eles que se quisessem assaltar


o único objeto de valor que tinha era o telefone e que não haveria
problemas em entregar.

Um deles disse:

- Cala boca... vamos só!

O outro perguntou-me:

- Sabes o que fizeste?

- Não sei de nada, mas podem explicar para mim, quem sóis vós?

Arrastaram-nos para uma viatura sem matrícula, Hiace branco, típico


para raptos. Naquele momento eu disse comigo mesmo:

- Hoje é o último dia que vejo o sol. O mundo acabou... o MPLA venceu-
me.

A minha mãe sem saber o que se passava, chorava sem cessar e eu


olhava para ela sem saber o que fazer diante dos 9 raptores. O chefe
das operações, recebeu-me o telefone e lá fomos nós sem saber para
onde estávamos a ir, mas estava convencido que estava a ir para ser
morto e havia duas hipótese comigo, primeira, pessoas ligadas a José
Eduardo dos Santos querem me matar para culpar o João Lourenço e
segunda hipótese, pessoas ligadas a João Lourenço querem me matar
para culpar o José Eduardo dos Santo.
Sentia-me um bode expiatório... o elo mais fraco na luta dos
marimbondos. Depois de uma longa viagem, chegamos ao comando
da Policia de Luanda, me senti aliviado e até sorri.

Disse a minha mãe:

- Pelo menos se nos matarem aqui, alguém poderá explicar aos nossos
familiares e amigos.

No interior do comando, um agente da polícia profissionalmente tonto


tentou zombar-me e eu como já estava a me sentir um pouquinho
seguro, mandei-lhe uns ******. Os outros todos vieram contra mim,
mas sem sucesso.

Depois de 4 horas, o inspetor disse que eu iria ficar preso por ter feito
um vídeo a ameaçar o Presidente da República que aquilo constituía
crime de atentado e ultraje ao Presidente João Lourenço. Eu fiquei a rir
e disse:

- Poças afinal é isso? Podem levar-me já na cela porque eu gosto disso.

Eles acharam estranho, mas antes de levarem-me para a cela, soltaram


a minha mãe e daí uma moça dos Serviços de Investigação Criminal
chegou e disse para segui-la.

Eu disse para ela falar de forma educada e ela toda assustada retorquiu:

- Estás a desafiar comigo?

Eu disse:

- Vamos só!
E ela toda raivosa:

- Esse processo tem que ficar nas minhas mãos, vais ver só!

Quando chegamos no gabinete, a moça toda disse-me para sentar-me


no chão. Eu disse que não sentaria no chão porque na sala havia duas
cadeiras e as cadeiras foram feitas pelo homem para sentar-se. Logo
ela decidiu chamar um grupo de agentes para me fazer sentar a força e
quando eles chegaram com muito ar um deles disse:

- Opah, carambas pah, este é do grupo do Luaty não vamos perder


tempo, eles gostam de confusão!
PARTE III

A senhora agente, já super passada pelo meu feitio, decide chamar um


grupo de seus colegas para me fazerem sentar a força, mas quando eles
chegaram ao pé de mim, um deles exclamou:

- Opah, carambas pah, este é do grupo do Luaty não vamos perder


tempo, eles gostam de confusão!

Quando os agentes dos Serviços de Investigação Criminal, desistiram


em obrigar-me a sentar no chão, fui encaminhado para cela.

Já lá posto na cela, fui escoltado por um grupo de agentes fortemente


armados, e isto despertou atenção dos detidos.

O Carcereiro chamou o Plantão maior e disse:

- Este é um preso especial, quem lhe tocar vai se ver comigo, estou a
avisar.

Continuou ele dizendo:

- Ele deve ficar numa cela sozinho.

Essa chamada de atenção fez-me ser visto de outra maneira pelos


presos. O que me deixou impressionado foi ver um grupo de chineses
detidos, sem camisolas e cheios de tatuagens no corpo. Confesso que
isto fez-me lembrar a Yakuza e as presas na série Vis à Vis.
Quando entrei a primeira coisa que fiz foi sentar onde se estava a jogar
não-te-irrite. O chefe da caserna com outros responsáveis convidaram-
me a lhes seguir para fazer registo de entrada.

- Nome, idade, profissão, tipo de crime...

Não precisei escrever o meu nome até porque já era bem conhecido,
assim como a idade.

Como já tinha experiência da vida de cadeia, com ousadia e sarcasmos


disse que o meu crime era tentativa de morte contra o Presidente João
Lourenço.

Surpresos, pasmos e assustados ficaram os presos que se achavam


altamente perigosos por cometerem homicídio e roubo qualificado.
Alguns disseram que me conheciam desde o caso dos 15+2 e outros
disseram que me seguiam no facebook.

O tempo foi passando até que as 16h apareceu o senhor que tentou
zombar-me no primeiro momento em que estava detido, mas logo
algum tempo o senhor todo humilde pediu o meu nome e eu todo
revanchista disse:

- Você não estava muito armado de manhã? Não vou dar o meu nome.
Liga para o SINSE para dar os meus dados porque eu não darei mesmo.

Os detidos riam até que o chefe da cela chegou e disse que era
necessário entregar os dados. Dei apenas o meu nome e seguimos sem
saber onde estava a ir.

Chegamos até uma viatura Toyota Prado cinzento.


- Sobe no carro, disse o senhor.

Eu disse para ele:

- Se não dizer onde vou pode crer que não irei subir nesta viatura...
ainda mais não tem adesivo da Policia Nacional!

Gritou em alto e bom tom:

- Sobe no carro, phorra!

Olhei para os lados e vi um grupo de chefes, reunidos em pé numa


conversa amigável, ganhei inspiração e disse aos gritos:

- Não vou subir no carro enquanto não me dizer para aonde vou ser
levado, pois que eu saiba de acordo a constituição tenho direito de ser
informado, ou não sabes?
PARTE IV

Apôs ter dito que não subiria no carro um dos senhores que estava na
reunião, virou para o agente e disse:

- Ouviu o que o cidadão disse? Ele tem direito de ser informado para
onde vai!

O mais velho com vergonha na cara respondeu não ao senhor, mas sim
a mim:

- Estou a levar-te para o Hospital Prisão de São Paulo porque os agentes


que te prenderam disseram que estás doente e que estavas a ir no
hospital no ato da detenção.

Fomos até ao HPS.

Quando lá chegamos, a Oficial Superior de Assistência era a senhora


AB (os que estiveram preso no caso 15+2 sabem de quem trata a
história). Ela quando me viu, toda surpresa me disse:

- Não acredito! Outra vez preso? Mas óh Hitler o que é que se passa
contigo, a ttua namorada não te põe na linha?
Enquanto eu ria, os agentes ficaram surpreso com a forma como a chefe
em serviço falava comigo. Daí a AB perguntou pelos outros rapazes.

- O Arante, o Dito e o Luaty?


Eu disse que desta vez ia aguentar o barulho sozinho. O tempo passou,
um agente foi perguntar as escondidas à AB:

- Quem é este jovem afinal de contas?

Ela disse que também não sabia, mas de seguida acrescentou:

- Então vocês trazem pessoas que não conhecem para os outros?

O novo Diretor do Hospital Prisão de São Paulo (um General), chegou


aos risos:

- Hitler seja bem-vindo de volta.

O agente perguntou:

- Chefe quem é este jovem afinal?

Foi a partir desse momento em que os policiais que me raptaram no


dia 10 de Maio de 2019 tomaram conhecimento de quem eu era.

- Este jovem fez parte daquele processo dos 15+2.

Um deles disse:

- Então é por isso que está muito achado.

Momentos depois fui conduzido na sala de internamento para fazer


exame de sangue. Enquanto aguardava pelo resultado, sentia fome e a
única pessoa de confiança naquele instante era a AB.
Pedi para um dos agentes chamá-la, mas ela não podia porque tinha
muito trabalho enquanto OSA (Oficial Superior de Assistência).

Na verdade, eu conhecia todos os funcionários daquele


estabelecimento prisional porque foi lá onde cumpri a maior parte dos
dias no Caso 15+2.
PARTE V

Apareceu uma jovem linda que era na altura responsável pela


enfermagem. Fez-me lembrar da Boneca, uma enfermeira que no
passado havia sido exonerada do cargo por chamar-me de “Príncipe”.
Algo que muita gente não sabe, é que alguns integrantes dos 15+2
tinham desenvolvido romance presidiário, um dia talvez iremos
escrever sobre isso.

Voltando a história recente, a nova chefe da enfermagem, chegou toda


carinhosa e disse-me:

- Hitler, precisas de alguma coisa?

Eu todo encantado, as palavras desapareceram da boca, apenas abanei


a cabeça como se tivesse a dizer: NÃO, NÃO PRECISO DE NADA POR
ENQUANTO.

Ela disse:

- Sou a chefe de turno, conheço-te muito bem, ouvi falar de ti muitas


vezes, pesquisei e sigo-te.

Momentos depois retirou-se.

A partir da sala de internamento há uma vista panorâmica do


estabelecimento prisional. Era possível ver o movimento dos presos
andando de um lugar para outro. Um agente do SIC, reconheceu seu
colega entre os detidos, chamou-lhe pelo nome, mas este levou tempo
para chegar até a janela de onde víamos o movimento todo.
O detido afinal era um agente infiltrado que estava entre os presos com
o nome fictício para aprofundar a investigação.

Quando eram sensivelmente 18 horas, a fome tomava conta da situação


e eu já não resistia. Uma vez que no dia anterior havia comido apenas
no jantar e no dia 10 de Maio, eram 18 horas com o estomago
totalmente vazio.

Um agente trouxe-me sopa, eu disse que não queria comer a comida


dos Serviços Prisionais, apenas queria comprar uma maçã e ele não
deixava.

Disse-me:

- Estás muito achado, você também não é ninguém, vós sóis marionetes
do Ocidente, querem destruir Angola tal como destruíram a Líbia, vão
se dar mal.

Eu disse-lhe para calar a boca porque não sabia o que estava a dizer.

- Eu estou preso porque queria matar o teu chefe João Lourenço.

Ficamos a trocar palavras até por volta das 20 horas, regressamos no


Comando Provincial de Luanda para ficar preso na cela.

Posto na caserna, o chefe da operação orientou um agente para


trancar-me na cela enquanto o resto dos presos estavam no corredor a
empatar a noite com divertimentos prisional. Eu disse que não havia
necessidade porque nós somos todos presos, se uns podem ficar no
vasto corredor por que é que eu tinha que ficar na cela trancado. O
chefe pediu reforço para empurrar-me no interior da cela. Essa atitude
despertou todos os detidos.
PARTE VI

Havia dois blocos, o primeiro por ser mais limpo era chamado de
Kilamba (onde me encontrava) e o segundo de Katambor, onde ficavam
pessoas sem influência na cadeia.

Todos saíram das celas para ver e ouvir o novo detido que estava a
desafiar um agente do SIC que gozava de respeito pelos bandidos por
ter a fama de ter morto muita gente.

O mesmo disse que se eu não entrasse na cela a bem, entraria a


chapadas. Eu todo revoltado disse-lhe se de algum modo levantasse as
mãos sobre mim causaria um escândalo que custaria até a exoneração
do seu chefe máximo.

Nem faço a mínima ideia de onde havia encontrado tanta inspiração


que cheguei mesmo ao ponto de ficar cara a cara com ele à espera da
suposta chapada. Um jovem que era conhecido por Malária, chefe da
cela, interveio.

- Hitler por favor entra só na cela. Esta é a hora que costumamos a rezar
aqui na caserna e por tua causa parece que já não será possível.

Eu todo revoltado olhei para o agente e lhe disse:

- Só estou a entrar na cela pelos outros presos e não pelas tuas ordens.

Daí fui trancado dentro da cela. Quando os agentes se retiravam, um


dos presos riu e disse:
- Chefe João perdeu rede!!! Esse wi é muito mau. (Risos)

Referindo-se a mim e o outro disse:

- Nunca vi na minha vida uma pessoa que está preso ainda lhe metem
mais preso. (Gargalhadas) Como é que nós que matamos, roubamos
estamos aqui e esse está aí fechado? (Admirado) Quer dizer que ele é
mais perigoso que nós hahahhahahhahahah.

Matava-se de gargalhadas e gritava. Alguns decidiram aproximar-se da


cela e um deles perguntou-me:

- Então é verdade mesmo que querias matar o presidente? Te fez o


quê?

Olhei para ele com certa fatiga, mas com risos na cara e lhe disse:

- Esses são tontos e exagerados.

Passaram cerca de 10 minutos. O chefe da operação chegou


novamente na caserna, antes de chegar na minha cela gritou com uma
voz hipócrita e irónica pelo meu nome:

- Hitler... Hitler... Hitler, podes sair para ficar com outros presos aqui no
corredor!

Abriram a porta da cela e admirado com a incompetência do gajo e


com um semblante irónico, lhe disse:

- Foi preciso consultar a ordem superior para saber se posso ou não


ficar no corredor? Vocês não batem bem.
PARTE VII

A primeira noite na cela foi tranquila, no dia seguinte, acordei e fui no


bloco do Katambor onde registei um grupo de menores de idade
detidos.

Tal como em 2015 quando estava detido na "CCL" com o meu amigo
e conterrâneo Dito Dalí, conseguimos influenciar para a libertação de
muitos reclusos que andavam em excesso de prisão preventiva, com os
dados que havíamos enviado ao Rafael Marques e este partilhou ao
jornal português Expresso com o título “ativistas dentro da cadeia
continuam a fazer ativismo”, decidi então voltar a berlinda.

Por lá, registei cerca de 8 meninos com idades compreendidas entre 12


e 16 anos, e que estavam detidos entre adultos. (Triste e admirado)

Depois de algumas horas, os putos foram transferidos para outra


esquadra porque um dos presos havia alertado aos policiais que eu
havia passado o período da manhã a conversar com os mesmos.
(Lamentavelmente) Um jovem que morava no bairro Panguila no
município de Cacuaco, pediu para falar comigo na sua cela, contou-me
as causas da sua detenção, pediu a minha intervenção, outros jovens
juntavam-se a conversa. Num piscar de olho, já sabia quem era quem
na cadeia. (Histórias incríveis)

O Malária que era chefe do Plantão Maior foi agente da Polícia,


trabalhava nos Recursos Humanos e foi o responsável da JMPLA no
município de Belas.
O mesmo estava detido por crime organizado, gabava-se de ser o mais
rico entre os presos e conseguia provar com fotografias, os bens que
possuía. O mesmo tinha no interior da sua cela um *kit do MPLA com
imagens em comícios do seu partido.

Ainda presos, havia três jovens que por intermédio de uma funcionária
do BPC recebiam mensalmente 400.000 kzs cada sem esforço nenhum.
Apenas participavam num esquema de roubo massivo. Um deles
detinha 6 míni autocarros que faziam serviços de táxi e também*usava
as suas viaturas para apoiar as atividades do MPLA no Benfica.

Um grandalhão apareceu na minha cela, deu-me um kule, (Falaí), em


seguida disse que era da inteligência militar e que estava a ser acusado
por violação de menor. Me Disse também que me conhecia por
intermédio de um amigo que foi incluído no caso dos 15, ou seja,
quando se falava de 15+1, este 1 foi o ZNOBIO um dos agentes de
Serviços de inteligência que havia duvidado da nossa intenção de dar
golpe de Estado. O mesmo disse ao seu chefe na altura Gen. Zé Mária
“esses miúdos não são capazes..." palavras suficientes para que fosse
detido e ficou preso até Novembro de 2015.
PARTE VIII

Um amigo de infância que afinal já estava do SIC, apareceu na minha


cela, disse que estava a ser acusado de falsa qualidade porque foi
demitido, mas insistia andar armado e com o uniforme do SIC.

- Se precisares de telefone, posso dar-te uma chamada. - Disse o


Sérgio, amigo de infância.

Estudamos juntos a pré, a primeira até a segunda classe. Seu pai de é


comissário da Polícia, mas ele tem outros caminhos. Um dos rapazes
mostrou-me um senhor que havia acertado mortalmente a Juliana
Kafrique e depois apareceu um grandalhão do SIC que estava a ser
acusado de trafico de marfins.

Cada um foi contando-me suas histórias sem tabus porque na cadeia


apesar de ser um lugar de muita tensão, a sinceridade reina. O agente
do SIC contou-me que havia participado na nossa detenção em 2015
(os 15+2), e que foi a primeira vez sua que viu o Gen. Zé Maria, porque
o mesmo estava lá a dirigir a operação toda.

Contou-me também a forma como foi detido e confessou que havia


mais bandidos no SIC do que fora dele, ou seja, muitos assaltos que
acontecem nos bairros são protagonizados por elementos dos
SERVIÇOS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL e que estão divididos em
grupos.
Quando um grupo vai na zona do outro, investigar um caso, os outros
procuram prender qualquer jovem que aparecer para não permitir uma
investigação profunda. Muita gente nas cadeias em Angola cumpre
prisão inocentemente.
No outro lado, havia a cela das mulheres, os homens pausavam numa
janela a controlar o movimento delas. Havia três angolanas, quatro
chinesas, uma vietnamita e uma portuguesa.

O envolvimento de cada senhora... um homem induziu-lhe em erro. As


chinesas eram parceiras do crime dos chineses que pareciam da Yakuza,
a portuguesa, diziam que roubou dinheiro do senhor que chegaram
juntos de Portugal. A mesma chorava o dia todo alegando que a
acusação era falsa. Entre as chinesas, havia uma que passava o dia todo
a chorar e pelas informações que colhi, a mesma havia sido convencida
para vir em Angola trabalhar, mas não sabia que seria alvo de
prostituição. A máfia havia sido desmantelada. Na noite, os presos
rezavam, entoavam hinos de louvor com muita sagacidade. No dia
seguinte entrou um grupo de crianças e o Malária decidiu bater nas
crianças. Como ninguém falava nada, decidi então intervir.

- Wi você não pode bater nesses putos porque isso é crime! - Disse-lhe.

A partir daí começou a guerra com o Malária. O mesmo parou todo frio,
virou e disse:
- Hitler eu não sou o João Lourenço. Eu sou criminoso, eu mato-te se
meter comigo.

Acreditem, eu estava assustado, afinal, ele era mesmo um criminoso.


Um jovem que havia tornando-se no meu melhor amigo enquanto
estava preso, disse para o Malária todo alterado:

- Se você se meter com o Hitler eu vou te tomar as medidas, tenta só.


A caserna ficou quente, a discussão ficou entre os dois, até que o mais
mau** apareceu:

- Hei, todo mundo cala a boca, eu também estou no lado do Hitler


quem falar kwin vou lhe bater. (Silêncio)

Esse era o Bebutchan, considerado como o mais chateado entre os


reclusos, era um jovem baixinho, corpulento e bruto. O Bebutchan
imprimia medo para qualquer um e estava a ser acusado de homicídio.
Para piorar, convidou-me a ir na cela dele telefonar e deixou bem claro:

- Quem denunciar que o Hitler usou meu telefone, pode se considerar


cadáver.
PARTE IX

Depois do caos, Malária veio ter comigo numa boa, começamos a


discutir política. Ele defendia o MPLA com unhas e dentes e sempre
que alguém intervinha, cortava-lhe aos berros e com ameaças. Neste
instante, apareceu um homem aparentemente jovem, mas com uma
experiência de vida que me deixou pasmo.

O mesmo disse ao Malária:

- Na mesma proporção que detestas a UNITA, eu detesto o MPLA,


porque quando eu era criança no Maquela do Zombo fomos vítimas de
um ataque por parte das FAA alegando que o povo daquela região
colaborava com a UNITA, mas não era verdade. Por essa mesma razão
tive que fugir do Uíge para o Congo Democrático e aliei-me a UNITA.
Participei na guerra que decorreu em 1998, falo com propriedade.
Conheço vários generais que até eram congoleses e hoje são
angolanos.

O jovem contava a história com muita propriedade, com datas, horas e


até nome de cada comandante, quer do MPLA como da UNITA que
participaram no ataque que resultou na queda de Mobuto. Ninguém
foi capaz de contrariá-lo porque todos sabiam que ele era pugilista
profissional.

Depois de tanta conversa com os outros detidos, recebi uma visita.


Demorei um tempinho por tratar-se da primeira.

Enquanto eu estava na visita, os agentes da polícia entraram na caserna,


ameaçaram os detidos e deixaram claro que quem voltasse a falar
comigo teria agravado a sua situação canceraria.
Quando regressei na caserna, encontrei todo mundo estranho, mas há
sempre um rebelde quando paira o medo.

O Bebutchan chamou-me na sua cela e contou-me o que tinha


sucedido. O jovem que dormia comigo na cela, havia sido transferido
para outro bloco. O cenário estava muito estranho(...)

Preparei-me para ir no banho, logo apareceu um senhor que do nada


decidiu mandar umas indiretas aos gritos para mim:

- Você não é ninguém, estás a confundir muito. Vais morrer aqui na


cadeia.

Mas eu não cheguei de ver a cara do mesmo.

Decidi deitar-me, mas logo comecei com uma febre terrível, voltei a
tomar a ducha e enquanto deitava-me na cama, o senhor sentou
próximo da minha cela e voltou a soltar algumas indiretas.

Assim como em todas as cadeias onde passei, a partir das 21h00 é


anunciado o silêncio obrigatório e a proibição de circulação na caserna.
O Bebutchan era o responsável por isso, depois dele anunciar o silêncio
obrigatório, mais ninguém falava. Já havia escrito aqui que foi nesta
cadeia onde encontrei o melhor silêncio obrigatório.

Vale aqui lembrar que eu já estive detido na esquadra do Kifika, na


esquadra do Bairro Operário, na Comarca Central de Luanda (vulgo
CCL), Comarca de Viana e Kakila, mas foi aqui neste presídio onde
encontrei uma cena que me deixou na primeira noite morto de alegria,
era basicamente assim... O Bebutchan coordenador geral com a sua
equipa anuncia:
- Xê! Xê estamos a vir, são horas de dormir, manos do kilamba, manos
do katambor preparem-se.

Essas palavras são introdutórias e eram feitas num grupo coral de


aproximadamente 6 elementos com voz de Kuduristas e depois segue
a parte interessante:

- Aí a cela número 1 da higiene...

Outros respondiam:

- É o silêncio obrigatório;

- Aí a cela número 2 do escrivão... É o silêncio obrigatório;


- Aí a número 3 do papoite que roubou botija... É o silêncio obrigatório;
- Aí a número 4 do Polícia que matou a Juliana Cafrique... É o silêncio
obrigatório;
- Aí a número 5 dos gatunos do SIC... É o silêncio obrigatório;
- Aí a número 6 do Malária Polícia que rouba em nome do MPLA... É o
silêncio obrigatório;
- Aí a cela número 7 do papoite Hitler que meteu consciente o João
Lourenço... É o silêncio obrigatório;
- Aí a número 8 do Nilton falso agente do SIC... É o silêncio obrigatório;
- Aí a número 9 onde não conheço ninguém... É o silêncio obrigatório;
- A cela número 10 do agente das FAA que violou a mboa no Huambo...
É o silêncio obrigatório;

E no final...

- Krá, krá boooom, krá, krá booomm... quem perturbar o silêncio da


maioria vai levar galheta.
PARTE X

Depois daquele momento simbólico, mais ninguém podia falar, mas eu


fui a exceção. Chamei o Bebutchan, disse-lhe que não iria suportar
dormir sem transmitir uma mensagem necessária.

Como ele era mesmo um dos meus, convidou todos os detidos para
ouvir a minha mensagem.

Eu estava fraco porque não quis comer, estando naquele espaço a


partilhar a caserna com agentes dos Serviços de Investigação Criminal
e dos Serviços de Inteligência, mas só de pensar na música do Pablo
Hasél (rapper colombiano) Consciência dame fuerza, levantei que nem
Malcolm X a discursar:

- Caros companheiros, soube que hoje vocês foram ameaçados pela


Polícia por conversarem comigo. Sei que muitos de vocês estão a
morrer de medo e sei que aqui na cadeia existem pessoas que estão a
fingir de presos quando na verdade são agentes da Polícia que estão a
controlar os meus movimentos. Eu gostaria de dizer que tal como
vocês, também sinto medo, mas infelizmente eu não permito que o
medo me domine a 100%. Esse mais velho que estava a mandar
indiretas para mim é vítima como qualquer um de nós, mas infelizmente
a falta de emprego leva alguns irmãos a colaborarem com a polícia para
sobreviverem. Eles até podem viver bem, mas há sempre na sua família
alguém a sofrer e a passar fome. Este mais velho pensa somente na sua
barriga. Quero que saibam que eu tenho orgulho pelo que faço, viram
a forma como a polícia trata-me? – Perguntava eu aos demais.
- Viram a forma como eles encaram-me? Eu estou preso não porque
roubei ou matei, eu não estou preso porque falsifiquei ou porque violei,
eu estou preso porque penso diferente.

Continuei...

- O MPLA não consegue manipular-me e estou aqui porque prefiro


morrer lutando do que ajoelhar-me como mendigo. Olhem para mim,
sou bem fininho, mas este mais velho não teve coragem de falar-me na
cara, agiu como cobarde, falando pelas minhas costas. Se ele fosse
sério deveria enfrentar-me tal como eu confrontei o chefe João,
portanto, podem ficar distantes de mim para o vosso bem, mas saibam
que eu tarde ou cedo sairei daqui e tenho a certeza que será amanhã
mesmo. Muito obrigado pela vossa atenção e peço desculpas pelo
tempo que vos roubei.

Os detidos deram um grito bem forte e da boca de diferentes reclusos


saía a seguinte mensagem...

- Porra... esse wí é morna, a partir de agora sou do teu grupo!!!

- Eu estou farto do MPLA.

- Mete-me no teu grupo!!!


- Na próxima manifestação vou levar a minha AKM!!!

- Esse mambo afinal é fixe!!! (Aplausos)

Notei que a caserna ficou reanimada e que ninguém mais tinha medo
de ser associado a mim.
Alguns seguiram-me na cela, pediram-me os contactos e prometeram
abraçar à causa quando um dia fora da cadeia. No dia seguinte,
sensivelmente as 6h30, agentes do SIC chamaram-me e pediram para
sair com as minhas coisas e eu disse para os detidos:

- Ontem eu disse que iria sair no dia seguinte e está aqui, estou a ir
embora, por isso mais velho SINFO fique bem com o seu trabalho sujo.

Tinha muita comida na pasta térmica que a minha família e os amigos


haviam trazido, mas eu não comia, tive que distribuir para àqueles que
sempre estiveram comigo durante os três dias. Levaram-me para a
Direcção Nacional de Investigação e Ação Penal (DNIAP). O
Procurador, recebeu-me com imensa preocupação, dizendo:

- Filho já estás livre! Vamos apenas registar o que aconteceu para


formalizar o processo e para provar que já estás livre. Toma este
dinheiro, compra qualquer coisa na cantina ao lado e depois vem para
começarmos o trabalho.

Eram 1000 kzs... chamou os agentes do SIC e disse para que fizessem
a devolução das minhas coisas, mas um deles tentou reclamar:

- Chefe fica como?

O Procurador, disse-lhe:

- O caso está nas minhas mãos, ele está livre podem ir.

O agente entregou-me o telefone com muita raiva. Desci, comprei uma


maçã e um sumo. Tentei ligar o telefone, havia pouca carga e encontrei
sinais de que o meu telefone havia sido sincronizado com o
computador do LCL (Laboratório Criminal e o outro "L" me esqueci).
PARTE XI

Fiquei preocupado porque a Polícia havia entrado nas minhas contas


do Facebook, WhatsApp e Gmail, extraíram todas as conversas e
documentos do meu telefone e provavelmente instalaram um aplicativo
de rastreio. Confesso que tive vontade de partir o telefone e, se até
hoje continuo a usar o mesmo é porque nós os pobres temos poucas
possibilidades de comprar essas coisas caras. O procurador que me
recebeu, apresentou-me o Vanderley que de acordo com o Club-K,
João Lourenço tem admiração por este jovem por ter coragem de
investigar os marimbondos. O mesmo começou a rir antes de fazer as
questões e me disse:

- Tu és sortudo. Na minha mão só passa grandes casos, fui eu quem


investiguei o Zenú, Augusto Tomás, Higino Carneiro e tantos outros, e
agora calhou-me o seu processo.

O SIC acusava-me de "atentado e ultraje contra o Presidente da


República", mas o Procurador descartou a acusação de atentado e ficou
apenas "ultraje contra o Presidente da República".

- O que te deu para fazer aquele vídeo? - Questionou o Procurar.

Eu disse-lhe que estava muito frustrado com a situação dos meus


amigos, Arante Kivuvu Lumumba, Dito Dalí, José Da Silva Alfredo e o
Utukidi Scott que haviam sido detidos, julgados, condenados e
obrigados a pagar uma taxa de justiça que não estava no nosso alcance,
uma vez que nós somos pobres, desempregados e não há ninguém que
poderia nos ajudar a conseguir cerca de 450.000 kzs para pagar como
taxa de justiça.
O procurador continuou com as questões:

- Até que nem todo o vídeo está mal, mas sabes que o Presidente é pai
de família e você não pode lhe chamar de wí nem tão pouco dizer que
ele é malandro e que não te dá medo. Você tem tropas? - Questionou
o procurador com bastante tranquilidade.

- Tropa na gíria significa amigo e eles são meus amigos por isso chamei
de tropas. - Disse-lhe com um ar esquisito.

As questões foram todas em volta do vídeo, a Polícia fez a gentileza de


transcrever na íntegra.

Seguiu uma sessão de perguntas e respostas até que chegou a última.


Estava acompanhado de dois Advogados (Luís do Nascimento e Zola
Cliff Ferreira).

Por fim, o outro Procurador regressou na sala onde estava com


Vanderley me e disse:

- Lê e assina esse documento, não podes ficar mais de cinco dias fora
de casa e se vires agentes da polícia nos arredores da sua casa, saiba
que estás a ser vigiado porque o processo continuará aberto até o
julgamento.

Li atenciosamente com ajuda dos advogados, assinei o documento com


todo prazer e levantamos para ir embora.

O procurador com um sorriso sem graça disse-me:

- És famoso, lá fora há muita gente à sua espera.


- É a tropa! – Foi desta forma que respondi o Procurador ao mesmo
tempo que ria porque eu tinha noção de quem estavam à espera de
mim, mas na verdade não tinha bem a noção e quando saí da sala, a
partir do terraço da DNIAP enxerguei a tropa toda e a Ginga Casimiro,
estava distanciada acompanhada da minha prima e da minha
namorada. Eu a morrer de vergonha nem quis descer. A tropa gritou
bem alto ÉÉÉÉÉÉÉhhhhhh. (Gritos)

Nem com isso desci, estava morrendo de vergonha. Pedi para irem no
comando Provincial onde havia deixado algumas coisas e foi lá onde
consegui finalmente perder a timidez e juntar-me à tropa. O Arante
Kivuvu Lumumba, o Gabriel Versace Mugabi e o Utukidi gritavam:

- Beijo, beijo, beijo!

Na verdade, foi graças a essa detenção que os meus amigos


conseguiram conhecer a minha namorada porque eu era tão misterioso
que nem as pessoas próximas sabiam que eu tinha namorada. Cheguei
até ao Arante e lhe perguntei:

- O que achaste da minha dama?

O gajo disse:

- Poças é boa ya!

- É para vocês sentirem, hahahaha. - Disse.

Fomos num cantinho e começamos a conversar em frente do comando.


O chefe da Operação, ou seja, a pessoa que comandou a minha
detenção vinha de cima. Fui lá todo inspirado e lhe disse:
- Seu gajo, pensaste que não ía sair né? Te deste mal. Eu quero o meu
cinto e o atador, agora!

O mais velho surpreso porque não sabia que eu estava solto, ainda mais
com a tropa toda, entrou em pânico.
PARTE XII

Quando cheguei em casa, fiquei a refletir no sucedido, confesso-vos


que me senti mal por ter feito o vídeo, achei que tinha sido muito mal-
educado com o Presidente João Lourenço.

Um grupo de amigos e colegas, chegaram em casa no final da tarde,


daí começaram a contar a versão dos factos que eu desconhecia que
até então o objetivo daquele rapto era de matar, mas não foi possível
porque um vizinho enquanto caminhava com a minha mãe, presenciou
tudo, ficou numa posição segura e gritou sem parar...

- Bandidos, gatunos estão a raptar o vizinho e a vizinha!

Seus gritos haviam despertado a vizinhança, o mesmo correu até em


casa, avisou a minha prima e esta ligou para o meu tio, por sua vez, o
meu tio ligou para o M’Banza Hamza e para o Adalberto Costa Júnior.

M’Banza publicou no facebook e o Adalberto ligou para a Presidência


da República pedindo esclarecimentos. Em pouco menos de 30
minutos, ainda em andamento, recebi cerca de 50 telefonemas e eram
de pessoas com destaque político na nossa sociedade.

Os agentes perceberam que o caso já era de domínio público,


mudaram de planos. Levaram-nos para o Comando. Neste momento
eu ficava a cantar silenciosamente a música do rapper Pablo Hasél com
o título Aunque quisera, pareciam momentos finais, (Uhff).

Comecei a fazer recomposição histórica, lembrei que dois dias antes do


rapto a dona da Hospedaria Taizé que eu nem conhecia, era agente do
SINSE/SINFO juntamente com o seu marido. A mesma havia
questionado ao meu tio as razões que me levam a não ter emprego
uma vez que eu sou licenciado e conhecido como uma referência
académica no município.

O meu tio quando me disse sobre o encontro que teve com ela,
menosprezei, ou seja, disse não gostar desses assuntos.

No mesmo dia, pela tarde, uma outra vizinha abordou o meu tio e
procurou saber qual era o papel que eu desempenhava no Projeto
AGIR. De acordo com a explicação aparentava que eu liderava o
projeto, mas oficialmente existia um quadro orgânico onde eu nem era
a quarta pessoa, ou seja, há um coordenador, um porta voz, um
presidente de mesa, um presidente do conselho fiscal, mas não há
nenhum Hitler Samussuku na hierarquia da associação.

Quando o meu tio me falou disso, fiquei a rir. Lhe disse para que na
próxima dissesse que eu era um simples membro do Projeto AGIR e
que não tenho ambição para ocupar cargos na hierarquia. Depois dessa
conversa, expliquei a estratégia ao meu tio, o porquê de eu não ocupar
um cargo de relevância dentro da associação. Ele sorriu dizendo que a
estratégia era muito boa.

Na senda da recomposição histórica, lembrei da conversa que tive com


o meu Professor na festa da União Europeia e concluí que foram os
Serviços de Segurança do Estado que haviam tornado viral o vídeo no
WhatsApp para justificarem a minha detenção, até porque quando
entrei no WhatsApp o José Gama do Club K havia encaminhado o
vídeo para mim e também a C.P madrinha da filha do Latyga que é
vizinha do JLO.
PARTE XIII

Depois de ter juntado todos os pedaços da história, percebi que não


era uma simples detenção, era um rapto com vista a pôr fim a minha
vida, mas que fracassou. Os agentes não estavam uniformizados, não
possuíam mandato de captura, a viatura não tinha matrícula, eram 9
para 1 e acabou por ser para 2 com a minha mãe.

Lembrei que durante o percurso um agente disse-me:

- Deste-nos muito trabalho, passamos duas noites no teu bairro a te


caçar.

Tal como disse no PARTE I, eu havia dormido fora de casa no dia 8 de


Maio e no dia 9 cheguei tarde. O rapto aconteceu dia 10 de Maio por
volta das 9h quando caminhava em direcção da clínica.

Fiquei a refletir muita coisa naquela noite, se o crime não é


transmissível por que é que levaram a minha mãe?

A partir daí, fui perdendo o resto de respeito que tinha pelo João
Lourenço até porque no tempo de José Eduardo dos Santos fui preso,
julgado e condenado, mas não tocaram na minha família e o senhor
João Lourenço não sentir-se-ia bem se alguém tocasse na sua família.

Lembrei do livro "Os pecados do meu Pai", escrito pelo filho de Pablo
Escobar.

Num dos capítulos ele escreve que seu pai perdera a cabeça quando
uma Gang Rival sequestrara a sua irmã.
Três dias depois, um jovem chamado Kalunga que é responsável pelo
CNJ-Luanda, chegou à minha casa por volta das 17h30, conversamos,
disse-me que era da JMPLA e que ficou surpreso com o último
acontecimento, razão pela qual veio solidarizar-se.

Durante a conversa, o mesmo recebeu telefonema de um Ministro que


só ele sabe quem era e transmitiu-me a mensagem de que no âmbito
do programa habitação jovem eu tinha o direito de beneficiar uma
residência no Zango Zero e que não precisava de nenhum documento
além do meu bilhete.

Me disse que com a idade que tenho não podia mais viver na casa
dos velhos.

Agradeci a preocupação dele e neguei redondamente a proposta. O


jovem bem calmo, com a esperança de um dia eu ligar para ele
aceitando a casa, me disse:

- Pensa bem.

No dia seguinte, um jornalista que era amigo seu, ligou-me


preocupado:

- Como é então Hitler? O Kalunga disse que você não quer a casa qual
é a tua? Você não estudou na UAN? Aquilo não é universidade
pública? Você não anda de autocarros públicos aquilo é de quem? A
casa é do governo, recebe só para de truques.

Eu ria o tempo todo até que mudamos de conversa.


Dois dias depois, um ativista enviou-me uma SMS todo feliz da vida,
para que tivéssemos uma reunião em Viana, liguei para saber o
conteúdo da reunião, disse que havia conseguido um apoio para os
ativistas.

Já no dia seguinte, fui para Viana reunir com os outros ativistas, neste
dia encontrei a tropa toda, inclusive os generais da reserva. Daí vieram
com a história das casas, ou seja, o responsável pelo CNJ-Luanda
prometeu dar 10 casas aos ativistas, mas dentro dessas 10, uma era
obrigatório a ser do Hitler Samussuku.

Eu disse para eles que não estava interessado na proposta e que não
era contra quem pudesse receber. Soube ainda que haviam oferecido
10 casas para jovens do MPLA, 10 para jovens da UNITA, PRS, FNLA,
CASA-CE e restavam 10 para os ativistas, mas que essas coisas só
seriam atribuídas caso, eu aceitasse.
PARTE XIII

Restavam 10 casas para os ativistas, mas que as mesmas só seriam


atribuídas caso eu aceitasse.

Eu insisti que não estava interessado, mas daí essa conversa chegou
aos ouvidos dos Serviços de Segurança do Estado e das lides do
MPLA.

O respeito por mim cresceu significativamente naquele tempo. Por


um lado, os ativistas começaram a encarar-me como um gajo muito
forte não pelo simples facto de ir preso pelos outros, mas também por
não cair na tentativa de suborno. Alguns passaram a chamar-me de
General e outros de Presidente.

Já no outro lado da corrente, um Comissário da Polícia Nacional


conseguiu o meu número por intermédio de uma amiga, ligou-me
para dizer que eu fui muito corajoso ao enfrentar o Presidente e que
valeu a pena ter-lhe provocado. O mesmo disse-me durante o
telefonema que muita gente no seio do MPLA estava com dúvidas
sobre o autoritarismo de JLO, mas foi a partir daí que perceberam que
ele não é tolerante.

Antes de ir preso, estava a fazer medicação de estômago numa clínica


onde o médico é general. O mesmo soube que eu havia sido detido
e quando regressei para dar continuidade a medicação, chamou-me,
fez o seu trabalho e depois disse-me:

- Você aqui comigo és bem calmo, afinal é malandro? Acha que eu


não sei que estava preso?
Vou-te contar:

- Você é muito forte, eu quando tinha a sua idade também havia sido
preso no 27 de Maio, mas não demorei.

Enquanto ele falava, ria-me de vergonha.

Um tio meu que é do SINSE/SINFO nunca havia ligado para mim em


toda minha vida, mas depois disso ligou-me:

- Sobrinho, está tudo bem? Sou o tio X. Aqui no trabalho estão a


duvidar que és minha família.

Eu com ar desprezativo, disse-lhe que não sabia o que fazer para lhe
ajudar naquele momento e que para mim era indiferente se ele era ou
não meu tio.

Ele todo preocupado, pediu um encontro e até hoje não tive o prazer
de concretizar.

Não sei se devo prosseguir escrevendo, mas vou seguir os


comentários e envidar esforço para transformar em livro esta série de
memórias que decorreram nos dias 8 à 13 do mês de Maio de 2019 e
não deixarei de anexar páginas de vários jornais e portais angolanos
que divulgaram a informação.

O livro poderá ter mais de 100 páginas e a letra da música do


Mordomo Templário Abstrato que relatou minimamente o sucedido.
FIM

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