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10/12/2020 O homem que confundiu a mulher com um chapéu – Repórter Sombra

Cultura Literatura

O homem que confundiu a mulher com um


chapéu

Rosa Machado  • 01/08/2016 0  lido 3 minutos

Para quem é fã do cérebro e das suas capacidades, como eu, vai deliciar-
se com Oliver Sacks e o seu livro de histórias. Contar histórias, sim, porque
é isso que este neurologista 04pretende fazer neste livro. Desvendar-nos
alguns contos reais do que o nosso cérebro é capaz. Claro que, como
médico que é, se preocupa com os pensamentos, tece considerações,
expõe hipóteses, mas não está obcecado por dar-nos uma explicação
científica exacta. Oliver Sacks era um curioso, acima de tudo, e é com
curiosidade e humanidade que olha para os seus pacientes, criticando até
o sistema que só se preocupa com a doença e que esquece o seu
portador.

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10/12/2020 O homem que confundiu a mulher com um chapéu – Repórter Sombra

O homem que confundiu a mulher com um chapéu divide-se em quatro


partes: “Perdas”, “Excessos”, “Transportes” e “O Mundo dos Simples”:

Em “Perdas”, o autor explica-nos as histórias impressionantes e estranhas


daqueles que sofreram algum tipo de perda neurológica: amnésias, afasias
(perturbações / perdas nas funções da linguagem), apraxias (perdas na
capacidade de movimentos), agnosias (perda no reconhecimento de
objetos), entre outros. Aqui chega-nos a história do homem que dá o
título ao livro – o Dr. P, um músico excepcional com agnosia, incapaz de
reconhecer caras e objetos. Daí a confusão entre a cabeça da sua própria
mulher e um chapéu. Contudo, o que interessa ao Dr. Sacks não é só a
perda de uma função neurológica – é a adaptação humana e cerebral a
essa perda. Como se recupera deste tipo de perda? Mais, como é que se
vive?

Na parte dos “Excessos”, o autor fala de casos neurológicos… Não,


desculpem, de histórias de vida onde existe algum tipo de excesso. De
dopamina, principalmente, como no caso de pessoas com Síndrome de
Tourette. Nestes contos, o autor mostra-nos pessoas que se sentiam
muito bem, mas que a linha entre a euforia e o descompasso era muito
ténue. Sentiam-se bem demais, anormalmente bem, mas seria isso
totalmente mau? É interessante ver como, mesmo tendo um excesso
“anormal” que nos pode limitar nalguns casos, é possível que haja uma
perda muito mais importante ao controlar esse excesso, do que teríamos
se fôssemos “normais”.

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10/12/2020 O homem que confundiu a mulher com um chapéu – Repórter Sombra

Oliver Sacks utiliza o termo “Transportes” para nos falar, na terceira parte,
de reminiscências, memórias, que nos transportam a outros tempos.
Mostra-nos memórias perturbadoras que foram desbloqueadas por um
acidente, sonhos tão reais que se tornam parte da nossa vida, lembranças
de uma infância perdida ao “ouvir” uma música depois de um derrame.
“Ouvir”, entre aspas, porque não havia, no exterior, nenhuma música.
Música, fala-se sempre, em todas as partes, muito de música. Quanto do
que sonhamos, do que lembramos (ou não lembramos) é real, faz parte
de nós, nos transforma? Nesta parte, o autor dá-nos também uma
explicação neurológica para as visões de uma religiosa do ano de 1180.

Adorei todas as histórias, cada uma deixava-me mais perplexa que a


anterior. No entanto, o que mais me impressionou neste livro foi como, na
última parte, “O Mundo dos Simples”, Oliver Sacks mostra como seria
mais correcto deixar de se focar apenas nos problemas de pessoas com
deficiência mental, IQ baixo, considerados “anormais”, e abrir a mente
para ver como podem ser especiais em áreas específicas. No caso destes
pacientes, eram especiais às vezes com números, às vezes com desenho,
às vezes em teatro. O autor quer mostrar como “anormal” não significa
que não perceba o mundo, que não sinta, que não entenda, só porque o
faz de forma diferente. Pode não ter a ver, mas lembra-me uma frase
(atribuída a Einstein), algo como “todos somos génios, mas se julgarmos
um peixe pela sua capacidade de subir uma árvore, ele vai passar a vida
toda a acreditar que é estúpido”.

Gosto da forma humana como Oliver Sacks nos conta as histórias. É um


cientista curioso? É. Não deixa de estar a analisar os seus pacientes, de
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10/12/2020 O homem que confundiu a mulher com um chapéu – Repórter Sombra

procurar respostas? Não, mas consegue preocupar-se com o “depois”,


com o “para além da doença”, e é isso que faz dele um contador de
histórias espectacular. Gostei mesmo deste livro.

Li-o em inglês e já tem alguns anos (escrito nos anos 70, mas revisto em
1985) e seguramente alguns dos casos que o Dr. Sacks não sabia
diagnosticar já são facilmente explicáveis. Não sei. Acabei de ler agora e
ainda estou impressionada com as histórias incríveis, quase mágicas (o
realismo mágico passado para a realidade) e  não tive tempo de ir em
busca de teorias e soluções. Sei que vou querer, eventualmente, descobrir,
mas para já estou ainda na fase do deslumbramento.

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