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Jacques Bergier

PASSAPORTE
PARA UMA OUTRA TERRA

2? Edição

Livraria Francisco Alves Editora S.A.


© Éditions Albin Michel, 1974
Título original: Visa pour une autre Terre

Tradução: Wilma Freitas Ronald de Carvalho


Capa: Villy

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

1978

Todos os direitos desta tradução reservados à


LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S.A.
Rua Barão de Lucena, 43
Botafogo
22.260 Rio de Janeiro, RJ
Sumário

Capítulo 1
O pudim mágico 7

Capítulo 2
A geografia sagrada 27

Capítulo 3
Eles estão entre nós 49

Capítulo 4
As portas induzidas 67

Capítulo 5
Os Imortais 87

Capítulo 6
Sociedades secretas e centrais de energia 105

Capítulo 7
As idéias de um não-iniciado sobre a iniciação 123
Capítulo 8
Um daqueles que guardam as chaves dos
segredos da magia 141

Capítulo 9
... ficou nesta Terra e congrega os eleitos 159

Capítulo 10
Nesses livros poeirentos... 177
CAPÍTULO 1

O pudim mágico
A idéia que temos da ciência é, na maioria das vezes,
a mesma de Pascal: uma esfera imensa desdobrando-
se ao longe. No centro desta e em plena luz está o co­
nhecido. No exterior, no meio das trevas externas,
encontra-se o desconhecido. Quando o raio da esfera
aumenta, aumenta também sua superfície e, portanto,
o número de pontos de contacto com o desconhecido.
É uma bela imagem, que faz parte das idéias ge­
ralmente recebidas. No entanto, parece-me falsa. O
objetivo deste livro é demonstrar isso. Tenho, já agora
há quarenta anos, a experiência em dois domínios onde
os fatos contam mais do que qualquer outra coisa: a
pesquisa científica e a informação. Conto, iguahnente,
com alguma experiência na polícia que, embora infe­
rior aos dois domínios citados anteriormente, não deve
ser negligenciada. E posso afirmar que a imagem de
Pascal é falsa porque o desconhecido e o conhecido
estão misturados. Correndo o risco de chocar os filó­
sofos, diria que a imagem do mundo é como a de um
pudim contendo frutas cristalizadas. Na grande, massa
do conhecido aparecem, inesperadamente, fragmentos

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do desconhecido que não conseguimos remover e que
são muito diversos da estrutura geral do universo.
A ciência, que não gosta deste tipo de coisas, pro­
cura eliminá-las. Geralmente, tem excelentes razões
para isso. Afirma:
“Não é possível que caiam pedras do céu porque
não existem pedras no céu”.
Isto não impede a queda dos meteoritos.
O telefone pode tocar na Delegacia de Polícia
tanto para comunicar um assassinato, uma chantagem
ou um rapto, como para anunciar uma possessão de­
moníaca, uma feitiçaria ou um fenômeno de manifes­
tação de espíritos através de ruídos.
No laboratório, o inexplicável pode se manifestar
tanto quanto o conhecido. Os mesmos instrumentos
servem para detectar partículas bem identificadas, al­
gumas das quais, aliás, são fabricadas em nossos pró­
prios instrumentos, assim como acontecimentos cósmi­
cos excepcionais, que talvez sejam partículas prove­
nientes de uma outra galáxia de estrelas que atraves­
saram milhões de anos-luz, talvez, até astronaves es­
trangeiras viajando a uma velocidade próxima à da
luz que se contraíram até atingir a dimensão de uma
partícula.
Todos os dias, cientistas oficiais, das ciências exa­
tas e naturais, trazem-me experiências impublicáveis,
porque contrariam todas as leis conhecidas.
Nas ciências de observação, como a astronomia
ou a etnologia, o pudim é extremamente rico em frag­
mentos que contêm o desconhecido e que não pode­
mos eliminar. Como diz o escritor americano Robert
Bloch:
“Um saber assustador é, repentinamente, revelado
a uma pessoa em um milhão”.

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Tudo isto pode ser constatado posteriormente em
documentos de circulação limitada, em brochuras obs­
curas, em conversas que são mantidas nos corredores,
durante congressos científicos, e que são, quase sem­
pre, mais apaixonantes do que os próprios congressos.
Estes fragmentos do desconhecido, inseridos na
nossa realidade, são evidentemente desconcertantes.
Dois reputados cientistas emitiram as opiniões a seguir
transcritas. O biólogo inglês J. B. S. Haldane escreveu:
“O universo não só é mais estranho do que o ima­
ginamos, como também é mais estranho do que tudo
quanto possamos imaginar.”
E Arthur C. Clarke, o inventor dos satélites arti­
ficiais, prêmio Kalinga de divulgação científica, es­
creveu:
“Uma ciência superior à nossa deve, necessaria­
mente, aparecer a nossos olhos como uma magia.”
Encontra-se comumente nas publicações científi­
cas comunicações puramente mágicas que os autores
conseguiram fazer passar bem debaixo dos narizes das
respeitáveis comissões encarregadas de vigiar todas as
publicações.
Também encontramos, nos relatórios das doutas
academias de ciências e nas revistas científicas, um
cientista que cria ratos telepatas, um que mostra a pos­
sibilidade de viajar fisicamente pelo tempo, outro cujos
pacientes hipnotizados lhe revelam o futuro, e muitas
outras riquezas.
Claro que não leio tudo. Todavia, tenho corres­
pondentes espalhados por todo o mundo que me man­
dam algumas referências das quais mando tirar foto­
cópias. A mais séria pesquisa científica é um pudim
mágico e a realidade cotidiana o é muito mais. Basta
fazer uma seleção. Mas afinal, você acredita em tudo?
é o que me perguntarão.

11
Não, estabeleço alguns limites.
Chesterton dizia muito justamente que. gostaria
muito de admitir violações às leis desconhecidas, já
que por definição as ignorava, mas que era muito cé­
tico no que dizia respeito à violação das leis que co­
nhecia. E citava este excelente exemplo:
“Se me dissessem que Gladstone, no seu leito de
morte, fora perseguido pelo fantasma de Disraeli, acre­
ditaria piamente: trata-se, neste caso, de leis desconhe­
cidas. No entanto, se me dissessem que Gladstone, re­
cebido em seu quarto pela rainha Vitória, estava com
um charuto na boca e cuspira no chão, nãb acreditaria
de jeito algum. Exatamente porque isto viola leis que
conheço muito bem.”
Mesmo nas leis do desconhecido, creio que deve­
mos colocar algumas barreiras de proteção. Como
exemplo, contarei uma estória na qual não acredito,
embora conheça pessoas que acreditam. O fato acon­
teceu recentemente, em São Paulo.
Uma moça encontra um rapaz num baile. Ao saí­
rem, como estivesse fresco, o rapaz coloca seu capote
nas suas costas, dizendo:
“Isto me dará um excelente pretexto para tornar
a vê-la.”
Mas ele não aparece. O capote tem um endereço.
A moça vai até lá e encontra uma senhora que lhe diz:
“Este capote é de meu filho que morreu há dois
anos.” E mostra um retrato que a moça reconhece.
Pois bem, não acredito nisto.
Podem me perguntar:
“Mas então, como explica os fatos?”
Minha explicação é muito simples.
O rapaz em questão é um ladrão que roubou o
capote, e que não voltou porque estava na cadeia ou
fora morto por alguém do seu meio.

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Quanto ao fato da moça tê-lo reconhecido, ex­
plica-se simplesmente pela constatação de que todos
os bonitos rapazes brasileiros, do tipo gigolô, com bi­
gode em formato de guidão de bicicleta, se parecem.
Acham esta explicação prosaica demais? Sinto
muito. Contudo, meu objetivo não é fazer sensaciona-
lismo pelo sensacionalismo. Meu objetivo, neste livro,
é encontrar fatos que permitam a formulação de hipó­
teses que vão além daquilo que sabemos e, eventual­
mente, conduzam a pesquisas. Estas hipóteses, escolhi-
as, entre outras, por serem estimulantes para o espírito
e por propiciarem sonhos. A meu ver, a ciência não
deve, de modo algum, ser separada do sonho e do fan­
tástico. Só que, como a mistura da ciência com o so­
nho é explosiva, ela deve ser manuseada com precau­
ção. E é isto o que tentarei fazer.
Acontece, muitas vezes, que o fantástico pode ser
esclarecido por uma outra coisa fantástica. Foi assim
que o mistério do navio Mary Celeste, encontrado
abandonado no século XIX por toda a tripulação e
com os barcos salva-vidas em seus lugares, foi expli­
cado, no século XX, pelo escritor inglês Eric Frank
Russel a partir de um mistério mais recente, o de Pont-
Saint-Esprit. Nessa cidade francesa, as pessoas ficavam
loucas após horríveis alucinações. Descobriu-se que isto
fora devido ao pão que continha um parasita denomi­
nado esporão do centeio. Este parasita contém um alu­
cinógeno. Ora, Eric Frank Russel afirmou que, em
Gibraltar, o fornecedor do Mary Celeste vendera-lhe
pão estragado que continha esporão de centeio. Esse
fornecedor foi condenado. A tripulação do Mary Ce­
leste ficou toda louca e atirou-se ao mar. E a explica­
ção de um mistério como este de Pont-Saint-Esprit
pode ser aplicado a outros mistérios. Este é o método
que pretendo usar neste livro.

13
Espero poder respeitar o leitor em toda a medida
do possível. Não falarei a respeito de coisas que sei
serem falsas: curandeiros, médiuns, radioestesia, dis­
cos voadores. Isto dá lugar a divagações muito vastas.
Através da minha experiência pessoal, de dossiês
que os leitores me trazem, de revistas científicas e re­
latórios de academias, vou tentar perseguir o desco­
nhecido que se encontra muito perto de nós. Algumas
das minhas hipóteses parecerão fantásticas. Mas, como
já afirmou Teilhard de Chardin:
“Em escala cósmica, somente o fantástico tem a
possibilidade de ser verdadeiro.”
Quem acreditaria, antes de Pasteur, que somos
roídos por seres vivos diminutos demais para serem
vistos? Mesmo após Pasteur, e até 1912, este ponto
de vista foi combatido e, ainda hoje, os biólogos não
gostam muito de Pasteur.
Quem acreditaria que alguns homens de Nean-
derthal sobrevivem ainda em nossos dias?
No entanto, foi encontrado um cadáver de Nean-
derthal recentemente nos Estados Unidos, e algumas
escavações na Austrália demonstraram que uma tribo
de homens de Neanderthal ainda vivia por ali há ape­
nas nove mil anos.
Quem acreditaria que fosse possível vacinar as
máquinas? Contudo, isto é feito: injeta-se numa má­
quina um erro que ela nunca mais repetirá.
Quem acreditaria que fosse possível existir uma
pilha atômica natural? Acaba de ser encontrada uma
no Gabão.
Existem excelentes trabalhos que são verdadeiros
catálogos de mistérios deste tipo. Citaria, por exemplo,
Invitation au Château de l’Etrange, de meu amigo
Claude Seignolle.
O objetivo do presente livro é diferente.

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Trata-se de escolher entre os grãos estranhos que
pude reunir aqueles que podem servir para a defesa
de algumas das minhas idéias preconcebidas. Estas
idéias podem parecer surpreendentes, como por exem­
plo, a existência de imortais entre nós ou a idéia de
que a Terra talvez tenha alguns segredos em diversas
dimensões que nem sequer imaginamos. Vou ser fran­
co: defendo estas idéias porque isto me diverte, e espe­
ro distrair o leitor e dar-lhe, após a conclusão do livro,
algumas boas ocasiões para sonhar.
Contudo, também penso que idéias deste tipo são
verdadeiras. A ciência progredirá no sentido do ina­
creditável. Depois da ciência do século XX, haverá
a do século XXI, depois da do século XXI haverá
aquela do século XXX, que nos parecería completa­
mente incompreensível.
Os grandes negócios de 1972, os que envolvem
maiores quantidades de dinheiro, são feitos em torno
de produtos cujo próprio nome nem existia na língua
em 1950: transistor, tranqüilizantes, pílulas anticon­
cepcionais. No ano 2000, oitenta por cento dos negó­
cios da indústria serão realizados com produtos e ser­
viços que, atualmente, só existem em pequenos labo­
ratórios e cujos nomes são totahnente desconhecidos.
Alguns destes produtos, que já começam a ser di­
fundidos, são mais fantásticos do que a ficção cientí­
fica. O diodotúnel, por exemplo, é um dispositivo em
estado sólido no qual os elétrons passam de um ponto
a outro sem tocar nos pontos intermediários. O emi­
nente físico George O’Smith, cuja equipe, durante a
segunda guerra mundial, venceu os kamikazes inven­
tando o detonador de proximidade que fazia explodir
a distância os projéteis de D.C.A., pensa que o diodo­
túnel contém o germe da futura conquista do espaço.

15
Ou o frigatron, dispositivo no qual a passagem da
corrente elétrica produz frio ao invés de calor. Ou
ainda as drogas psicomiméticas, medicamento que é
ministrado ao médico e não ao doente e que permite
compreender o estado de espírito dos doentes mentais
fazendo-o experimentar as mesmas sensações.
Inúmeras invenções tão extraordinárias podem ter
sido feitas no passado, caindo apenas nas mãos de pe­
quenos grupos que não as divulgam.
Algumas vezes chegam até rtós os ecos destas
invenções.
Limitar-me-ei, simplesmente, a relatar a história
de Sir John Evelyn, memorialista inglês do começo do
século XVII.
As memórias de Sir John Evelyn são muito utili­
zadas pelos historiadores e ele nunca foi apanhado em
flagrante delito de erro ou de imaginação. Pois bem,
vejamos o que narra Sir John Evelyn:
Numa tarde em Roma, ele encontra um italiano
ou pelo menos um meridional ou oriental que lhe mos­
tra um anel. No engate deste anel, há um ponto de
fogo ofuscante. O desconhecido toca com o anel no
cachimbo de Evelyn, que se acende. Em seguida, co­
munica a Evelyn que o anel está à venda e propõe um
preço. Evelyn, um bom escocês em viagem, sempre
disposto a comerciar com os habitantes locais, faz uma
contraproposta. O desconhecido diz: “Milord, jamais
discuto preços”. E desaparece no meio da multidão.
Evelyn corre atrás dele mas não consegue alcançá-lo.
Voltemos a 1972. Mesmo com as técnicas mais
modernas, mesmo com os eletretos, dispositivo que re­
força a eletricidade estática como os ímãs reforçam o
magnetismo, mesmo com os isótopos radioativos, desa­
fio quem quer que seja a colocar no engate de um anel
uma fonte de energia capaz de acender um cachimbo.

16
Um cigarro talvez, mas não um cachimbo. E então?
De onde este inventor — admitindo-se que Evelyn te­
nha visto o próprio inventor — tirou seu dispositivo?
Não o sabemos.
Outro exemplo: Cromwell organiza seus massa­
cres na Irlanda (antes de Hitler jamais se conheceu
genocida igual) e faz imperar o terror na Inglaterra.
Organiza uma polícia, implacável e secreta, um mo­
delo para a Gestapo. Entrega esta polícia ao cunhado
Thurloe. Este cria um departamento de censura
.
* E
recebe a visita de um indivíduo que fora lhe fazer uma
proposta:
“Sir, o grande problema no seu departamento de
censura é o tempo necessário para copiar as cartas.
Quando a carta vem em linguagem clara é possível re­
sumi-la. Contudo, quando se trata de uma carta em
código isto é impossível e deve-se copiar tudo. Pois
muito bem, eu posso fazer cópias instantâneas. Deixe-
me só com as cartas e em poucos minutos trar-lhe-ei
algumas cópias.”
E foi o que o indivíduo fez. As cópias desapare­
ciam ao cabo de algumas horas, mas isto bastava para
que se pudesse estudá-las. Indiscutivelmente, tratava-se
de um sistema de fotografias ou de reproduções ele-
trostáticas, porém como é que o desconhecido dispu­
nha de um material deste tipo no tempo de Cromwell?
Ninguém sabe.
E houve inventores que desapareceram por sabe­
rem demais...
O caso mais chocante foi o de Rudolph Diesel, o
inventor do motor do mesmo nome, que toma, no iní-

♦ Cabinet noir no original: departamento secreto para a cen­


sura de correspondência, criado por Lüís XIV. (N. do T.)

17
cio do século, um navio para a Inglaterra a fim de
vender ao governo inglês o segredo de um Diesel su­
ficientemente leve para ser utilizado na aeronáutica.
Desaparece durante a travessia, num mar calmo, e seu
corpo nunca foi encontrado. Ninguém conseguiu, ja­
mais, construir um motor Diesel leve o bastante para
poder ser utilizado na aviação. Falou-se que os servi­
ços secretos da Alemanha imperial assassinaram Diesel
para que não pudesse dar à Inglaterra uma vantagem
que lhe permitiría vencer uma guerra eventual.
Talvez... Todavia, isto nunca foi provado.
Os enclaves do desconhecido influenciam nossa
vida. Podemos influenciar, por seu intermédio, outros
universos e estes outros universos podem nos influen­
ciar. O mecanismo é bastante parecido com o que su­
cede no jogo de xadrez, quando um peão só pode per­
correr as casas brancas e o peão adversário só pode
percorrer as negras. Não podem se influenciar direta­
mente; é, exatamente, a situação de dois universos di­
ferentes. Contudo podem se influenciar, e influenciam-
se, por intermédio das outras peças.
É assim que os universos diferentes do nosso nos
influenciam e nós os influenciamos. Pode-se fazer uma
representação matemática rigorosa disso, porém não
infligirei este tormento aos meus infelizes leitores.
Até onde vão estas influências?
Acho que não é preciso cair em idéias paranóicas.
Somos donos do nosso destino, e este não é regido nem
pelo “sentido da história” dos marxistas, que não exis­
te (ver a este respeito a brilhante demonstração do
professor Jacques Monod, prêmio Nobel de medicina
e biologia, em Le Hasard et la Nécessité, Editions du
Seuil), nem por sociedades secretas.

18
Ê provável que, para ficarem indetectáveis, estas
sociedades não devam, justamente, intervir em nossas
vidas.
Num outro capítulo falarei novamente a respeito
da iniciação e das sociedades secretas. Enquanto isto,
contarei, tão-somente, uma estória que imaginei em
todos os particulares, baseado em fatos reais e que
mostram bem o que podería ser uma verdadeira socie­
dade secreta.
No final do século XIX, o matemático alemão
Cantor inventou (ou descobriu, se realmente existem
entidades matemáticas fora de nós) números maiores
que o infinito. Imediatamente, os outros matemáticos
revoltaram-se, os ataques mesquinhos e injustos espa­
tifaram seus nervos e, finalmente, ele ficou louco. Ê
muito pouco provável que qualquer outra pessoa tives­
se, algum dia, imaginado sem ele os números maiores
que o infinito, e é nisto que se baseia a minha estória.
Imaginemos que Cantor tivesse sido advertido por
um pressentimento dos problemas que enfrentaria caso
falasse. Teria então guardado para si mesmo os núme­
ros maiores que o infinito e só contaria isto a alguns
amigos. E quando morresse restaria uma verdadeira
sociedade secreta, reunindo-se para falar sobre os
números transfinitos, não recebendo contribuições, nem
publicando revista, nem solicitando tempo ao rádio ou
à televisão. Sendo a própria idéia de discussões em
sociedades deste tipo inconcebível para o. resto da hu­
manidade, estas não correríam o menor risco de de­
tecção, mesmo na sociedade mais policiada.
Creio que existem sociedades deste tipo. Por de­
finição, pequenos grupos deste tipo, trabalhando em
domínios ignorados na sua época, não correm o risco
de serem notados. Parece que o abade Trithème teve
um meio de comunicação por rádio, que ele- e seus

19
amigos podiam usar sem risco de detecção. Alguma
coisa a esse respeito chegou aos ouvidos de Cyrano de
Bergerac, o que lhe permitiu descrever uma estação
de rádio no Les Etats de la Lune et du Soleil: Atual­
mente, existe num país do leste, onde as pesquisas a
respeito da telepatia são proibidas, uma sociedade se­
creta de telepatas. Como a polícia não dispõe de tele­
patas, estes não correm o risco de serem descobertos.
Bem recentemente, a comissão de energia atômica ame­
ricana publicou a descrição de um sistema de comu­
nicação não-eletromagnética, utilizando os mésons mu.
Se este sistema foi usado antes, nenhuma polícia que
estivesse utilizando detectores eletromagnéticos poderia
percebê-lo.
Se os tachions, partículas hipotéticas que se des­
locam mais rápido do que a luz, propostas por Gerald
Feinberg, um dos meus colegas na Academia de .Ciên­
cias de Nova Iorque, existem, e se alguns grupos se­
cretos serviram-se deles para se comunicar com seres
extraterrestres, não estamos, de modo algum, aptos a
detectar estas comunicações. Mesmo se alguns extra­
terrestres nos visitam, mas tão-somente para manter
contacto com pequenos grupos de iniciados, o fenô­
meno permanece indetectável. Este livro está todo ba­
seado na idéia de que o mundo em que vivemos é bem
mais estranha do que podemos crer. Este é o ponto de
vista dos cientistas. Daqueles, pelo menos, que fazem
reahnente pesquisas e não apenas administração. Bem
recentemente, as edições Doubleday de Nova Iorque
publicaram um livro intitulado Ahead of Time, redi­
gido por autênticos cientistas e composto, aliás, em
grande parte, por artigos publicados na imprensa cien­
tífica. Nele encontramos entre outras coisas:
20
— A descrição de uma máquina para prever o
futuro
— A descrição de planetas artificiais
— A teoria de uma astronave interestelar
— Alguns métodos de comunicação com os ex­
traterrestres.
E outras mais.
A pesquisa científica autêntica é feita no mundo
real e encontra, constantemente, estas partículas do
desconhecido que já comparei às passas num pudim.
O presente livro não tem a pretensão de estar ao nível
de uma pesquisa científica, mas pretende ter o mesmo
espírito.
Se ele freqüentemente o extrapola, se algumas ve­
zes causa impacto e choca o leitor, esta extrapolação
não é feita a partir do delírio e não é meu objetivo
fazer sensacionalismo unicamente para chocar. Tento
imaginar o universo tal como ele é.
Dentro de um século ou dois, as minhas idéias
parecerão de uma timidez desoladora. Enquanto isto,
tento propor hipóteses, menos extraordinárias, com cer­
teza, do que a realidade, porém originais, que eu sai­
ba, com relação ao que já foi escrito. Procuro fazer
uma obra de pioneiro, preparado para receber todos
os riscos de um pioneiro. Já fui consideravelmente ata­
cado, porém tenho os nervos sólidos. Como Cantor,
que descobriu os números transfinitos, outros, Semmel-
weiss, que descobriu a assepsia, Wells, que inventou a
anestesia com éter, foram perseguidos até que ficaram
loucos. Creio que não corro o risco de ficar mais doido
do que já sou. E tenho por hábito bater bem forte nos
meus adversários, como o mostram, por exemplo, meus
pequenos ensaios:

21
A verdade sobre a girafa1.
Do crepúsculo dos mágicos à manhã dos burros.

Aproveito a ocasião que me é oferecida neste ca­


pítulo de introdução para precisar que, se por acaso
sou louco, não sou um escroque consciente.
Este livro está calcado em informações consegui­
das, em grande parte, em bibliotecas. O último capí­
tulo é consagrado aos livros fáceis de serem encontra­
dos, mas pouco conhecidos, nos quais se pode obter
algumas informações realmente extraordinárias.
Não faço parte de nenhuma sociedade secreta, o
que me permite falar com toda a liberdade sobre a
iniciação no capítulo a ela dedicado.
De uma maneira geral, assim que me pedem uma
promessa de sigilo, interrompo o contacto. De sorte
que, se minha informação é limitada, posso, em com­
pensação, publicá-la integralmente em um livro. Já me
aconteceu receber cartas de ameaças de pessoas que
julgam que eu revelei coisas demais, principalmente a
respeito da alquimia. A experiência mostra que as pes­
soas que ameaçam nunca são perigosas. Portanto, não
tenho o menor escrúpulo em publicar determinadas
coisas: não revelo nenhum segredo que me tenha sido
confiado, porém emito algumas hipóteses sobre certos
resultados de pesquisas. No fundo, este é um método
que está bem próximo da ficção científica e, aliás, mi­
nhas idéias, por mais de uma vez, tanto na França
quanto no estrangeiro, já foram utilizadas por autores
de ficção científica. Tanto melhor, pois isto permite
a sua divulgação. Em contrapartida, faço parte de so­
ciedades científicas que me fornecem o grosso da mi­

1 Incluído em Visa pour 1’Humour (Editions Denoel).

22
nha documentação, bem como de um certo número
de grupos mais especificamente dedicados ao estranho,
e principalmente ao grupo americano Info, que pros­
segue com os trabalhos de Charles Fort. A revista Info,
publicada por este clube, é uma fonte extremamente
séria de documentação, assim como um determinado
número de revistas estrangeiras como II Giornale dei
Misteri, Via Massaia 98, Florença. Na imprensa cien­
tífica mais oficial, a revista mais accessível às idéias
expressas neste livro é a revista inglesa New Scientist.
Citemos, na mesma coleção, meu trabalho Le Livre de
rinexplicable. Finalmente, não mais do que o fazia
Charles Fort, não negligencio a imprensa diária. En-
contram-se nela, e com bastante freqüência, algumas
informações extraordinárias, como por exemplo, no
momento em que estas linhas são redigidas, “O lobo
(talvez lobisomem?) de Seine-et-Marne”.
Infelizmente, como os leitores não se interessam
suficientemente por esses problemas, os grandes jornais
raramente tornam a abordar as informações estranhas
ou pitorescas que publicaram. Como dizia Arthur Ma-
chen: “Existem coisas estranhas profundamente enter­
radas nos cantos obscuros dos jornais.” E Machen ci­
tava esta informação da agência Reuters em 1930:
“O grande lama subiu em seguida ao cume da
montanha K2 no Himalaia e ali foi transfigurado.”
E Machen chamava a atenção para o fato de que
a agência Reuter não dera prosseguimento a esta infor­
mação que, aparentemente, lhes parecia totalmente nor­
mal. Tudo leva a crer que nenhum leitor lhes pediu
detalhes.
Logo, as indicações encontradas nos jornais po­
dem levar a algumas pistas interessantes para o pesqui­
sador. O mesmo ocorre com os pequenos anúncios nos
jornais e revistas. Encontraremos num dos próximos

23
capítulos pequenos anúncios estranhos de pessoas a fa­
vor de refúgios, cuja finalidade é escapar à terceira
guerra mundial. Este é apenas um dos exemplos.
Se é fácil seguir um grande número de jornais e
revistas, é muito mais difícil acompanhar os outros
mass media, e principalmente o rádio e a televisão.
Alguns governos o fazem, mas isto não está ao alcance
de um particular.
Encontramos freqüentemente, gravando todas as
comunicações do rádio, todas as emissões de televisão
e escutando-as, algumas porções consideráveis do pu­
dim mágico. Infelizmente, mais comumente, estas in­
formações tornam-se propriedade dos governos ao nível
de dossiês F.F. F.F. quer dizer em inglês File and For-
get, isto é, classifique esta informação e esqueça-a. Te­
nho acesso a alguns destes dossiês F.F., e neles encon­
tramos informações bastante interessantes, bem fora
do comum. Por exemplo, em matéria de rádio, há os
L.D.E. L.D.E. é um termo anglo-saxão (na eletrônica,
assim como na aeronáutica, os termos anglo-saxões fre­
qüentemente se impõem) que quer dizer: Long Delay
Echo, o que se traduz como eco de grande atraso. Isto
quer dizer que vemos reaparecer algumas emissões de
rádio e, algumas vezes, algumas emissões de televisão
com um atraso que vai de alguns minutos a quatro
anos. Não existe um único objeto sobre o qual estas
emissões possam se refletir. Não há uma só teoria de
propagação das ondas que possa explicar sua persis­
tência na atmosfera sem breve desaparecimento. O pro­
fessor Bracewell, eminente rádio-astrônomo australia­
no, e eu mesmo, propusemos separadamente a hipóte­
se de que estas emissões são recolhidas por satélites de
origem não-humana instalados ao redor da Terra po1

24
extraterrestres. Estes satélites retransmitem as emissões
para seu planeta de origem quando as condições são
favoráveis. Enquanto aguardam, conservam-nas em me­
mórias talvez não muito diferentes da nossa fita mag­
nética. Evidentemente, isto é uma hipótese. Podemos
conceber outras. Por exemplo, pode-se imaginar que o
tempo não é tão simples quanto acreditamos e que
pode haver algumas superposições entre os períodos
temporais. Pode-se também elaborar outras hipóteses.
De qualquer maneira, basta passar a noite com um
bom radiorreceptor “de tráfego”, isto é, que possa cap­
tar as comunicações comerciais, os navios, as faixas
da polícia, além das emissões normais, para se ter a
impressão de estar penetrando num mundo desco­
nhecido.
A televisão também tem os seus mistérios. Meu
saudoso amigo George Langelaan contava-me a estó­
ria de uma emissão de televisão da B.B.C. que nunca-
foi transmitida. Tratava-se de filmar um castelo assom­
brado usando-se duas câmeras. E uma delas, assim
como todos os presentes, viu a outra câmera empur­
rada por mãos invisíveis espatifar-se no vão da escada
quase matando um dos técnicos. A gravação existe,
porém nunca foi transmitida: é apavorante demais.
Enfim, e para terminar este capítulo com uma
nota de agradecimento, meus leitores me transmitem
com muita freqüência algumas estórias extraordinárias
ou esboços de pistas que podem ser seguidas. Este tipo
de cartas chega a constituir noventa por cento da
minha correspondência contra apenas cinco por cento
de cartas de loucos e cinco por cento de cartas de
ameaças. As cartas dos loucos vão para a lata de
lixo; quanto às de ameaça, que seus autores encon­

25
trem aqui a célebre resposta do doutor Watson num
caso semelhante:
“Se eu continuar a ser ameaçado por relatar as
aventuras de Sherlock Holmes, contarei toda a verdade
sobre o político e o alcatraz domesticado.”

26
CAPÍTULO 2

A geografia sagrada
Encontraremos entre as ilustrações deste livro (figura
n.° 2) a reprodução de um mapa do mundo que data
do século XVI. Representa uma região conhecida e,
em torno dela, trevas povoadas por monstros. Estamos
todos seguros de que somos muito mais fortes do que
aqueles que desenharam este mapa. Também estamos
seguros de qúe não existem, na Terra, continentes ou
mesmo grandes ilhas desconhecidas. Estamos seguros
de que os nossos belos globos terrestres representam
nosso planeta tal como é. Pois bem, já não estou tão
certo disto. Lembro-me ainda muito bem da época, há
uns dez anos atrás, em que zombava de René Guénon
quando este afirmava que a geografia da Terra é muito
menos conhecida do que o diz a ciência, que existem
regiões para as quais podemos ir e voltar, mas que não
estão presentes no mapa. Atualmente zombo menos.
Zombo menos desde maio de 1970, ocasião em que
soube, por intermédio de um eminente representante
da autoridade espacial americana que, de 250 000 fo­
tografias tiradas da Terra pelos satélites artificiais,
apenas uma mostra traços de atividade humana. Esta

29
cifra foi confirmada oficialmente. Arthur C. Clarke
cita isto no seu trabalho mais recente e a N.A.S.A.
chegou a publicar uma brochura intitulada: Existem
Traços de Vida na Terra? De sorte que já não levo
na brincadeira a tradição sobre Avalon e Tir-Nam-
Beo, sobre o reinado do padre Jean, sobre a geografia
sagrada.
Creio que existe uma possibilidade de que estas
idéias não sejam lendas e que a bela forma redonda da
Terra constitua apenas uma segunda aproximação, sen­
do a forma chata a primeira. Mas como é possível
que a Terra não seja redonda?
É difícil responder a esta pergunta sem entrar em
explicações matemáticas muito complicadas. Todavia,
digamos que os matemáticos conhecem o que eles cha­
mam de superfícies de Riemann, que são compostas
de um grande número de camadas que não estão nem
umas sobre as outras nem umas sob as outras. Ocupam,
simplesmente, o mesmo espaço, um espaço mais com­
plicado do que aquele que concebemos habitualmente,
um espaço que só pode ser descrito pelas funções de
uma variável complexa.
Uma outra maneira dos matemáticos exprimirem
a mesma coisa talvez seja mais simples para o leitor
não especializado. Geralmente admitimos que um ma­
pa plano ou um globo da Terra pode ser feito com
quatro cores. Isto é, por maior que seja o número de
países diferentes encontrados no mapa, quatro cores
bastam para colorir o mapa sem que encontremos dois
países da mesma cor separados por uma fronteira. A
maioria dos matemáticos está de acordo com o acima
exposto e, no entanto, este teorema nunca foi demons­
trado. A ciência que trata destes problemas é a topo­
logia, ramo da matemática que se preocupa mais com
a forma do que com o número. Podemos, porém, con­

30
ceber perfeitamente algumas superfícies que exigem
mais de quatro cores para que delas se possa fazer
um mapa com um número qualquer de regiões.
Se a Terra é uma superfície deste tipo, por mais
fantástico que isto possa parecer, é possível que exis­
tam regiões desconhecidas inacessíveis normalmente,
que não existem num globo ou num mapa, mas que,
no entanto, existem na realidade. Nós nem ao menos
suspeitamos de sua existência, como acontecia também
com os micróbios e as radiações invisíveis do espectro
luminoso antes que fossem descobertos.
Está claro que a idéia parece fantástica, como
aliás acontece com toda idéia nova. Não a apresento
como uma revelação. Como todas as idéias contidas
neste livro, apresento-a como uma brincadeira do espí­
rito, uma maneira de ir além das fronteiras comuns de
nossa imaginação e alargar as idéias. Como tal, esta
idéia de uma geografia sagrada merece reflexão. Ela
existe em todas as tradições. É particularmente desen­
volvida na Tradição islâmica, mas também a encon­
tramos em outras partes1,

1 Anaxágoras e a terceira dimensão. Encontramos uma alusão


precisa a uma outra Terra, no século V antes da era cristã, em
Anaxágoras: “Outros homens e outras espécies vivas possuin­
do uma alma foram criados. Estes homens, como nós, têm ci­
dades povoadas, fabricam objetos engenhosos. Possuem o Sol
e a Lua e outros astros. Sua Terra é fecunda e abundante...”
Na cosmogonia de Anaxágoras, a Terra é um disco flutuante
no éter e rodeada pelo Sol, a Lua e os planetas. Ele situava a
outra Terra do outro lado do disco. Se retomarmos a mesma
teoria em três dimensões, com a outra Terra situada não do
outro lado de um disco chato, mas do outro lado do espaço,
caímos nas idéias do capítulo precedente.

31
Os vales sem retorno da Bretanha, as regiões de
onde não se volta na Comualha, a Terra proibida na
Amazônia, a cidade de Luz, a cidade do Rei do Mun­
do nas tradições de que nos fala Guénon, são exemplos
disto.
Por todos os cantos do mundo, a lenda e a tradi­
ção falam de domínios encantados onde se pode ir e
de onde se pode voltar mas que não são traçáveis num
mapa, nem accessíveis por meios comuns. Ainda en­
contramos atualmente, principalmente no Irã, relatos
contemporâneos de viajantes que visitaram estes países
que existem em um nível diferente do nosso.
A ficção científica, que é a herdeira natural do
folclore, apodérou-se naturalmente desta idéia. Tam­
bém houve algumas tentativas curiosas de ligar o uni­
verso da ficção científica ao universo da tradição, como
por exemplo o muito curioso Mont Analogue de René
Daumal (Gallimard).
A ficção científica emitiu uma porção de idéias
interessantes neste domínio. Contudo, podemos censu­
rá-la por ter tornado popular a expressão “universo
paralelo”. Eu mesmo a usei e fiz mal. Pois, por defi­
nição, os paralelos não se encontram: ora, o interesse
destes universos “mais próximos de nós do que nossos
pés e mãos”, como disse Wells, é que eles possuem
pontos de encontro com o nosso. Deixemos de lado,
por enquanto, a Tradição lendária e a ficção científi­
ca, não sem chamar a atenção do leitor para o exce­
lente livro de Serge Hutin Voyages vers Ailleurs (Ar-
thème Fayard), e vejamos aqueles que levaram a idéia
a sério.
Entre estes, temos que apontar, em primeiro lu­
gar, René Guénon.

32
Este escritor é extremamente irritante, não só pela
sua obscuridade como pelo tom altamente superior e
insolente que assume2.
Contudo, penso que sua obra, após ter feito a tra­
vessia do deserto, vai ser examinada de uma maneira
séria, para, que dela se extraia um certo número de
idéias interessantes.
Da obra de René Guénon, da leitura de alguns
hindus, de algumas conversas com uns orientais que
conheciam o assunto, concebi a seguinte imagem da
geografia sagrada. Se os seguidores de Guénon me cen­
surarem por ter traído o pensamento do Mestre, res­
ponderei que não me baseio unicamente em Guénon.
Feita a ressalva, eis a imagem:
Há uma infinidade de estados, de níveis, de su­
perfícies de Riemann, de pregas topológicas ou planos
de existência ligados à Terra.
Desses planos, sete nos são accessíveis, ou .pelo
menos são accessíveis aos altos iniciados. São chama­
dos de os sete dwipas. Não conheço, a origem desta
palavra. Um cientista chinês moderno diria que isto se
explica pela teoria dos estratos, ou camadas, uma das
mais recentes concepções dos cientistas da China po­
pular. Infelizmente, não possuo conhecimentos mate­
máticos suficientes para compreender a teoria dos es­
tratos, que ainda por cima, é constantemente interrom­

2 Na verdade ele afirma: “Não temos que informar ao público


as nossas verdadeiras fontes... Estas não comportam a menor
referência” (Le Voile d’lsis, novembro de 1932, página 734).
Que permitam ao humilde pesquisador que sou acrescentar que
está muito bem tomarmos esta atitude se contamos verdadeira­
mente com algumas fontes. Se, pelo contrário, inventamos coi­
sas de todo jeito, não merecemos mais respeito do que qual­
quer outro autor de ficção científica.

33
pida e complicada por referências ao pensamento de
Mao Tsé-Tung (o Guénon chinês).
René Guénon escreve, por exemplo, em Le Règne
de la Quantité et les Signes des Temps, página 181 da
edição de bolso da Gallimard (Idées), falando a res­
peito dos geógrafos modernos:
“Eles proclamam triunfalmente que ‘a Terra atual­
mente está inteiramente descoberta’, o que não é tão
verdadeiro quanto eles pensam, e acham que, ao con­
trário, ela era desconhecida dos antigos na sua maior
parte, no que podemos nos perguntar a que antigos
pretendem se referir ao certo”. Também escreve, às
páginas 182 e 183 da mesma edição:
“Ora, existe realmente uma ‘geografia sagrada’ ou
tradicional, que os modernos ignoram tão completa­
mente quanto os demais conhecimentos do mesmo gê­
nero; existe um simbolismo geográfico assim como um
histórico, e é o valor simbólico das coisas que lhes dá
a sua significação profunda, pois é por meio dele que
se estabelece sua correspondência com as realidades
de ordem superior; porém, para determinar efetiva­
mente esta correspondência, é preciso ser capaz, de
uma maneira ou de outra, de perceber nas próprias
coisas o reflexo destas realidades. É por isto que exis­
tem lugares especialmente adequados para servir de
‘suporte’ à ação das ‘influências espirituais’, e é nesses
lugares elevados que sempre repousou o estabeleci­
mento de determinados ‘centros’ tradicionais principais
ou secundários, dos quais os ‘oráculos’ da antigüidade
e os lugares de peregrinação fornecem os exemplos
mais aparentes externamente; também há outros luga­
res que são não menos particularmente favoráveis à
manifestação de ‘influências’ de um caráter completa­
mente oposto, pertencentes às mais baixas regiões do
domínio sutil; mas, que bem pode fazer a um ociden­

34
tal moderno que haja, por exemplo, em tal lugar uma
‘porta dos Céus’ ou num outro uma ‘boca dos Infernos’
se a ‘espessura’ da sua constituição ‘psicofisiológica’ é
tal que, nem num nem noutro, consegue sentir abso­
lutamente nada de especial? Portanto, estas coisas são
literalmente inexistentes para ele, o que, é claro, não
quer dizer que tenham deixado realmente de existir.”
Entretanto é interessante pensar que a teoria ge­
ral deste nível de energia é factível cientificamente por
meio da matemática. Pregas topológicas, superfícies de
Riemann, estratos, devem ser expressões matemáticas
diferentes de uma mesma estrutura. Alguém, mais com­
petente do que eu, ainda fará algum dia a sua síntese.
Sete destes níveis de energia, sete dwipas, são ter­
ras como as nossas, embora com outros continentes e
outros oceanos. Aconteceu no passado distante, cor­
respondente aliás a épocas biológicas que os cientistas
conhecem como o primário e o secundário, que alguns
continentes e oceanos pertencentes a um outro dwipas
aparecessem na Terra e vice-versa. Isto não correspon­
de absolutamente a uma catástrofe e explica determina­
das transformações que os geólogos não compreendem.
Pelo menos um dos dwipas é habitado. Ali reside
o Rei do Mundo, que guarda o que há de essencial na
humanidade, as aspirações espirituais.
Ao seu redor, na sua cidade, que as tradições de­
nominam, conforme a origem da Tradição, Avalon,
Luz, Tir-Nam-Beo, Shamballah, encontra-se um centro
da tradição e da pesquisa. Na nossa Terra, algumas
sociedades secretas têm o dever de proteger os acessos
a esses centros e de se sacrificar até a morte e a tor­
tura para que esses acessos não sejam descobertos. Elas
são a “cobertura exterior” do centro. Os templários fo­
ram um exemplo disto.

35
É possível ir até a cidade do Rei do Mundo e dela
retornar. Também é possível encontrar, na Terra, al­
guns mensageiros que vêm de lá. Enfim, é possível re­
ceber uma informação proveniente da cidade.
Chegados a este ponto, devemos todavia respon­
der a algumas objeções.
A primeira é simplesmente:
“Como pode acreditar numa loucura dessas? Ela
é totalmente contrária ao senso comum”.
A forma redonda da Terra também era contrária
ao senso comum. Os habitantes dos antípodas deviam
andar constantemente de cabeça para baixo e deve­
ríam estar mortos, há muito tempo, por congestão ce­
rebral. A existência de habitantes nos antípodas expli­
ca-se, de fato, pela teoria da gravitação central de
Newton, que é muito posterior à idéia de uma Terra
redonda. Antes dessa teoria, a teoria da Terra redon­
da era uma loucura, contrária ao senso comum. O
mesmo acontece com a relatividade geral, cujas con-
seqüências por enquanto desafiam pôr completo o sen­
so comum e que, por esta razão, é combatida com
violência mesmo nesta época. De maneira que não
basta tachar uma idéia de louca para se ter que rejei­
tá-la automaticamente. Tentemos, então, fazer algumas
objeções.
A mesma coisa deveria existir para os outros pla­
netas, e podería ser constatada. A essa objeção pode­
mos responder que a observação dos outros planetas,
por enquanto, deu apenas resultados muito vagos, o
mesmo ocorrendo, aliás, com relação à observação da
nossa Terra por satélites artificiais, desde que se suba
a uma determinada altitude (zona compreendida entre
300 e 1.000 quilômetros). Também podemos observar
que a nossa Terra é muito peculiar, pois é o único pla­

3*
neta onde é encontrada vida. A Lua é totalmente mor­
ta, Marte e Vênus também.
Os planetas gigantes não parecem conter vida,
pelo menos no sentido que damos a esta palavra. Se
dermos uma importância cósmica à vida, é bastante
natural que o planeta que a tenha seja totalmente di­
ferente dos outros planetas. E caso esta diferença se
traduza por uma estrutura dimensional múltipla, por
que não?
A segunda objeção é que isto seria sabido. Pri­
meiramente, podemos responder que, na verdade, isso
se sabe, porém ao nível de sigilo das sociedades eso­
téricas. Também podemos responder que existem inú­
meros casos de viajantes vindos de países que não fo­
ram localizados, que falavam uma língua desconheci­
da e possuíam mapas de um mundo que não era o
nosso.
Charles Fort cita numerosos casos no seu traba­
lho New Lands (Terras Novas). Talvez o caso mais
freqüente deste tipo seja o reino do padre Jean, reino
cristão cujos mensageiros foram até o Papa e o Impe­
rador e que nunca puderam ser encontrados.
Mas este não é o único caso; o fenômeno aparece
desde Roma até nossos dias, em cerca de uns mil casos.
Para dar um exemplo, serei obrigado, e desculpo-
me por isto, a me citar. Ê um caso sobre o qual já
falei em Les Extra-Terrestres dans 1’Histoire (“J’ai lu”).

“... o episódio que aconteceu em abril de 1817


em Admondsbury (Grã-Bretanha). Naquele dia, uma
jovem mulher vestindo uni sari, e que não falava ne­
nhuma língua conhecida, bateu à porta de diversas
casas. Aparentemente não sabia escrever e, indicando
a sua pessoa com o dedo, dizia: ‘Caraboo’. Mais tarde
conseguiu-se fazê-la escrever um alfabeto e mostrar os

37
números até quinze numa língua totalmente desconhe­
cida que ela chamava de javasu. Mais tarde, um ma­
rinheiro português que passava por lá, Manuel Eynes-
so, afirmou que compreendia o javasu e que a jovem
mulher era uma princesa raptada na Indonésia por pi­
ratas e levada até a Inglaterra.
Ao cabo de algum tempo, descobriu-se que o ma­
rinheiro português era um impostor, e que inventara
toda a estória, aos poucos, simplesmente porque que­
ria falar com a moça. Posteriòrmente, ela mesma de­
clarou que a brincadeira já durara o bastante, que ela
era inglesa, chamava-se Mary Wilcox e inventara tudo.
No entanto, a própria estória de Mary Wilcox
era inventada e jamais existira uma Mary Wilcox3. Ela
acabou se casando com um inglês, teve filhos, criou-os
e morreu em Bristol aos setenta anos, sem ter dado
uma explicação satisfatória da sua aventura.
Como afirma Charles Fort, existem momentos em
que aqueles que abafam estç tipo de fenômeno fazem
mal o seu trabalho. Ninguém antes de Fort pensou em
perguntar como uma inglesa iletrada pudera inventar
uma língua falada, uma língua complexa, com um alfa­
beto escrito e um sistema de numeração totalmente
original.”
Este caso é típico: o aparecimento de uma pes­
soa falando uma língua totalmente desconhecida, qua­
se sempre tendo consigo um mapa de uma Terra que
não é a nossa, depois o desaparecimento misterioso
deste indivíduo, como se o lugar de onde veio tivesse
uma polícia aqui. Alguns destes casos alcançaram ce­
lebridade mundial, como o de Gaspard Hauser, que

3 A própria Mary Wilcox jamais existiu e a identidade da prin­


cesa Caraboo continua completamente desconhecida.

38
acaba de ser admiravelmente tratado, num plano pu­
ramente racionalista, por Jean Mistler, da Academia
francesa (Edições Fayard.). Alguns outros foram reu­
nidos por Charles Fort. Outros encontram-se espalha­
dos por artigos de jornais. Citemos ainda alguns exem­
plos para tentar elaborar uma lei geral.
Um homem nu, que não falava qualquer língua
conhecida, compareceu às cerimônias do casamento do
rei Alexandre da Escócia em 1923. Viu-se nisto alguns
presságios, mas não se conseguiu identificá-lo.
Em 1125, na Alemanha, vemos outro indivíduo
que fala uma língua inteiramente desconhecida. Além
disto, cospe fogo, o suficiente para incendiar alguns
arbustos numa floresta. Milhares de testemunhas o vi­
ram. Também na Alemanha, no início do século XX,
vemos surgir um homem falando uma língua desco­
nhecida e que, para cúmulo do humor negro, apare­
ceu na propriedade do barão de Frankenstein (pois
existe um barão de Frankenstein e foi na sua proprie­
dade que se filmou o primeiro filme de uma intermi­
nável série de Frankenstein.)
Apenas nos Estados Unidos, apenas durante os
anos de 1954 a 1969, John A. Keel, um dos pesquisa­
dores mais ponderados neste assunto, conta quarenta
e quatro casos de seres pelo menos humanóides que
abordam os transeuntes no campo americano. Não só
eles não atacam, como são freqüentemente encontra­
dos chorando ou soluçando como alguém que está per­
dido. Depois não são mais vistos. As testemunhas vão
chamar a polícia, os guardas ou os serviços de preven­
ção de incêndios nas florestas e não se encontra mais
ninguém.
Seria fácil conseguir pelo menos três mil casos
bem consistentes entre Fort, John Keel e algumas ins­
tituições como o laboratório parafísico de Downton,

39
Wiltshire (Inglaterra), que publicam desde 1968 um
anuário de fatos inexplicados. No sentido inverso, há
alguns casos de desaparecimentos totalmente inexpli­
cados. Aí apenas durante os séculos XIX e XX, con-
tam-se dezenas de milhares de casos.
Não apenas homens, mulheres e crianças,*■ mas
também navios, submarinos e aviões desaparecem.
À fronteira entre a nossa Terra e outros países
parece ser invisível, porém mais fácil de ser ultrapassa­
da do que se crê. Tanto no sentido de lá para cá como
no de cá para lá. Esta ultrapassagem é tão fácil que
pode ser involuntária. Isto não exclui, de modo algum,
a possibilidade de viagens voluntárias. Existem, prova­
velmente, viajantes autorizados indo... digamos à ci­
dade do Rei do Mundo e voltando. Também deve ha­
ver guardiães do Santuário fazendo a “cobertura” do
centro. Contudo, ao lado de tudo isto, deve haver
alguns infelizes que são repentinamente arrancados do
seu meio e aparecem no nosso. São estes que escuta­
mos chorar, que vemos errar desamparados, e que às
vezes são recolhidos. E inversamente, deve haver pes­
soas dò nosso meio que desaparecem de repente e que,
algumas vezes, nunca mais voltam. Quando voltam,
não se compreende o caminho que seguiram nem o
que fizeram nesse meiõ-tempo. No dia 24 de outubro,
de 1593, uma sentinela espanhola que estava de ser­
viço nas Filipinas desapareceu. Vinte e quatro horas
após, é encontrada no México! Não existe nenhum
meio que permita ao homem do século XVI cobrir a
distância de Manilla aò México em vinte e quatro
horas. E este tipo de coisas é comum. Vejamos alguns
exemplos, tomados de empréstimo a John Keel, que,
geralmente, é muito bem documentado:
No dia 22 de agosto de 1967, um rapaz america­
no de dezenove anos, chamado Bruce Burkan, desa­

40
pareceu em Asbury Park, em Nova Jersey. Saiu da
praia de calção de banho para colocar algumas moe­
das num parquímetro. É encontrado em Newark, no
dia 24 de outubro de 1967, sentado numa parada de
ônibus. Não se recorda de nada. Está usando roupas
que não lhe ficam bem e tem setecentos dólares no
bolso. Não consegue entender, de modo algum, o que
lhe aconteceu. Sua amiga E., com quem estava na
praia e que ficou louca de ansiedade ao encontrar seu
carro trancado à chave, tinha avisado à sua família.
Esta começou a procurá-lo. Ele é um rapaz ruivo mui­
to fácil de ser reconhecido. Ninguém o reconheceu em
todos os lugares onde foi procurado. Onde estava?
Não o sabemos. E exemplos como estes podem ser
multiplicados por cem.
Um habitante de Londres se vê, de repente, na
África do Sul. Uma mocinha de Cleveland, Estados
Unidos, se vê, repentinamente, na Austrália. Um lei­
teiro sueco desempregado se vê, de repente, num cam­
po de golfe de uma ilha do Mediterrâneo, reservada às
pessoas muito ricas.
Em agosto de 1966, um guarda de Filadélfia cha­
mado Chester Archey, desaparece. Vê-se ao volante de
seu carro numa pequenina cidade denominada Pen-
nsauken, Nova Jersey. Não se lembra de nada e, alu­
cinado, causa um acidente de automóvel.
Recentemente também foram assinalados casos
deste tipo em Baía Blanca, Argentina, bem como no
Japão, em Córdoba e em Montreal.
Chamamos a atenção dos amantes da literatura
fantástica para o fato de que tanto a cidade de Fila­
délfia como a de Newark foram descritas pelos roman­
cistas fantásticos como sendo lugares onde as portas
se abrem para o desconhecido. No caso de Filadélfia
temos H. P. Lovecraft; no de Newark, Murray Leins-

41
ter, num excelente romance (aliás já traduzido para o
francês pelas Edições Fleuve Noir) e que se intitula
L’Autre Côté de la Terre.
Quanto às pessoas que desaparecem simplesmen­
te sem deixar traços, conforme já afirmei, há algumas
centenas de milhares. Até mesmo na Antártica pessoas
desaparecem sem deixar vestígios. Foi isto o que acon­
teceu no dia 7 de maio de 1965 com um técnico em
eletrônica, americano, chamado Carl Robert Disch, de
vinte e seis anos. Foi procurado durante três dias, sem
sucesso. Ao cabo de três dias, seu cachorro, que lhe
era muito afeiçoado, também desapareceu sem deixar
traços...
A impressão que se tem de tudo isto é que, por
enquanto, um bloqueio mental geral nos impede de pe­
netrar nestas regiões “do outro lado da Terra”. Um
bloqueio deste tipo existia na civilização ocidental, até
o século XVIII, no que diz respeito ao alpinismo. As
montanhas estavam ah, porém ninguém tivera a idéia
de escalá-las. Depois, bruscamente, o encantamento foi
rompido e a idéia do alpinismo se impôs.
Tratava-se, na verdade, de uma exploração da
terceira dimensão, e é bastante curioso que, mais ou
menos na mesma época, se tenha inventado o primei­
ro balão.
Repentinamente, a idéia de uma terceira dimen­
são, dimensão que no entanto estava ao alcance de
nossas mãos, influencia os espíritos e provoca explora­
ções. Ê reahnente possível que uma abertura análoga
aconteça amanhã no domínio das dobras dimensionais
do espaço que nos escondem outros aspectos desta
Terra. É até possível que o presente livro possa con­
tribuir um pouco para essa evolução. Os outros lados
da Terra talvez sejam tão facilmente accessíveis quan­
to as montanhas ou a atmosfera, e talvez seja mais

42
necessária uma atitude mental do que máquinas. Se
levarmos a sério as idéias tradicionais, existem, de
qualquer forma, na Terra, pessoas que sabem, que vi­
sitaram os aspectos desconhecidos da realidade terres­
tre, e que vão e vêm entre cidades e até mesmo países
de cuja existência nem suspeitamos em nossa reali­
dade de três dimensões. Dentro desta perspectiva,
Agartha, país lendário do Rei do Mundo, ou, para
citar um exemplo da ficção científica, Le Gouffre de
la Lune, de Abraham Meyritt (Hachette), não seriam
domínios subterrâneos, mas sim porções de outras su­
perfícies da Terra.
Falta-me espaço para enumerar todas as manei­
ras pelas quais estes aspectos “paralelos” da Terra fo­
ram tratados dentro da ficção científica. Talvez algum
dia cheguemos a estudar determinadas descrições da
ficção científica com o mesmo cuidado que dispensa­
mos ao estudo da ficção científica precursora da ener­
gia atômica ou dos foguetes. Um grande número de
lugares, tanto do lado de cá da Lua como do outro,
foram batizados com nomes tirados da ficção cientí­
fica. É bem possível que lugares que não figuram no
mapa também sejam assim denominados quando forem
explorados.
Enquanto isso, os únicos documentos realmente
científicos que possuímos sobre o assunto, são as 250
mil fotografias da N.A.S.A. que não mostram a Terra
como a conhecemos; o fenômeno parece começar aos
300 quilômetros de altura e acentuar-se muito mais
aí pelos 1 000 quilômetros. Ora não localizamos os
continentes, ora vemos outros. Uma fotografia parti­
cularmente curiosa encobre o local da grande cidade
industrial americana de Detroit.
Nenhuma destas fotografias foi jogada fora, estão
todas nos arquivos da N.A.S.A. e podem ser consul­

43
tadas. Seria interessante conferir isso e tentar encon­
trar uma correlação entre a altitude do satélite que
tirou as fotografias, a intensidade das camadas de ra­
diação ao redor da Terra, o vento solar e talvez outros
fenômenos.
Parece certo que os astronautas vêem infinita­
mente melhor do que poderiamos acreditar, até mes­
mo muito melhor do que as leis da ótica o permitem.
Os croquis feitos pelos astronautas também deveríam
ser examinados com cuidado, principalmente quando
mostram cidades que não localizamos. Por enquanto,
esta é a única via científica passível de nos conduzir
à solução deste curioso problema. O estudo das apa­
rições e desaparecimentos, o estudo dos mapas da Ida­
de Média já foram feitos mais de uma vez, e até aqui
nada de realmente interessante parece ter sido extraído
disso. É claro que encontramos relatos estranhos, mas
isso não basta para que se elabore uma teoria científica.
Também seria interessante — mas talvez seja pe­
dir muito — estudar, sob o ponto de vista científico,
as afirmações dos teosofistas e da Tradição hindu a
respeito dos dwipas. Infelizmente, isto exigiría um es­
forço muito especial por parte dos cientistas.
Conforme afirma com muita justeza Guénon (Le
Règne de la Quantité, página 65, Gallimard):
“E, com efeito, a mentalidade moderna e ‘cientí­
fica’ caracteriza-se efetivamente, sob todos os aspectos,
por uma verdadeira ‘miopia intelectual’. .. Talvez ve­
nhamos a perceber que muitas coisas atualmente con­
sideradas como ‘fabulosas’ não o eram, absolutamente,
para os Antigos.”
Penso ser necessário ligar à questão de uma estru­
tura desconhecida da Terra as experiências recente­
mente feitas sobre as Pirâmides. Infelizmente, os tra­
balhos originais egípcios são em árabe, e só pude ler

44
alguns resumos em inglês, publicados principalmente
na enciclopédia Man, Myth and Magic. Segundo essas
informações, teria havido uma tentativa de sondar a
Grande Pirâmide com detectores de raios cósmicos.
Isto teria revelado a existência de cavidades importan­
tes e secretas, se é que existem. A absorção dos raiosç
cósmicos se processa de modo diferente num sólido ou
no ar. A diferença é bastante fraca, porém os moder­
nos instrumentos de detecção a tornam sensível. Aliás,
realizou-se recentemente o que se chama “telefone atô­
mico” que permite transmitir sons e imagens através
dos sólidos com alguns mésons mu produzidos por um
acelerador e detectados por dispositivos muito sensí­
veis. Pois bem, as experiências feitas nas Pirâmides
deram resultados tptalmente impossíveis. Para inter­
pretar cientificamente estes resultados, duas hipóteses
foram propostas:
a) Uma força, no interior da Pirâmide, desvia os
raios cósmicos. Esta hipótese é inteiramente imprová­
vel, pois para desviar os raios cósmicos são necessários
campos magnéticos de uma força formidável, que te-
riam sido detectados. Ora, nenhum magnetismo espe­
cial foi encontrado nas Pirâmides.
b) As Pirâmides possuem uma forma interior di­
ferente da exterior. O espaço seria modificado no inte­
rior das Pirâmides, o que faz com que a sua forma
interior não seja a mesma forma piramidal que se
observa pelo lado de fora.
Esta hipótese b me interessa extraordinariamente.
Pois, se ocorre no interior das Pirâmides o mesmo fe­
nômeno das “pregas topológicas” ou “superfícies de
Riemann”, então este fenômeno podería ser estudado
com muito mais facilidade. Mais uma razão para se
desejar que a guerra civil no interior da etnia semítica
acabe bem depressa.

45
No estado em que estão as coisas, o mínimo a di­
zer é que eu não seria bem recebido no Egito. Exis­
tem alguns estudos sobre o efeito geral da forma pira-
midal, sobre a maneira pela qual ela modifica o es­
paço e concentra algumas radiações mais ou menos
bem conhecidas. Estes estudos estão ligados ao nome
de um pesquisador suíço, escritor que usa o pseudô­
nimo de Enel e cujos trabalhos são facilmente acces-
síveis. Também encontramos um resumo dos trabalhos
de Enel no belo romance de Raymond Abellio La
Fosse de Babel (Gallimard). Refiz algumas dessas ex­
periências e o mínimo que posso dizer é que são curio­
sas. O mais estranho é que se obtém, com uma apare­
lhagem muito simples feita com papelão, alguns resul­
tados dificilmente explicáveis pela física moderna. Tal­
vez esteja aí uma solução do problema que nos
interessa.
A Tradição sempre afirmou que existe uma liga­
ção entre a geometria sagrada e a geografia sagrada.
A mesma opinião é defendida por Robert Heinlein em
seu curioso romance La Route de la Gloire (Edições
Opta). Voltaremos ao assunto assim que chegarmos
ao capítulo sobre as portas induzidas.
É possível que toda a arquitetura sagrada consis­
ta em reservar uma porta que se abra sobre os aspectos
desconhecidos da Terra.
Nisto estaria o segredo de todo templo, não im­
porta a que religião pertença.
Todo verdadeiro santuário poderia servir de re­
fúgio porque podemos passar através do santuário de
um templo para algumas regiões às quais os persegui­
dores do momento não têm acesso.
Não existem, que eu saiba, estudos sobre a noção
de santuário, isto é, de lugar pertencente a Deus, mas
bem que deveria haver um.

46
A Tradição hebraica oferece neste campo um
abundante material accessível, principalmente a respei­
to do fenômeno denominado “a Glória do Senhor4”.
Infelizmente, não tenho a competência necessária para
proceder a estudos neste domínio particular, mas ape­
nas gostaria de lembrar que, em hebraico, “luz” e “mis­
tério” são a mesma palavra.
O leitor rabugento dirá que não provei nada. Cer­
to. Tudo quanto espero, porém, é que um determinado
número de leitores, ao olhar um globo terrestre, possa
concluir que ele não é a última palavra da ciência.

4 A Glória do Senhor erà uma radiação luminosa que cercava


o tesouro do Templo de Jerusalém, e que cegava, a não ser
quando olhada com óculos de quartzo. Um procônsul romano
ficou cego desta maneira.

47
CAPÍTULO 3

Eles estão entre nós


Segundo Gustav Meyrinck, existe uma série indefini­
da, e talvez infinita, de estados de consciência superio­
res à vigília. Uma pessoa em vigília pode aumentar
ainda mais esse estado e passar para um estado de
consciência superior. Meyrinck escreve:
“O primeiro degrau já se chama gênio. Os outros
são desconhecidos da multidão e tidos como miragens.
Tróia também era considerada como uma miragem,
até que um homem encontrou a coragem necessária
para procurá-la pessoalmente.”
Neste capítulo gostaria de falar sobre alguns exem­
plos dessas lendas. Algumas dessas lendas pertencem
ao passado, outras ao presente. Coisa curiosa, mesmo
no presente, os testemunhos são tão contraditórios que
alguns acontecimentos pertencentes a nossa época ra­
pidamente se tornam lendas. O primeiro exemplo que
escolhi é o de Apolonio de Tiana, personagem miste­
rioso e importante, tão importante que Voltaire colo­
cava-o acima de Cristo em importância histórica.
Apolonio de Tiana apresenta uma outra vanta­
gem para o pesquisador do fantástico, e isto reside no
51
fato da existência de uma biografia feita por G. R. S.
Mead. Um bom biógrafo deve possuir algumas seme­
lhanças com seu herói.
George Robert Stow Mead, que nasceu em 1863
e morreu em 1933, era o biógrafo ideal para Apolonio
de Tiana. Último dos secretários particulares de Mme.
Blavatsky, ajudou-a nos últimos três anos de sua vida.
Foi redator-chefe do jornal da sociedade teosófica
até 1909. Publicou dezesseis volumes, cuja tradução é
absolutamente essencial para qualquer pesquisador dos
Upanishads.
Publicou um jornal realmente notável. The Quest
Review, que pode ser considerado o correspondente
em inglês de La Tour de Saint-Jacques. Este era o ho­
mem exato para escrever a biografia de um fazedor
de milagres.
Pois Apolonio, caso tenha existido realmente (este
não é absolutamente o caso de outros personagens so­
bre os quais falaremos), deixou a impressão de ter
sido um indivíduo sobre-humano, muito acima da hu­
manidade comum.
Nasceu no ano 17 da era cristã. No ano 66, foi
expulso de Roma. Viaja pára as índias, em seguida
volta para a Grécia. Manifesta, então, alguns poderes
paranormais, principalmente em 96 da era cristã, quan­
do vê, a distância, o assassinato do imperador Domi-
ciano. Finalmente, desaparece sem que possamos en­
contrar testemunhas da sua morte ou seu túmulo. Ti­
nha então entre oitenta e cem anos.
Parece ter ido bem além da índia, a um desses
países não localizáveis no mapa, ao qual nos referimos
ho capítulo anterior. Segundo consta, suas palavras
após essas viagens foram:
“Vi homens habitando a Terra e que, no entanto,
não eram da Terra, defendidos por todos os lados e,

52
no entanto, sem nenhuma defesa, e não possuindo nada
daquilo que todos nós possuímos.”
A cidade por ele visitada chamava-se larchas, um
nome que, visivelmente, não é indiano. Dessa cidade
não se encontra o menor vestígio em parte alguma. As
suas descrições a respeito assemelham-se muito mais à
ciência do que ao misticismo. Teria visto, em parti­
cular, um modelo do sistema solar, construído por se­
res superiores à humanidade, e deslocando-se sem
qualquer espécie de suporte sob a cúpula de um tem­
plo, construída em safira.
Também teria visto quatro “rodas vivas”, dispo­
sitivo alienígena que transportava mensagens dos deu­
ses. Estes seriam seres não-humanos, superinteligentes
e que teriam deixado a Terra após terem orientado a
civilização humana. Em resumo, seres extraterrestres.
Quando de súa volta à Grécia, parece que Apo-
lonio interessou-se, especialmente, pelas relíquias das
civilizações avançadas que ainda eram encontradas na
sua época.
Visitou também Creta, em seguida a Sicília. De­
pois disto, parece ter passado o resto de seus dias no
Egito e talvez mais longe do que o Egito, num país
que seus biógrafos chamaram Etiópia, mas que nada
tem a ver com a Etiópia atual. Segundo ele, este país
seria habitado por hindus budistas. Não foram encon­
trados vestígios desta colonização indiana nas nascen­
tes do Nilo.
Durante toda a sua vida foi fazedor de milagres
e manifestou aquilo que chamamos de poderes para-
psíquicos: levitação, leitura do pensamento, clarividên­
cia, visão do futuro.
Também curou doentes e loucos. Descreveu, por
exemplo, em Alexandria, um incêndio de um templo

53
em Roma, o que foi confirmado quando chegaram as
notícias.
Atribui-se-lhe o poder de tirar fogo do éter. Tra­
ta-se, visivelmente, de um fenômeno análogo ao “fogo
secreto” dos alquimistas e àquilo que os judeus chama­
vam de a “Glória do Senhor” (ver o capítulo prece­
dente). Ainda sabemos pouco a este respeito. Em ter­
mos modernos, parece se tratar de um fenômeno inter­
mediário entre a energia química e a energia nuclear.
A hipótese é necessariamente vaga, por falta de pro­
vas. Recusou-se a entrar num navio declarando que o
mesmo afundaria, o que na verdade aconteceu. Acusa­
do de feitiçaria, tornou-se invisível diante do tribunal
e em seguida saiu do Palácio de Justiça.
Ele próprio considerava todos esses fenômenos
como inteiramente secundários e naturais. Também
afirmava que os vulcões e as marés são fenômenos per-
feitamente naturais, que o homem explicaria. Passava
a maior parte do seu tempo ensinando e responden­
do a perguntas.
Fisicamente, parecia-se muito mais com um india­
no do que com um grego. Existem dois retratos dele
e um busto. Existem medalhas também. Todas estas
reproduções mostram-no com uma longa barba e cabe­
los compridos.
Seus discípulos também tinham um ar hippie, para
empregar um termo moderno.
Não sabemos muito bem de que vivia, pois re­
cusava os presentes. Fazia alusão, constantemente, ao
“conhecimento proveniente dos deuses” e à “energia
demoníaca”. Para ele os deuses e os demônios eram
seres perfeitamente reais, embora não fossem humanos.
Segundo ele, os homens possuíam todos os poderes dos
deuses e dos demônios, mas, geralmente, não sabiam
utilizá-los. Escreveu muitas cartas, a maioria em có­

54
digo, sendo que algumas delas ainda existem. Noven­
ta e cinco, delas são citadas na maior parte das edições
a respeito de Apolonio. Uma é muito interessante; é a
carta 17 da qual transcrevemos um trecho: “Os per­
sas denominam aqueles que possuem a faculdade divi­
na de Mágicos. Um Mágico, por conseguinte, é aquele
que é representante dos deuses ou que possui em si
mesmo a faculdade divina”. Também escreveu alguns
livros, dos quais só chegaram até nós alguns fragmen­
tos. Entre estes, havia: O Livro dos Sacrifícios, que
aconselhava não oferecer sacrifícios aos deuses, pois
o único sacrifício digno dos deuses é o uso da razão
(compreendemos que Apolonio tenha agradado a Vol-
taire); O Livro da Profecia, em quatro volumes, ba­
seado naquilo que Apolonio aprendera nas índias. Os
contemporâneos de Apolonio escreveram que ele nada
tinha a ver com a astrologia. Infelizmente, nenhum dos
quatro volumes chegou até nossos dias. Cita-se tam­
bém uma vida de Pitágoras, um testamento filosófico
e um hino à memória.
Temos que reconhecer que tudo isto não justifi­
ca, de maneira alguma, a reputação fantástica do per­
sonagem. Se ele sobreviveu, foi por ter sido constan­
temente um fazedor de milagres.
É como fazedor de milagres que o único biógrafo
que chegou até nós, Flavius Philostratus (175 a 245
da era Cristã) no-lo apresenta. Esta biografia foi bas­
tante criticada e o autor foi considerado muito mais
um romancista do que um biógrafo no seu sentido co­
mum. Infortunadamente, não possuímos uma biografia
melhor.
Damis, um discípulo de Apolonio, tomou notas
num caderno que não chegou até nós. Talvez venham
a ser encontrados um dia, como aconteceu com os ma­
nuscritos do Mar Morto.

55
G. R. S. Mead assim o espera. Philostratus, quase
dois séculos após os acontecimentos, reconstitui aquilo
que Damis dissera em terceira ou quarta mão.
Philostratus é acusado de ter acrescentado mila­
gres a seu bel-prazer. O que parece certo, como escreve
com muita justiça Mead, é que Apolonio foi às índias
com um objetivo definido e que de lá voltou com uma
missão.
Às índias ou além das índias? Não podemos res­
ponder a éSta pergunta no estágio atual dos nossos co­
nhecimentos. Philostratus ignorava tudo a respeito da
geografia das índias e diz, de tempos em tempos, que
Apolonio foi além das índias, “ao fim do mundo”.
Figura de retórica? Não o sabemos.
O que diz é que o centro dos conhecimentos, a
central de energia que Apolonio visitou nas índias era
única no mundo em sua época. O próprio Apolonio
escreveu:
“Lembro-me sempre dos meus Mestres e viajo pelo
mundo ensinando aquilo que aprendi.”
O ponto essencial deste ensinamento é que não se
deve temer a morte: não vale, a pena.
O ensinamento de Apolonio também insiste no
fato de que é preciso ser sadio de espírito e a saúde
do corpo virá, então, naturalmente. Foi isto o que des­
cobriu a moderna medicina psicossomática.
Como todas as pessoas fora de série, Apolonio
expõe problemas difíceis de resolver. Podemos locali­
zar o centro que visitou? Como os Superiores desco­
nhecidos deste centro ficaram sabendo da existência,
na Grécia, de um rapaz excepcional? Como o convo­
caram? Qual a missão de que foi encarregado na Eu­
ropa? E tantos outros problemas.
Devido a um paradoxo curioso, se Apolonio, con­
temporâneo do Cristo, pode ser tratado como um per­

56
sonagem histórico, Armand Robin, nosso contemporâ­
neo, morto em 1961, deve ser tratado como um per­
sonagem lendário.
Pode parecer fácil fazer uma pesquisa a respeito
de um contemporâneo que viveu e morreu na França
de nossos dias. E, no entanto, as informações que obte­
nho sobre Armand Robin são tão contraditórias, até
mesmo a respeito do seu aspecto físico, sem falar na
sua maneira de pensar, que me vejo obrigado a apre­
sentar a estória de Armand Robin como uma lenda
contemporânea. Talvez o aparecimento deste livro faça
surgir alguns testemunhos que permitirão ver as coisas
um pouco mais claras.
Enquanto espero, eis aqui a estória de Armand
Robin tal como me foi contada:
Nos anos 50, um jovem bretão vai para Paris.
Revela um dom para as línguas prodigioso, inacre­
ditável. Aprende vinte e seis idiomas, de uma maneira
tão perfeita que é considerado como o maior poeta
búlgaro e swahili do século XX. Ele próprio compôs
maravilhosos poemas em francês. Estes foram publica­
dos por Gallimard; tornou-se estranhamente impossível
encontrá-los e os manuscritos desapareceram. Robin
também manifesta dons parapsicológicos consideráveis:
telepatia, clarividência, previsão do futuro. E, em 1961,
no dia em que falhou a reunião de cúpula em Paris
(lembramo-nos que naquela ocasião Kruschev revelou
a história do avião americano U2 e em seguida rom­
peu as negociações), numa Paris cheia de policiais,
alguns agentes atiram-se sobre Robin e batem-lhe até
a morte, e nem eles mesmos sabem por quê. Trans­
portam-no para uma delegacia de polícia, onde nin­
guém percebe a sua agonia sobre o banco da sala de
entrada. Morre.
57
Um projeto de filme a respeito dele revela que até
mesmo as descrições físicas dadas não correspondem a
uma pessoa só. As idéias políticas que lhe são atribuí­
das variam da extrema direita à extrema esquerda.
Quanto às observações tidas como dele são muito curio­
sas devido ao seu lado “estrangeiro”. Parece o perso­
nagem de Lovecraft que dizia: “Não sou daqui.”
Essa é a lenda. Tentei estabelecê-la através dos
testemunhos, porém são contraditórios. Alguém “de
outro lugar” vivia entre nós. Isto é tudo quanto pode­
mos dizer no momento. Parece que há uma sociedade
dos amigos de Armand Robin. A respeito dele existe
também uma página no Monde que não fala sobre a
sua poesia. Encontraremos na edição do Livro de Bol­
so do maravilhoso romance de Raymond Abellio, Les
Yeux d’Ezéchiel sont Ouverts, algumas traduções fei­
tas por Robin de poemas de diversas línguas.
No dia em que o C.N.R.S. se decidir a subven­
cionar teses de doutorado sobre temas interessantes ao
invés de se limitar à influência do imperfeito do sub-
juntivo, à reprodução dos musgos e samambaias, será
interessante investir um pouco de dinheiro e tempo
numa investigação detalhada a respeito de Armand
Robin.
Como ponto de partida, sugeriría a idéia de que,
como o Conde de Saint-Germain, Robin era uma fun­
ção e não um personagem. Isto é, para ser mais explí­
cito, pode-se ser Armand Robin ou o conde de Saint-
Germain como se era Geral dos Jesuítas, ou melhor,
este termo designa uma função num grupo secreto; se
havia, no mesmo período da História, diversos homens
designados para esta função, compreenderiamos que
as descrições não concordassem. Em todo caso é um
tema de estudo bastante interessante.
58
Aliás, um indivíduo que realmente existiu mas
que soube guardar seu segredo foi o americano Char­
les Mallory Hatfield (1880-1958). (Para o anedotá-
rio, é o herói autêntico do romance de Saul Bellow,
Henderson, de Faiseur de Pluie.)
Hatfield tinha uma afinidade com a atmosfera e
talvez tenha sido o único humano da sua espécie.
Podia fazer chover à vontade, simplesmente pro­
duzindo fumaças através de reações químicas que man­
teve em sigilo. A ciência oficial afirma que somente
através dos métodos oficiais e patenteados, consistindo
na pulverização de cristais de um avião, é que pode­
mos provocar chuvas. Em compensação, os estatísti­
cos afirmam que este método só dá resultado por aca­
so. As discussões entre os cientistas a respeito desse
assunto são muito duras. Hatfield sempre obtinha re­
sultados e sua estória merece ser contada com todos
os detalhes.
Em 1902, é caixeiro-viajante de máquinas de cos­
tura. Nunca estudou, mas leu muito. Muito calmo e
modesto, pretende utilizar os fenômenos naturais que
ele próprio não compreende muito bem.
Fez seu primeiro trabalho como fazedor de chuva
comercial em 1903, próximo de Los Angeles.
Cumpriu, em vinte e cinco anos, quinhentos con­
tratos com preços que variavam entre cinqüenta e dez
mil dólares, sendo que o preço era determinado pelo
que o cliente pudesse pagar sem que isso o prejudicas­
se (método comercial singular). Nunca falhou. A mu­
nicipalidade de Los Angeles pede-lhe para encher o
reservatório. Por quatro mil dólares, consegue vinte e
cinco centímetros de chuva no pluviômetro e a água
contida no reservatório sobe seis metros. Ao pagar-lhe,
a municipalidade faz o seguinte comentário: “Saiu por
quase nada.”
59
As notícias dos poderes de Hatfield propagam-se
pelo mundo inteiro. No Alasca, os cursos d’água estão
secos em 1906. Os mineiros não podem mais utilizar
o procedimento clássico de lavagem na extração do
ouro, que exige água. Reúnem-se e oferecem a Hatfield
dez mil dólares em ouro.
Trinta e seis horas depois que Hatfield se pôs em
ação, a chuva salvadora cai.
Em 1922, a Itália está em perigo. Todo o mezzo-
*
giorno está seco. Hatfield vem em seu auxílio. A chu­
va cai, os campos estão salvos. Todos os reservatórios
estão cheios. A glória de Hatfield torna-se mundial.
No deserto de Mohave, na Califórnia, ele conse­
guirá, ao fim de três horas, um metro de chuva. Ja­
mais acontecera isto. E isto jamais tornará a acontecer.
Morreu no dia 22 de janeiro de 1958, na Califór­
nia. Apesar de meio século de verificações experimen­
tais constantes, 2 000 experiências bem-sucedidas e ne­
nhuma experiência fracassada, a ciência se recusará a
acreditar no seu método. Comparado a esta teimosia,
Lavoisier recusando os meteoritos porque não existem
pedras no céu é um modelo de credulidade. Todos os
animais, ao que parece, possuem esta afinidade com a
natureza e emigram quando podem para os locais onde
choverá.
Um eminente meteorologista dizia-me um dia que
a atmosfera se comportava como um ser vivo, com sua
própria psicologia. Hatfield parece ter tido uma afini­
dade com a atmosfera e era o único entre os homens
que a possuía.
Uma mutação da humanidade? Um visitante do
exterior? Este vendedor de máquinas de costura cali-

* Mezzogiorno: nome dado à região sul da Itália. (N. do T.)

60
forniano merecería que a ciência o estudasse melhor.
É lastimável que não o tenha feito enquanto ainda
era tempo.
Também seria interessante que se examinasse um
dia o caso do australiano Louis Rodgers, nascido não
se sabe quando, morto durante a guerra, em 1942. Ele
emigrara para a Austrália em 1931, e instalara-se ali
como médium. Não aborrecia ninguém, contudo cor­
riam boatos alarmantes a seu respeito: era visto em
diversos lugares ao mesmo tempo! E a distância entre
estes locais atingia, algumas vezes, até mil quilômetros.
Finalmente, o doutor Martin Spencer, diretor do
Instituto de Pesquisas Físicas da Austrália, fez uma in­
vestigação. A polícia, por seu lado, tinha iniciado uma,
temendo que Spencer desse início a um novo tipo de
fraude.
Rodgers, muito embaraçado e pouco se importando
com o que se fala sobre ele, resolveu fazer um acordo
de não sair de Melbourne durante três semanas sob a
vigilância dá polícia. Logo depois, manifestou-se em
Sidney, onde tomou um quarto num hotel. O detetive
particular encarregado de sua vigilância telefonou para
Spencer: “Rodgers está aqui, em Sidney.” “Isto muito
me surpreendería”, diz Spencer, “pois ele está almo­
çando comigo em Melbourne, neste momento.”
A afobação foi geral. Rodgers concordou em se
prestar a um outro teste, sob a condição de que o dei­
xassem tranqüilo.
Aparentemente, tudo quanto desejava da vida era
viver tranqüilo no seu canto, pondo cartas e ganhando
o necessário para subsistir. Será que tinha medo de
chamar atenção? E de quem?
Fosse lá o que fosse, no dia 12 de abril de 1937
Rodgers é trancafiado no escritório de Spencer. En­
contram-se ali diversas testemunhas. Isto se passa em

61
Melbourne. Rodgers comunica a Spencer: “Diga-me
uma senha: a primeira palavra que passar pela sua
cabeça.”
Spencer diz: “Lilás.”
Fica-se à espera. O telefone toca. Rodgers fora
visto em Sidney. Continua sendo visto em Sidney, na
rua. Às cinco da tarde há uma chamada telefônica de
Sidney para Spencer.
“Quem fala é Rodgers, diz a voz ao telefone. A
senha é ‘Lilás’.”
O resto é silêncio. Manteve-se a promessa, as in­
vestigações não prosseguiram. Em 1942, Rodgers é
morto em combate. Seu segredo morreu com ele. Tal­
vez tivesse um irmão gêmeo, porém não se encontrou
qualquer vestígio disso no registro civil. Talvez tivesse
um sósia, mas as impressões digitais encontradas no
quarto de hotel em Sidney são realmente suas. Jamais
se viu o sósia e ele ao mesmo tempo. A lenda e a Tra­
dição dizem que quem quer que encontre seu sósia ou
Doppelgãnger morre. No entanto, isto não sucedeu a
Goethe, que deparou com seu sósia vestido como ele
e relata o acontecimento em Les Conversations avec
Eckermann. No século XIX, Emilie Saget, uma gover­
nanta francesa de uma família dos Estados Bálticos,
tinha uma sósia que foi vista por diversas vezes.
Para o anedotário, é o tema do ótimo romance de
Helen Mac Cloy, Le Miroir Obscur, publicado na Fran­
ça nas Edições Pierre Horay)
O mesmo fenômeno da ubiqüidade é atribuído ao
místico italiano contemporâneo Padre Pio. Contudo,
a estória de Padre Pio é obscura e controvertida.
Independentemente do Padre Pio, a existência de
seres dotados do poder da ubiqüidade parece extrema­
mente provável.

62
Eles manifestam o menos possível esse poder, como
se soubessem que isso, de algum modo, é proibido.
Conforme dizia Roger Bacon:
“Ainda que nem todas as coisas sejam permitidas,
todas elas são possíveis.”
Permitidas por quem? Não sabemos.
De qualquer maneira, não só os processos contra
feiticeiros como a hostilidade geral da humanidade por
qualquer pessoa que é diferente tornam isto compre­
ensível: há interesse em não manifestar qualidades ex­
cepcionais demais. Há interesse em se esconder.
Podemos nos perguntar, de uma maneira geral,
se os seres excepcionais que às vezes detectamos entre
nós habitam esta Terra ou consideram-na simplesmen­
te como um lugar de passagem. Todas as tradições
insistem no aspecto da Terra como um lugar que deve
ser atravessado: “lugar de passagem”, “império do
meio” e centenas de outras denomináções.
Imaginemos por um instante que o universo seja
bem mais complexo do que pensamos e que, para se
ir de um determinado ponto a um outro, seja necessá­
rio atravessar a Terra.
Imaginemos, também, que a maioria dos seres que
fazem esta viagem tenham faculdades telepáticas.
As pesquisas de um psicanalista austríaco, Urban,
demonstraram que isto é o que acontece com os pa­
ranóicos humanos que se julgam perseguidos, porém,
na verdade, percebem de maneira telepática sentimen­
tos de hostilidade inconsciente em seus pais ou parentes.
É certo que se o grande público soubesse que a Terra
é visitada, uma aura de ódio cego se manifestaria e tal­
vez os destruísse se fossem mais sensíveis ainda do que
os paranóicos humanos normais. Conseqüentemente,
sua existência deve ser escondida.
63
Esta teoria, a meu ver original, explicaria a ne­
cessidade de sigilo e mostraria por que determinados
seres são obrigados a se esconder. A idéia de uma
“polícia do paranormal”, como nos excelentes roman­
ces de ficção científica do americano H. Beam Piper,
talvez não deva ser afastada.
Como a maior parte das idéias originais no domí­
nio do paranormal, esta se deve a Charles Fort. É claro
que não tento impingir minha hipótese ao leitor como
a única explicação. Se quisermos permanecer num pla­
no rigorosamente científico, poderemos admitir que
entre as mutações por que passa constantemente a es­
pécie humana, algumas são favoráveis.
Poderia mesmo acontecer num mesmo caso a com­
binação de duas ou três mutações favoráveis, resultan­
do em seres excepcionais. Alguns dentre estes passam
desapercebidos e só são descobertos por acaso. Ainda
recentemente, no Cáucaso, descobriu-se que o secretá­
rio de uma comunidade agrícola, um homem de cin-
qüenta anos, tinha uma inteligência absolutamente ex­
cepcional que não podia ser medida pelos testes ha­
bituais. A descoberta foi feita por mero acaso. Um
jornal publicara alguns testes de inteligência e alguns
dos camponeses da comunidade disseram ao secretário
e contador:
“Olhe, você que é tão inteligente deveria fazer
estes testes.” A título de brincadeira, ele os fez. Foi
solicitado a comparecer, com urgência, à universidade
mais próxima para submeter-se a outros. Os resultados
ainda são estudados. Este homem é um calculista
prodígio sem ser por isto um cientista idiota, como é
comum acontecer. Possui indiscutíveis dons para a alta
matemática, o que é raro num adulto.
Em geral, a originalidade matemática desaparece
aos vinte e cinco anos. Diz-se, com alguma malícia,
64
que a partir desta idade um matemático nada tem a
fazer além de ensinar.
Ele tem capacidades tão elevadas que nos pergun­
tamos em que direção deverá ser orientado após ter
sido reciclado. E esta reciclagem pode ser bem rápida;
bastaria que o ex-contador aprendesse a usar um
computador moderno e tirasse da sua memória tudo
aquilo que não teve ocasião de aprender até agora.
Teria permanecido como contador durante toda a
sua vida caso não tivesse tentado os testes. Logo, exis­
tem duas espécies, no mínimo, de seres excepcionais
que vivem entre nós: os que têm consciência do que
são e os que não têm. A segunda espécie, é o pato do
conto de Andersen que não sabia que era um cisne.
Evidentemente só vemos dentre eles aqueles que se fa­
zem notar. Aliás, eles se arrependem disso.
Einstein declarou nos seus últimos dias, após ter
feito a soma de todas as humilhações e injúrias por
que passara:
“Se tivesse que fazer tudo de novo, seria bombei­
ro, e não me faria notar.”
Logo após esta declaração, o sindicato dos bom­
beiros dos Estados Unidos ofereceu-lhe uma chave in­
glesa em ouro e um diploma autorizando-o a exercer
a profissão em todos os quarenta e nove estados da
União.
Quantos viajantes provenientes do exterior escon-
dem-se entre nós como bombeiros?
Quantos seres excepcionais nascidos neste planeta
compreendem bem depressa que não têm interesse em
manifestar os dons raros que possuem?
Finalmente, quantos há que não passam desaper­
cebidos, sobre os quais até se fala muito, mas que não
são levados a sério pelo conjunto dos meios científicos?

65
Se conseguir, algum dia, dois ou três meses de
tranqüilidade, irei gozá-los em Salt Lake City, a capital
dos Mórmons.
Dois milhões e meio de pessoas, não mais loucas
do que eu, talvez até menos, acreditam (no Livro dos
Mórmons e nas revelações de Joseph Smith seu profeta.
Contudo, não conheço nenhum estudo científico im­
parcial sobre o personagem ou sobre o livro.
Ora, ali encontramos praticamente em cada pági­
na relatos de contatos com estrangeiros benevolentes,
contatos que teriam ocorrido no passado dos índios
americanos. Como este (é um pele-vermelha quem
fala):
“E quando meu pai saiu da tenda de manhã en­
controu com grande surpresa uma bola de construção
curiosa caída no chão. O material desta bola era la­
tão. E no interior da bola havia agulhas, e uma delas
indicava constantemente a rota que deveriamos seguir
no deserto”.
Segundo o Livro dos Mórmons, este incidente teria
acontecido mil anos antes de Cristóvão Colombo.
O próprio Joseph Smith conta encontros com guias
que lhes faziam revelações. É muito fácil considerá-lo
apenas como um iluminado, mas isto parece ser a so­
lução mais fácil.
Em 1970, as Nações Unidas publicaram um re­
latório dizendo que os quatro quintos da superfície da
Terra não eram objeto dos mapas utilizáveis. Restavam,
ainda, vastas manchas brancas. Se decidirem, algum
dia, fazer o mapa da população humana, também en­
contraremos os quatro quintos de superfícies inexplo­
radas, algumas manchas brancas e terras desconheci­
das que se encontram na superfície da Terra. A ver­
dadeira antropologia, um estudo autêntico do homem,
ainda está por ser feita.
66
CAPÍTULO 4

As portas induzidas
Se a nossa Terra é qm lugar de passagem, deve haver — 6 =
aqui algumas portas que, a partir do nosso mundo, se
abrem para o desconhecido e, a partir de outros aspectos
do universo, sobre a Terra.
Um certo número de cientistas audaciosos, entre
os quais devemos citar, em primeiro lugar, o zoólogo
americano Ivan T. Sanderson, já se entregaram ao le­
vantamento dos lugares onde se supõe que essas portas
possam estar. Emprego para designá-las o termo de
H. P. Lovecraft, “as portas induzidas”, porque supo­
nho não se tratar de fenômenos naturais mas de fenô­
menos artificiais. Em compensação, uma vez criada
uma porta, por técnicas que, por enquanto, não co­
nhecemos, deve ser possível uma passagem acidental,
e é isto que explica aparições e desaparecimentos de
que tratamos freqüentemente neste livro.
Os locais onde podemos supor a existência de
uma porta induzida distinguem-se pelas seguintes ca­
racterísticas :
— apresentam perturbações na gravitação;

69
— apresentam perturbações no magnetismo ter­
restre;
— permitem a observação de visões;
— são cenários de desaparecimentos enigmáticos.
Um exemplo surpreendente é Chimney Rock, na
Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Reúne todas
essas características e as observações datam de 1800!
Em 1806, o pastor local assinala no jornal Raleigh Re-
gister:
“Uma visão de milhares de seres humanos flutuan­
do no ar. Tinham uma aparência vagamente humana,
mas usavam roupas cintilantes.”
No final do artigo algumas testemunhas se mani­
festavam. Todas elas estão de acordo quanto ao fato
de que os seres da visão não eram inteiramente hu­
manos e usavam roupas transparentes que refletiam a
luz. Ora, é claro que em 1806 as testemunhas não
corriam o risco de estarem influenciadas pelo cinema
e pela televisão.
Posteriormente, alguns pesquisadores iriam encon­
trar vestígios de visão em Chimney Rock, junto aos
índios Cherokee. Encontramos portas induzidas em
Sussex, no vale do Mississípi, no vale de Ohio, no
Arizona, na Sibéria, na Bretanha, nas Bermudas. É
na região das Bermudas que está situado o famoso
“Triângulo da Morte” onde submarinos, aviões, navios
desaparecem sem deixar vestígios.
Contam-se às centenas os desaparecimentos no
Triângulo da Morte. Recentemente, o doutor C. L.
Mammus, da Companhia de telefones Bell, submeteu
a um computador um grande número de fenômenos
estranhos observados perto das diversas portas induzi­
das. Eles têm um ciclo de 9,6 anos. A cada 9,6 anos,
as portas manifestam uma atividade violenta e, ao mes­
mo tempo, verifica-se no mundo inteiro uma quanti-

70
dade enorme de espíritos que se comunicam através de
pancadas, blocos de gelo caindo do céu e, de um modo
geral, fenômenos paranormais.
Não entendemos muito bem a que corresponde
este ciclo de 9,6 anos. Está relativamente próximo do
ciclo solar de 11 anos, mas não o suficiente para que
disso possamos tirar algumas conclusões.
O escritor americano Damon Knight, na sua re­
cente biografia de Charles Fort, Le Prophète de l’Inex-
pliqué, diz acreditar que este ciclo tem uma origem
cósmica ou, pelo menos, extraterrestre.
O grande escritor inglês Robert Graves estudou os
fenômenos paranormais em torno de Delfos, na Grécia.
Está persuadido de que Delfos está numa região anor­
malmente carregada, razão pela qual é um lugar sa­
grado.
Também é digno de nota que a ilha de Páscoa é
o centro de uma anomalia magnética considerável.
Aproveitemos o momento para acabar com uma len­
da: fala-se, com freqüência, de lugares estranhos na
superfície da Terra como sendo pontos de interseção
de correntes telúricas. Precisemos, de uma vez por to­
das, que não existem correntes telúricas. Há, na Terra,
correntes elétricas errantes, de fraca intensidade e fraco
alcance, atingindo no máximo uns cinqüenta metros.
Estas correntes se manifestam, sobretudo, pela corrosão
de objetos metálicos enterrados. Não há linhas de cor­
rentes telúricas percorrendo o globo, nem interseção
destas correntes. Deve-se procurar uma outra explica­
ção para as portas induzidas.
Um outro ótimo exemplo de portas induzidas é
Magnetic Hill, próximo a Moncton, New Brunswick,
no Canadá. Aí a gravitação é literalmente invertida:
um carro pode subir ao alto desta colina sem ligar o
motor. O magnetismo também se apresenta completa­

71
mente perturbado, porém os efeitos gravitacionais são
os mais assombrosos. Uma bola de borracha volta para
o alto da colina. Uma bengala de madeira, incapaz
de ser afetada por qualquer força elétrica ou magné­
tica, se levanta. Se colocamos uma calha, a água su­
birá por ela.
Embora um campo magnético não tenha efeito
fisiológico sensível, as testemunhas têm vertigens, sen­
tem dores de cabeça e, algumas vezes, têm a impressão
de serem puxadas para trás por mãos poderosas. Já
houve numerosos desaparecimentos pelas redondezas,
e, não muito distante, toda uma aldeia de índios desa­
pareceu por completo.
Tentou-se relacionar a anomalia de Magnetic Hill
aos mascons ou concentração de massas encontradas no
interior da Lua. Mas se Magnetic Hill é um mascon,
seria um mascon negativo, o que nunca foi visto. Diga­
mos, simplesmente, que o espaço aí se modificou, e la­
mentemos que os cientistas oficiais não estudem um
pouco mais este tipo de problema.
Um outro exemplo é Vortex Hill, no Oregon. Ali,
a direção da gravidade está desviada em 40°. O desvio
é tão brusco que o objeto que o produz deveria estar
muito perto e próximo da superfície. Nenhuma busca
revelou-o e pode-se concluir que, em Vortex Hill, não
se trata de um objeto enterrado e sim de uma modifi­
cação do espaço que leva, talvez, a uma outra região.
Não há, que eu saiba, um mapa completo das
portas induzidas no mundo. Tendería a relacionar as
portas induzidas a fenômenos como o da ilha de Bréhat,
na Bretanha, onde encontramos um clima subtropical:
as bananeiras e palmeiras vicejam ali bem no meio de
um clima marítimo normal. Tentou-se explicar o fato
pelo vulcanismo ou algumas correntes marítimas, con­
tudo estas nunca foram detectadas. Falou-se de radio­
72
atividade local, mas além do simples fato de que ela
não foi encontrada, uma radioatividade que elevasse
a temperatura em 20 a 25 graus centígrados teria des­
truído há muito tempo qualquer tipo de vida na super­
fície da ilha. Uma brochura muito interessante, distri­
buída pelo comitê de iniciativa da ilha, faz alusão a
algumas lendas locais muito curiosas tanto em matéria
de aparições quanto de desaparecimentos.
Eu mesmo tentei fazer um mapa e encontrar ali­
nhamentos, mas sem sucesso. A ilha de Ponapé, no
Pacífico, o deserto de Gobi, o Triângulo da Morte nas
Bahamas, diversos pontos nos Estados Unidos, tudo isto
não me parece formar uma figura geométrica que te­
nha um sentido em duas dimensões. Talvez o tenha na
representação da Terra pelas superfícies de Riemann,
contudo, não sou um matemático bastante bom para
deduzi-la. Aliás, não há evidência de que todas às
portas induzidas tenham sido construídas por uma mes­
ma civilização desaparecida ou sociedade secreta. A
técnica de sua fabricação pode ser, no fundo, muito
simples e ela pode ter sido periodicamente redescoberta.
Em 1880, esta técnica foi descrita num livro que
ainda pode ser encontrado e se chama Oahspe. A estó­
ria deste livro é estranha.
Um dentista nova-iorquino, John Bailou New-
brough, notou que o gás hilariante (protóxido de azo-
to) do qual se servia para anestesiar os pacientes oca­
sionava-lhes yisões e deixava-o num estado de transe
durante o qual escrevia. Sendo um espírito moderno,
comprou, em 1880, uma máquina de escrever, que era,
acredita-se, a terceira vendida nos Estados Unidos. Ele
datilografou então, com batidas automáticas, cerca de
novecentas páginas. Não há dúvida de que este livro
era vendido nas livrarias e por subscrição desde 1885.
No entanto, contém coisas que o autor, na época, não
73
podia conhecer, principalmente os cinturões radioativos
ao redor da Terra que só foram descobertos com a
ajuda dos satélites artificiais, mais ou menos em 1960.
Também contém uma teoria e algumas indicações prá­
ticas sobre a construção das portas induzidas. Também
encontrámos esta teoria, sob uma outra forma, no ritual
da Golden Dawn.
Aproveitemos a ocasião para prevenir contra os
transes e a escrita automática. Que a terrível infelici­
dade que atingiu recentemente na Califórnia o jovem
jordaniano chamado Sirhan Sirhan sirva como exemplo
Ele se dedicava a exercícios de transes e despertou
bruscamente, um revólver fumegante na mão, rodeado
por pessoas. Acabava de assassinar o senador Robert
Kennedy, num dia de junho de 1968. Condenado à
morte, pediu apenas uma coisa: um exemplar da Doc-
trine Secrète de Mme. Blavatsky, para poder continuar
a ler. Entrevistado na cela dos condenados à morte
pelo escritor Truman Capote, declarou que fora tele­
guiado.
Como a pena de morte foi abolida nos Estados
Unidos, Sirhan Sirhan está disponível para os psicólo­
gos e psiquiatras, e seu caso merece ser estudado. Evi­
dentemente, pode simular. Mas também pode ter aber­
to uma porta — no caso, mental — que facilitou seu
comando por forças hostis ao estado social atual. Esta
é a opinião, escrita e publicada, de Truman Capote. E
qualquer um que tenha lido a excelente-reportagem de
Capote, A Sangue-Frio, é obrigado a reconhecer que
este escritor é um observador metódico, sério e pon­
derado.
O leitor tem o direito de me perguntar como é
que os cientistas ainda não se interessaram pelo misté­
rio das portas induzidas. A resposta é que houve quem
se interessasse, mas foram rapidamente desacreditados
74
por uma campanha de boatos cuidadosamente organi­
zada. O caso mais surpreendente do século XIX foi o
do matemático alemão Zõllner. Este, que fizera e con­
tinuava a fazer naquela época alguns trabalhos muito
interessantes de física e matemática, interessou-se pelas
dimensões superiores e pelas dobras do espaço.
Encontrou um médium, Slade, que afirmava ter
uma visão intuitiva deste fenômeno. Este, tendo rece­
bido de Zõllner a formação matemática apropriada,
diante dele e de inúmeras testemunhas, colocou alguns
objetos dentro de uma caixa amarrada com nós difíceis
de desmanchar depressa e, em plena luz, retirou-os
deixando os nós intactos. Imediatamente, foi iniciada
uma campanha contra Zõllner. Disseram que estava
começando a caducar e era preciso privá-lo do labora­
tório e das subvenções. Afirmaram que Slade era um
hábil prestidigitador. Finalmente, Zõllner renunciou ao
seu trabalho.
Alguns outros exemplos também são desencoraja-
dores. Assim, o físico contemporâneo Maurice K. Jes-
sup, que se interessava principalmente pelas portas in­
duzidas nas quais via a fonte dos “discos voadores”,
foi encontrado morto no seu carro a 20 de abril de
1959, na Flórida, com uma bala na cabeça. O assassi­
no nunca foi descoberto.
Ele enviara um relatório à seção de pesquisas do
Serviço Secreto da Marinha Americana. Este relatório
desapareceu, mas foram tiradas algumas fotografias que
ainda circulam. Conheço algumas pessoas que as
viram.
Seria interessante saber se as portas induzidas emi­
tem ondas de gravitação.
Hoje, a detecção das ondas de gravitação é muito
difícil e até mesmo a sua existência é discutida. Con­
75
tudo, os soviéticos procuram aperfeiçoar uma aparelha­
gem muito simples e sensível que permita detectá-las.
Esta aparelhagem nada tem de secreta e será pu­
blicada no Jornal da Física Teórica e Experimental de
Moscou. Espero que alguém tenha a idéia de levar
esta aparelhagem a Magnetic Hill, ao Triângulo da
Morte das Bermudas, ou ao Mar do Diabo ao largo do
Japão, onde os desaparecimentos ocorrem com parti­
cular intensidade.
Enquanto esperamos, o Triângulo da Morte conti­
nua funcionando e, em abril de 1970, um avião de
carga C *70, transportando cinco toneladas de carne,
desapareceu ali sem deixar o menor vestígio.
E, evidentemente, estava equipado com rádio e
radar
Baía Blanca, na Argentina, parece ser um local
característico de uma das portas induzidas.
Já citei, anteriormente, algumas das estórias de
Baía Blanca. Eis aqui mais uma:
Em maio de 1968, o doutor Gerardo Vidal e sua
mulher vêem-se envolvidos por um nevoeiro espesso, ex­
tremamente raro nos subúrbios da cidade. Perdem os
sentidos. Ao recuperá-los, seus relógios estão parados,
a superfície do carro está muito arranhada e estão numa
estrada desconhecida. Assim que chegam à cidadezi-
nha mais próxima, constatam, espantadíssimos, que
quarenta e oito horas se escoaram e, coisa mais extra­
ordinária, estão no México!
Como conseguiram vencer milhares de quilôme­
tros, inclusive ultrapassar algumas fronteiras? Não con­
seguem compreender nada, aliás, ninguém consegue.
A Argentina, o Brasil e o México parecem pos­
suir uma tal quantidade de portas induzidas que é es­
pantoso que ainda não se tenha feito um mapa deta­
lhado.

76
Um certo número de autores, como o americano
Vincent Gaddis, estudou, principalmente, as portas in­
duzidas ao nível do mar onde desaparecem os navios.
Elas parecem ser extremamente numerosas. Ao que
tudo indica foi uma dessas portas que inspirou a Edgar
Poe sua extraordinária novela: Manuscrit trouvé dans
une Bouteille.
A alta atmosfera é insuficientemente explorada
para que possamos estar certos de que ali existem al­
gumas portas induzidas. No entanto, desaparecimentos
inexplicáveis de aviões estão, de fato, perfeitamente
estabelecidos.
Infelizmente, não podemos dizer o mesmo com re­
lação às aparições de discos voadores, pois parece certo
agora que estas aparições são inventadas, sucessiva­
mente, por suas supostas testemunhas. Mesmo com a
maior boa vontade não podemos acreditar nelas.
Serão as portas induzidas responsáveis pelo desa­
parecimento de povoados inteiros no Sudeste da Ásia,
na América Central e em outras regiões do globo?
O que aconteceu com os construtores de Angkor?
E com os povos desaparecidos da América do Sul e do
México? Por que motivo abandonaram suas cidades e
seus campos?
Enquanto a arqueologia oficial não tiver dado
uma resposta clara para esta pergunta, será possível
elaborar as hipóteses mais fantásticas. Bem recentemen­
te, os chineses publicaram algumas informações rápi­
das e singulares sobre uma pirâmide gigante maior do
que todas as pirâmides conhecidas, situada no interior
da China e construída por uma raça totalmente des­
conhecida. Se esta informação for confirmada — pa­
rece que esta pirâmide aparece num filme chinês re­
cente — a questão das raças desaparecidas poderá ser
mais uma vez colocada.
77
Um outro ponto interessante, é saber se algumas
faculdades de percepção extra-sensoriais não podem
transpor, às vezes, estas portas induzidas e dar algumas
imagens das faces ocultas do mundo. Que eu saiba,
nenhum exame sistemático dos sonhos foi efetuado nes­
te sentido até agora. No entanto, determinados casos
mereceríam sê-lo. Um desses casos foi descrito na re­
vista americana American Weekly, de 28 de junho de

MENSAGEM SECRETA DOS ROSA-CRUZ: aquele que de­


cifrar este enigma da alquimia pode viajar por países inacessí­
veis. Os círculos concêntricos correspondem, provavelmente,
aos níveis eletrônicos do átomo.

78
1942 (foi durante o período em que o grande escritor
Abraham Merritt era seu redator-chefe).
Tratava-se do caso de um eletricista chamado Dan
W. Fehrenbach. Este americano tinha, há anos, um
sonho freqüente no qual visitava um outro mundo,
mais avançado que o nosso no plano científico. Via,
por exemplo, e o descreveu em detalhes, algumas cen­
trais de energia transmitindo a corrente que produziam
por T. S. F., cada casa possuindo um receptor. Via,
constantemente, algumas invenções avançadas com re­
lação ao nosso mundo. Os habitantes do mundo que
via percebiam sua presença e Um guia o acompanhava
durante as visitas. Este guia era um homem vestido
de branco, cujo nome era Thêta. Todos os habitantes
de lá falavam grego e Fehrenbach resolveu estudar esta
língua para poder compreender melhor o que aconte­
cia. Durante seus sonhos, tinha longas conversas com
o guia, em grego, bem como -com outros habitantes
daquele mundo. Pôde dar um grande número de deta­
lhes que, bem entendido, pode ter inventado. É o tipo
de informação que, por enquanto, não pode ser verifi­
cada. Todavia, mereceríam ser estudadas iridependen-
temente de qualquer hipótese freudiana sobre o sonho.
Também podemos nos perguntar se algumas das
radiações conhecidas não podem atravessar as portas
induzidas. Existem emissões de T.S.F., de infraverme­
lho e ultravioleta cuja fonte não conseguimos identifi­
car. Estudamos até meSmo algumas emissões podero­
sas de sons de alta freqüência, nonnahnente inaudíveis
mas detectáveis pelos instrumentos. O departamento
americano de pesos e medidas fez estudos bastante
adiantados sobre o assunto. Ainda mais, reuniu uma
documentação bastante importante concernente às ex­
plosões ou barulhos de explosão sem explicação racio­
nal. Uma destas explosões ocorreu a 12 de dezembro
79
de 1951, em Dallas, no Texas, cidade a que o assassí­
nio do presidente Kennedy deu uma notoriedade mun­
dial. A explosão arrebentou alguns vidros e uns auto-
mobilistas declararam que seus carros foram sacudidos
violentamente. A polícia local e o F.B.I. fizeram^ uma
investigação profunda. Até hoje não foi apresentada
nenhuma explicação. Foram cuidadosamente contro­
ladas todas as instalações militares nas proximidades
de Dallas onde podería ter ocorrido uma explosão.
Nada foi encontrado, exceto o relato de uma explosão
análoga a 12 de abril de 1857, em San Gabriel, na
Califórnia. Esta explosão deixou um buraco de um
metro de profundidade no pátio de uma casa habitada
por uma família Murphy. O exército e a aeronáutica
e os serviços de informação estudaram o buraco e os
relatos da explosão, mas nenhuma explicação foi pro­
posta, nem naquela época nem mais tarde.
Outros ruídos não fazem bang bang, mas bip bip.
Na noite de 6 de abril de 1967 foram ouvidos, em
Washington, alguns destes bip bip. O fenômeno per­
durou durante três dias e não se encontrou uma ex­
plicação. As testemunhas são numerosas e o fenômeno
pôde ser gravado numa fita magnética por diversas
vezes. Um biólogo explicou que eram gritos de coruja,
contudo nenhum pássaro deste tipo foi encontrado e
não há razão para que tivesse havido uma invasão de
corujas na região de Washington. Voltando ao passado,
encontramos explosões em Ohio, em 1927. Desta feita,
o fenômeno durou até janeiro de 1928. Alguns ruídos
de explosão foram ouvidos por diversas vezes. Os ha­
bitantes queixaram-se à polícia mas hão se encontrou
uma explicação. Devemos chamar a atenção para o
fato de que, em 1928, não existiam aviões produzindo
um bang supersônico. Também são citadas explosões
anunciando tremores de terra. São chamadas de “tre­
80
mores de terra no céu”. Foi assinalado um a 21 de
maio de 1957, em Los Angeles.
Também existem os zumbidos, como aqueles que
foram verificados em Boston, a 27 e 28 de maio de
1968. A mesa telefônica da polícia ficou repleta de
reclamações. O zumbido tinha um ritmo extremamen­
te bem definido: dois minutos de zumbido, seis de in­
terrupção, em seguida o zumbido. Alguns meteorolo­
gistas, astrônomos do observatório de Harvard e as ha­
bituais autoridades locais, federais e policiais entrega­
ram-se ao exame do problema sem o menor resultado.
Não se encontrou uma só direção de onde viesse o fe­
nômeno. Em compensação, em setembro de 1953, na
Inglaterra, em duas pequenas cidades chamadas Chal-
font St. Giles e Leigh-on-the-Sea, foi localizada a fonte
dos ruídos que eram parecidos ao do motor de um
avião. Mas isto não levou a nada, pois a fonte do ruí­
do estava situada profundamente no subsolo. O ruído
ainda persiste, é escutado com mais intensidade à época
do Natal, mas isto deve ser atribuído à parada das
fábricas durante as festas. Não existe nenhum fenôme­
no das profundezas que possa produzir um zumbido
regular.
Escuta-se constantemente os movimentos da Terra
para acompanhar os tremores de terra e, até agora,
nada de parecido foi encontrado.
É possível que uma porta induzida esteja metida
nas profundezas do solo. Afinal, por que não? Pode-se
até mesmo imaginar alguns habitantes das dobras des­
conhecidas da Terra explorando algumas minas.
Como se dá a passagem através das portas indu­
zidas?
Embora o assunto seja muito adiantado com re­
lação aos nossos conhecimentos em física, podemos,
assim mesmo, fazer algumas reflexões coerentes partin­

81
do-se de um fenômeno bem estabelecido que chamamos
de o efeito túnel.
Toda tradução em palavras da física matemática
é uma traição. Todavia, podemos descrever toscamen­
te o efeito túnel da seguinte maneira:
Consideremos um objeto que tenta ultrapassar
um campo de forças, por exemplo, que procura atra­
vessar a barreira de potencial que separa o núcleo atô­
mico dos níveis eletrônicos. Se não tiver energia sufi­
ciente, não cruzará a barreira.
Eis o que parecería uma verdade de La Palisse.
Contudo, o universo não é tão simples. As leis naturais
são apenas estatísticas, o que faz com que mesmo uma
partícula sem energia bastante para ultrapassar uma
barreira potencial passa fazê-lo. Traduzimos isto mate­
maticamente dizendo, como Louis de Broglie, que as
partículas também se comportam como as ondas e que
a onda que acompanha uma partícula ultrapassa par­
cialmente uma barreira.
Meu primo, George Gamov, e o professor Edward
Condon (conhecido pelo seu relatório contra os discos
voadores) explicaram assim a radioatividade natural
alfa. Normalmente, uma partícula alfa não pode ultra­
passar a barreira potencial do interior do núcleo em
direção ao exterior. Porém, de vez em quando, pode
fazê-lo, de uma maneira calculável e previsível esta­
tisticamente. É o que constitui a radioatividade natu­
ral, que assim se encontrava explicada em 1929.
Em 1931, Cockroft e Walton, dois cientistas in­
gleses, raciocinaram que o efeito túnel poderia tam­
bém se produzir do exterior do núcleo para o interior
e que alguns prótons de energia bem fraca podiam pe­
netrar nos núcleos. Confirmaram sua hipótese no labo­
ratório, desintegrando parcialmente o lítio com alguns
prótons e obtendo algumas partículas alfa artificiais.

82
Ainda me recordo de Jean Perrin falando aos seus
alunos no Instituto de Química e Física:
“É a segunda descoberta do fogo.”
São os mesmos princípios que permitiram cons­
truir a bomba de hidrogênio.
George O’Smith, o inventor do detonador de pro­
ximidade, acha que o efeito túnel poderá abrir ao ho­
mem os espaços interestelares. Creio não estar ultra­
passando o direito de todo cientista à extrapolação
imaginando que se existe uma barreira de força entre
a nossa região da Terra e as dobras dimensionais, esta
barreira pode ser vencida pelo efeito túnel.
Nestas condições, haveria dois tipos de ultrapas-
sagem:
Um, voluntário, aplicando-se ao objeto a ser trans­
mitido uma aceleração em outra dimensão. Isto exigiría
máquinas ou talvez um esforço sem precedentes de uma
vontade humana especialmente treinada. Os mensagei­
ros que vão e vêm entre nosso país e a Cidade do Rei
do Mundo, os guardas do Centro, empregariam estes
métodos.
O outro, involuntário, devido ao acaso, como acon­
tece no caso da radioatividade natural. É desta ma­
neira que viríam os indivíduos encontrados perdidos
no nosso mundo. Talvez seja desta maneira também
que apareceríam certos animais cuja presença no nosso
mundo é completamente inexplicável.
O abominável homem das neves, os humanóides de
três metros que perambulam pela floresta americana,
os pterodáctilos recentemente vistos tanto na Inglaterra
como em Bornéu, as grandes serpentes marinhas e tudo
mais também poderíam ter sua origem “fora”
Tudo isto não me diz quem construiu as portas
induzidas, nem como. Tudo quanto se pode dizer quase
com certeza é que Einstein demonstrou que o espaço

83
não é uma categoria metafísica mas sim uma grandeza
física. Isto pode se modificar.
Na época de Einstein, acreditava-se que uma cur­
vatura do espaço fora descoberta graças ao movimento
do planeta Mercúrio. Esta teoria é piuito controvertida
desde que se descobriu que o Sol não é esférico. Porém,
a relatividade geral, que é o nome desta teoria, é bas­
tante sólida e pode-se imaginar que existem algumas
forças que modificam o espaço. De fato, tanto o cam­
po magnético quanto o elétrico o fazem. Portanto po­
demos imaginar que a curvatura espacial que separa
as diversas terras ou dwipas umas das outras pode ser,
por sua vez, influenciada e que podemos criar nesta
Terra portas que conduzam ainda à Terra, mas a al­
guns aspectos da Terra que não são normalmente per­
ceptíveis. Talvez, um dia, esta idéia venha a se tornar
tão familiar ao físico como a fotografia do infraver­
melho ou do ultravioleta.
Poderão, a próposito, objetar: “E o que faz você
com os outros universos postulados pelos físicos? O
universo fantasma de Nishinura? O universo dos ta-
chions de Feinberg?”
Respondo ser possível a existência destes univer­
sos e a comunicação com eles, todavia sinto-me incli­
nado a limitar as hipóteses, provavelmente devido aos
limites da minha imaginação. Parece-me que a hipótese
de uma Terra com diversos níveis já é suficientemente
louca (Niels Bohr costumava dizer que era necessário
procurar algumas hipóteses bastante loucas para provo­
car o progresso da física) para estimular a imaginação.
Dito isto, existem pesquisadores que se interessam por
estes outros universos, como o americano Allen Green-
field e o inglês Brinsley Le Poer Trench. Aquilo que
chamam de “janela” é exatamente o que eu chamo de
“portas induzidas”.

84
Todavia, eles supõem que estas “janelas” se abrem
para outros universos e não para a própria Terra. En­
fim, acho que falamos a respeito da mesma coisa mas
com um vocabulário diferente.
Relembremos a palavra de Wells em Monsieur
Barnstaple chez les Hommes-Dieux:
“Existem alguns universos que estão mais distan­
tes de nós que a nebulosa mais afastada e no entanto
mais próximos do que nossas mãos e pés.”

85
CAPÍTULO 5

Os Imortais
Assisti, pessoalmente, no campo de concentração de
Mauthausen, os fatos que irei contar. Isto aconteceu
na primavera de 1944.
Tínhamos recebido uma leva de prisioneiros fora
do comum: tinham pedido para serem colocados num
campo de concentração.
Como todo mundo na Alemanha — ao contrário
do que se afirma agora — sabia o que se passava nos
campos de concentração, esta atitude era, no mínimo,
surpreendente. Por isto Ziereis, o führer do nosso cam­
po, tratou de interrogá-los logo.
Ficamos sabendo bem depressa o que se passara.
Os recém-chegados responderam: “Somos as testemu­
nhas de Jeová. Disseram-nos que aqui são cometidos
crimes. Queremos ser testemunhas diretas disto e no
dia do juízo, colocados à direita de Deus, lhe pres­
taremos, pessoalmente, conta disto.”
Ziereis não tinha medo de nada, mas estremeceu
e disse-lhes:
“Houve um engano, mandarei soltá-los imediata­
mente”.

89
E então, as Testemunhas de Jeová gritaram em
coro:
“Morte a Hitler! Que morra este porco!”
Não houve escolha, tiveram que ficar. Morreram
todos no crematório. Contudo, não gostaria de estar
no lugar de Ziereis, que abati pessoahnente no dia da
Liberação, quando tiver que prestar esclarecimentos
diante do Todo-Poderoso.
Faço questão de deixar bem claro que não quero
zombar das Testemunhas de Jeová.
Ora, elas afirmam que já vivem entre nós 144 000
Imortais.
Esta tradição de Imortais entre nós é muito antiga.
Já na China se falava da ilha dos Imortais onde se
podia encontrar alguns sábios do passado.
Em todas as civilizações, a tradição de uma pe­
quena minoria de Imortais vivendo entre nós é funda­
mental. A lenda mais famosa neste domínio é, evi­
dentemente, a do Judeu Errante. Uma das suas for­
mas menos conhecida, e talvez a mais bela, é esta: O
Centésimo Nome do Senhor, o Nome Inefável, está
gravado numa espada. Assim que o Judeu Errante
encontrar esta espada deve se pôr a caminho (parece
que existe um análogo negro desta espada, a espada da
Ordem negra, a espada simbólica da S.S., que traria
gravado o nome secreto de Satã em caracteres rúnicos)
O Judeu Errante inspirou, é claro, Eugène Sue e
Alexandre Dumas. Mas também foi fonte de inspira­
ção para um número considerável de panfletos que
relatam os encontros com este Imortal fatídico. Algu­
mas pessoas o déscrevem, e outras, como Gustave Mey­
rinck, dizem:
“Se você o vê como um homem, ainda não des­
pertou. Mas se o vê como um símbolo sagitário no

90
céu estrelado, saiba então que foi eleito fazedor de
milagres.”
As aparições mais conhecidas do Judeu Errante se
deram em Hamburgo, em 1542, na Espanha, em 1575,
em Viena, em 1599, em Ypres, em 1623, em Bruxe­
las, em 1640 e em Paris, em 1644. Quando da apari­
ção em Hamburgo, Paulus von Eisen, o bispo protes­
tante de Schleswig, encontrou-o. Em 1602, apareceu
um panfleto anônimo descrevendo este encontro.
Esta é a primeira vez que vemos a lenda já agora
clássica do Judeu Errante Ahasverus, sapateiro em
Jerusalém, que não permitiu que o Cristo, a caminho
da Cruz, repousasse de encontro à sua porta. Então
Jesus disse: “Descansarei quando o desejar, mas tu, tu
andarás sem parar até que eu volte.”
O panfleto de 1602 foi impresso não se sabe onde
e o autor é desconhecido. Teve numerosas edições.
No século XVIII e em seguida no século XIX, o Judeu
Errante torna-se mais raro. Aparecerá, no entanto, em
New Castle, em 1790 e em Salt Lake City, em 1868.
Quando desta visita, e pela primeira vez, dá uma en­
trevista a um repórter mórmon chamado O’Grady do
jornal Desert News. Ainda não se manifestou em Saint-
Germain-des-Prés, mas todas as esperanças são válidas
desde que Saint-Germain, o Rosa Cruz imortal, ali se
manifestou.
Parece-me muito simplista atribuir a lenda do Ju­
deu Errante ao anti-semitismo eterno. A tradição dos
Imortais que vivem secretamente entre nós não depende
do anti-semitismo e é muito natural pensar que um
Imortal pôde assistir ao acontecimento número um da
história, a crucificação.
Ainda recentemente, um autor dramático judeu,
David Pinsky, reescreveu a lenda do Judeu Errante
sob o ponto de vista judeu: seu Judeu Errante não é

91
um culpado, mas um investigador imortal, que deseja
encontrar-se aqui quando o Messias chegar. Isto se apro­
xima da versão de Meyrinck.
A mais antiga lenda de imortalidade é a epopéia
de Gilgamesh. O herói encontra no fundo do mar uma
planta cujo suco restaura a juventude e prolonga a vida
indefinidamente. É uma idéia bastante próxima da bio­
logia moderna. Alguns cientistas, como René Quinton,
acharam que o segredo da imqrtalidade estava no mar.
A partir da lenda da imortalidade física, e pas­
sando pelo Judeu Errante, a idéia de uma minoria de
Imortais entre nós está tão difundida que merecería
um exame mais sério do que aqueles que foram feitos
até o presente. Pelo que me consta, o único exame de
um meio simples para se alcançar a imortalidade foi
feito, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, pelo
senador americano Roger Sherman Hoar. Partindo da
idéia de que a velhice é provocada pelo acúmulo de
água pesada no organismo, Hoar deduziu que o elixir
da longa vida podería ser simplesmente uma substân­
cia que eliminasse do organismo a água pesada atra­
vés do suor e da urina, de preferência à água leve. Uma
tal substância poderia ter sido encontrada empiricamen-
te (ou obtida em contatos com os Extraterrestres) num
passado distante e o segredo teria sido conservado por
uma sociedade de Imortais que pouco recruta.
A idéia é bastante plausível e seria muito difícil
descobrir uma sociedade de Imortais como essa. Mesmo
em nossa época, é muito fácil arranjar papéis falsos e
modificar o bastante a classificação das impressões di­
gitais para que não sejam colocadas no local certo.
Basta uma pequena gorgeta nas mãos dos funcionários
encarregados do assunto, e isto se faz. No passado,
quando não havia nem impressões digitais, nem foto­
grafias, era muito fácil mudar de identidade e assim

92
continuar desapercebido. Um pequeno número de Imor­
tais entre nós — algumas centenas no mundo inteiro
por geração de homens normais — não se arrisca a ser
detectado. Mesmo em caso de acidente, faz-se quando
muito uma autópsia superficial, não se tira amostra do
sangue, não se fazem estudos detalhados. Um Imortal
esmagado por um carro ou que morre num acidente de
avião não corre o risco de ser descoberto.
Se os Imortais são os únicos possuidores do elixir
da longa vida, outros o procuraram sem o encontrar.
Especialmente os alquimistas. A tradição chinesa diz
que no Ü.° século da era cristã, o alquimista Wei Po-
Yang descobriu o segredo da longa vida. Transformou
um de seus discípulos em Imortal e o que sobrou do
elixir foi tomado pelç cachorro do alquimista que tam­
bém se tornou imortal.
Os alquimistas chineses achavam que o ouro era
indispensável para preparar o elixir da longa vida. To­
davia, como geralmente eram monges taoístas que não
possuíam ouro, por serem muito pobres, tentaram fa­
bricá-lo e parece que o conseguiram.
Teriam eles igualmente fabricado o elixir da longa
vida? Apesar das lendas, isto não é certo.
Quanto às tentativas dos alquimistas europeus, se
parecem ter tido êxito com a Grande Obra, não pare­
cem ter conseguido elixir da longa vida, que, ao que
tudo indica, foi encontrado independentemente deles.
No século XVIII, o léxico universal de H. Zedler faz
referência a uma panacea aqua que, quando submetida
às análises, revelava-se unicamente água pura mas que,
no entanto, prolongava a vida e curava inúmeras
doenças.
Era distribuída gratuitamente por um M. de Vil-
lars, de Paris, sobre quem gostaria de saber muito mais
coisas. Na verdade, é possível que seja esta a primeira

93
aparição conhecida de um elixir que dissolve a água
pesada. É a mesma técnica da eliminação da água
de um carburador: acrescenta-se álcool que sai com a
água. Um tratado atribuído, com ou sem razão a Pa-
racelso, intitulado De Tinctura Physicorum, datando
de 1570, faz referência a uma tintura graças à qual os
médicos egípcios teriam vivido 150 anos. Mais ou me­
nos no mesmo período, um homem chamado Salomon
Trismosin teria rejuvenescido diversas vezes, tanto no
rosto e nos cabelos como na retificação da coluna ver­
tebral. Interrogado até quando esperava viver, respon­
deu: “Até o Juízo Final.”
Ele também, ao que parece, usava uma água mo­
dificada. Na nossa época, a sociedade secreta possui­
dora deste produto parece ter se manifestado no século
XIX pela cura de Goethe, que estava condenado. Ale-
xander Von Bernius faz alusão a isso em alguns de
seus trabalhos.
Falou-se a respeito de. uma intervenção da socie­
dade para prolongar a vida do chanceler Adenauer,
considerado pelos membros da sociedade como indis­
pensável à causa da paz. Isto não foi provado, mas o
próprio Adenauer afirmava que médicos possuidores
de técnicas desconhecidas tinham intervindo em seu
caso.
Goethe, durante toda a sua vida, contou com a in­
tervenção dos alquimistas para salvá-lo.
Nessa época, em 1770, ele escrevia a uma amiga,
Senhorita von Klettenberg:
“Minha paixão secreta é a alquimia.”
Ao mesmo tempo, e provavelmente sob o efeito
do tratamento, os dons paranormais sempre presentes
na sua família (sua avó materna era vidente e inter­
pretava os sonhos de uma maneira bem freudiana) .vie­
ram à superfície.

94
Assim como Newton, interessava-se ao * mesmo
tempo pelas disciplinas paranormais, pela ótica, espe­
cialmente pela teoria da cor, e pela meteorologia, prin­
cipalmente pela teoria das nuvens.
Em compensação, afastou-se cada vez mais das
religiões e, aos oitenta anos, declarava que a única
religião à qual gostaria de pertencer era a das seitas do
século IV que queriam fazer a síntese do cristianismo,
do judaísmo e das religiões pagãs.
Encontraremos as provas detalhadas da interven­
ção dos alquimistas na vida de Goethe nas seguintes
referências:
R. D. Gray, Goethe the Alchimist (Cambridge
University Press, 1952. A. Raphael, The Philosopher’s
Stone (Routledge, 1965).
Estes dois trabalhos são vagos no tocante ao nome
da sociedade que interveio. Não disponho de informa­
ções suplèmentares a este respeito. Gostaria apenas que
fosse observado o seguinte:
Muitos autores, e eu muito antes de todos, insis­
tiram a respeito da Alemanha negra que culminou com
o nazismo. A existência desta Alemanha negra é, infe­
lizmente, indiscutível. Todavia, também existiu o seu
oposto, a Alemanha branca. E nem mesmo o nazismo
parece ter conseguido destruir o seu centro. Este cen­
tro, mesmo nos dias que correm, é o único no mundo
em condições de dar autorizações para fundar organis­
mos de iniciação. A última delas foi a concedida no
final do século XIX à Golden Dawn. Nesta autoriza­
ção, o centro é designado pelas iniciais S.D.A. Tam­
bém foi esta organização que autorizou a criação dos
“círculos cósmicos” do escritor Stefan George. Muitos
dos oficiais que participaram do atentado contra Hi-
tler, em 20 de julho de 1944, faziam parte destes “cír­
culos cósmicos”.

95
Com a morte de Alexander von Bemus, o grande
poeta e alquimista alemão contemporâneo, o único elo
que eu conhecia para chegar a este centro desapare­
ceu. Contudo, sua existência é inegável e ele interveio
em 1770 para salvar Goethe.
Finalmente devemos ressaltar que cientistas tão
eminentes quanto Max Planck e Werner Heisenberg
tomaram ou tomam muito a sério as idéias de Goethe
sobre a relação entre a alquimia e a ciência.
Portanto é possível admitir, pelo menos como uma
hipótese, a existência de uma sociedade dos Imortais
que intervém muito raramente. E nossos conhecimen­
tos sobre o efeito da água pesada permitem, pelo me­
nos, uma hipótese precisa sobre a função do elixir da
longa vida..
O leitor poderá se indignar diante da idéia de que
o elixir da longa vida é, fundamentalmente, uma des­
coberta química baseada apenas nas leis naturais. Mui­
tos leitores esperariam que o segredo da imortalidade
envolvesse essencialmente elementos espirituais. Tenho
o maior respeito pelas concepções deste tipo e gostaria
de recomendar ao leitor que. se interessa pela imorta­
lidade física do ponto de vista espiritual o trabalho se­
guinte: L’Immortalité Physique, de Marcei Pouget
(Editions et Publications premières).
Raymond Abellio, no prefácio deste livro, men­
ciona a existência de uma seita californiana que publi­
ca um jornal chamado Le Courrier d’Immortalité. Este
jornal teria escrito:
“Tudo é possível, até a imortalidade. O dia che­
gará em que os homens se espantarão por seus ances­
trais, na sua ignorância, terem vivido durante milha­
res de gerações sob a sombra apavorante da falsa con­
vicção de que a morte é inevitável.”
Esta é uma bela observação.
96
— 1. Um planeta desconhecido? De maneira alguma. É a nossa Terra, fotografada
apenas a 160 quilômetros de altitude. Não vemos nada do que poderiamos esperar,
nem mesmo os continentes. Photo Centre culturel américain.

2. Zombamos destes velhos mapas do século XVI. Podemos, porém, estar certos
de que os nossos são definitivos? Eles são melhores, mas será que são a última
palavra da ciência geográfica? Nada é menos certo. Photo Collection Viollet.
3. Samuel Taylor Coleridge
(1772-1834), poeta inglês. Viu
em sonho uma cidade chamada
Xanadu e a descreveu. Em 1950,
bem depois da sua morte, foram
descobertos, em algumas crôni­
cas indonésias, que ele não pode­
ría ter conhecido, relatos de via­
jantes que visitaram Xanadu mas
não conseguiam situá-la nos ma­
pas. Photo Harlingue- Viollet.

4. Marco Polo: procurava a porta


induzida que conduz ao reino do
Padre Jean. O autor deu seu nome a
uma das mais célebres redes da Re­
sistência francesa. Photo Harlingue
Viollet.
5. Anubis: deus egípcio representado à direita neste papiro. "Por­
que o senhor Anubis guarda a chave dos outros mundos. Comanda a
enigmática Karneter e nada pode transpor as Portas sem sua permis­
são". (Papiro da abertura do caminho). Photo Collection Viollet.

6. Porta induzida: Stonehenge, na Inglaterra, cuja construção, se­


gundo Sir Frederic Hoyle, o grande astrônomo, exigiu um gênio
matemático comparável ao do próprio Einstein. Photo Roger-Viollet.
8. Uma porta induzida: os alinhamentos de Kermario
no Morbihan, cuja geometria especial provoca fenôme­
nos bastante estranhos. Photo Roger- Viollet.

7. Porta .induzida: monolito no centro do grande tem­


plo de Tiahuanaco. Este templo teria sido construído an­
tes que aparecessem estrelas no céu. Photo Roger-Viollet.
9. Sir Arthur Conan Doyle: o
pai de Sherlock Holmes acredi­
tava numa Atlântida ainda exis­
tente e fotografava fadas. Photo
Collection Viollet.

10. Camille Flammarion: intré­


pido explorador do desconhe­
cido que, ainda no século XIX,
teve a coragem de afirmar que as
portas dos outros mundos
abriam-se neste. Photo Collec­
tion Viollet.
M. Pouget considera a imortalidade mais como
um estado de espírito que pode ser atingido interior­
mente e que constitui uma resistência à morte.
Infelizmente, se apenas a vontade de resistir à
morte produzisse a imortalidade, muitos prisioneiros
dos campos de concentração teriam se tomado imor­
tais. Ora, os ex-prisioneiros continuam a morrer e den­
tro de muito poucos anos não restará mais nenhum.
M. Pouget menciona como prova da eficácia de seu
método o fato de há quinze anos não consultar um
médico. Penso que ele confunde os efeitos e as causas
e que está gozando saúde justamente por não procurar
um médico há quinze anos e não o contrário. Seu livro
merece o respeito e até mesmo a afeição que se deve
ter por aqueles que sofreram muito, o que não impede
que repita os clichês totalmente falsos sotre a polui­
ção e as asneiras habituais sobre ioga, prana, etc.
Em compensação, sua descrição da condição so­
bre-humana é bela e merece ser reproduzida:
“Agora, pode-se perguntar por que denomino
imortalidade física — ou mesmo imortal juventude —
o que pressenti ser incomunicável durante estes poucos
segundos. Sem dúvida porque em meu íntimo impôs-
se fortemente a idéia da impossibilidade de envelhecer
e morrer num estado tão formidável, tão esplendoroso,
de felicidade física. Á parte de meu ser de onde bro­
tava esta impressão era um EU que não costumava se
manifestar mas que, sentia-o como uma verdade indis­
cutível, constituía o sustentáculo luminoso da minha
vida, assim como seu guia em direção a uma existência
superior.”
Somente a experiência conta: vamos ver se M.
Pouget ficará imortal. É o que, de coração, lhe dese­
jo, mas creio que nada de prático pode ser tirado do
método que preconiza. Se quisermos conciliar comple­

97
tamente todas as idéias, podemos acreditar que, em sua
origem, a sociedade dos Imortais encontrou sua reve
lação em suas intuições paranormais, na oração ou
mesmo nos contactos com os extraterrestres. O que me
interessa é pensar que existe um produto simples, obti­
do através do tratamento da água na presença de de­
terminados metais, o ouro com muita probabilidade,
que prolonga a vida bem além dos limites considera­
dos normais pelos biólogos. Compreende-se que o se­
gredo deste produto seja guardado: já existem sufi­
cientes problemas de superpopulação sem que se venha
acrescentar a eles a imortalidade.
Todavia, a sociedade deve reservar este tratamen­
to para determinados seres de um valor excepcional,
como também deve poder substituir os membros que
morrem por acidente. Nem mesmo um Imortal está a
salvo de uma guerra, ou de um acidente de carro ou
avião.
A sociedade também deve velar pela salvaguarda
de seu segredo. Esta salvaguarda deve se tornar cada
vez mais difícil à medida que as técnicas militares se
aperfeiçoam. Antigamente, quando víamos um retrato
de um homem que viveu no século XVIII se parecer
bastante com o de outro do século XIV, sem que hou­
vesse parentesco, atribuía-se isto ao acaso ou à reen-
camação. Quem ficava tocado pela semelhança de de­
terminadas assinaturas de homens separados por sé­
culos, como por exemplo (sobretudo nas iniciais) as
assinaturas de Roger Bacon e Roger Boscovitch, não
insistiam. Entretanto, se encontrarmos num fichário de
polícia do século XXI impressões digitais idênticas às
do século XIX, perguntas serão feitas. O mesmo acon­
tecerá com as fotografias, ainda que todos os retratos
de passaporte se pareçam assim como os de jornais.
Antes da guerra, o Canard Enchainé provou, provas

98
na mão, que Aga Khan, o político Albert Sarraut e o
Primeiro-Ministro grego Vasconcellos eram uma mes­
ma pessoa. Realmente, a semelhança das fotografias
de agência era impressionante. Se encontrarmos meios
de identificação ainda melhores do que as impressões
digitais: estrutura retiniana, eletro-encefalograma, e to­
dos os seres humanos forem fichados por um compu­
tador central, este notará que determinados seres hu­
manos sobrevivem através das idades. A menos que a
sociedade secreta dos Imortais consiga um meio de de­
sarranjar este calculador à distância...
Podemos nos perguntar se determinados símbolos
da sociedade não correm o risco de serem identifica­
dos. A relação entre a maçã e a imortalidade é tão
difundida no mundo inteiro, em todos os lugares em
que este fruto existe, que merecería um exame. Do
mesmo modo, a lenda dos Imortais que estão adorme­
cidos mas vão reaparecer talvez forneça alguns indí­
cios. A mais clássica delas é a do rei Artur,, o da Tá-
vola Redonda, que estaria dormindo em Richmond
Castle, no Yorkshire. Teria sido visto. Mas também
há o rei tcheco Wenzel, que dorme sob o monte Blanik;
Frederico Barba Roxa, que dorme sob as montanhas
de Turíngia ( não posso deixar de citar uma indica­
ção de jogo de cena de Victor Hugo, admirável pela
sua ingenuidade, em Les Burgraves: “Mendigo, diga-
me o seu nome. — Frederico Barba Roxa, imperador
da Alemanha.” E a anotação de Victor Hugo é —
“Espanto e assombro”. E tem razão).
Também se fala sobré o rei Marko, que dorme nas
montanhas sérvias; o assaltante Dobocs, que dorme sob
os Cárpatos. Também haveria os fundadores da Fe­
deração suíça, Ogier o Dinamarquês, e muitos outros.

99
Cada uma destas lendas aponta, talvez, um Imor­
tal. Há também a lenda dos Sete Adormecidos de Éfe-
so, lenda cristã que também é encontrada no Corão.
Também encontramos alguns imortais adormeci­
dos nos Niebelungen que influenciaram terrivelmente
Hitler, cuja palavra de ordem foi: “Alemanha, des­
perte.”
Uma marcha nazista diz: “Aproxima-se a hora em
que os mortos acordarão, inclusive aqueles que se jul­
gavam vivos.”
Os mitos que falam, mesmo nos nossos dias, de
fortalezas subterrâneas dos Imortais são extremamente
numerosos.
Os Superiores desconhecidos, os mestres que ins­
piraram alguns movimentos como a teosofia ou a Gol-
den Dawn seriam imortais. Teriam também o poder de
imobilizar seu corpo num transe onde praticamente ele
não é usado, enquanto desenvolvem um trabalho men­
tal, refletem ou viajam por clarividência por outras
regiões do espaço.
Pitágoras e Francis Bacon estariam, hoje, ainda
entre eles. Está claro que tudo isto é muito difícil de
ser provado e não pode, de maneira alguma, ser con­
siderado como certo. Contudo, talvez exista aí uma
pista.
O registro civil deveria fornecer pistas mais sérias.
Alguns estudos a respeito foram feitos por médicos
legistas que, estranhamente, tiveram sua publicação
recusada e preferem nem ser citados. Sabemos a data
de nascimento do alquimista Jan Lallemant, mas não
a data de sua morte. De um modo geral, e contraria­
mente ao que se fala na imprensa, nunca se encontra
no registro civil a morte de centenários ou de pessoas
mais velhas ainda.

100
Quando um jornal anuncia a morte de uma pes­
soa aos cem anos, a verificação no registro civil não
acusa, geralmente, mais de noventa e cinco anos. Um
estatístico francês dizia-me: “Os centenários nunca
morrem.”
O fenômeno é geral em todos os países do mun­
do, inclusive a União Soviética, mas usualmente re­
cusam-se as comunicações a esse respeito.
Os casos de pessoas, geralmente pesquisadores
especializados nas ciências secretas, cuja data de morte
não se consegue encontrar ainda que se saiba perfei-
tamente o dia do nascimento, são relativamente nume­
rosos. Isto inclusive nos países onde o registro civil é
bem organizado e em tempos bem modernos. Meyrinck
diz poeticamente què quando abrimos certos túmulos,
não encontramos ali um cadáver mas uma espada sim­
bólica. Esta é esculpida, diz ele, em óxido de ferro cris­
talino bem duro (magnetita). Também nisso há uma
simbologia interessante.
Na China, existiram Imortais na chefia de gran­
des sociedades secretas, especialmente no Dragão de
Esmeralda. Até mesmo a polícia de Mao não me pa­
rece ter destruído estas sociedades secretas.
Evidentemente, seria interessante saber se a imor­
talidade é transmitida à descendência. Em princípio,
os caracteres adquiridos não são transmitidos, mas re­
centemente surgiu um certo número de provas de que
o A.D.N. pode ser influenciado do exterior. Também
é possível que determinados seres herdem a imortali­
dade ou a vida prolongada sem o saber.
Não deixemos o registro civil sem mencionar que
é extremamente fácil conseguir um novo e que deve
haver alguns Imortais que mudam periodicamente de
identidade sem o menor problema.

101
As lendas a respeito de fontes naturais que con­
têm esta água modificada, que chamamos de elixir da
longa vida, são numerosas. A mais célebre é a do con­
quistador espanhol Ponce de Leon, que teria desco­
berto uma nas Bahamas. Coisa curiosa, na ilha de Bi-
mini, onde se encontra a fonte de Ponce de Leon, en­
contram-se também as relíquias de uma civilização de­
saparecida e, principalmente, o famoso muro de Bimi-
ni, com dez mil anos. A coincidência é, pelo menos,
curiosa.
Algumas fontes deste tipo existiríam espalhadas
pela Terra. Os psicanalistas, é claro, sobrepuseram a
isto o seu simbolismo pueril. O notável é que eles apro­
ximam a Lua da água. Ora, a Lua justamente, é o
único mundo que não a possui... pelo menos na su­
perfície. Em compensação, o simbolismo religioso da
água benta, da fonte da vida eterna, da água que dá
a vida eterna deve ser considerado com a maior atenção.
Bem recentemente, um determinado número de
outras formas de água, além da normal e da pesada,
foram descobertas. Citemos, em especial, a água su-
perpesada, contendo dois átomos de hidrogênio 3 e um
átomo de oxigênio, e a água polimerizada.
Em alguma parte da estrutura destas múltiplas
formas de água encontra-se o segredo da imortalidade
física. Mesmo a água comum está relacionada com ó
cosmos. Piccardi demonstrou que as suas propriedades
físicas e químicas mudam com o tempo. Parece que
estas mudanças podem ser ligadas à travessia da Terra
por diversas regiões do espaço.
A trajetória da Terra, que é helicoidal (combina­
ção da rotação da Terra em torno do Sol e do deslo­
camento do sistema solar na direção de Vega), corta
o campo galáxico num ângulo variável e este se refle­
te na estrutura da água.

102
A água modificada, o elixir da vida, a água que
dissolve a água pesada e a leva para fora do organis­
mo. Provavelmente é fabricada num ponto preciso do
ciclo cósmico. Não é possível saber, tão bem o segredo
é guardado, com que freqüência deve ser administra­
da, nem em que quantidade. Em todo caso, é possível
que a fabricação seja tão simples que os Imortais não
devem ter dificuldades para consegui-la.
Pode-se perguntar por que outros sinais se pode
reconhecer um Imortal. A pergunta é difícil. Talvez
pela falta de sono.
A libertação da necessidade de sono foi constata­
da medicamente por diversas vezes. Ela é rara, mas
existe. Em 1961, estudou-se um inglês chamado Eus-
tace Bumett, na época com oitenta e um anos. Du­
rante cinqüenta e quatro anos não dormira.
Gozava de excelente saúde. O hipnotismo não
atuava sobre ele. Os soníferos provocavam-lhe dores
de cabeça. Contudo, ficava todas as noites seis horas
na cama para descansar e passava o tempo lendo, es­
cutando rádio e fazendo palavras cruzadas.
Para falar a verdade, deveriamos reconhecer um
Imortal, principalmente, pela sabedoria conquistada,
pelo seu desapego, pelo desenvolvimento progressivo
da inteligência, pois para que serviría a imortalidade
se continuássemos como somos? É o problema da con­
dição super-humana que abordamos aqui mais uma vez
e que ultrapassa os limites da nossa imaginação.
Assim como um macaco não pode nos imaginar,
não podemos também conceber realmente um Imortal
ou super-homem. A solidão, a insatisfação com a vida,
a falta de curiosidade são fenômenos da mortalidade,
Qualquer pessoa que disponha de tempo diante de si
deve ter uma mentalidade muito diversa da nossa. E a
primeira conseqüência deve ser a perda total da ambi­

103
ção, do desejo de interferir. O Imortal deve, num sen­
tido mais profundo do que o de Voltaire, “cultivar seu
jardim”.
Chesterton disse: “César e Napóleão tiveram um
trabalho insano para que falássemos sobre eles, e fa­
lamos. Existem alguns homens que se desdobram'para
que não falemos sobre eles, e não falamos.”

104
CAPÍTULO 6

Sociedades secretas
e centrais de energia
Encontrava-me no saguão de um grande hotel de De-
troit (U.S.A.) em 1947, quando escutei alguns tiros
na rua, e vi desfilar algumas pessoas vestidas com rou­
pas cor de púrpura e ouro. Alguns atiravam para o ar
com pistolas, outros tocavam gaitas de fole e outros
tambor. Perguntei ao porteiro do hotel o que signifi­
cava aquilo. Respondeu-me: “Senhor, é uma sociedade
secreta.”
Não é este tipo de sociedade secreta que preten­
do descrever ou imaginar, mas sim aquelas verdadei-
ramente secretas. Para mostrar o que é uma sociedade
realmente secreta, permitam-me criar uma pequena es­
tória passada num mundo ligeiramente diferente deste,
muito pouco diferente, pois nem a História, nem as
ciências no seu conjunto, nem a técnica seriam mo­
dificadas.
No mundo em que vivemos, o grande matemático
Cantor, que inventou os números maiores do que o
infinito (ou os descobriu, caso acreditemos que as rea­
lidades matemáticas estão presentes no universo e que
só fazemos descobri-las), foi tão perseguido pelos ou­
tros matemáticos que ficou louco. Imagino um mundo

107
onde Cantor, advertido por um pressentimento do pe­
rigo que corria, escondeu-o para si.
Após a sua morte, o segredo é mantido por gru­
pos bem pequenos. Estamos agora neste outro mundo,
em 1973. E existe ali uma pequenina sociedade secre­
ta cujos membros se reúnem para falar sobre os núme­
ros maiores do que o infinito. Como esta idéia não
existe fora da sociedade, como parecería uma loucura
para a maior parte das pessoas, a existência da socie­
dade nem sequer é suspeitada. Evidentemente, ela não
interfere: não faz publicidade, não edita revistas, seus
adeptos passam todo o tempo trabalhando para explo­
rar o universo descoberto por Cantor, seu fundador.
No nosso mundo, quando num congresso de ma­
temáticos foram contestadas as bases lógicas dos núme­
ros transfinitos de Cantor, um matemático gritou:
“Ninguém nos afastará do paraíso descoberto por
Cantor!”
Pois bem, no mundo imaginado por mim, este pa­
raíso é explorado por um número limitado de homens
cujo principal interesse é isto. E sua existência nem
ao menos é suspeitada, nem mesmo sob forma de len­
da, pois a idéia de um número transfinito não passa
pela cabeça de ninguém desse mundo.
Eis aí, portanto, o que é para mim uma verda­
deira sociedade secreta. Estou persuadido da sua exis­
tência no mundo em que vivemos.
Para que servem? Respondo a isto com uma outra
pergunta: Para que serve viver?
Os participantes desta sociedade têm uma vida
mais rica do que a nossa, e isto basta. Não utilizam
sua condição de membros para conseguir determinadas
vantagens ou elegerem-se deputados. Mas, em compen­
sação, não são detectáveis mesmo que a sua atividade
produza efeitos físicos. ExpliCo-me: uma sociedade ver­

108
dadeiramente secreta não necessita se reunir. Basta,
para manter uma reunião, que os membros da socie­
dade possuam meios de telecomunicação desconheci­
dos à época em que vivem.
Se os Rosa-Cruz de 1623 comunicavam-se através
de um meio análogo ao rádio (temos indicações a este
respeito), suas atividades não podiam ser detectadas
naquele tempo.
Enquanto este livro estava sendo escrito, a Co­
missão de Energia Atômica anunciou o telefone atômi­
co. Este telefone sem fio, que também pode ser uma
televisão ou um telex, utiliza as partículas mü. Pode
funcionar até 35 quilômetros de distância através de
qualquer sólido, inclusive uma muralha de chumbo ou
uma placa de blindagem. E não é detectável pelos
meios eletromagnéticos. A polícia, que procura os emis­
sores de rádio usados pelos espiões ou revolucionários,
seria totalmente incapaz de detectar o telefone atômi­
co. Uma sociedade secreta cujos membros se comuni­
cassem através do telefone atômico não seria detectá­
vel. Assim também, uma sociedade cujo objetivo é a
exploração do tempo seria absolutamente indetectável
numa época na qual se acredita que a exploração do
tempo é completamente impossível.
De um modo geral, toda sociedade secreta cujas
atividades estão além do raio de ação da nossa ima­
ginação é indetectável.
Já objetaram seguidamente a esse respeito que
deveria haver, necessariamente, através dos tempos,
alguns traidores. Mesmo entre os apóstolos, houve Ju­
das. Contudo, respondo que mesmo que um tal traidor
pretendesse fazer revelações, nunca lhe dariam crédi­
to, uma vez que se trata por definição de objetos de
estudo correspondentes a idéias de que nem mesmo
a imaginação humana corçente tem noção e, provavel­

109
mente, a palavras ainda não incluídas — e que talvez
jamais o venham a ser — nos dicionários.
Além do mais, se não há reuniões no sentido fí­
sico comum da palavra, nem arquivos passíveis de se­
rem descobertos com os meios de que dispomos, uma
sociedade deste tipo passa desapercebida. Não pode
ser detectada, logo é reahnente secreta. Não se trata
de um governo invisível do mundo, nem de pessoas
que tenham seja lá o que for para ensinar ou pregar:
são indivíduos que descobriram um domínio e desejam
explorá-lo e mantê-lo só para si, em sigilo. São neces­
sariamente pouco numerosos e aumentam este número
por cooptação.
Teoricamente, tais organismos não deveríam dei­
xar um só traço. Se nos limitarmos a um esquema pu-
ramente mecânico do universo, este deveria ser o caso.
Em compensação, se admitimos a existência de cam­
pos de força psíquicos, é bem possível que, às vezes,
alguns efeitos involuntários se produzam. Seguindo a
expressão de John Buchan, grande escritor inglês, au­
tor de Trente-neuf Marches, tais sociedades são “cen­
trais de energia”.
É muito difícil definir a noção de campo de ener­
gia psíquico. Para começar, é preciso acabar com al­
guns mitos.
Não existe energia psíquica no sentido em que a
ciência considera a energia. Numerosas experiências
provam a não existência de “fluido” no sentido dado
pelos ocultistas. De fato, um lençol de linho molhado
e colocado verticalmente num quadro emite as mesmas
radiações do corpo humano e pela mesma razão: ele
irradia em freqüências mais baixas as radiações infra­
vermelhas calóricas sempre presentes na atmosfera.
De sorte que é difícil acreditar que a mera ativi­
dade psíquica, feita de uma certa maneira, produza

110
efeitos a distância. Contudo, os fenômenos de telepatia
e da telecinese o provam. Portanto, temos que admitir
que a atividade psíquica pode agir como catalisador1
sobre as energias presentes ao redor de nós e que ainda
não sabemos detectar.
O cientista americano Wheeler acredita que ener­
gias imensas, maiores até mesmo que aquelas oriundas
do aniquilamento total da matéria, se encontram na
própria estrutura do espaço. Sua teoria se chama geo-
metrodinâmica e está baseada em prolongamentos per-
feitamente razoáveis da teoria da relatividade de Eins-
tein. Logo, não é uma aberração total pensar que a
energia psíquica possa agir como catalisador sobre a
energia geometrodinâmica de Wheeler.
Isto explicaria, entre outras coisas, os fenômenos
de poltergeist (espíritos que atiram coisas para o ar)
e, de uma maneira mais geral, os fenômenos de psico-
cinese e a telepatia. E é possível que a atividade psí­
quica possa produzir alguns fenômenos mais úteis, emi­
tir a partir de centros energias que agem sobre outros
psiquismos ou mesmo sobre toda a natureza, de uma
maneira que ainda não podemos cónceber com clareza
por enquanto. Olaf Stapeldon, em Les Derniers et les
Premiers (Denoêl), levanta a hipótese de que a ativi­
dade psíquica num planeta possa vir a perturbar seu
campo de gravitação.
A idéia talvez não seja tão louca quanto parece
à primeira vista e a gravitação não é a mais sutil das
energias imagináveis.
A força de gravitação é a mais fraca das energias
conhecidas, mais fraca que a força nuclear, muito mais
fraca ainda do que as forças de atração e repulsão

1 Quer dizer, produzindo efeitos sem ser ela própria modificada.

111
elétricas. Entretanto, é possível que haja forças ainda
mais fracas, não percebidas até o momento pela física,
mas que nem por isso deixam de existir. Assim como
a gravitação, estas forças modificariam o espaço, mas
de uma outra maneira.
Não se possui ainda a prova absoluta da sua exis­
tência. Já foram emitidas teorias diferentes com sólidas
bases numa estrutura matemática. O próprio Wheeler,
com a ajuda de Albert Einstein, concebeu aquilo que
denomina “os buracos de faces topológicas”. São tra­
jetórias na estrutura fina do espaço permitindo passar
de um ponto ao outro sem transpor o espaço comum.
Os buracos topológicos seriam um fenômeno do micro-
universo, um fenômeno muito pequeno que ocorre nas
regiões abaixo do comprimento mínimo concebível que
é da ordem de 10-13 cm. No interior desse compri­
mento, muito menor do que as dimensões dos núcleos
atômicos, o espaço comum desaparecería para ser subs­
tituído por energias fantásticas.
Bem recentemente, alguns astrofísicos inventaram
um fenômeno análogo, mas nos imensos espaços do
universo astronômico. Mostrou-se que, em determina­
das condições, uma estrela pode implodir e sumir do
espaço deixando aquilo que os astrônomos chamaram
de um “buraco negro”. Tal fenômeno se chama um
colapso.
Alguns teóricos ingleses, deixando sua imagina­
ção ir além dos colapsos e dos buracos negros, pensa­
ram recentemente que uma-galáxia inteira pode implo­
dir assim. Uma estrela é um corpo sensivelmente esfé­
rico. Uma galáxia não o é: pode-se dizer, grosseira­
mente, que ela tem a forma de um ovo.
O cálculo mostra que se uma galáxia implode, ela
faz no céu não um buraco negro, mas um túnel que

112
pode ir até outras regiões do espaço. Portanto, trata-
se de forças totalmente novas, que modificam o espaço.
Esta energia interespacial existe em toda parte,
mesmo na superfície da Terra. Se supusermos, como
o fizemos, que a atividade psíquica pode, em casos
especiais, manipulá-la, modulá-la como uma torneira
modula uma corrente de água ou um catalisador mo­
dula as energias químicas, surgem muitas possibilida­
des fantásticas.
Podemos, por exemplo, imaginar que as portas
induzidas são abertas e controladas por um mecanis­
mo deste tipo, criado voluntária ou involuntariamente.
Podemos nos perguntar se objetos materiais, con­
venientemente tratados, não podem armazenar energias
desconhecidas por enquanto pela ciência. A sociedade
da Golden Dawn celebrava cerimônias para “carregar
talismãs”. Infelizmente, as descrições dessas cerimônias
são vagas, mas aqueles que a elas tiveram acesso ti­
nham a impressão de que o objeto tratado estava car­
regado de forças extremamente poderosas. Todas as
lendas sobre os talismãs poderíam, talvez, ser tiradas
das Mil e Uma Noites e vistas com um espírito ra­
cionalista.
Evidentemente, parece difícil, quando se tem um
espírito racionalista, acreditar que um certo número
de seres humanos, localizados segundo uma determina­
da geometria e ao mesmo tempo pensando de uma cer­
ta maneira, possam produzir efeitos sobre o próprio
espaço e as energias por ele contidas. O mesmo espí­
rito racionalista é, no entanto, obrigado a reconhecer
que a pilha nuclear libera energia atômica devido a
uma disposição geométrica bem definida de materiais
extremamente puros. A idéia de uma pilha psíquica
formada pela disposição de seres humanos puros em
posições geométricas definidas é nova mas não absurda.

113
Talvez as disposições de seres pensantes sejam
mais eficazes ainda nos domínios energéticos novos do
que as disposições de átomos.
Se supusermos alguns efeitos deste tipo produzi­
dos pelo funcionamento de uma sociedade secreta, exis­
tem, é claro, duas possibilidades:
— os efeitos são produzidos de uma maneira invo­
luntária;
— os efeitos são produzidos voluntariamente e o
objetivo da sociedade é justamente o estudo destes
efeitos.
Pode-se pensar que na origem distante das socie­
dades secretas os efeitos eram produzidos por acaso e
atribuídos à causas sobrenaturais.
Também se pode pensar que, através do desen­
volvimento da matemática e das ciências físicas, de­
terminados grupos puderam dominar os efeitos e ser-;
virem-se deles de uma maneira dificilmente concebí­
vel por nós.
A maioria dos dados tradicionais são, com muita
probabilidade, susceptíveis de interpretações neste sen­
tido. Mais uma vez, existem razões para sobressaltar
um espírito racionalista. Lembremos a ele, depois da
pilha atômica, o circuito impresso. Algumas linhas tra­
çadas com uma tinta especial sobre um suporte tam­
bém especial podem se transformar em receptores ou
emissores de radiações. Fabricam-se tais circuitos em
larga escala por métodos análogos à impressão e estes
são encontrados, principalmente, em todos os apare­
lhos transistorizados. Logo, é perfeitamente concebí­
vel que algumas linhas traçadas a tinta sobre um per­
gaminho possam produzir efeitos puramente físicos. E
é possível que uma figura geométrica traçada sobre
um assoalho possa definir posições de seres pensantes

114
cujos sincronismos de pensamento possam catalisar
efeitos energéticos de uma natureza muito especial.
Talvez não seja inútil recordar que o fenômeno
de poltergeist é para mim um caso natural particular
deste tipo de fenômeno, do mesmo modo que o raio é
um caso particular, natural e espontâneo de fenôme­
nos elétricos. Da mesma forma, os meteoritos são um
caso natural e espontâneo de astronáutica: muito antes
dos nossos foguetes, estes blocos de metal ou pedra
percorriam o sistema solar.
Portanto, suponhamos que aquilo que chamamos,
segundo os cientistas, “energia geometrodinâmica” ou
“energia subquântica” possa ser influenciada pelo pen­
samento, liberada e dirigida.
Estas energias, segundo os cientistas, são enor­
mes: qualquer volume de espaço que erroneamente
chamamos de vazio encerraria mais energia que uma
bomba de hidrogênio do mesmo volume!
Se estas energias estão ligadas ao psiquismo, de­
vem poder, em compensação, agir sobre o psiquismo.
Disto resulta que as centrais de energia podem, sem
querer ou querendo-o, agir sobre o psiquismo dos seres
que estão nas proximidades da central ou talvez mes­
mo sobre a Terra inteira. A evolução psíquica da hu­
manidade poderia ser assim influenciada no bom ou
no mau sentido. As centrais de energia que precede­
ram o nazismo puderam influenciar toda a psicologia
do povo alemão no pior sentido imaginável.
Penso, em compensação, que existem organismos
secretos que poderíam influenciar o psiquismo humano
mais ainda do que o fizeram as centrais alemãs, mas
que não o fazem por uma questão de consciência.
Como seu objetivo nada tem a ver com a evolução da
humanidade, eles devem procurar, ao máximo, não
intervir. O que não impede que fenômenos estranhos

115
apareçam em sua vizinhança e talvez persistam por
tempo prolongado após a destruição da central. Penso,
de modo especial, nos fenômenos que são observados
no local de certas comendadorias dos Templários.
É interessante tentar imaginar, pelo menos, o que
podem ser as atividades. de um grupo possuidor de
energias muito mais poderosas do que todas aquelas
que conhecemos. Uma das atividades que me vem à
mente é o contacto com outras inteligências. Se é pos­
sível perfurar túneis no espaço, talvez possamos esta­
belecer comunicações sem usar qualquer dos meios co­
nhecidos pela ciência.
Os contactos com outros planetas habitados, ten­
tados em vão através do rádio ou do laser, talvez- já
sejam feitos há muito tempo entre algumas sociedades
secretas e inteligências de outros planetas. Parece-me
divertido relembrar, a este propósito, embora sem en­
campá-la, a idéia do cabalista Adolphe Grad. Ele pen­
sa que o hebraico, sendo de origem divina e não hu­
mana, é a língua universal conhecida pelos iniciados
de todos os recantos do universo, e propõe que ela seja
ensinada aos astronautas.
Dentro do mesmo espírito, seria interessante per­
guntar se a língua universal das comunicações entre
todas as inteligências não seria a “linguagem angéli­
ca” de John Dee, o grande mágico inglês que foi o
Próspero de Shakespeare.
Tudo que foi imaginado pela ficção científica
pode, evidentemente, tomar-se realidade nas mãos de
alguns pesquisadores senhores das energias interespa-
ciais: viagens no tempo, etc. Contudo, acho que idéias
absolutamente novas, que não podemos imaginar, é
que provocam estes efeitos. Sir Frederic Hoyle, o cé­
lebre astrônomo, dizia recentemente no seu curso em
Cohímbia, Nova Iorque:

116
“Estou persuadido de que cinco linhas num papel,
não mais que cinco linhas, bastariam para modificar
totalmente a civilização.”
Vou mais longe do que ele, e creio que basta um
certo número de pessoas, dispostas de uma certa ma­
neira, pensando intensamente em algumas idéias para
que efeitos espaciais, que podem ser traduzidos em fe­
nômenos psicológicos ou físicos, se produzam. Creio
que existiram e ainda existem sociedades que se ocupam
disto.
Posso citar apenas o nome de uma destas socie­
dades : “Os Nove Desconhecidos” na índia. Porém deve
haver outras.
De um modo geral, podemos dizer o seguinte:
existem ciências unicamente de reflexão, como a ma­
temática. Mas também existem ciências experimentais.
Há até mesmo algumas ciências que estabelecem uma
ponte entre elas, como por exemplo a astrofísica. Se
não podemos reproduzir uma estrela num laboratório,
somos capazes de fazer sobre a matéria, em tempera­
tura muito elevada, algumas experiências que nos in­
formam o que se passa ou parece se passar no interior
das estrelas.
Por analogia, penso que devem existir algumas
sociedades secretas entregues unicamente a estudos teó­
ricos e outras fazendo experiências. Os resultados des­
tas experiências são, com muita probabilidade, nitida­
mente perceptíveis a observadores de outros planetas
munidos de instrumentos semelhantes àquele telescópio
detectador de inteligência com o qual sonhava Teilhard
de Chardin em O Fenômeno Humano. Mas os resul­
tados destas experiências devem escapar completamen­
te, por enquanto, à nossa ciência.
Isto não será sempre assim, e podemos conceber
que a invenção de novos instrumentos de medida obri­

117
gue os pesquisadores secretos a transferir suas ativida­
des para outro lugar, por exemplo, para as dobras da
Terra sobre as quais já me referi em outros capítulos.
Ou, talvez, encontrarão eles um meio para proteger
suas atividades por barreiras ou telas, como se prote­
gem as centrais atômicas.
O leitor poderá se perguntar por que os possui­
dores de tais poderes não procuram dominar o mundo.
Penso responder a isto dizendo que os métodos de re­
crutamento das sociedades verdadeiramente secretas
exigem um desinteresse absoluto e um desligamento do
mundo. Também acho que estes métodos de recruta­
mento impõem um sério controle dos recrutados.
É certo que uma sociedade cujos membros se en­
tregam a jogos infantis de “poder” degenera e acaba
por se decompor. Foi o que aconteceu com a Golden
Dawn e é por isto que possuímos algumas informações
sobre este grupo.
As sociedades verdadeiramente secretas não são
conhecidas, justamente porque não se divertem brin­
cando com o espaço e o tempo, mas dedicam-se a estu­
dos sérios. Trata-se realmente de magia, e como dizia
Arthur Machen: “Os membros destas sociedades con­
tentam-se com uma glória secreta.”
Machen ilustrou seu pensamento com esta fábula:
“Se Cristóvão Colombo tivesse sido realmente grande,
teria, ao descobrir a América, atirado _sua tripulação
ao mar. Depois disto, teria voltado dizendo que nada
encontrara.”
Espíritos desta qualidade, e eles existem, não ten­
tam conseguir louros acadêmicos nem estão ligados a
universidades cuja palavra de ordem é: “Publicar ou
perecer.” Contentam-se com atividades das quais uma
simples descrição bastaria para que fossem trancafia­

118
dos como loucos, e seu mandamento principal é: “Não
se deixe agarrar.”
A sua mentalidade é a imagem inversa da men­
talidade do cientista oficial. Este gosta de divulgar a
informação e é julgado pela quantidade de informações
divulgadas. Um dos meus professores mais veneráveis,
o físico Bouasse, professor na Faculdade de Ciências
de Toulouse, dizia que para alcançar o prêmio Nobel
é necessário publicar cinco vezes a mesma coisa a fim
de ter um volume de publicações. Podemos, porém,
conceber também a mentalidade inversa, que é a fobia
da publicação, que não tenta publicar pelos meios ha­
bituais, mas que trabalha em conjunção com outros
espíritos do mesmo quilate e orientados da mesma
maneira.
Diz-se que a crise da Universidade é devida ao
fato de não existirem grandes inteligências na Univer­
sidade. Se não estão na Universidade, talvez estejam
noutro lugar.
Outro lugar, quer dizer, entre nós.
E penso, por razões psicológicas, que seus pos­
suidores estão agrupados em minúsculas células, e não
numa vasta sociedade paralela. Devem acreditar essen­
cialmente no valor do indivíduo e ter escrito no seu
templo de saber, com letras de ouro, as palavras de
Churchill: “Um camelo é um cavalo que foi desenha­
do por um comitê.”
Também devem usar bastante a divisa de Disrae-
li: “Jamais se explicar, jamais se lamentar.”
Dizem-me freqüentemente durante as conversas a
respeito das sociedades secretas: “Se todo o mundo
fosse como estas pessoas que imagina, não havería pro­
gresso humano.” O que no fundo quer dizer: “Se as
exceções fossem como todo o mundo não havería ex­

119
ceções.” Sob esta forma vemos que se trata de uma
afirmação tola.
Segundo o que sabemos, de modo especial pelos
trabalhos de Cattell sobre a inteligência humana, pa­
rece que a curva cai bruscamente quando se chega a
níveis de inteligência muito elevados, acima de 200.
Alguns chegam a se perguntar se a medida da inteli­
gência nas áreas desconhecidas acima dos 200 tem um
sentido. O que parece certo é que, numa determinada
época, não parece haver mais de mil inteligências aci­
ma de 200 ao mesmo iempo. Ê este milhar de seres
excepcionais que deve constituir as sociedades verda-
deiramente secretas: ou seja, não deve haver um núme­
ro muito grande destas, sociedades. As superinteligên-
cias devem ter uma psicologia muito especial. Um só
desses homens superinteligentes, Norbert Wiener, que
inventou a cibernética, escreveu suas memórias, intitu­
ladas Ex-Prodígio e que, infelizmente, não foram tra­
duzidas para o francês. Aí já se vê uma mentalidade
muito diferente da mentalidade humana usual. Se exis­
tem seres humanos mais inteligentes ainda do que Wie­
ner, bacharel aos oito anos, doutor em ciências aos
doze e que redigiu uma enciclopédia inteira aos de­
zesseis, não devem experimentar nenhuma obrigação
com relação à massa hostil que os circunda.
Como escreveu Merritt, ao descrever um ser deste
tipo na novela, não traduzida para o francês, O Último
Poeta e os Robôs: “Ele sabia que um oceano espesso
de estupidez cobre o planeta e que, de vez em quando,
uma onda de inteligência eleva-se acima deste oceano.
Ele sabia que era uma destas ondas.”
As superinteligências não devem experimentar a
menor necessidade de fazer com que a humanidade
aproveite os seus trabalhos, que, aliás, nem compreen-

120
deria. Seguem seu caminho e devem se especializar
bem depressa num domínio de pesquisas, o que faz
com que as diversas sociedades secretas, nunca muito
numerosas, não possam nem se comunicar entre si nem
se interessar por outros trabalhos que não os seus. Esta
é uma atitude absolutamente contrária à atitude cien­
tífica e mais ainda à atitude de divulgação. A atitude
dos alquimistas, antigos e modernos, dão uma idéia
disto.
Nestas condições, quais os interesses dessas so­
ciedades?
Já respondí: o mesmo que a própria vida. Acres­
centarei um outro: parece-me possível que o cume do
espírito humano não seja aparente e que seja atingido
justamente nos seus trabalhos secretos. Provavelmente
é por eles que as inteligências dos outros planetas jul­
gam a nossa espécie.
Jacobi, o grande matemático do início do século
XIX, disse:
“A matemática só tem um interesse: o de traba­
lhar para a maior glória do espírito humano.”
Talvez as sociedades secretas trabalhem para esta
maior glória. E assim talvez sejam a parte importante
da humanidade.
Veremos em outro capítulo que há quem organi­
ze atualmente alguns refúgios onde uma elite humana
poderia sobreviver a uma catástrofe geral. Ê possível
que seus conhecimentos e poderes superiores permitam
a sobrevivência das sociedades secretas sob qualquer
circunstância. Quando Hitler alcançou o poder, inter­
rogaram G. K. Chesterton sobre os perigos que a ordem
negra representava para o cristianismo. Ele respondeu:
“O perigo é grave, mas a Igreja de Cristo sobreviverá,
pois seu símbolo secreto nas catacumbas era o peixe.”

121
E como os jornalistas não entendessem, Chester-
ton precisou: “São os peixes que sobrevivem ao
Dilúvio.”
Creio que existem sociedades secretas mais anti­
gas do que pensamos e que já sobreviveram a uma
porção de fins de mundo, a muitos dilúvios, e que
conservaram alguns segredos com muitas dezenas de
milhares de anos de existência. Isto coloca o problema
da iniciação que é o objeto do próximo capítulo.

122
CAPÍTULO 7

As idéias de um não-iniciado
sobre a iniciação
Um membro do Exército da Salvação perguntou-me
uma noite em Pigalle: “Você foi salvo?”
“De quê?” — perguntei.
E ela não soube me responder.
Da mesma maneira, quando alguém que se diz
iniciado se anuncia a mim, faço-lhe esta pergunta:
“Iniciado em quê?”
Também ele é incap'az de responder.
É isto que me prova mais uma vez que, até ago­
ra, só encontrei falsos iniciados. Contudo, penso que
há os verdadeiros e, como não estou preso a nenhuma
promessa de sigilo, posso emitir algumas reflexões so­
bre o assunto.
Sempre me recuso a fazer uma promessa de sigilo.
Minha profissão é a informação, e a informação fria,
não aproveitável, não me interessa. Diz-se em matéria
de informação: “A pior dás indiscrições é uma intui­
ção inspirada.”
Neste capítulo considero-me culpado deste tipo de
indiscrição e apenas deste.
Os falsos iniciados são bastante numerosos e po­
dem ser encontrados, sem dificuldade, no Flora e no

125
Deux-Magots. Chesterton, que já os observara no sé­
culo XIX, descreve-os como aqueles que “ao redor de
um copo de absinto levantam o véu de Isis e revelam
o segredo de Stonehenge.”
A descrição de O’Henry talvez seja ainda melhor.
Jeff Peters, o trapaceiro escrupuloso, funda um
culto secreto e dirige-se aos seus discípulos:
“Sou o único Sanhédrin e o ostensivo houpla do
Púlpito interior. Os mancos vêem e os cegos andam
desde que lhes dê um passe.”
Trazem-lhe um doente.
“Você está com uma grave inflamação da claví­
cula direita do clavecino”, diagnostica Peters.
E como o doente fica apavorado: “Tranqüilize-
se , você não tem clavícula, não tem clavecino e nunca
teve nada no cérebro. Levante-se e ande.”
Assim que o doente dá um pulo, curado, Jeff Pe­
ters dá as últimas instruções: “Dêem-lhe um bom bife
e oito gotas de terebintina.”
Será que Gurdjieff leu O’Henry? É bastante pro­
vável. Porém há uma coisa, o fato de escroques fabri­
carem dinheiro falso não impede a existência do ver­
dadeiro. E a existência de escroques na iniciação não
impede que deva haver uma verdadeira. Podemos de­
fini-la da seguinte maneira:
Nas civilizações avançadas do passado, também
deve ter havido sociedades secretas adiantadas em re­
lação ao meio local e temporal. Estas civilizações mor­
reram mas algumas sociedades secretas sobreviveram.
O seu saber, o seu poder é o que a iniciação deve re­
velar. Existem idéias que não podemos ter esponta­
neamente, ou, mais exatamente, que não aparecem es­
pontaneamente num cérebro humano a não ser por
uma vez em toda a história da humanidade. Estas

126
idéias são conservadas pelos iniciados, desde épocas
muito remotas, e são às vezes comunicadas.
A quem? E por quê?
A segunda pergunta é a mais fácil: para que este
saber não desapareça completamente.
A primeira é a mais difícil: deve haver numa ge­
ração muito poucas pessoas dignas de receber o co­
nhecimento. Como reconhecê-las e sobretudo como é
que os pequenos colégios de iniciados tomam conheci­
mento da sua existência? Não sei.
Por duas vezes, tentei bater em portas que se
abriam pelo menos para o primeiro degrau da escada
que conduz à iniciação. Por duas vezes fui repelido
por moralidade insuficiente.
Robert Amadou escreve em seu prefácio à recen­
te edição na coleção 10/18 de Le Symbolisme de la
Croix, de René Guénon:
“Acrescento que, segundo, outros testemunhos,
inéditos, René Guénon, quando de sua estada na Ar­
gélia (Sétif, 1917-1918; Hammam Rirha no verão de
1918), teria recebido a baraka do célebre xeque El
Alaoui, de Mostaganem. Garanto-o ainda menos” (Sur
la Terminologie de 1’Esoterisme Islamique, cf. infra).
Anteriormente, René Guénon tivera um ou diver­
sos mestres hindus, na França, no começo de 1909,
no máximo, segundo Chacornac (op. cit., p. 42) e
provavelmente em 1904-1905, segundo Jean Reyor
(“En marge de la Vie simple de René Guénon”, Étu-
des Traditionnelles, janeiro-fevereiro de 1958, p. 7).
Acredito.
Jamais ouvi falar do célebre xeque El Alaoui,
nem tampouco nenhum dos meus amigos muçulmanos.
Seguindo esta linha, talvez Guénon tenha encontrado
realmente alguns iniciados. Isto não está muito claro
na sua obra.

127
C. Daly King, o célebre psicólogo behaviorista,
me parece mais sério. Ele afirma ter encontrado alguns
iniciados cujo saber remontava, no mínimo, até o An­
tigo Egito. Ele é bastante convincente mas não apre­
senta meios que nos possibilitem chegar às origens.
Na índia, a situação é ainda mais difícil. Segundo
me disseram, encontram-se às dúzias pessoas que vi­
ram alguns cheias ou discípulos dos Nove Desconhe­
cidos. Porém, ninguém que tenha encontrado os pró­
prios Nove Desconhecidos: os cheias em questão, após
terem recebido uma mensagem para transmitir ou ten­
do transmitido eles mesmos uma mensagem não soli­
citada, recusam qualquer explicação e não se lembram
de mais nada na vez. seguinte. Tudo quanto se sabe é
que a Sociedade dos Nove Desconhecidos é tão antiga
quanto a própria índia. O contacto com esta socieda­
de, porém, não parece fácil.
Tentarei, baseado em algumas informações, pre­
cisar um pouco as idéias sobre a iniciação.
Fala-se seguidamente da “tradição eterna”. O ter­
mo é vago e generalizado demais. Por definição, não
é possível verificar nem se alguém é imortal nem se
uma tradição é eterna. Seria mais racional (e este li­
vro, é o que se verá, procura se manter dentro de um
espírito racional se não racionalista), seria necessário,
em minha opinião, falar de uma tradição que remonta
à mais próxima de nós das antigas civilizações desa­
parecidas. Há razões para acreditar que esta civiliza­
ção se localizava na Antártica e situá-la num período
compreendido entre quarenta mil e vinte mil anos antes
de nós.
Outras civilizações mais antigas certamente exis­
tiram durante os dez milhões da existência conhecida
da humanidade, porém quanto mais se acentua a sepa­
ração no tempo menos traços restam.

128
Uma sociedade secreta de quarenta mil anos já é
muito. Alguns vestígios desta sociedade teriam chega­
do até nós através do Egito. O Egito, paradoxalmente,
aparece-nos agora como sendo mais antigo que a Atlân-
tida, que ficava na ilha de Théra, no arquipélago iôni-
co, e foi destruída pela erupção do vulcão Santorin
no ano de 1400 antes de Cristo. (Ver o trabalho do
professor Galanopoulos, L’Atlantide, publicado na
França pela Presses de la Cité.) O Egito, mesmo se­
gundo a cronologia oficial, é bem mais antigo do que
isto. E segundo a cronologia dos arqueólogos moder­
nos, soviéticos e egípcios, o Egito também remontaria
a menos quarenta mil — menos vinte mil, o que teria
permitido alguns contactos diretos com a civilização
desaparecida da Antártica. Logo, podemos imaginar
uma filiação, uma sociedade secreta invisível forman­
do-se no seio da civilização da Antártica, continuando
seu trabalho no Egito e na civilização dos megalitos e
funcionando ainda hoje. Chamo iniciação à comuni­
cação de uma parte ou da totalidade da reserva de
informações desta sociedade. Evidentemente isto é mais
limitativo do que a limitação habitual, mas pelo menos
sabemos do que falamos.
Sobre esta iniciação, citarei uma passagem de
Guénon, com quem estou inteiramente de acordo, pelo
menos uma vez. Falando da iniciação com relação à
ciência oficial, escreve:
“Estas coisas são do tipo que estão e sempre esta­
rão inteiramente fora do seu alcance. Eis porque eles1
as negam, assim como negam indistintamente tudo
aquilo que os ultrapassa de uma ou outra forma, pois
todos os seus estudos e suas pesquisas, iniciados a par­

1 Guénon se refere aos cientistas oficiais.

129
tir de um ponto de vista falso e limitado, só podem
terminar, definitivamente, na negação de tudo aquilo
que não está incluído neste ponto de vista; e, ainda
por cima, estas pessoas estão tão persuadidas de sua
‘superioridade’ que não podem admitir a existência
ou a possibilidade do que quer que seja que escape às
suas investigações. Seguramente, os cegos também se­
riam as pessoas indicadas para negar a existência da
luz e, baseados nisso, ter um pretexto para se gabar de
serem superiores aos homens normais!” (Le Règne de
la Quantité et les Signes des Temps, p. 180, coleção
Idées, Gallimard).
Todavia, a atitude da ciência oficial não impede,
de maneira alguma, a existência destas informações.
Aliás, penso que a atitude da ciência oficial demons­
tra, entre outras coisas, um certo receio. Se algum dia
a Tradição for revelada, é bem possível que um grande
número de cientistas oficiais fique completamente des­
qualificado. Mas é pouco provável que a Tradição al­
cance a superfície oficial dos conhecimentos. Defino
esta Tradição, que pode ser comunicada, o que consti­
tui a iniciação, como uma grande massa de informa­
ção importante tanto pela quantidade quanto pela qua­
lidade. Esta informação é preservada. De que forma?
Falou-se muito das grande bibliotecas onde a Tradição
é conservada e que situamos, entre outros lugares, no
deserto de Gobi e na selva do lucatã. Isto é bem pos­
sível, mas também é bem verdade que de longas vias,
longas mentiras.
Falou-se também das “gravações akashiques”, isto
é, da informação guardada na própria textura do espa-
ço-tempo e que pode ser recuperada por uma extensão
das faculdades paranormais. Basta ler a obra de Rudolf

130
Steiner2 para maiores informações a esse respeito: a
antroposofia não é uma sociedade secreta e a documen­
tação steineriana é perfeitamente accessível.
Gostaria de desenvolver uma outra idéia que, se­
gundo certas informações que recebí, seria muito boa:
A informação tradicional, a fonte da iniciação,
estaria inscrita em todos nós no nosso código genético.
Poderia ser extraída de qualquer cérebro por técnicas
relativamente simples. Traríamos em nós a memória
de ancestrais muito afastados e esta poderia vir à tona.
Nestas condições, iniciar alguém não seria fazê-lo se­
guir cursos, nem ler livros, mas sim fazer vir ao seu
consciente aquilo que ele já sabe, mas sem se dar con­
ta. É por isso que a Tradição seria indestrutível: esta­
ria presente em todos nós enquanto existissem seres
humanos, e accessível a todos eles. Todavia, só aqueles
que o merecessem seriam iniciados.
Esta teoria parece-me explicar muitas coisas e pre­
cisar a natureza da iniciação. O hipnotismo já faz vir
à tona algumas informações provenientes de um passa­
do distante. Numerosos pesquisadores, de Charcot a
Arthur Guidham, demonstraram-no de maneira indis­
cutível. A iniciação iria mais longe que o hipnotismo,
servindo-se de outros métodos já esquecidos. Um ini-
ciador age sobre. o cérebro e o sistema nervoso do
iniciado, desencadeando um processo perfeitamente na­
tural, explicável cientificamente, independentemente de
todo espiritualismo e de toda teoria da reencarnação,
assim fazendo com que aquele que foi iniciado se be­
neficie daquilo que já sabia.
Parece certo que o iniciador também pode tirar
proveito disto, pois esta informação não é a mesma em

2 Cientista alemão morto em 1925.

131
todos os seres humanos e não apresenta o passado e o
saber sob o mesmo aspecto. Daí as inúmeras referên­
cias ao fato de que o iniciador aprende, às vezes,
muito mais que o iniciado (encontramos referências
deste tipo em particular na Cabala).
De forma alguma acho necessário ligar a inicia­
ção aos costumes das sociedades primitivas ou aos ritos
de passagem, isto simplesmente porque a iniciação é
um fenômeno muito raro, limitado, muito provavel­
mente, a uma centena de candidatos “recebidos” por
geração e não um fenômeno geral correspondente à
fase da puberdade e ao ingresso na sociedade. A
mesma palavra é empregada para duas coisas extrema­
mente diferentes.
Seria útil, a meu ver, empregar-se “rito de passa­
gem” cada vez que se trata simplesmente de antropolo­
gia e não de Tradição, o termo “iniciação” devendo
ser reservado à comunicação da antiga Tradição.
Esta comunicação deve acontecer muito raramen­
te. É difícil citar um número; digamos, trezentos por
século, cem por geração.
Evidentemente é muito pouco, e pode-se dizer que
a totalidade dos seres humanos vive e morre sem se
aperceber das riquezas que carregam em si mesmos.
Nossa ignorância sobre os fenômenos da genética
em seu conjunto impede responder com precisão a
maior parte das perguntas feitas. Por exemplo: todos
os habitantes da Antártica, no momento em que exis­
tia a grande Tradição, estariam informados sobre estes
assuntos, por pouco que fosse? Em caso negativo, qual
a porcentagem informada? Como se transmitem as in­
formações concernentes à Tradição e contidas no có­
digo genético? Pela hereditariedade mendeliana, como
os caracteres comumente transmitidos, ou segundo uma
outra lei desconhecida por nós?

132
Ê evidente que só pode ser iniciado aquele que
possui no seu código genético esta informação. Se ela
não está ali, não é possível revelá-la.
Devido à multiplicação da população, a maioria
dos caracteres genéticos foram enormemente difundi­
dos. Nestas condições, qual a proporção dos humarfos
que pode ser iniciada? 99 por cento ou 1 por um mi­
lhão? Sinto-me mais inclinado pela primeira cifra, to­
davia reconheço não ter um argumento bastante sério
para oferecer em favor da minha hipótese.
Deve-se compreender bem — e não só com re­
lação às questões ditas raciais em geral — que a here­
ditariedade é uma transmissão descontínua. Não se
trata de “sangue que se dilui”, como afirmavam os
racistas e os genéticistas de Stalin tipo Lyssenko. Tra-
ta-se da transmissão de uma ou diversas moléculas no
quadro da divisão dos cromossomos e das formações
de genes.
Se chamamos a mais recente civilização avança­
da anterior a nós, aquela da Antártica, de “civilização
zero”, não se trata, como diria um racista nazista ou
staliniano, de “ter no sangue uma gota do sangue da
civilização zero”. Trata-se de ter ou não uma molé­
cula no seu código genético. Uma molécula particular,
contendo mais informações do que todos os livros da
biblioteca nacional reunidos, uma molécula que se re­
produz automaticamente e talvez esteja presente em
todos os cromossomos humanos; pelo menos isto é o
que creio.
Esta molécula também pode ser um traço heredi­
tário extremamente raro. E, bem entendido, todas as
soluções intermediárias são possíveis. A presença desta
molécula é necessária mas não suficiente para se ser
iniciado.

133
Além da posse da informação, é preciso ainda que
o futuro candidato possua quantidades excepcionais de
inteligência e caráter.
O leitor tem o direito de me dizer: “Afinal, você
está descrevendo uma aristocracia hereditária; não é
democrático.”
Estou totalmente de acordo com esta objeção. Não
sou democrático. A natureza também não.
John W. Campbell já chamara a atenção para
o fato de que a oposição contra os dons paranormais
é de natureza democrática. Estes dons não podem ser
aprendidos nem outorgados pela sociedade como um
prêmio de boa conduta, tal como os louros acadêmicos.
A sociedade prefere negar a sua existência do que
admitir que os seres humanos não nascem iguais.
O que corrige a existência de uma aristocracia
hereditária é o fato de que esta não se manifesta, não
tem nenhuma pretensão de ser uma raça eleita ou go­
vernada e faz todo o possível para passar desapercebi­
da e o consegue. É evidente que a existência de uma
minoria superior: mutantes superiores, imortais, porta­
dores de conhecimentos que podem conduzir à inicia­
ção, provocaria um massacre se fosse conhecida. Os
judeus aprenderam muito duramente às suas custas o
quanto custa pretender ser uma raça eleita, e é provável
que não recomecem mais.
A iniciação não reivindica coisa alguma à massa
da humanidade, como também não lhe concede nada.
É lastimável, mas é assim.
Portanto, é necessário imaginar a existência de
uma minoria entre nós que não é absolutamente hu­
mana, no sentido de que os poderes e conhecimentos
que não nos são accessíveis foram despertados entre
eles.

134
Os iniciados usam estes conhecimentos, estes po­
deres potenciais da maneira que lhes parece melhor.
Inclusive a capacidade de transmiti-los, por sua vez,
quando é chegado o momento. É evidente que as téc­
nicas da iniciação não podem ser aprendidas por cor­
respondência, nem ensinadas numa escola. Mas assim
mesmo podemos fazer uma idéia delas.
Primeiramente, trata-se de técnicas de informação
que permitem reconhecer os seres humanos que po­
dem ser iniciados. Como funcionam estas técnicas de
observação?
Será que se trata apenas de um grande conheci­
mento dos seres humanos ou de técnicas parariormais
fazendo intervir a clarividência e a telepatia? Trata-se
de comunicação e as características dos candidatos à
iniciação estão claras no que escrevem? Não estou em
condições de responder. Penso que se trata de telepa­
tia e clarividência e os seres passíveis de ser iniciados
devem aparecer como faróis no íneio da escuridão psí­
quica geral. Porém, é possível que me engane e que a
simples observação da multidão revele características
particulares que escapam ao observador comum.
Um dos meus chefes na Resistência, o coronel
Verneuil, podia reconhecer os traidores olhando para
eles, vendo um retrato seu e até mesmo pela maneira
como redigiam um telegrama. Nunca se enganou.
Talvez existam seres que reconhecem as qualida­
des superiores numa fração de segundo, assim que
vêem um rosto.
Em seguida, as técnicas da iniciação devem com­
preender a ativação dos centros superiores cerebrais e
nervosos, permitindo buscar a informação escondida e
passá-la do inconsciente ao consciente. Trata-se, creio,
de uma técnica de estimulação que utiliza um profun­
do conhecimento da psicologia e não drogas ou uma

135
estimulação elétrica e por radiações. Estas técnicas,
não exigindo laboratórios químicos ou aparelhos, não
são visíveis nem em sua aparelhagem (se pudermos
empregar este termo inexato) nem em suas manifes­
tações exteriores.
Recentemente, um Primeiro-Ministro visitava o
Instituto Henri-Poincaré num dia de greve do Centro
Nacional de Pesquisa Científica. Apontando alguns
matemáticos com o dedo, perguntou:
“Eles estão em greve?”
Ao que o diretor do Instituto Henri-Poincaré
respondeu:
“Como quer distinguir um matemático em greve
de um outro que não está em greve?”
Esta pequena anedota vai longe.
As atividades cerebrais e nervosas superiores não
são nem visíveis nem audíveis. Não podem ser desco­
bertas pelos meios usuais. Uma cerimônia de iniciação
pode ter lugar na Paris de hoje, num local bem co­
mum, sem atrair a mínima atenção. E isto deve acon­
tecer, ainda que não todos os dias nem todos os anos.
Escritores como René Guénon ou Arthur Ma­
chen falaram de uma “contra-iniciaçãó” ou antiinicia-
ção. Como eu mesmo ignoro o assunto, só me resta
aconselhar uma consulta aos autores citados.
Dentro do esquema que apresento, que não é mís­
tico mas racional, e não apela para forças “do alto”,
tampouco há razão para que existam forças “de bai­
xo”. Talvez este esquema não seja suficiente, contudo
parece-me ter a vantagem de apelar para as noções
conhecidas sem nenhuma espécie de transcendência.
Isto pode chocar, mas acho que a noção de ini­
ciação não é nem mais nem menos maravilhosa do
que o emergir da vida e da consciência em geral a
partir das albuminas e dos aminoácidos. Não podemos,

136
é claro, reduzir a consciência aos aminoácidos, assim
como também não se pode reduzir a iniciação aos es­
quemas que dela apresento. Pode-se apenas dizer algo
de preciso sobre as albuminas e os aminoácidos, assim
como também se pode dizer algo de preciso sobre uma
transmissão hereditária de conhecimentos e poderes la­
tentes que podem ser despertados. A recepção do co­
nhecimento iniciático é um ato de vontade? Podemos
recusá-la? Precisamos pedi-la? E tantas outras pergun­
tas para as ouais a Tradição só dá respostas vagas.
Acho que é preciso pedir, e que também temos o di­
reito de recusar.
Creio que o candidato que a recusou guarda se­
gredo a respeito. Em compensação, penso que um can­
didato à iniciação não pode ser recusado. De início a
sua natureza e estrutura mental deverão ter sido estu­
dadas de modo a que se saiba se possui as capacidades
necessárias antes mesmo que lhe seja perguntado se
deseja ser iniciado.
Quanto tempo dura a iniciação? Segundo o que
se sabe deste fenômeno superior, trata-se de uma ope­
ração mental fora do tempo e que nos parece ins­
tantânea.
Gérard Cordonnier descreveu tais estados num
texto chamado Voyance et Mathématiques. Descreveu
como num tempo senão nulo pelo menos muito fraco
(entre duas remadas) teve a iluminação de verdades
abstratas, que, mesmo na linguagem condensada da
matemática, enchem diversas dezenas de páginas e exi­
gem de um bom matemático um mês de estudo.
Alguma coisa deste tipo deve acontecer com mais
intensidade e mais brevidade ainda no momento da
iniciação.
A Tradição judaica simboliza isto na lenda do
“Centésimo Nome do Senhor” no qual basta pensar
137
para ter sabedoria e poder. Contudo, contrariamente
à tradição da iniciação, a Tradição judaica assegura
que o Centésimo Nome do Senhor não pode ser comu­
nicado do exterior e que só se pode alcançá-lo pelo
interior.
As máquinas de calcular ultra-rápidas, onde algu
mas operações podem ser feitas num milésimo de mi­
lionésimo de segundo3, estão mais próximas da ceri­
mônia da iniciação. Este intervalo de tempo está, é
evidente, fora do alcance de nossa imaginação. Alguns
especialistas criaram unidades especiais de tempo como
o nanossegundo e o picossegundo. Por menores que
sejam estas unidades, ainda são muito grandes com
relação à duração de uma vibração de um fóton gama.
Logo não há nada de anticientífico na idéia de
uma operação mental complexa desenvolvendo-se num
espaço de tempo extremamente pequeno para a escala
da nossa percepção.
Com relação a estes intervalos extremamente pe­
quenos, o ritmo de vibração que descobrimos no cé­
rebro, da ordem de um décimo de segundo, é extre­
mamente longo. É verdade que estas vibrações são um
fenômeno secundário; são apenas descargas produzi­
das no cérebro, sem conexão direta com o pensamento.
Tudo quanto sabemos é que possuem determinados
ritmos, todos eles da ordem de um décimo de segun­
do, correspondendo o ritmo alfa à ausência de pensa­
mento, ao repouso cerebral, e o ritmo teta correspon­
dendo a um pensamento extremamente rápido. Toda­
via, não são de maneira alguma ondas de pensamento,

3 Estas máquinas inventadas pelo homem trabalham durante


intervalos de tempo muito pequenos para serem detectados por
um sistema nervoso normal.

138
e se tais ondas existem não estão presentes no espectro
eletromagnético.
A comunicação instantânea de um cérebro para
outro não precisa, aliás, da telepatia. A priori pode-se
produzir pela observação direta de determinados ges­
tos. Basta traçar com giz um círculo ao redor de um
frango para que o funcionamento do seu cérebro pa­
ralise totalmente4. Inversamente, deve haver determi­
nados gestos (estuda-se isto nas lojas especializadas
da maçonaria) que podem ativar um cérebro bastan­
do para tanto que sejam vistos. Também é possível
que o contacto direto, uma mão pousada num pulso,
por exemplo, permita uma comunicação extremamente
rápida e transmita muitas informações — em sucessi­
vas faixas de largo espectro, como dizem os especia­
listas da teoria da informação.
Wolf Messing, na Rússia, consegue, desta manei­
ra, transmitir apenas pelo toque em seu pulso, ou seu
ombro, a situação complexa de uma rua onde o trá­
fego automobilístico é grande e consegue dirigir um
carro, num trânsito intenso, com a cabeça recoberta
por um capuz completamente opaco. Ele vê através
dos sentidos de uma outra pessoa presente no carro.
Segundo sua própria análise do fenômeno, não se
trata de telepatia, mas de sinais transmitidos por quem
o toca e que são interpretados por ele. Isto parece tão
inacreditável que prefeririamos acreditar na telepatia.
Todavia, Messing, neste caso particular e pela inter­
pretação desta experiência em particular, não acredita
que seja.
Por mais inacreditável que possa parecer, ele afir­
ma que as variações da pressão que seu ajudante exer­

4 Isto também funciona quando se traça uma simples linha


reta diante do pássaro.

139
ce sobre seu pulso, ou seu ombro, transmitem-lhe a
imagem de uma rua repleta de carros em movimento,
com rapidez e precisão suficientes para que consiga
dirigir por ali.
Acabo de dizer e repito-o, isto não parece crível,
contudo o controle foi feito por cientistas soviéticos
muito hostis a Messing.
Portanto, podemos admitir como hipótese de tra­
balho que uma simples mão pousada sobre a cabeça
ou coração possa transmitir a iniciação. Neste caso a
cerimônia da iniciação seria representada às claras em
muitos afrescos e alto-relevos, sem que esta representa­
ção imóvel possa revelar o que quer que seja do se­
gredo. Lastimo não poder adiantar mais nada sobre
o assunto.
Os alquimistas chineses diziam: “Aqueles que sa­
bem não falam. Os que falam não sabem.”
Infelizmente, encontro-me na situação daquele que
fala mas não sabe. Mas como os que sabem não dizem
nada, que ao menos me seja permitido emitir algumas
hipóteses racionalistas. Talvez pareçam muito ridículas
àqueles que sabem, mas parecem-me apresentar algum
interesse.

140
CAPÍTULO 8

Um daqueles que guardam


as chaves dos segredos
da magia...
A lenda do Cavaleiro Branco, que vou contar, só pode
ser apresentada como uma lenda, infelizmente. Quan­
do estes fatos se passaram em Lyon, eu já estava no
campo de concentração e, portanto, não os acompa­
nhei pessoalmente. Após a guerra, recolhi alguns tes­
temunhos solicitados por intermédio de uma revista
chamada Demain que não existe mais.
Recolhi muitos testemunhos, todos contraditórios.
Todos provinham de um estranho que passara algum
tempo em Lyon durante a guerra. Os habitantes de
Lyon não costumam falar e não Saíram do seu mutis­
mo nesta ocasião.
Era uma vez, portanto, uma Lyon ocupada. Im­
portante centro da Resistência e o lugar mais terrível
dã Ocupação. No início de 1944, apareceu por lá um
homem que se fazia chamar o Cavaleiro Branco e que­
ria combater o nazismo com a magia branca. A Ges-
tapo tomou conhecimento disto, e num dia de maio de
1944 cercou a mansão onde morava este indivíduo, nos
subúrbios de Lyon. Alguns agentes da Gestapo viram-
no entrar e, dez minutos depois, penetraram na man­
são. Ela estava vazia. Não se encontrou uma passagem

143
secreta, nenhuma explicação racional. O relatório da
Gestapo concluía como “um caso inexplicável”. O indi­
víduo tinha desaparecido sem deixar vestígios (spurlos,
em alemão), tal como se estivesse num navio afunda­
do pela marinha de guerra alemã.
Para aqueles que não conhecem a “Lyon dos Mis­
térios”, a estória parece muito bonita. Para um lionês,
ela não tem nada de espantoso. É a vida cotidiana de
uma cidade mais misteriosa do que o Tibete.
Eu próprio sou lionês adotivo, e algum dia con­
tarei algumas estórias lionesas em que ninguém acre­
ditará.
Todavia, acredito que o interesse desta lenda é o
fato de ser uma manifestação bem moderna (1944) de
uma noção muito antiga e reconfortante; ou seja, a de
que a humanidade não está sozinha, e tem um protetor.
Encontramos esta noção da história mais distante,
nos mitos mais antigos. É preciso não confundi-la com
a noção da vinda do Messias, que deve significar o
fim dos tempos, e que os cristãos chamam de parusia.
O Protetor, em compensação, está no tempo, na
História, e interviria para impedir as catástrofes e de­
fender a humanidade. Este é o mito que está na base
da cavalaria e foi parodiado por Cervantes. Este mito
é que constitui o segredo dos Templários, que se con­
sideravam como representantes diretos do Protetor.
Na literatura, este mito foi, bem entendido, ex­
plorado e quase sempre com muita genialidade. Dois
exemplos deste gênero, todos dois escritos por celtas,,
são La Ville du Gouffre, de Arthur Conan Doyle, e a
trilogia de C. S. Lewis; Le Silence de la Terre, Pere-
lanãra e Cette Force Hideuse.
Nos mitos, vemos a aparição do Protetor desde
os sumérios até o Cavaleiro Branco de nossa época.

144
Na América do Sul, onde é branco, ruivo e com
um nariz adunco de semita, é quase sempre descrito
como oriundo das estrelas. Na tradição judaica, pro­
clama-se Mestre do Nome e sua última encarnação his­
tórica é Sabataí Zvi, no século XIX.
O primeiro nome que se dá ao Protetor é Gil-
gamesh. Sob esta forma, a lenda é certamente sume-
riana e remonta, talvez, até mais longe. Encontramos
aí algumas notações bastante curiosas. Uma versão
completa, descoberta pelos arqueólogos na biblioteca
de Assurbanipal, data do terceiro milênio antes de Je­
sus Cristo, contudo conhecem-se outras incompletas e
mais antigas, e não é exagero estimar em oito mil anos
a lenda de Gilgamesh. Este é apresentado de uma ma­
neira curiosamente aritmética: ele é dois terços deus
e um terço homem. Será que se trata de um código
genético e de uma ascendência extraterrestre? Temos o
direito de formular esta pergunta. Em todo caso, ele
é eterno. Atravessa os oceanos e traz, de um outro
mundo que, geograficamente, é um dos dois continen­
tes americanos (norte ou sul, não é possível determi­
nar), a história do Dilúvio Universal. Encontra um
ancião que sobreviveu ao Dilúvio chamado Ut-napish-
tim. Este revela a Gilgamesh o segredo da imortalida­
de que, é claro, está ligado à água e, mais precisa­
mente, ao oceano.
“Não há nada de eterno sobre a Terra, mas nas
profundezas do mar existe uma árvore que se parece
com o espinheiro e, se um homem chega a se aproxi­
mar dela e provar um dos seus frutos, reencontrará a
juventude.”
Gilgamesh se tornará eterno e intervirá, durante
todo o transcorrer da história da humanidade, em sua
defesa. Encontramos este personagem em todas as tra­
dições humanas, sob outras denominações e descrições.

145
Poderiamos dizer, com uma certa ironia, que o
Protetor não impediu desastres nem massacres horri­
pilantes. Ao que se pode replicar que, sem a interven­
ção do Protetor, tudo poderia ter sido muito pior.
Junto aos Maias encontramos algumas descrições
do Protetor misteriosamente próximas tanto da lenda
de Gilgamesh como da lenda do Cavaleiro Branco,
bem como de muitas lendas da Idade Média. Segundo
certas formas da lenda, o Protetor seria o Rei do Mun­
do das tradições asiáticas que vem, algumas vezes, para
defender os homens. Sob esta forma, a lenda do Pro­
tetor aparece na Europa, no final do século XIX, na
obra de Saint-Yves d’Alveydre. Esta fala (página 27
de Mission de l’Inde en Europe) sobre a origem do
Rei do Mundo:
“Onde está Agartha? Em que lugar exato reside?
Por qual estrada, através de que povos deve-se andar
para chegar lá? A esta pergunta que os diplomatas e
os homens de guerra não deixarão de me fazer, não
me convém responder além do que o farei, enquanto
o acordo sinárquico não estiver feito, ou pelo menos
assinado. Porém, como sei que nas suas competições
mútuas, através de toda a Ásia, algumas forças tocam
este território sagrado sem se aperceberem disto, como
sei que no momento de um conflito possível, seus exér­
citos deveríam forçosamente passar por ele, ou contor­
ná-lo, é por amizade a estes povos europeus como a
Agartha que não temo dar continuidade à divulgação
que comecei.
Na superfície e nas entranhas da Terra a exten­
são real de Agartha desafia a opressão e o rigor da
violência e da profanação. Sem falar na América, cujo
subsolo ignorado pertenceu-lhe numa antigüidade mui­
to remota, apenas na Ásia, perto de meio milhão de

146
DOIS ANTIGOS SÍMBOLOS DO PROTETOR: o escudo de
Davi e o Selo de Salomão. Eram encontrados sob a forma
de estrelas amarelas usadas pelos judeus durante a Ocupação.
Figuram, em azul, nos aviões e bandeiras do Estado de Israel.

147
homens conhece mais ou menos a sua existência e sua
grandeza.”
Ficaremos sabendo muito mais sobre a estranha
personalidade de Saint-Yves d’Alveydre quando for pu­
blicado o livro de Jean Saunier, Introduction aux Re-
cherches de Saint-Yves d’Alveydre.
Já encontramos elementos muito interessantes no
trabalho de Jean Saunier, La Synarchie, publicado por
C.A.L. e Grasset.
Saint-Yves d’Alveydre era um indivíduo muito
curioso. Entre outras coisas inventou uma máquina
para explorar o tempo, por ele chamada de “o arqueô-
metro”.
La Mission de L’Inde en Europe, foi destruída
por ele mesmo, após algumas ameaças. Um exemplar
escapou e a obra foi reeditada em 1910 para ser, mais
uma vez, queimada pelos nazistas. Um certo número
de outros documentos concernentes a Saint-Yves d’Al-
veydre desapareceram e, principalmente, seu dossiê de
funcionário que evaporou misteriosamente dos Arqui­
vos, coisa raríssima de acontecer.
Afirmava ter recebido um emissário do Protetor
e entregou-se a um trabalho insano para espalhar uma
mensagem real ou imaginária, proveniente da Ásia. O
interessante, nas teses de Saint-Yves d’Alveydre, é que
ele relaciona o mito — ou a realidade — do Protetor
à existência de lugares desconhecidos que, a meu ver,
constituem dobras dimensionais da Terra.
O Rei do Mundo, o Protetor, teria à sua dispo­
sição um centro, uma central de energia. A respeito
deste centro, Mme. Frida Wion (Le Royaume Inconnu,
edições Le Courier du Livre, 21, rue de Seine, Paris,
6.°), escreveu muito justamente:
“O ‘Rei do Mundo’, o ‘Chefe’, instala seu reino
onde ele está e onde lhe parece responder melhor às

148
necessidades da época. Se existe na lenda uma geogra­
fia sagrada, isto só acontece quando do estabelecimen­
to do centro: qualquer lugar se torna sagrado pela sua
presença. Do Egito, da China, foi para a Irlanda, e
depois para Delfos. Onde estará atualmente? Será que
já está num outro planeta?”
Se pensamos que a aventura do Cavaleiro Branco
em Lyon aconteceu realmente, podemos concluir que
o Protetor, sentindo-se ameaçado, retornou ao centro
por caminhos diferentes do espaço normal. Talvez vol­
te novamente, quando precisarmos dele.
De qualquer maneira, esta idéia é muito recon­
fortante. Seria interessante examinar se o aparecimen­
to da cavalaria simultaneamente no Ocidente e, sob
uma forma diversa, no Islã (ver a respeito o notá­
vel livro do Pierre Ponsoye, Llslam et le Graal, cole­
ção La Tour Saint Jacques, Denoêl), não teria sido o
resultado de uma intervenção direta do Protetor.
Não pretendo negar com isto o aspecto da cava­
laria que Marx considerou como exemplo de uma “su-
perestrutura”, conjunto de mitos e feitos destinados a
defender os interesses de uma classe. Digo que a ex­
plicação marxista é válida mas, como quase sempre
acontece nas interpretações marxistas, incompleta. Na
cavalaria não existem apenas os aspectos econômicos.
Também há, na cavalaria, um arquétipo e este é
o do Protetor. Não importa se o denominam o Padre
Jean, o Mestre secreto do Templo, ou outros nomes
quaisquer; é ele.
Este arquétipo também aparece no Islã (ver, por
exemplo, o trabalho do professor Henri Corbin, Terre
Céleste et Corps de Réssurection). Mme. Frida Wion
cita uma bela passagem desta obra, diretamente ligada
às idéias expressas neste livro: dobras secretas da Ter­

149
ra, lugares desconhecidos, e altas personalidades que
vêm até aqui:
“Quando aprenderes nos tratados dos antigos sá­
bios que existe um mundo dotado de dimensões e de
estudos outros que não o pleroma das inteligências,
e que este mundo governado pelo mundo das esferas,
um mundo do qual basta dizer que seu número de
cidades é incalculável, dentre as quais o próprio Pro­
feta citou Jobalqua e Jarbasa, não te apresses a pro­
testar que é mentira, pois os peregrinos do espírito
chegam a contemplar este mundo, e nele encontram
tudo aquilo que é objeto de seu desejo. Quanto à turba
de impostores e falsos padres, mesmo que os conven­
ças mediante uma prova, nem por isso deixarão de
desmentir a tua visão. Então, fique em silêncio e te­
nha paciência. Pois se chegares até o nosso livro da
‘teosofia oriental’, compreenderás, sem dúvida, alguma
coisa sobre o que precede, desde que sejas orientado
pelo seu iniciador. Caso contrário, creia na sabedoria”.
Mais ou menos à mesma época, vemos junto aos
judeus uma abundante literatura, onde o Protetor deve
vir até a Terra, através de uma ponte de papel. Esta
concepção, bastante curiosa, é geralmente interpretada
como significando que é através do estudo dos textos
sagrados que podemos entrar em contacto com o Pro­
tetor. Outras concepções são concebíveis, e nunca me
canso de repetir a palavra tão profunda de Meyrinck
que, cortada em duas, constitui o título deste capítulo
e do seguinte:
“Um daqueles que guardam a chave dos segredos
da magia ficou nesta Terra e congrega os Eleitos.”
Ficou nesta Terra. . .
Logo, ele pode viajar para outros lugares, em ou­
tras Terras. Este aspecto me parece muito importante,
e não creio que seja necessário pensar nas outras Ter­

150
ras sob a forma de planetas. A concepção das dobras
dimensionais desta terra, que a citação de Henri Cor-
bin que acabamos de ler expressa de modo tão mag­
nífico, também me parece válida.
O Protetor ficou na Terra quando foi descoberto
o caminho que conduz às outras Terras através das
portas induzidas.
O Protetor passa a maior parte do seu tempo na
Terra . . . e congrega os Eleitos.
Voltaremos a falar sobre este aspecto do Protetor
no capítulo seguinte.
Contudo, é muito provável que determinadas so­
ciedades, como os Templários, e as sociedades islâmi­
cas, que eram seus “correspondentes”, sejam, em de­
terminadas épocas da História e em certos lugares, os
representantes do Protetor.
Não voltarei a falar sobre os Templários, a cujo
respeito já se falou o bastante. Todavia, gostaria de
falar de uma ordem muito menos conhecida, por ser
mais secreta, e que ainda existe, hoje, na Inglaterra.
É a ordem do Graal.
Sua sede é numa abadia do País de Gales, numa
aldeia que, desde o século XIV, não figura mais nos
mapas.
As lendas concernentes à ordem do Graal devem
ser bastante exageradas. A ela são atribuídas a esta­
bilidade e a sobrevivência da Inglaterra, e é tida como
o elo, além da realeza inglesa, que ainda agora une os
interesses divergentes que dominam a Inglaterra. Re­
presenta a verdadeira Inglaterra, que se chama Logres
por oposição à “nação dos pequenos lojistas” como
costumava dizer Napoleão, que é, principalmente, a
visão superficial que se tem da Inglaterra.
O chefe da ordem do Graal seria ao mesmo tem­
po o Pendragon, isto é, o chefe espiritual do celtismo.

151
Usa no dedo um anel revestido com uma ametista, que
se cristalizou de modo a formar os degraus de uma
escada. (Que não me venham dizer que isto é cienti­
ficamente impossível. É cientificamente impossível, mas
acontece que vi o anel no dedo do Pendragon, em Pen-
zance, país de Gales, em 1953).
Em 1940, quando o país corria perigo, determi­
nados objetos pertencentes à ordem do Graal e com
a marca de São José de Arimatéia deixaram a Ingla­
terra para serem confiados ao escritor John Buchan,
que então era governador do Canadá. Assim que ter­
minou a ameaça, e a partir do início de 1941, estes-
objetos voltaram à abadia da ordem do Graal. Himmler
e a sociedade da qual se ocupava especialmente: a so­
ciedade da herança dos Antigos ou Ahnenerbe, inte­
ressava-se principalmente por estes objetos, e a inva­
são da Inglaterra teria sido precedida por um raid de
pára-quedistas que deveríam se apoderar deles. Po­
dem-se encontrar referências precisas a este respeito-
nos dossiês do processo de Nuremberg, no capítulo
Ahnenerbe.
Cita-se com freqüência, entre as intervenções di­
retas do Protetor, uma série de incêndios desencadea­
dos em Londres no ano da grande peste do século XIV.
Os lares onde havia a peste queimaram com uma cha­
ma muito estranha, semelhante a um fogo de artifício,
e a propagação da epidemia parou. Caso contrário, é
bem provável que um número maior ainda da popu­
lação tivesse perecido. Referências detalhadas sobre
este assunto podem ser encontradas ho livro de Daniel
Defoe. (La Grande Peste de Londres.)
Também podemos ver uma intervenção do Pro­
tetor na resolução do Colégio invisível de fundar a
Academia Real de Ciências e de assim tirar da clandes­
tinidade um certo saber. Esta decisão está na base da

152
ciência moderna e da tecnologia dela derivada, e ape­
sar dos protestos dos pessimistas, pode-se dizer que foi
uma resolução benfazeja para a humanidade.
Evidentemente, seria uma tentação ligar com pre­
cisão o Protetor ao Deus branco da América do Sul:
Kukulcan Quetzacoatl. No entanto, faltam os elemen­
tos, pois todos os documentos — e havia muitos —
foram queimados pela Inquisição, principalmente Die-
go de Lando. Podemos simplesmente dizer que não há
nenhuma razão para que o Protetor seja limitado pela
tecnologia de sua época e não possa se deslocar livre­
mente pelos cinco continentes da Terra e talvez por
■outras Terras, utilizando-se para tanto de meios ainda
■não inventados por nós.
É em nome destes deslocamentos do Protetor que
penso poder contar uma história estranha mais comu-
mente apresentada como uma viagem de Cristo ao
Tibete.
Minhas principais fontes a este respeito são oriun­
das dos Mórmons.
Manda o bom-tom zombar dos Mórmons. Guar­
damos apenas a poligamia, o romance de Pierre Be-
noit, e quando alguns jovens amáveis trazem a nossa
casa o Livro dos Mórmons, seu fim, em geral, é na
lata de lixo.
Esquecemo-nos apenas de que a universidade dos
Mórmons em Salt Lake City está entre as mais impor­
tantes dos Estados Unidos. Sua importância é ainda
■maior atualmente, pois é a única universidade america­
na onde se trabalha, uma vez que as outras se ocupam
■sobretudo com o consumo de drogas e a fabricação de
coquetéis molotov.
Em Salt Lake City os estudantes trabalham de
verdade e os professores ensinam e pesquisam ao mes­
mo tempo, o que faz com que esta universidade se

153
torne o centro da pesquisa científica do continente
norte-americano.
Todos os movimentos mórmons exigiríam um es­
tudo sério e imparcial, e a documentação que possuem
é única. Ora, segundo esta documentação, bem coma
segundo alguns documentos chineses e tibetanos, um
indivíduo muito importante visitou o Tibete, mais ou
menos à época de Cristo.
No entanto este indivíduo jamais pretendeu ser
Jesus.
Tratava-se, com maior probabilidade, do Protetor,
de quem temos, assim, algum sinal entre suas viagens
pela América do Sul e a Idade Média. De Gilgamesh
ao Cavaleiro Branco, podemos notar aparecimentos do
Protetor durante uns seis mil anos. Não consegui des­
cobrir nesse lapso de tempo uma periodicidade simples
ou qualquer outra regularidade.
Se quisermos ir além de Gilgamesh no passado,
podemos pensar nos senhores de Dzyan, que trouxe­
ram aos homens o fogo, o arco e o martelo.
Se quisermos remontar à nossa época, podemos,
é claro, assimilar o Protetor a um determinado núme­
ro de profetas autênticos do nosso tempo; a dificulda­
de está na palavra “autêntico”. Determinados defen­
sores das religiões em nossa época são, aparentemente,
verdadeiros profetas, mas outros são impostores. É
muito difícil para um contemporâneo, sobretudo se
tiver, como eu, um espírito sarcástico e racional, jul­
gar. No entanto, tendería a situar Pak Subud da Indo­
nésia e o ou os dirigentes da Soga-Gokkaí do Japão
coriio manifestações do Protetor. Contudo, posso per-
feitamente estar enganado. Cabe ao leitor estudar o
movimento Subud de uma maneira imparcial — não
faltam documentos — e julgar.

154
A propósito do movimento Soga-Gokkaí e, de
uma maneira geral, do Japão moderno, há uma coisa
interessante a assinalar.
Quando o imperador japonês renunciou à sua di­
vindade para capitular em agosto de 1945, houve uma
conseqüência imprevista. Um grande número de do­
cumentos, que eram reservados à família imperial e
guardados nos mosteiros, tornaram-se accessíveis aos
pesquisadores, e, em alguns casos, começaram até mes­
mo a ser publicados. Ainda não vi o conjunto destas
publicações, porém alguns amigos japoneses me dizem
que eles lançam uma luz tanto sobre as visitas do Pro­
tetor como sobre os contactos com os extraterrestres.
Uma parte destes documentos será publicada, em in­
glês, no jornal da Soga-Gokkaí.
De qualquer maneira, é certo que se a Soga-Gok­
kaí atingir seus objetivos, se conseguir estabelecer, pri­
meiro no Japão, e a seguir na China (onde vai. abrir
algumas sucursais) a fraternidade entre os homens, o
efeito sobre a humanidade será tão importante que po­
deremos nos perguntar se nesta ocasião a humanidade
não terá se beneficiado de um auxílio sobrenatural.
A Soga-Gokkaí, que foi perseguida por todos os
governos japoneses a partir do século XIII, volta ago­
ra à superfície e começa a pregar o amor e a fraterni­
dade entre os homens, justamente no momento em que
a violência ressurge plenamente no Japão: os estudan­
tes esquerdistas japoneses esfolam seus adversários
quando os capturam e o esquerdismo japonês mostrou,
bem recentemente, do que é capaz, por ocasião do
massacre no aeroporto de Lod em Israel.
Se a violência pode ser dominada pela fraterni­
dade entre os homens e se este movimento pode alcan­
çar a China, toda a história da humanidade será mo­
dificada. E quando os historiadores do III milênio ti­

155
verem estudado este fenômeno, constatarão, talvez, que
houve uma intervenção.
Há inúmeras seitas, na Califórnia, que se dizem
em contacto com o Protetor, mas devemos desconfiar
da Califórnia, pois ali a demência mais caracterizada
coexiste com a renovação religiosa e mística mais
sincera.
O que é notável, de qualquer maneira, é que du­
rante sessenta séculos de atividade o Protetor jamais
fundou uma religião. Parece que este não é o seu obje­
tivo, e que procura muito mais intervir nos momentos
precisos da história da humanidade — talvez tenha co­
nhecimento antecipado destes momentos — do que
assegurar a salvação da humanidade através da reli­
gião. Todo o problema do declínio das religiões e da
ascensão dê outra coisa é importante demais e muito
complexo demais para que possa tratá-lo aqui. É indis­
cutível que as religiões reveladas estão “perdendo ve­
locidade”. Elas tentam se manter fazendo política, e é
pouco provável que isto as salve. Outra coisa virá:
talvez as novas religiões como o bahaísmo ou Subud,
talvez uma religião baseada nos contactos com os ex­
traterrestres ou, na falta destes contactos, numa atitu­
de diferente com relação ao cosmos (Olaf Stapeldon
podería ser considerado como o primeiro profeta de
uma tal religião cuja Bíblia seria seu livro Créateur
d’Étoiles') ou talvez algo totalmente diferente sobre o
qual, no momento, não fazemos a menor idéia.
O que gostaria de ressaltar é que toda a futuro-
logia baseada unicamente em predições relativas à pro­
dução de aço e ao produto nacional bruto deve forço-
samente falhar pois não se dá conta do vazio deixado
pelas religiões. (A respeito dos efeitos deste vazio so­
bre a juventude americana não seria demais recomen­
dar o recente livro de John Searle, La Guerre des

156
Campus, publicado pelas Presses Universitaires de
France).
Mas, voltemos ao Protetor.
Seu poder é evidentemente limitado, ou então não
quer fazer um uso integral dele. Na verdade, é certo
que se todos os problemas da humanidade pudessem
sempre ser resolvidos por uma intervenção sobrenatu­
ral, isto não seria bom para a humanidade, que ja­
mais alcançaria a idade adulta. O que não impede que
a humanidade precise de tais intervenções.
Um exemplo impressionante é a primeira guerra
mundial.
Enquanto os alemães usavam cintos gravados com
Gott mit uns (Deus está conosco), os ingleses conven­
ceram-se facilmente de que os anjos de Deus comba­
tiam ao seu lado e de que tinham abatido alguns sol­
dados alemães, em Mons, com flechas fantasmas. Du­
rante a segunda guerra mundial, lendas deste tipo mul­
tiplicaram-se. Uma delas, muito curiosa, invocando ao
mesmo tempo o Protetor e a Cabala, é oriunda de
Safed, aldeia dos cabalistas em Israel.
Parece que em 1941, quando se esperava uma
invasão do Oriente Próximo pelos nazistas, o Protetor
apareceu em Safed e revelou que o futuro estava inde­
ciso porque o valor cabalístico das palavras “Síria” e
“U.R.S.S.” era o mesmo.
Contudo, o Protetor declarou: “Intervirei para
que seja a U.R.S.S. e não a Síria a ser atacada.”
É uma bela lenda, bem dentro do estilo das len­
das judaicas da Idade Média.
Gostaríamos que Chagall a ilustrasse num vitral.
Podería representar uma balança perfeitamente equi­
librada com a Síria num dos pratos e a U.R.S.S. no
outro...

157
Mencionei sobretudo as lendas celtas e judaicas
sobre o Protetor, mas simplesmente porque são as que
conheço melhor.
Elas também existem na África, ,onde atribuíram
poderes sobrenaturais a Patrice Lumumba.
Existem em todos os lugares onde os homens são
oprimidos.
Foram feitos alguns estudos interessantes sobre
a religião dos oprimidos. O Cavaleiro Branco apare­
ceu e desapareceu sob um clima de derrota e opressão.
Desde a guerra dos seis dias, o Islã vive à espera de
um profeta que inverterá a situação. Orações especiais
são feitas com esta finalidade nas mesquitas e, sobre­
tudo, na mesquita de El Arham no Cairo. (Ver a res­
peito da “guerra santa” o admirável livro de John Bu-
chan, Le Prophète au Manteau Vert, que ainda é
atual.)
Sob um clima cultural totalmente diverso, porém
dentro do mesmo tipo de idéia, Isaac Deutscher, fa­
lando sobre Trotsky, emprega a expressão “o Profeta
armado”. Todavia, parece que o Protetor emprega, ao
invés de armas, uma manipulação psicológica da His­
tória, por enquanto fora do nosso alcance. Parece-se
bastante com o personagem de Isaac Asimov, na série
“Fondation”, Le Mule. O personagem de Asimov, mo­
dificando por meios paranormais a mentalidade de al­
guns indivíduos-chaves, modifica a História. Faz com
que escape às previsões dos calculistas e sociólogos
para lhe dar seu próprio cunho. 'Sem querer desagra­
dar a Isaac Asimov, que detesta toda espécie de mis­
ticismo, creio ter ele conseguido ali um retrato bas­
tante bom do Protetor.

158
CAPÍTULO 9

... ficou nesta Terra


e congrega os eleitos
A revista francesa de vanguarda R21 publicou no seu
número 1, à página 53, o seguinte anúncio:
“Assim como Noé!
O planeta vai explodir. Dentro de alguns anos,
não haverá mais vestígios da nossa civilização sobre
o planeta devastado pela loucura dos homens. Contu­
do, ainda resta uma esperança para salvar a espécie
humana da destruição total: ‘A Arca da Vida’. Por
isto procuramos pessoas desejosas de construírem este
abrigo numa região deserta. Pessoas dispondo de tem­
po e dinheiro. O local deverá ser mantido no mais
absoluto sigilo. Os futuros ‘salvados’, três moças e três
rapazes, serão escolhidos em função de sua idade, inte­
ligência, psicologia, constituição física e beleza. Es­
crever com a máxima urgência para esta revista sob
o número 92.”
Este anúncio é um exemplo de um dos fenôme­
nos mais estranhos da nossa época, o da criação de
santuários onde uma parte da humanidade, cuidado­
samente escolhida, sobrevivería a um desastre temido.
Essas atividades são bastante diversas: há alguns cer­
tamente loucos, há maníacos do passado que são acio­

161
nados por um ódio à sociedade de consumo e talvez
haja outra coisa... Talvez haja uma ação do Prote­
tor. Pois, recordemos, segundo Meyrinck, o objetivo
do Protetor ao ficar nesta Terra é congregar os eleitos.
O que é certo é que em todos os cantos da Ter­
ra foram construídos refúgios que permitirão a um
certo número de eleitos serem salvos no caso de uma
catástrofe.
Um refúgio deste tipo foi construído no Chile
onde, durante uma dezena de anos, de 1955 a 1965,
recrutaram-se candidatos.
Estes candidatos à salvação foram chamados atra­
vés de anúncios publicados num determinado número
de revistas de vanguarda, especialmente na Saturday
Review e na Analog.
Não sei como é feita a seleção. A Bíblia diz, numa
outra ocasião, é bem verdade, que são muitos os cha­
mados mas poucos os escolhidos.
Tampouco consegui saber onde fica a construção,
pois é bastante difícil conseguir informações no Chile,
sobretudo sob o novo regime.
Uma outra arca está sendo construída na Suíça,
desde 1971. Fui sondado a respeito de me refugiar
ali; fiquei muito lisonjeado mas recusei, pois não acre­
dito numa catástrofe.
Na verdade, creio que as catástrofes naturais que
nos são anunciadas são totalmente impossíveis. Não há
nenhuma razão para que as geleiras da Antártica fun­
dam, e níesmo que isto acontecesse, não provocaria
o desvio do eixo da Terra, porque o momento de inér­
cia do globo quando gira é bastante considerável.
Da mesma forma, a poluição não aumenta, dimi­
nui. Isto por uma razão muito simples: produzimos
cada vez mais alguns metais como, por exemplo, o
ferro e o alumínio.

162
Ora, estes metais são extraídos dos óxidos, e ca­
da vez que liberamos dois átomos de ferro ou de alu­
mínio, liberamos, também, três átomos de oxigênio.
Desde o início da era industrial, trezentos milhões de
toneladas de oxigênio foram assim liberadas na atmos­
fera. Esta se torna cada vez mais respirável, e não o
contrário.
Em compensação, a possibilidade de uma catás­
trofe artificial, infelizmente, continua sempre possível.
Os estoques de bombas de hidrogênio mantidos pela
Rússia e pelos Estados Unidos bastariam para matar
cada habitante da Terra quarenta vezes. É aquilo que
chamamos um overkill de quarenta vezes.
Não acredito numa guerra atômica, e sobretudo
numa guerra atômica acidental. Precauções são toma­
das para impedi-la. Contudo, é compreensível que não
se queira correr riscos e que se procure preservar uma
parte da humanidade para o caso de uma eventualidade.
Algumas destas precauções são ridículas. Lembra-
mo-nos do caso do professor Urey, na América, prê­
mio Nobel, que tinha construído um refúgio anti-atômi­
co, aberto à visitação. Tempos depois seu refúgio pe­
gou fogo e queimou por completo. Felizmente, o pro­
fessor não estava lá no momento.
Isto exposto, achamos alguns refúgios concebíveis.
Refúgios fixos e refúgios móveis também. Pois um sub­
marino atômico moderno escaparia de uma catástrofe
atômica e podería permanecer submerso durante alguns
anos para voltar à superfície quando as precipitações
das partículas radioativas tivessem diminuído de inten­
sidade e fossem pouco perigosas.
É provável que se façam alguns refúgios móveis
deste tipo para os governantes e militares, para que
possam escapar da guerra por eles mesmos desencadea­
da. Um refúgio fixo, organizado por um grupo parti­

163
cular, teria uma outra finalidade: a sobrevivência da
humanidade e a reconstituição da civilização.
Podemos nos perguntar quantos seres humanos
seriam necessários para constituir uma civilização viá­
vel, admitindo-se que disponham de fontes de energia
atômica, máquinas e, claro, bibliotecas. Fiz a este res­
peito um estudo que não tem a pretensão de ser defini­
tivo e comuniquei os resultados aos construtores de
uma “arca” na Suíça. A meu ver, bastariam oitocentas
pessoas de profissões diferentes, bem escolhidas, para
se poder reconstruir uma civilização na qual só existi­
ría o essencial.
Nem o automóvel nem a televisão são necessários
para a manutenção de uma civilização. Aliás, diria jus-
tamente o contrário.
Um estudo deste tipo é uma distração muito fas­
cinante para o espírito, uma vez que se constata que,
à parte alguns medicamentos muito complexos, que
deveríam ser estocados, a maioria das necessidades para
uma vida agradável é fácil de ser fabricada se dispo­
mos de fontes de energia atômica e máquinas automá­
ticas. A própria vida dentro da arca não seria muito
desagradável. É a saída de um mundo arrasado que
seria bastante penoso, sobretudo para o espírito.
Mas o ser humano é tão adaptável que a civili­
zação se reconstruiría muito mais rápido do que se
crê.
A Alemanha estava totalmente em ruínas em
1945; conhecemos o “Milagre alemão”. A Polônia es­
tava não apenas em ruínas, como também perdera a
maior parte da sua população, o que não impediu a sua
reconstrução num quarto de século.
Técnica, e até mesmo humanamente, a constru­
ção de uma arca enterrada (para usar uma expressão
de René Barjavel) não tem nada de impossível.

164
Em compensação, exigiría capitais consideráveis
e qualquer idéia para reuni-los por meio de subscrições
parece-me perfeitamente ridícula.
No caso suíço mencionado, o grupo que coordena
a construção da arca tem meios financeiros extrema­
mente importantes. Desconheço por completo qual é a
atitude das autoridades chilenas ou suíças com relação
a tal arca, isto para citar pelo menos dois países em
que, tenho certeza, as construções estavam ou estão
em curso. Não entendo como se pode requerer autori­
zação para fazer uma arca de Noé. Mas uma constru­
ção deste tipo pode ser perfeitamente camuflada sob
forma de minas ou outros empreendimentos subterrâ­
neos. O governo chileno investiga no momento algu­
mas minas de cobre de onde jamais saiu uma só grama
deste metal; talvez venha a descobrir uma arca.
E nos lugares menos povoados que a Suíça ou o
Chile, uma construção deste tipo deveria ser muito fá­
cil. Penso, por exemplo, no grande deserto de Namí­
bia, na África do Sul.
Os enormes recursos financeiros necessários elimi­
nam deste tipo de empreendimento os loucos ou os
utopistas normais. Já se tentou levar adiante uma co­
lônia utópica na superfície, e a maioria morreu. Acho
que recursos deste tipo devem provir dos governos, ou
de grupos financeiros muito poderosos, porém dirigidos
por autocratas isentos de prestação de contas. Um in­
dustrial deste tipo conseguiu fazer na Suíça um museu
pessoal de pintura, que pelo número e qualidade das
telas é um dos mais importantes do mundo. Só ele pode
vê-lo e pouca gente conhece o local exato de sua insta­
lação. Podemos imaginar, perfeitamente, um ou di­
versos milionários em dólares associando-se para erigir
uma arca. Já vimos coisas mais extraordinárias, e não
é preciso dizer que um governo totalitário não teria a

165
menor dificuldade em construir uma arca sem ter que
prestar contas.
Muito provavelmente, há arcas na União Sovié­
tica e na China. Mao Tsé-Tung declarou num deter­
minado momento:
“Se tomamos as precauções necessárias, a bomba
de hidrogênio não passa de um tigre de papel.” Tal­
vez a construção de uma ou diversas arcas esteja entre
estas precauções.
É provável que a exploração do campo de gra-
vitação terrestre a partir dos satélites artificiais tenha
revelado aos americanos e aos soviéticos a posição da
maioria das arcas. Eles devem guardar esta informa­
ção para eles e, talvez, informações deste tipo sejam
trocadas entre a U.R.S.S. e os Estados Unidos sem que
as difundam.
Com o progresso da tecnologia, também é perfei­
tamente possível conceber arcas no fundo dos oceanos.
Alguns planos detalhados e ilustrados destas constru­
ções, em vidro reforçado, foram publicados. Elas po­
deríam ser executadas secretamente, e a explicação
para as plataformas de construção na superfície seria
a pesquisa de petróleo e gás natural.
Não é possível dizer se o preço de uma arca enter­
rada é superior à construção de uma submarina ou o
contrário.
Se preparamos simplesmente uma caverna natu­
ral, o preço das primeiras instalações é, com certeza,
menos elevado do que o de uma construção a partir
de zero, seja ela subterrânea ou submarina.
No futuro, talvez cheguemos a construir arcas
espaciais, satélites artificiais gigantes e habitados. Por
enquanto, isto é ficção científica.

166
Por outro lado, mesmo que o satélite possa ser
protegido contra os radares e tornado invisível, seu
lançamento não pode passar desapercebido.
De qualquer maneira, trata-se aí de um futuro
distante, extremamente distante, tendendo ao infinito,
caso a exploração do espaço seja abandonada, como
parece estar sendo neste fim de ano de 1972 quando
o presente livro é redigido.
Em compensação, parecem estar em via de cons­
trução, em quase todos os recantos da Terra, algumas
arcas subterrâneas. É possível que outras civilizações
além da nossa tenham enterrado, no passado, suas bi­
bliotecas e museus a fim de conservá-los. Fala-se de
tais reservas sob o deserto de Gobi, na América Cen­
tral e na Antártica. Comenta-se que os chineses já
teriam encontrado algumas mas guardam o segredo
para si.
Voltando ao presente, e sem imaginar necessaria­
mente a intervenção direta do Protetor, podemos pos­
tular alguns grupos extremamente ricos, que desejam
se defender de uma guerra nuclear. Os efeitos das
armas nucleares são perfeitámente conhecidos, e utili­
zando as técnicas aperfeiçoadas no Japão e abundan­
temente publicadas a respeito de construções antitre-
mor de terra, podemos desde já construir uma arca que
resistiría ao choque de uma bomba de hidrogênio ex­
plodindo em cima dela na superfície. Tais técnicas já
vêm sendo utilizadas na construção de bases subterrâ­
neas de lançamento de foguetes. São chamadas “endu­
recimento” de um terreno.
A aplicação totalmente secreta de técnicas deste
tipo é, como já expus, difícil mas não impossível.
Aliás, a construção de arcas pode muito bem im­
plicar a colaboração secreta de um governo, que talvez
espere ter assim um refúgio para alguns militares e po­

167
líticos, refúgio este que não lhe custará coisa alguma.
Uma arca em funcionamento estaria tão isolada quan­
to um submarino atômico submerso. O ar seria recupe­
rado ou fabricado, a água viria de poços profundos
sem comunicação com a superfície, os estoques de ali­
mentos seriam suficientes para um século. Poder-se-ia
utilizar a cultura de plantas sob a água.
O problema da comunicação com a superfície é
extremamente difícil, mas podemos imaginar recepto­
res muito bem camuflados na superfície, conduzindo
na direção da arca as emissões de rádio, televisão, bem
como as medidas da temperatura e da radioatividade
do solo. Quando necessário, algumas análises do ar nas
proximidades do solo podem ser acrescidas a isto. To­
davia, no próprio interior da arca, alguns dispositivos
que captam as ondas de choque no solo provocadas
pelas explosões de bombas atômicas informarão aos
habitantes da arca sobre a catástrofe atômica.
É muito difícil imaginar as condições “de alarme
vermelho” que poderíam levar os dirigentes de uma fu­
tura arca a convocar os eleitos, fazê-los entrar na arca
e depois fechá-la.
Seria preciso que os dirigentes estivessem muito
a par da política para pensar que o desencadear de
uma guerra atômica seja extremamente provável. Não
podem, de maneira alguma, dar um alerta, reunir os
eleitos na arca durante alguns meses para depois abri-
la e dispersar outra vez as pessoas na superfície. É pro­
vável que se comentasse a respeito e que o fato se tor­
nasse conhecido.
A arca só pode ser ocupada uma vez, a certa, o
que constitui uma responsabilidade tremenda. É ver­
dade que a responsabilidade daqueles que desencadeas­
sem uma guerra nuclear seria ainda maior.

168
Esta mesma energia atômica que nos ameaça de
destruição fornecería aos habitantes de uma arca fon­
tes de energia suficientemente poderosas para que pu­
dessem subsistir até o esgotamento do alimento, diga­
mos. .. um século. A esta altura, é claro, o pior acon­
tecerá, ou então a crise terá passado.
O recrutamento dos eleitos trará problemas mais
difíceis do que a própria construção da arca.
Esta construção depende de ciências e técnicas
bem estabelecidas, enquanto que o recrutamento de­
pende da psicologia, que não é uma coleção de recei­
tas de cozinha. Podemos, entretanto, imaginar um ní­
vel zero de recrutamento feito através de anúncios
como o do início deste capítulo.
Um nível 1 de recrutamento seria o exame dos
candidatos, com testes psicológicos de estabilidade e
um controle dos seus conhecimentos técnicos. É certo
que numa arca os bombeiros serão mais úteis do que
os egiptólogos. Mas, em compensação, estes últimos
têm maiores chances de ler um anúncio numa revista de
vanguarda e interessar-se por ele do que um bombeiro.
Portanto, o nível 1 consistiría num exame técnico
dos títulos e capacidades e na aplicação de testes de
estabilidade psicológica.
Estes testes não valem grande coisa, mas assim
mesmo são melhores do que nada e são aplicados, não
sem sucesso, aos candidatos desejosos de fazer parte
de um serviço seoreto.
Estes testes eliminariam a maioria dos candida­
tos. Seria explicado aos candidatos eliminados que se
tratava de uma experiência de sociologia e é pouco
provável que comentassem a respeito, pois experiências
sociológicas bem mais loucas são feitas todos os dias.
Os candidatos aprovados passariam para o nível 2 dos

169
testes, que seriam testes de grupo feitos com uma de­
zena de indivíduos de cada vez.
A psicologia de grupo é quase inexistente, menos
ainda do que a individual, se possível.
Mas, assim mesmo, já permitiu algumas experiên­
cias curiosas: deixando-se um grupo entregue a si mes­
mo numa casa isolada onde estão instalados microfo­
nes e câmeras de filmar, pode-se observar se o grupo
tem estabilidade. Ele a tem se surge um chefe, que
pode tomar a direção dos acontecimentos. Caso con­
trário, chega-se logo à confusão. É possível estabilizar
um grupo mediante a troca de alguns dos seus mem­
bros, dois ou três em cada doze. Portanto, é provavel­
mente possível estruturar de oitocentos a mil candida­
tos em uma arca em grupos estáveis com um mínimo
de eliminação. Depois, seria possível passar ao tercei­
ro e último estágio: a entrevista individual, onde se­
riam revelados ao candidato os objetivos da operação
e se conseguiría quçr a sua aquiescência para partici­
par do projeto, quer uma promessa formal de silêncio.
O resto só requer uma técnica bastante elemen­
tar: o candidato que concordou seria munido de um
receptor de T.S.F. especial, acionado apenas no caso
de um alerta vermelho, e de uma soma em dinheiro
suficiente para cobrir os gastos necessários para chegar
até a arca. As despesas com o exame de grupo dos
candidatos no mundo inteiro seriam, é claro, impor­
tantes, mas negligenciáveis se comparados aos gastos
da instalação inicial da própria arca.
Quais podem ser as motivações dos dirigentes de
uma arca deste tipo?
Façamos uma exceção àqueles que são agentes
diretos do Protetor e que têm, é claro, os mais eleva­
dos motivos morais.
Mas, e os outros?

170
Compreenderiamos que quisessem salvar a si pró­
prios, mas entenderiamos menos que quisessem salvar
outras pessoas às suas expensas.
Os contactos que mantive com o grupo que cons­
trói uma arca na Suíça deixaram-me pensar num novo
feudalismo que desejasse reservar para si alguns servos
de forma a que não precisasse executar trabalhos ma­
nuais após a catástrofe.
Na sua arca pensei, deverá haver desde o início
classes tão bem definidas quanto nas piores socieda­
des fascistas: os Mestres e os outros. Espero estar
enganado.
Os autores de ficção científica estudaram bastan­
te a evolução de sociedades deste tipo, totalmente iso­
ladas, principalmente Robert Heinlein em Univers
(ainda não traduzido em francês) e Brian Aldiss em
Croisière sans Escale (Denoêl).
Geralmente eles imaginam que a colônia esquece
a existência do universo exterior e que ali se forma
uma religião nova. Aldiss imagina de uma maneira
bastante espirituosa o freudismo tornando-se uma re­
ligião, e até mesmo dominando a vida quotidiana. As
pessoas saúdam-se nestes termos:
“Que o seu ego aumente”.
Ao que se responde:
“Às suas custas.”
Evidentemente isto é divertido, mas podemos ima­
ginar muitas outras coisas e, especialmente, uma re­
volta de classes se se formarem classes.
É certo que será preciso educar os habitantes da
arca mostrando-lhes, por exemplo, alguns manuais mi­
litares sobre as armas radioativas ou o armamento bio­
lógico, de modo a fazê-los entender que a superfície
do globo pode ter se tornado perigosa embora a aná­
lise do ar acuse uma composição normal.

171
Entre as motivações dos promotores da arca de­
vem existir, forçosamente, implicações políticas. Deve
haver entre eles aqueles que não podem suportar a
idéia de viver num mundo socialista e que preferiríam
se refugiar a dois mil pés de profundidade.
Em compensação, no caso do Chile, pelos anún­
cios que li e as cartas que recebi, parece-me perceber
uma motivação semelhante às colônias utópicas e tam­
bém ao êxodo dos Mórmons. Uma necessidade de pu­
reza, um desejo de escapar de um mundo muito com­
plexo e difícil. Ainda existem na superfície algumas
colônias deste tipo, como as dos Amish, nos Estados
Unidos. Estas são colônias agrícolas, de protestantes
muito puritanos, que utilizam o menos possível as má­
quinas. Sua alta produtividade no setor agrícola per­
mite aos Amish viverem confortavelmente no século
XX às custas da agricultura, da criação de gado e de
alguns trabalhos manuais.
É evidente que, se por uma infelicidade, o socia­
lismo vier a se instalar na América, os Amish serão
tratados como Koulaks (camponeses que se obstinam
em ser independentes) e serão exterminados ou envia­
dos para um campo de concentração.
Também poderiamos imaginar uma motivação re­
ligiosa para uma arca.
Aparecem, constantemente, algumas profecias a
respeito do fim do mundo e sempre encontramos al­
guns ingênuos que acreditam nelas (espero fazer um
estudo detalhado destas profecias num livro intitulado
Cassandre est Morte Idiote).
Uma vez que a ingenuidade é perfeitamente com­
patível com a riqueza, podemos imaginar um milioná­
rio ou um grupo de milionários que acreditem numa
profecia catastrófica e construam uma arca.

172
Enfim, motivos perfeitamente honrados: crença
numa guerra atômica, desejo de fazer alguma coisa são
perfeitamente concebíveis. Também posso conceber fa­
bricantes de armas financiando uma arca ou um mu­
seu secreto. Mesmo os motivos honrados podem ser
acompanhados por ambições pessoais, desejos de so­
breviver ao dilúvio e ser o Noé das gerações futuras.
Um espírito suficientemente pessimista pode muito bem
se convencer da iminência de uma guerra atômica.
Um espírito suficientemente realista pode tomar
precauções, embora considere os riscos de uma guerra
atômica muito reduzidos.
Todos estes motivos fazem com que deva haver
muitas arcas em construção, ou concluídas.
Estas arcas devem ignorar a existência umas das
outras. É uma pena, pois nos aproximamos do ponto
onde a técnica das comunicações permitirá o envio de
mensagens a distâncias consideráveis no subsolo e tal­
vez mesmo através da Terra inteira. Partículas como
os mésons mu e os neutrinos atravessam a matéria e
podem ser detectados.
Portanto, as arcas poderíam, quando necessário,
se comunicar, mas é provável que não o façam; os
obstáculos sociais erguem um muro mais espesso que
toda a Terra.
É provável que nos países totalitários as arcas se­
jam totalmente desconhecidas e que a seleção para
estas arcas se faça não através de um recrutamento,
mas por designações arbitrárias oriundas do poder. Os
chefes de Estado e de polícia com suas mulheres em
primeiro lugar, depois os técnicos para garantirem a
sua sobrevivência, e ninguém mais.
Enquanto as arcas do Ocidente deixam transpa­
recer a sua existência, as dos países totalitários devem
passar totalmente desapercebidas, e os operários que

173
as construíram devem desaparecer bem depressa e sem
deixar vestígios.
A construção subterrânea, aliás, é uma caracterís­
tica dos países totalitários e a Alemanha hitleriana,
em particular, tinha construído enormes cidades sub­
terrâneas que poderíam ser perfeitamente viáveis no
caso de uma catástrofe que destruísse toda a vida na
superfície. Cidades deste tipo já existem e já funcio­
nam na Suécia. Plantas destas cidades podem ser con­
sultadas em determinados arquivos. Elas devem ter ins­
pirado os construtores de determinadas arcas. Tam­
bém sabemos que alguns governos — e com muita
probabilidade alguns particulares — fizeram o recen-
seamento das grandes cavernas naturais.
Coisa curiosa, parece haver grandes cavernas in-
teiramente desconhecidas. Uma delas acaba de ser des­
coberta nos Estados Unidos, mais precisamente no
Kentucky.
Havería na França um terceiro grande precipício
no Lot, além do precipício de Padirac e do Martel.
As cavernas da Tcheco-Eslováquia prolongar-se-iam
além do sistema conhecido.
Em resumo, há um grande mundo subterrâneo
que é amplamente ignorado.
Ainda que consideremos como um exagero as
idéias tradicionais de túneis indo da Ásia central até
a América do Sul, existem alguns túneis, recentemente
descobertos no Equador, cujo fim não se vê.
O recenseamento destas cavernas tem como obje­
tivo oficial a fabricação de abrigos e a criação de cen­
tros de provas subterrâneos para as bombas atômicas.
A França, de modo especial, diante da enxurrada de
indignação provocada pelas experiências francesas no
Pacífico, visa à criação de um centro deste tipo. As
experiências atômicas subterrâneas podem passar des­

174
percebidas caso sejam desencadeadas justo no momen­
to do início de um tremor de terra. A onda produzida
não pode então ser diferenciada da do tremor.
Todavia, além destes dois objetivos oficiais, a
criação de arcas por grupos privados pode ser uma
das metas do recenseamento das cavernas. Conforme
já disse, a exploração do campo de gravitação da Ter­
ra pelos satélites permite descobrir estas cavernas. Con­
tudo, nem os americanos nem os russos publicam seus
resultados.
O folclore e a tradição indicam um grande núme­
ro de cavernas e de túneis e quase sempre estas indi­
cações são baseadas em fatos. Principalmente o folclo­
re dos índios norte-americanos, que pretendem ter vin­
do de um vasto domínio subterrâneo, indica, com pre­
cisão, as entradas destes.
Estas entradas se situam, sobretudo, na Virgínia
e na Carolina do Norte.
O grande interesse que, recentemente, alguns gru­
pos de origem mal definida demonstraram por estes
domínios talvez seja um sinal de construção de arcas,
como também pode ser o sinal de atividades secretas
do governo americano.
Algumas destas supostas entradas na Virgínia en­
contram-se em terrenos que foram adquiridos há pou­
co tempo para a construção de fábricas, mas neles não
se vê o menor sinal de fábrica.
Estes terrenos estão cercados por cercas de ara­
me farpado eletrificadas. É provável que o governo
americano saiba do que se trata, contudo não respon­
de às perguntas feitas sobre o assunto na Câmara dos
Representantes.
Os anúncios continuam a aparecer e há no mo­
vimento hippie um vasto mito de um domínio subter­
râneo para onde se poderá escapar no momento da

175
grande catástrofe ou quando a poluição tomar conta
de tudo. Filmes, artigos e até mesmo poemas under-
ground são dedicados a estes domínios. Os psicanalis­
tas, é claro, explicaram isto pelo desejo do feto de re­
tornar ao seio da mãe.
Além de desconhecer qualquer declaração de feto
a este respeito, gostaria de ressaltar que os psicanalis­
tas, antes da segunda guerra mundial, explicavam os
foguetes como símbolos fálicos e declaravam que nun­
ca iríamos à Lua com eles. Creio que este mito hippie
é a conseqüência de um recrutamento para as arcas.
Aliás, um recrutamento destes levaria à estoca-
gem de quantidades suficientes de marijuana e L.S.D.
numa arca, caso fosse ocupada por hippies.
A construção de arcas me parece um fato in­
discutível.
Penso que ela não levará a nada, pela simples ra­
zão de que não haverá catástrofe. Contudo, é possível
que os trabalhos feitos para construir uma arca con­
duzam à descoberta de vestígios profundamente enter­
rados de civilizações desaparecidas .. . desaparecidas
por não terem construído atcas.

176
CAPÍTULO 10

Nesses livros poeirentos...


Três vezes por semana fazem-me esta pergunta:
“Onde consegue suas informações?”
Aliás, alguns de meus críticos nem me fazem esta
pergunta, mas se limitam a afirmar que eu invento
inteiramente as minhas informações. Ora, isso pressu­
poria, de minha parte, a maior imaginação criadora
que já existiu.
Mas este não é o caso.
Já me referi, no começo deste livro, às minhas
fontes. Penso que o leitor podería se interessar, à guisa
de conclusão, por um breve estudo dessas fontes.
H. G. Wells escrevera em UHomme Invisible
(O Homem invisível):
“Nesses livros poeirentos, que os estudantes só
consultam na Véspera do exame, existem maravilhas e
milagres!”
Ele tinha razão. Os livros científicos, as revistas
científicas estão repletos de maravilhas. Basta que nos
demos o trabalho de lê-los.
Não há dúvida de que, às vezes, são decepcio­
nantes. É difícil terminar Le Hasard et la Nécessité,

179
do professor Monod, sem um profundo sentimento de
desencorajamento. Não só o autor não crê em nada,
cómo também os fatos científicos por ele apresentados
como irrefutáveis são falsos (ver, principalmente, o
artigo do professor Pierre P. Grassé sobre a heredita­
riedade dos caracteres adquiridos no número 3 de
Savoir et Action).
Contudo, para um Monod, existem nas ciências
dez Hoyle. Sir Frederic Hoyle, o célebre astrofísico, es­
creve livros mais ricos em aberturas fantásticas do que
seus próprios romances de ficção científica que, no en­
tanto, são extraordinários.
Em Atomes et Galaxies (Buchet-Chastel), escre­
veu:
“Seria possível escrever num pedaço de papel cin­
co linhas, nada mais do que isto, que destruiríam toda
a civilização.”
Do mesmo calibre é o texto de Frederic Soddy,
o prêmio Nobel, o homem que descobriu os isótopos,
quando fala em L’interprétation du Radium (Alcan) so­
bre as antigas civilizações mais avançadas do que a
nossa e das quais descende a alquimia.
Eric Temple Bell (cujos romances de ficção cien­
tífica, escritos sob o pseudônimo de John Taine, são
espantosos mas não menos do que seus livros de não-
ficção) demonstrando o caminho que vai da geometria
do espaço curvo à bomba de Hiroshima, observa:
“O leitor verá assim que a porta do inferno é aber­
ta pela equação 58b”.
Os verdadeiros cientistas, e não os parasitas da
ciência, tiveram em sua vida um ou diversos momentos
de revelação que nos transmitem. Como diz Wells em
Place aux Géants: “Eles escrevem em letras de fogo
sobre o pergaminho negro do abismo.”

180
Um livro dez vezes maior do que este não basta­
ria para enumerar as obras dos verdadeiros cientistas,
e acho que uma bibliografia seria mais nociva que útil.
Contudo, é fácil encontrar nas bibliotecas ou com­
prar um livro de bolso das obras dos verdadeiros e au­
tênticos cientistas, onde encontraremos todas as idéias
deste livro e muitas outras. Ainda se quisermos pro­
curar mais longe, será preciso ler as obras completas
dos cientistas e seus discursos quando do recebimento
do prêmio Nobel, reunidos num volume pela fundação
Nobel.
Aí encontraremos as idéias mais extraordinárias
e também os fatos mais estranhos.
J. B. S. Haldane, biólogo inglês recentemente fa­
lecido, escreveu num dos seus livros:
“O universo não é apenas mais estranho do que
imaginamos; é mais estranho do que tudo aquilo que
podemos imaginar.”
Basta ler The Inequality of Man e Possible
Worlds, de Haldane, para nos convencermos disto. Hal­
dane disse, e isto deve ser a divisa de todo pesquisador
independente:
“Interesso-me pelo que é estranho em químico-
física porém não o desprezo em outros campos.” (Aqui­
lo que Haldane chamava de químico-física em 1924,
quando foram escritas estas linhas, é o domínio que
depois deu origem à física nuclear e à biologia mole­
cular. Ver meu trabalho Les Empires de la Chimie,
Albin Michel).
A verdadeira atitude científica é a de Haldane,
claro, e não a de alguns funcionários da ciência, de
visão estreita, que pretendem representar a ciência na
França.
A mentalidade francesa corresponde a um perío­
do de decadência da ciência neste país, mas não po­

181
demos esquecer que também tivemos um Flammarion,
que foi, com toda a certeza, um dos cientistas de visão
mais larga na história da ciência.
Flammarion foi violentamente atacado pelos seus
contemporâneos e, de modo especial, por um primitivo
totalmente esquecido em nossos dias que se chamava
Clément Vautel.
Porém, também encontrou alguns defensores, e o
mais combativo deles foi Jean Jaurès.
Não são apenas os cientistas contemporâneos ou
aqueles de um passado recente que têm coisas para
nos dizer. Galileu, Kepler, Newton também têm reve­
lações extraordinárias.
No caso de Newton, uma grande parte de sua
obra é inédita, infelizmente, principalmente o que con­
cerne as suas relações com seus mestres em alquimia.
Infortunadamente, ainda existem muitas obras cientí­
ficas inéditas que não puderam ser publicadas. Isto é
devido, sobretudo, à força da inércia.
É assim que existem malas cheias de manuscritos
do físico inglês Heaviside, indivíduo extraordinário e
excêntrico. Heaviside deduziu matematicamente a exis­
tência de uma camada eletrizada na alta atmosfera,
que permite a propagação a grande distância das on­
das de T.S.F., agindo como um espelho gigantesco.
Inventou, em matemática, o cálculo simbólico que pa­
recia na sua época, ali por volta de 1920, uma espécie
de feitiçaria, pois Heaviside procedia através de saltos
intuitivos sem demonstração.
Muito mais tarde, após a morte de Heaviside,
Norbert Wiener mostrou que o seu cálculo podia ser
justificado racionahnente e podia ser deduzido da obra
de Fourier.
Heaviside vivia na mais completa pobreza e num
isolamento total. De vez em quando, conseguia juntar

182
bastante dinheiro para comprar um selo postal e então
escrevia à Einstein para lhe dizer qtxe não era sério...
A obra publicada de Heaviside já dá uma idéia daquilo
que contêm seus manuscritos inéditos que podemos es­
perar ver um dia publicados.
Contudo, sem esperar a publicação da obra iné­
dita de Heaviside, ou de Pierre Curie, ou Cavendish,
a obra publicada e facilmente accessível dos cientistas
é um domínio realmente apaixonante.
Os cientistas escrevem, algumas vezes, para seus
confrades (infelizmente). Outras vezes para o grande
público, como é o caso, na nossa época, do pré-histo-
riador Lorenz Eiseley, que escreveu em L’Immense
Voyage:
“Talvez venhamos de fora e procuremos voltar
para lá com a ajuda de nossos instrumentos.”
Eis uma frase que está bem dentro do espírito
deste livro.
O leitor poderá objetar que não tem tempo para
ler tudo. Eu também não. Como Newton: “Apenas
juntei algumas pedras na margem.”
Nenhum ser humano é capaz de ler ou sequer fo­
lhear toda a obra de todos os cientistas. Creio que pode
começar pelos autores da Renascença, e continuar le­
vando em consideração o fato bem conhecido de que
noventa por cento dos maiores cientistas ainda são
vivos hoje.
A priori, sugiro ao leitor que leia dez volumes
científicos, dos quais um data de antes do século XIX,
dois do século XIX e sete do atual.
Encontrará sem dificuldade estes livros tanto nas
coleções de bolso como na biblioteca Payot, 10/18,
Idées, assim como nas bibliotecas públicas e até nas
municipais.

183
A biblioteca Sainte-Geneviève, em Paris, é muito
rica, mas existem outras.
Após os livros, o leitor pode se dedicar às revistas
científicas ou semicientíficas. Infelizmente, a excelente
revista Science, editada por Hermann, não existe mais,
porém o leitor poderá consultar sua coleção.
No início do século, havia revistas como a Revue
Scientifique, mais comumente chamada “a Revista ro­
sa”, na qual alguns cientistas escreviam para todo o
mundo e onde encontramos milagres e mistérios em
quantidade ilimitada, por assim dizer.
Se o leitor conhece o inglês, pode ler todas as
semanas New Scientist, Science ou Nature e todos os
meses Scientific American e Analog.
Esta última revista, realmente notável, contém
duas partes claramente separadas, ficção científica e
artigos científicos.
Estes artigos científicos são de uma qualidade
realmente extraordinária e de visão muito ampla.
Também na literatura inglesa encontramos algu­
mas obras coletivas nas quais os cientistas emitem
idéias não demonstradas para alargar seu espírito e o
dos leitores. Dois exemplos de livros deste tipo são
The Scientist Speculates, dirigido por I. J. Good, e
Ahead of Time, dirigido por Harry Harrisson. Estes
livros penetram muito mais no fantástico do que o
presente trabalho, mas exigem do leitor um certo nível
de conhecimentos. Satisfeita esta condição, ali encon­
traremos idéias extremamente fascinantes.
O prefácio bem curto deste Scientist Speculates
merece ser inteiramente reproduzido:
“O objetivo deste trabalho é fazer mais perguntas
do que pode responder.”
Se o leitor tiver a sorte de conhecer russo, tem
acesso fácil não só às obras de todos os grandes cientis­

184
tas traduzidas para o russo, como à revista mensal
Priroda (A Natureza), publicada pela Academia de
Ciências da U.R.S.S., que é ao mesmo tempo extre­
mamente rigorosa e extremamente imaginativa.
Não há nada parecido na França, porque a vul­
garização científica é, lá, um monopólio político.
Até aqui, fiz referências a revistas destinadas ao
•grande público.
Aquelas que se destinam aos outros cientistas e
publicam algumas descobertas não são menos interes­
santes. Especialmente os relatórios da Academia de
•Ciências, onde encontramos muitas coisas sobre as
quais refletir e sonhar. Infelizmente, é preciso ler mui­
tos fascículos para encontrar um artigo interessante.
É o caso da maioria das revistas rigorosamente
•científicas: sua leitura para o amador do mistério (pa­
ra o qual não são, aliás, especialmente destinadas) é
como a pescaria com linha. Seria interessante alguém
assinalar sistematicamente nas revistas de ciência pura
os artigos estranhos ou curiosos, mas no estado atual
da pesquisa científica na França, isto poderia acarretar
aborrecimentos seríssimos para os seus autores. Tam­
bém não darei a referência exata da comunicação, nos
relatórios da Academia de Ciências, onde o autor des­
creve como cria ratos telepatas...
Como a matemática é a linguagem das ciências,
é preciso conhecê-la para compreender algumas das
mais extraordinárias comunicações científicas.
Este é o caso dos trabalhos a respeito de outros
universos além do nosso, que os físicos americanos
chamam de “universo-sombra”.
Também é o caso dos trabalhos sobre as superfí­
cies que possuem diversos níveis de estrutura, e sobre
os mapas que exigem mais de quatro cores.

185
Também é ainda o caso dos trabalhos a respeito
das viagens pelo tempo. Ultimamente, alguns físicos e
matemáticos eminentes admitiram a possibilidade de
viajar pelo passado, que há apenas cinco anos nega­
vam categoricamente.
Podem ser encontradas referências científicas para
todas as idéias evocadas neste livro, e um leitor com
uma formação diferente da minha acharia nas suas lei­
turas científicas a substância de um outro livro ou de
dez outros.
A pesquisa do estranho por intermédio da ciência
deve recair, sobretudo, nas “ciências duras”: matemá­
tica, física, química, ciências biológicas.
De um modo geral, as ciências seguem a lei do
desenvolvimento de Augusto Comte:
— matemática,
— física,
— química,
— ciências biológicas,
— psicologia,
— sociologia.
Atualmente, o espírito científico, após ter con­
quistado a física, está começando a se expandir para a
química, que deixa de ser uma coleção de receitas para
se transformar numa ciência.
As ciências biológicas, ao contrário, mal podem
ser consideradas ciências. O espírito científico mal pe­
netrou nesse setor e elas estão repletas de mitos, tais
como a evolução. Portanto, têm pouco contacto com
o real e, por isso mesmo, pouca repercussão nos domí­
nios que são o objeto deste livro.
Quanto às chamadas “ciências humanas”: psico­
logia e sociologia, não são de maneira alguma ciências,
não são sequer uma coleção de truques. Como já o

186
disse em outra ocasião Bertrand Russell: “São ruídos
sem significação.”
A isso as pretensas ciências humanas, que são,
muito mais do que a astrologia ou a feitiçaria, exem­
plos de falsas ciências, acrescentam um vocabulário
que nada tem a ver com a realidade. É assim que de­
nominam “inconsciente” o aspecto da nossa personali­
dade que nunca dorme, que percebe sem utilizar os
sentidos e que nunca morre.
Quanto à sociologia, só para indicar seu nível,
basta constatar que não há um só sociólogo no mundo
capaz de se fazer eleger vereador numa cidade de dez
mil habitantes.
Eis por que não se encontram livros de psicologia
ou de sociologia com uma pequena alusão que seja
aos grandes mistérios. É lastimável, pois o espaço inte­
rior é tão desconhecido quanto o espaço exterior e,
num determinado nível, não existe distinção entre eles.
Existem exceções para todas as regras e há uma
para a que acabei de formular. Refiro-me à obra de
C. G. Jung. Na fronteira da filosofia e da ficção cien­
tífica, sua obra, no entanto, se baseia na observação
de fatos psicológicos reais. Tem intuições que nem
sempre podem ser verificadas mas que vão bastante
longe. Esta obra merecería uma vulgarização, pois é
extremamente longa, quase sempre escrita em alemão,
e as idéias, às vezes, são difíceis (o número especial
do novo Planète sobre Jung pode servir como orienta­
ção para o leitor.)
O leitor de Jung é fartamente recompensado por
algumas idéias extraordinárias, especialmente sobre os
arquétipos que, no fundo, embora ele não o ouse di­
zer, são deuses, e sobre a sincronicidade, que é uma
ação exercida perpendicularmente ao tempo e não é

187
regida pela lei da causalidade. É isto que explicaria
cientificamente a magia.
Não somos obrigados a admitir todas as idéias de
Jung. Acho que ele está errado a respeito da alquimia
e dos discos voadores, por exemplo. Mas, de qualquer
maneira, a obra de Jung é a única, no campo das ciên­
cias humanas, em que penetra um pouco de luz do
exterior.
A História é uma ciência humana?
Não creio.
Acho que é mais uma arte.
Há muito o que reunir, do nosso ponto de vista,
nos grandes historiadores, sejam eles gregos e latinos
ou Carlyle ou Michelet.
Não há nada para se encontrar na “micro-histó-
ria” moderna na qual estudamos o consumo do tabaco
numa aldeia de Flandres entre 1740 e 1760. Mas, os.
grandes historiadores, assim como os grandes cientis­
tas, tiveram uma visão do mundo mais ampla do que
a nossa, de uma História que não é fechada. Seus imi­
tadores são, atualmente, os historiadores soviéticos,
que também têm a mesma visão, aquela que vimos no
magnífico filme russo Andréi Roublev.
O Ocidente ainda espera pelos historiadores “aber­
tos”. Muita coisa poderia ser dita sobre este assunto,
pois a História merecería ser reescrita assinalando de­
terminados fenômenos evocados neste livro.
Ê o que chamei de “a História invisível”. Deixan­
do de lado os grandes historiadores, encontramos fa­
cilmente materiais para a História invisível nas revis­
tas de História, sobretudo nas de província. Todavia
são necessárias pesquisas imensas para encontrar alguns
artigos.

188
Eis o tipo de trabalho no qual o computador seria
extremamente útil, mas para o qual é praticamente im­
possível conseguir horas.
Seria preciso a paciência incomparável de um
Charles Fort para ler os milhares de pequenas revistas
de História, durante anos, para encontrar finalmente
algumas centenas de artigos que tocam o extraordiná­
rio. Ninguém, que eu saiba, faz este trabalho, o que
•é uma pena.
As revistas que tratam da história das ciências
geográficas e da exploração são muito interessantes.
Nelas encontramos ilhas desaparecidas, países que não
são mais achados, relatos muito surpreendentes de ex­
ploradores. Entre estas revistas, a do Instituto nacio­
nal geográfico americano é particularmente rica e re­
compensa particularmente bem os pesquisadores.
As revistas de astronomia popular, e de modo es­
pecial a revista americana Sky and Telescope, são in­
teressantíssimas. Elas evocam, cada vez mais, os pro­
blemas à fronteira da astronomia, isto é, o estudo do
que se passa quando os próprios espaço e tempo são
deformados por uma estrela que implode até se tornar
menos que um ponto, acabando por desaparecer do
•espaço e do tempo.
Isto é o que chamamos colapso, do latim collap-
sus, o que quer dizer implosão. Os fenômenos extraor­
dinários começam antes mesmo que a estrela desapa­
reça definitivamente. Quando ela tem apenas um raio
de poucos centímetros, embora possuindo a massa de
um sol, os eixos do espaço e do tempo, que normal­
mente formam um cone, são torcidos. Na superfície do
astro, o passado encontra-se então abaixo do equador,
e o futuro, acima do equador.
Se estes astros hiperdensos são habitados, os habi­
tantes podem viajar pelo passado e o futuro com a

189
maior facilidade. A esta altura a imaginação já se en­
contra bloqueada. Mas se o processo de implosão con­
tinua, a estrela se toma um buraco no céu. Toda ma­
téria e toda energia que dela se aproximam caem den­
tro. Os fenômenos que se passam no interior de um
desses buracos negros no céu são totalmente inimagi­
náveis. Diversas teorias matemáticas estudam estes fe­
nômenos, e sua exposição popular em revistas como
Sky and Telescope ou Analog constitui a fronteira mais
interessante do pensamento.
Poder-se-ia acreditar que o fenômeno dos bura­
cos negros no espaço é o mais espantoso que se pode
conceber. Não é nada disso.
Alguns astrofísicos imaginam que uma galáxia
inteira possa implodir e desaparecer. Forma-se, então,
não um buraco negro, mas um túnel negro no céu,
e é possível que se possa usá-lo para passar, instanta­
neamente, de uma região do espaço à outra, muito
mais rápido do que a luz.
O astrofísico americano Ben Bova, que dirige
atualmente Analog, diz que um dia as naves do espaço
procurarão esses túneis como se procurou na Terra a
“Passagem do noroeste”.
Eis aí uma bela fronteira da imaginação. É las­
timável que os grandes mestres da imaginação científi­
ca: Flammarion, Jeans, Eddington, não estejam mais
entre nós para nos orientar.
Todavia, à luz das descobertas e das hipóteses a
respeito dos buracos negros e dos túneis negros no céu,
é bom reler suas obras, especialmente Les Nouveaux
Sentiers de la Science, de Eddington. É aí que encon­
tramos, ao lado de mil outras observações profundas,
esta aqui:

190
“À força de progredir, a ciência acabará criando
uma imagem do universo em que um homem de bom
senso possa acreditar.”
O que também devemos esperar é que Sir Frede-
ric Hoyle, que ainda é jovem, ao chegar à maturidade
do seu gênio, possa tomar o lugar de um Jeans ou de
um Eddington.
Pois não é das equipes de congresso e das comis­
sões que provém o verdadeiro progresso da ciência,
aquele que é realmente interessante.
No túmulo de Newton, na abadia de Westmins-
ter, foram gravados estes versos de Wordsworth:
“Ele viajou pelos estranhos mares do pensamento.
Sozinho”.
Esta é a característica dos grandes espíritos:
são sós.
Einstein dissera:
“Não acredito na educação. Seu único modelo
deve ser você mesmo, por mais espantoso que seja
este modelo.”
Uma outra característica dos homens excepcio­
nais é que são extremamente claros.
Um grande número de livros que pretendem vul­
garizar a teoria da relatividade são tão completamente
incompreensíveis quanto Einstein e Eddington são per­
feitamente claros.
E o mesmo acontece com todos os pioneiros e,
em particular, com Curie, que nunca lemos o bastan­
te. Também é preciso compreender que estes grandes
pioneiros tiveram, no começo de sua carreira, ilumi­
nações que não voltam mais, mas que tiveram o tempo
de notar. São estas iluminações que é fácil encontrar.
Elas estão, é claro, misturadas a detalhes técnicos, e
algumas vezes à matemática. Às vezes é necessário ler

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dezenas de páginas antes de deparar com uma passa­
gem que ilumina todo o universo com um clarão tão-
vivo quanto breve. Mas este tipo de pesquisa vale a.
pena.
Encontramos aí satisfações que nenhuma outrai
leitura nos oferece, exceto, talvez, a ficção científica,
nos seus momentos mais inspirados. Os autores da fic­
ção científica, em geral, não parecem, infelizmente,,
ter lido estes livros de ciência. Quanto aos filósofos,,
jamais ouviram falar deles.
Um Sartre falará durante centenas de páginas da
essência e da existência, sem sequer saber que a cor­
rente alternada que o ilumina transforma-se sessenta
vezes por segundo de essência em existência e reci­
procamente.
E lembro-me de uma discussão que mantive com.
Camus sobre Le Mythe de Sysiphe. Observei que quan­
do o rochedo rola para baixo, Sysiphe pode recuperar
a energia perdida fabricando uma corrente elétrica,,
como se faz comumente com as quedas d’água. E.
Camus disse-me: “Podemos então fazer uma corrente-
elétrica com um objeto que cai?” Não insisti.
Que nome devemos dar a esta visão do universo-
que se desprende da leitura dos grandes cientistas tão-
bem quanto da observação da vida quotidiana?
Tomei emprestado ao escritor belga Franz Hel-
lens a expressão: “realismo fantástico”. Acho que esta
expressão é útil, desde que não a façamos expressar
mais do que contém.
O real, visto um pouco mais de perto, é fantás­
tico. Já é uma boa coisa observá-lo. Porém, a esta fase
de interpretação deve suceder uma outra fase de inter­
pretação, em seguida uma fase de síntese.
Tudo quanto pretendo é divertir e distrair. Parai
citar Conan Doyle:
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“Terei alcançado meu objetivo, em suma,
Se divirto filosofando
A criança que não passa de um pequeno homem,
O homem que não passa de uma criança grande.”
Contudo, gostaria que alguns espíritos fossem
muito mais longe do que eu, e fizessem teorias gerais
que levassem a uma explicação. Se estas teorias levan­
tam mais problemas do que resolvem, acho que a hu­
manidade necessita delas com urgência.
Não se deve contar comigo para criá-las. Por
mais megalômano que seja, não me considero um
Boscovitch.
Penso que as características essenciais de um
pensamento realmente moderno seriam:
— o abandono do postulado fundamental da ciên­
cia, o da objetividade do universo. Será preciso admi­
tir que determinadas forças do universo têm uma per­
sonalidade, ainda que esta seja muito diferente da per­
sonalidade humana;
— abandono da distinção arbitrária entre o espa­
ço interior e o espaço exterior. Nós vivemos numa in­
terface entre os dois, mas esta interface não é neces­
sariamente contínua e não tem necessariamente uma
das formas geométricas simples a que estamos habi­
tuados;
— formulação de uma física geral que derive da
psicologia e da biologia. O reducionismo que tenta
explicar a psicologia e a biologia pela física, o peque­
no pelo maior, está fadado ao fracasso.
A tentativa inversa pode dar alguns resultados.
Uma teoria deste tipo talvez venha à mente de um dos
leitores deste livro, e quando sua obra for estudada-,
talvez nos apercebamos de que um determinado núme­
ro de livros loucos como este ter-lhe-ão sido úteis.

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Foi assim que A Origem das Espécies foi prece­
dida por um determinado número de livros totalmen­
te loucos, como o do avô de Darwin, Erasmus Darwin.
Este livro se chamava Le Secret Doré e pretendia
revelar a existência de outros mundos muito próximos
do nosso, principalmente no centro da Terra.
Le Secret Doré inspirou visivelmente Edgar Poe
em Les Aventures d’Arthur Gordon Pym.
Todos os elementos de uma teoria que permitiría
um passo a mais no pensamento humano já devem se
encontrar em alguns livros de fácil acesso. Talvez, sem
os procurar, um leitor atraído simplesmente pelo gosto
do fantástico venha a encontrá-los.
É o que desejo.

Observação final: E o Tempo?

Este livro, que pretende ser audacioso, é, no en­


tanto, newtoniano. Fala sobre dobras ocultas, reinos
desconhecidos, aspectos estranhos da sociedade.
Mas tudo isto acontece no espaço newtoniano, ou
num espaço um pouco generalizado, superposição de
diversos espaços newtonianos. Nunca trata do tempo.
E se o próprio tempo tivesse dobras? Se houvesse
um século suplementar entre os séculos XVI e XVII?
E se o século XXI avançasse um pouco sobre
o século III antes de Cristo?
Que eu saiba, esta idéia só é exposta claramente
uma vez, numa novela de Clark Ashton Smith, La
Gorgone.
Também a encontramos sob uma forma mais vaga
em Arthur Machen. Não tenho os conhecimentos ma­
temáticos suficientes para traduzi-la em termos claros,
mas gostaria que alguém o fizesse.

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