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D I S C I P L I N A Introdução à Ciência Geográfica

Milton Santos: o filósofo da técnica

Autores

Aldo Dantas

Tásia Hortêncio de Lima Medeiros

aula

15
Governo Federal
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário de Educação a Distância – SEED
Carlos Eduardo Bielschowsky

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Universidade Estadual da Paraíba


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Sandra Cristinne Xavier da Câmara (UFRN)

Divisão de Serviços Técnicos


Catalogação da publicação na Fonte. UFRN/Biblioteca Central “Zila Mamede”

Dantas, Aldo.

   Introdução à ciência geográfica: geografia / Aldo Dantas, Tásia Hortêncio de Lima Medeiros. –
Natal, RN : EDUFRN, 2008.

   176 p.

   1. Geografia – Brasil. 2. Geografia - teoria. 3. Geografia científica – Brasil. 4. Sociedade.


5. Prática pedagógica. I. Medeiros, Tásia Hortência de Lima. II. Título.

CDD 910
RN/UF/BCZM 2008/35 CDU 918.1

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É por demais sabido que a principal forma de relação entre o homem
e a natureza, ou melhor, entre o homem e o meio, é dada pela técnica.
As técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com
os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria
espaço.  (SANTOS, 2006).

Apresentação

A
Geografia é ainda, frequentemente, considerada por muitos políticos, administradores,
especialistas de outras áreas e, infelizmente, por um grande número de geógrafos,
como uma disciplina que se preocupa apenas com localizações. Entretanto, essa
concepção da Geografia, aceita durante muito tempo, mostra-se limitante do rol de relações
que se dão entre o homem e o meio e, por essa razão, revela-se insuficiente. É, sem duvida,
Milton Santos o geógrafo brasileiro que mais vai se preocupar com essa questão e trazer
efetivamente contribuições fecundas para que isso se revertesse. Para ele, isso deveria
passar por uma questão fundamental: o objeto da Geografia – o espaço geográfico, sinônimo
de território usado. Veremos nesta aula a trajetória intelectual desse grande mestre, assim
como o seu esforço em dotar a Geografia de conceitos e categorias de análise para tirá-la da
situação de uma disciplina meramente descritiva e levá-la à condição de teoria geográfica da
sociedade. Ele o faz através da técnica, ou melhor, de uma filosofia da técnica.

Objetivos
Perceber o entrecruzamento entre a vida pessoal e a
1 formação intelectual de um pensador: Milton Santos.

Apreender a produção intelectual de Milton Santos.


2
Entender o método geográfico a partir das noções de
3 fluxo e fixo e como um sistema de objetos e de ações.

Compreender o período atual da história a partir


4 de um ponto de vista geográfico – globalização via
disseminação da técnica.

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Notas biográficas

M
ilton Almeida dos Santos nasceu no dia três de maio de 1926 na cidade de Brotas
de Macaúbas, localizada na Chapada Diamantina, no estado da Bahia. Esta foi a
primeira paragem de seus país como professores primário da rede estadual de
ensino. Em seguida, a família Santos foi para a cidade de Ubaitaba, onde ficou por alguns
anos e depois para Alcobaça, no litoral Sul da Bahia. O pequeno Milton recebeu seus primeiros
ensinamentos com os próprios pais. Mesmo indo à escola regular, continuava estudando
em casa e tendo aulas de álgebra, francês e boas maneiras.

Em 1936, aos 10 anos, foi para Salvador como aluno interno do Instituto Baiano
de Ensino. Sua família, mesmo tendo morado sempre em cidades pequenas do interior da
Bahia, preparou-o sempre para ser um cidadão soteropolitano.

A cidade civilizada por excelência, com suas escolas universitárias de alto padrão,
onde se podia alcançar os patamares que haviam alcançado André Rebouças (1838-1898)
e Teodoro Sampaio (1855-1937), que se destacaram nacionalmente como modelos de
ascensão intelectual, valorizados pelos baianos de origem africana. Aliás, seus próprios pais
e avós haviam dado os primeiros passos nessa direção, para a qual foi destinado Milton,
ainda mais que eles.

Com aproximadamente 10 anos de idade, Milton havia recebido o ensino primário


mais completo que uma criança da época poderia ter recebido, e herdou de sua família,
principalmente de sua mãe e de sua avó paterna, a energia, a coragem e a disciplina. No
entanto, foi convencido a rejeitar a cultura afro-baiana popular, o futebol, o samba, as
rodas de capoeira e o candomblé. Afinal de contas, uma parte da pequena burguesia negra
intelectual de Salvador tinha que negar sua “inferioridade” racial e cultural, influenciada pela
cultura “superior” branca dominante, da qual era parte integrante.

Milton iniciou seu “primeiro exílio” em Salvador, já que sua família permaneceu em
Alcobaça, como aluno interno do Instituto Baiano de Ensino, aos 10 nos de idade (1936),
tendo ali residido até 1946, quando já era aluno da Faculdade de Direito. Realizou seu curso
ginasial de 1937 a 1941, o pré-jurídico de 1942 a 1943 e o curso de Direito de 1944 a 1948.

Pagava o internato onde moraria por uma década com o dinheiro que recebia
lecionando Geografia na própria escola. Milton atuou no jornalismo estudantil e foi um
dos criadores da Associação de Estudantes Secundaristas Brasileiros. Seus colegas se
opuseram à candidatura de um negro para presidente – alegaram a dificuldade para discutir
com autoridades. Milton era ótimo aluno em Matemática e queria seguir engenharia, mas
acreditava-se que a Escola Politécnica não aceitaria negros com facilidade. Como um tio seu
era advogado, foi aconselhado a estudar Direito. Formou-se na Universidade da Bahia, em
1948, mas nunca exerceu a profissão. Dedicou-se à Geografia, que ensinava desde os quinze
anos. Nessa época, também foi fundamental o contato com o livro Geografia Humana, de

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Josué de Castro. Nesse contexto, descobriu a Associação dos Geógrafos Brasileiros e suas
reuniões científicas.

Em 1948, Milton Santos publicou seu primeiro livro: O povoamento da Bahia. Prestou
concurso público para professor secundário e foi lecionar em Ilhéus. Nesse período, conheceu
livros e revistas de Geografia, alguns da Associação Brasileira de Geógrafos (AGB), então
concentrada no eixo Rio-São Paulo. Milton resolveu participar de uma reunião da AGB, que
acontecia em Uberlândia (MG), para perplexidade dos não mais de 30 profissionais reunidos.
Nessa ocasião, conheceu Aziz Ab’Sáber, de quem se tornaria amigo. Ab’Sáber recorda-se
que Milton insistia em discussões teóricas entre determinismo e possibilismo enquanto
problemas analíticos estavam em pauta.

O interesse pela Geografia, disciplina que acabaria consagrando-o, consolida-se


com a obtenção do título de doutor pela Universidade de Estrasburgo (França) em 1958.
Segundo o próprio, foi numa poltrona do Hotel Nacional de Salvador que recebeu um
conselho que talvez tenha selado seu futuro. O amigo Aziz Ab’Sáber acreditava que, como
ele próprio fizera, Milton se dedicava demais a questões teóricas. Aconselhou-o a se ater
à análise de estudo de casos e regiões. À questão de Milton sobre que tema abordar,
Ab’Sáber deu uma resposta fundamental para a projeção do colega: por que não estudar o
centro urbano de Salvador?

Junto a um grupo de universitários, Milton empreendeu a pesquisa sobre Salvador,


que redigiu e apresentou com sucesso como tese de doutorado na Universidade. De volta ao
Brasil, permaneceu na Universidade Federal da Bahia (UFBA) onde fundou o Laboratório de
Geomorfologia e Estudos Regionais.

Milton Santos combinava a seu rigor acadêmico outras virtudes, como a habilidade
política, que o levou a ocupar cargos políticos de destaque, e a produção de textos para a
imprensa, tornando-se colaborador de jornais na década de 1950 (A Tarde, de Salvador) e
na década de 1990 (Folha de São Paulo). Suas idéias contundentes despertaram os críticos.
Seu estilo causou-lhe problemas, como a prisão por três meses em 1964, durante o regime
militar. Ao sair da prisão, ganhou o mundo.

Primeiro, para a França, depois para outros países da África, da América do Norte
e da América Latina, para fazer pesquisas e ensinar. Deu aulas nas Universidades de
Toulouse, Bordeaux e Paris. Na América do Norte, lecionou nas Universidades de Toronto e
de Massachusetts e na Universidade Columbia, em Nova York. Na América Latina, passou
algum tempo no Peru, Universidade Politécnica de Lima; na Venezuela, Universidade Central
de Caracas; e na África, lecionou na Tanzânia, Universidade de Dar-es-Salaam.

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Notas biobibliográficas
Como já vimos anteriormente, em 1964, Milton Santos vai para o exterior, seguindo
primeiro para Toulouse, na França, e dando início à sua carreira internacional. Esse período foi
excepcionalmente rico para ele, pois viveu experiências acadêmicas, em contextos bastante
diversificados. Fez contato com colegas de várias nacionalidades e participou de congressos
internacionais, o que enriqueceu o seu domínio de várias línguas. Este período lhe permite
aprofundar suas reflexões sobre os temas de seu interesse.

É também nesta época que publica na França (1975) um de seus mais importantes
livros, L’espace partagé, publicado no Brasil, em 1978, com o título de O espaço Dividido –
recentemente reeditado pela Editora da Universidade de São Paulo, EDUSP. Essa publicação
foi fruto de 8 anos de preparação, pois entre 1972 e 1973 já havia publicado artigos sobre o
tema desenvolvido no livro. O livro foi publicado depois em português e em inglês.

Esse livro é o exemplo maior e mais significativo sobre as suas formulações dos aspectos
e faces da desigualdade no Terceiro Mundo e os impactos e repercussão sobre o território. É
nele que desenvolve uma teoria sobre o espaço geográfico urbano e o subdesenvolvimento,
tendo a interdisciplinaridade como leme. A obra se divide em quatro partes. A primeira
introduz a questão dos dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos.
O circuito inferior: constituído de negócios de baixa intensidade de capital, pelos serviços
não-modernos e fornecidos a varejo e pelo comércio não-moderno de pequena dimensão. A
segunda parte é sobre o circuito superior: constituídos pelas atividades de grande intensidade
de capital e pela produção moderna. A terceira trata especificamente do circuito inferior. E a
quarta parte é sobre o espaço dividido, discutindo os dois tipos de industrialização e os dois
subsistemas urbanos. Sua tese é contrária ao conceito de setor informal.

Em 1977, edita dois números da famosa Revista americana Antipode, nesse momento
incorpora às suas análises a categoria marxista de formação social, que se desdobrará
posteriormente em formação sócio-espacial.

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Volta para o Brasil e participa, em 1978, da famosa reunião da AGB em Fortaleza. Essa
reunião é considerada um divisor de águas, pois mudou os rumos da Geografia brasileira
com a ascensão da “Geografia crítica”, que punha em xeque o paradigma dominante,
neopositivista.

Naquele ano de 1978, foi publicado um de seus mais importantes livros, Por uma
geografia nova, composto de 18 capítulos, divididos em três partes – também com recente
reedição da EDUSP –, que se tornou um marco na Geografia brasileira. Na primeira parte,
“Critica da geografia”, faz uma revisão crítica da Geografia clássica, da New Geography e
da Geografia da percepção, concluindo com um texto sobre a Geografia como “viúva do
espaço”, metáfora que usa para indicar o abandono do espaço pelos geógrafos dessas
correntes. Na segunda parte, Geografia, sociedade, espaço, afirma que o objeto da Geografia
é o espaço social e o define. Na terceira parte, Por uma geografia crítica, menciona as noções
de universalização perversa; de totalidade; de formação social; de espaço visto como uma
acumulação desigual de tempo; e de tempo.

Em 1985, publica Espaço e método, obra eminentemente metodológica. Com nove


capítulos, esse livro aprofunda temáticas já iniciadas em 1979, com o livro Pensando o
espaço do homem, em que são tratados temas sobre: as relações técnica e espacial, as
repercussões espaciais da revolução tecnológica, o que consagraria, segundo Santos, o
período denominado de técnico-científico-informacional, conseqüência espacial do período
marcado pela globalização da produção e do consumo. O espaço é considerado um sistema
de sistemas e as noções de “estrutura, processo, forma e função” são definidas como
categorias do método geográfico.

Em 1988, publica o livro Metamorfoses do espaço habitado, concebido como uma


continuação de Por uma geografia nova. O livro é composto por dez capítulos e o autor
passa a tratar, sobretudo, de questões na escala mundial, apresentando as noções de
mundialização perversa, de globalização, de paisagem como domínio do visível e de
configuração territorial.

Em 1994, é publicado o livro Técnica, espaço, tempo, com cinco partes e quinze
capítulos, o livro discute, principalmente, os pares “globalização – fragmentação” e “sistemas
de objetos – sistema de ações”, além de trazer uma noção bastante interessante, aquela
de “tempo lento”, que seria o tempo dos socialmente mais fracos. O livro traz ainda duas
entrevistas com o autor.

Em 1996, publica a obra que vai coroar o seu pensamento teórico, A Natureza do
Espaço: técnica, razão e emoção. Reforça nessa obra sua epistemologia do espaço e contribui
definitivamente para a teoria social. Em 1997, o texto recebe o Prêmio Jabuti, como melhor
livro do ano em ciências humanas.

Composto de quatro partes, o livro aprofunda os temas já trabalhados pelo autor.


Aparecem conceitos e categorias como tecnoesfera e psicoesfera; tempos rápidos dominantes
e tempos lentos sujeitados; redes, como produto das condições contemporâneas da técnica;

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ações que se distinguem pela sua racionalidade e intencionalidades; zonas opacas e zonas
luminosas; horizontalidades e verticalidades etc.

A primeira parte do livro, Uma ontologia do espaço: noções fundadoras, trata de


questões referentes à natureza e ao papel das técnicas; analisa o espaço como um sistema
de objetos e de ações; discute a intencionalidade e a inseparabilidade entre ação e objeto
e faz a diferenciação entre espaço e paisagem. Na segunda parte, Produção das formas-
conteúdo, discute a noção de totalidade; a diversificação da natureza; a divisão territorial do
trabalho e o tempo empiricisado a partir da idéia de eventos. A parte três, Por uma geografia
do presente, é iniciada pela análise do sistema técnico atual seguido por uma discussão
sobre: a globalização financeira; as normas; a crise ambiental; a tecnoesfera e a psicoesfera;
a geografia das redes; os tempos rápidos e lentos; as horizontalidades e verticalidades; e,
por fim, os espaços de racionalidade hegemônica. A última parte, A força do lugar, trata das
relações entre o lugar e o cotidiano e sobre a ordem universal e local.

Em 2000, foi publicado o livro Por uma outra Globalização, em que disserta sobre
os pilares da globalização, suas conseqüências territoriais e sociais. É um livro manifesto
composto de seis partes, que começa tratando a globalização como uma fábula (fantasia),
como perversidade e indica a possibilidade de uma outra globalização. Concebe a globalização
a partir das condições da unicidade técnica atual; a perversidade da globalização é analisada a
partir da maneira como se oferta a informação e do despotismo do consumo. Milton propõe
a noção de “globalitarismo”, analisa ainda o território do dinheiro e sua fragmentação e o que
chama de esquizofrenia do espaço; os limites da globalização e a possibilidade de reversão
da globalização perversa.

Em 2001, com a publicação de seu último trabalho, em conjunto com Maria Laura da
Silveira, deixa explícito o seu esforço para compreensão do território brasileiro, além de nos
brindar com um excelente guia de trabalho. Nessa publicação, busca aplicar as categorias
teóricas elaboradas em outros livros.

O livro consta de duas grandes partes. Na primeira, O território brasileiro: um esforço


de análise, discute-se o uso do território; a passagem do meio natural brasileiro para o meio
técnico-científico-informacional, as principais infra-estruturas implantadas no território
brasileiro, assim como a pesquisa e a tecnologia; a informação e o conhecimento do espaço;
a reorganização produtiva do território; a guerra dos lugares; o reordenamento em função
das grandes corporações; os fluxos aéreos, ferroviário, rodoviários e aquáticos; o sistema
financeiro e a “financeirização” da sociedade e do território e a distribuição da população. Na
segunda parte, o tema é o “território utilizado”, que inclui, além da natureza, a ação humana,
e que revelaria as ações passadas e presentes. A história do território brasileiro, analisada
através de suas diferenciações de rapidez e lentidão; de espaços luminosos e opacos; de
espaços que mandam e espaços que obedecem; do papel das cidades médias e grandes e da
rede urbana; finalmente, é proposta uma nova divisão do Brasil em quatro regiões – A região
concentrada, Nordeste, Centro-Oeste e Amazônia

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Notas teórico-metodológicas

Sobre o método
Uma das propostas metodológicas de Milton Santos é aquela em que se privilegia
os fixos e os fluxos. Os fixos (casa, porto, armazém, plantação, fábrica) emitem fluxos ou
recebem fluxos que são os movimentos entre os fixos. As relações sociais comandam os
fluxos que precisam dos fixos para se realizar. Os fixos são modificados pelos fluxos, mas
os fluxos também se modificam ao encontro dos fixos. Então, ao considerarmos que o
espaço é formado de fixos e de fluxos, esse seria um princípio fundamental do método
para analisar o espaço e podemos acoplar a essa idéia a idéia de tempo. Os fluxos não têm
a mesma rapidez, a mesma velocidade. As coisas que fluem e que são materiais (produtos,
mercadorias, mensagens materializadas) e não materiais (idéias, ordens, mensagens não
materiais) não têm a mesma velocidade. A velocidade de uma carta não é a de um telegrama,
de um sedex, de um e-mail. Os homens não percorrem as distâncias no mesmo tempo, há
alguns que percorrem uma distância x ou y em tempo muitas vezes maior devido à falta de
meios para fazê-lo diferentemente. Perceba que isso também constrói diferenças entre eles.

Um método é um conjunto de proposições – coerentes entre si – que um autor ou


um conjunto de autores apresenta para o estudo de uma realidade, ou de um aspecto da
realidade.

Nenhum método é eterno. Modifiquei o meu próprio várias vezes, em função da


minha experiência e da dos outros, mas sobretudo em função de como o mundo se
apresenta, já que não posso inventar o mundo: invento uma forma de interpretação,
pois o mundo existe independentemente de mim. Eu vejo o mundo constituído de fixos
e de fluxos, por uma paisagem e relações sociais; como um conjunto de lugares onde
o acontecer simultâneo dos diversos agentes supõe o uso diferenciado do tempo. O
meu papel como geógrafo é de entender como as relações e os objetos se mantêm
em processo interativo. Essa interação tem como uma das condições o tempo. O
tempo é a base indispensável para o entendimento do espaço. Se as ações sobre um
conjunto de objetos se dessem segundo tempos iguais, não haveria história; o mundo
seria imóvel. Mas o mundo é móvel, em transformação permanente – formando
uma totalidade em processo de mudança para surgir amanhã como nova totalidade
(SANTOS, 1994, p.166).

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Sobre o tempo
Para Milton Santos, na Geografia, a questão do tempo pode ser trabalhada ao menos
segundo dois eixos – um é o eixo das sucessões e o outro é o eixo das coexistências. O que
isso quer dizer exatamente? Com relação ao eixo das sucessões, consideremos inicialmente
que o tempo flui e, por conseguinte, um fenômeno vem depois de outro. Assim, há uma
sucessão de fenômenos ao longo do tempo. As coisas se dão em uma seqüência. Esta é uma
das dimensões com que podemos trabalhar em Geografia e que nos levaria à idéia de uma
seqüência no acontecer, ou seja, uma ordem temporal. A cada momento, estabelecem-se
relações sociais que caracterizam e distinguem tempos diferentes, permitindo falar de hoje e
de ontem. Esse seria o eixo das sucessões.

O outro eixo seria aquele das coexistências, da simultaneidade. Imagine que em um


lugar, em uma área, o tempo das diversas ações e dos diversos agentes, a maneira como
utilizamos o tempo não é a mesma. Os respectivos fenômenos não são apenas sucessivos, mas
concomitantes, no viver de cada hora. Para os diversos agentes, as temporalidades variam,
mas se dão de modo simultâneo. Assim, um geógrafo deve considerar a simultaneidade das
temporalidades diversas.

Pensamos que a simultaneidade dos diversos tempos sobre um pedaço da crosta


da Terra é que seja o domínio propriamente dito da Geografia. Poderíamos mesmo
dizer com certa ênfase, talvez com algum exagero, que o tempo como sucessão
é abstrato e o tempo como simultaneidade é o tempo concreto, já que é o tempo
da vida de todos. O casamento entre tempo e o espaço se dá porque há, sempre,
homens usando o tempo e o espaço. Da mesma forma que não se entende o espaço
sem o homem, a noção de tempo também não existe sem o homem. Se as duas
noções se casam, e aparecem juntas e indissolúveis, é porque o homem vive no
universo (SANTOS, 1994, p.163-164).

Sobre globalização
A globalização, segundo concepção de Milton, poderia ser entendida como o período
histórico no qual a ciência, a técnica e a informação comandam a produção e o uso dos objetos,
ao mesmo tempo em que impregna as ações e determinam as normas. Como evidências
dessas transformações atuais, temos o progresso das telecomunicações e dos transportes,
a agricultura moderna desenvolvida em áreas antes periféricas, as novas áreas industriais, o
papel das finanças, a informação que se irradia no território, os novos consumos (incluindo a
educação, a saúde, as viagens, a política), as regulações públicas e privadas e tantos outros
trações definidores da época atual. E uma das principais manifestações, dessa nossa época
é, sem dúvida, a descoberta de novas velocidades, de uma aceleração antes nunca vista, o
que concede às coisas e às pessoas grande fluidez.

 Aula 15  Introdução à Ciência Geográfica


Sobre geografia, filosofia e técnica

É difícil falarmos de nós mesmos, mas pouco a pouco já vinha se


dando, na minha obra, uma separação das prisões do empírico e a busca
de uma construção mais filosófica. Quando escrevi Por uma geografia nova,
vivia fora do país há muito tempo e a partir de certo momento não conhecia
mais o Brasil, porque o país mudou muito depois de 64, tanto em termos de
materialidade como de relações sociais. Então, a filosofia era o único refúgio
para mim, a única forma de continuar vivendo. O Brasil se distanciava e havia
a incapacidade de apreender intelectualmente os outros países onde trabalhei e
sobre os quais escrevi muito pouco. Escrevi um pouco mais sobre a Tanzânia,
sobre a África Ocidental, porque era uma história capitalista menos complexa e
com as similaridades dadas pela condição de Terceiro Mundo, questão que era
central na minha base teórica. Isso me levou a Por uma geografia nova, que era
expressão de uma linha de duplo combate: em relação aos meus colegas do
Norte e em relação ao Brasil, onde eu estava pisando de volta.

Aí eu passei quinze anos trabalhando na preparação desse outro livro,


A natureza do espaço, no qual queria mostrar que a geografia também é uma
filosofia. Eu tinha uma inconformidade com a minha disciplina e com o que
havia escrito antes sobre ela. Empreendi então a fundamentação da idéia de
que a geografia é uma filosofia das técnicas. E como tal, ela somente podia se
tornar teórica com a globalização, porque antes não havia técnicas planetárias
e a universalidade dos filósofos não havia se tornado empírica. Acho que a
minha pequena contribuição à filosofia é a idéia de universalidade empírica,
que só podia brotar da cabeça de um geógrafo, vendo como os lugares se
tornaram parecidos, na sua enorme diferenciação, com a globalização. Mas
o que eles têm de parecido não são só os vidros fumês das grandes cidades.
Essa psicosfera tem uma base técnica, a produção, as condições de vida das
pessoas. Eu tive essa idéia da geografia como filosofia das técnicas há 35 anos.
Mas esta elaboração só podia se tornar concreta e sistematizada num livro
com a globalização. Aí é visível a inseparabilidade do individual e do universal,
através do lugar e do mundo (SANTOS, 1999, p.5-6).

Aula 15  Introdução à Ciência Geográfica 


Atividade 1
Leia o texto a seguir:

Geografia

Nesta passagem de século, as realidades geográficas também se renovam, contribuindo


paralelamente para a emergência de novos conceitos. Vamos tratar aqui, todavia, apenas de
três noções: o meio técnico-científico-informacional, as redes e a cidade global [...].

O meio resulta de uma adaptação sucessiva da face da Terra às necessidades dos


homens [...].

A globalização leva à afirmação de um novo meio geográfico cuja produção é deliberada


e que é tanto mais produtivo quanto maior o seu conteúdo em ciência, tecnologia e
informação. Esse meio técnico-científico-informacional dá-se em muitos lugares de forma
extensa e contínua (Europa, Estados Unidos, Japão, parte da América Latina), enquanto em
outros (África, Ásia, parte da América Latina) apenas pode se manifestar como manchas ou
pontos. Cria-se, desse modo, uma oposição entre espaços adaptados às exigências das ações
econômicas, políticas e culturais características da globalização e outras áreas não dotadas
dessas virtualidades, formando o que, imaginativamente, podemos chamar de espaços
luminosos e espaços opacos. No caso do Brasil, o velho contraste entre país costeiro e país
interior e a mais recente oposição entre centro e periferia cedem lugar a uma nova oposição
entre, de um lado, esse meio técnico-científico-informacional, espaço do artifício, formado,
sobretudo, pelo sul e pelo sudeste, e, de outro lado, o resto do território nacional [...].

As redes são realidades concretas, formadas de pontos interligados que, praticamente,


se espalham por todo o planeta, ainda que com densidade desigual, segundo os continentes
e países [...].

As redes são a condição da globalização e a quintessência do meio técnico-científico-


informacional [...].

O processo atual de modernização leva a que todos os lugares se globalizem, graças à


difusão generalizada das técnicas e da informação. Criam-se, assim, lugares globais simples
e lugares globais complexos. Estes são, geralmente, as metrópoles, em que um grande
número de variáveis típicas de nossa época se combinam [...].

Desse modo, pode-se considerar que cidades globais são aquelas que dispõem dos
instrumentos de comando da economia e da sociedade em escala mundial, seja na condição
de pólo, seja na condição de relé da influência das grandes metrópoles globais. Mas o exercício
da ação hegemônica sobre a face da Terra não é um dado exclusivo das metrópoles de primeira
ordem; sem as outras cidades, a economia global não se realiza (SANTOS, 2002, p.81-83).

10 Aula 15  Introdução à Ciência Geográfica


Elabore um texto sobre seu estado, tomando por base a leitura que você acaba de
1 fazer. Considere pontos como: de que maneira o seu estado se insere no processo
de globalização; que pontos poderemos considerar como sendo luminosos e
quais seriam opacos; qual o papel das cidades, qual ou quais têm instrumentos de
comando; qual o papel das redes etc.

Aula 15  Introdução à Ciência Geográfica 11


Leitura complementar
Como você deve ter percebido, no item “Notas biobibliográficas” desta aula, encontram-
se comentadas as principais obras de Milton Santos. Acreditamos que se trata de um mini-
guia para quem desejar se aprofundar no pensamento de Milton Santos.

SOUZA, Maira Adélia A. de. Território Brasileiro: usos e abusos. Campinas: Edições
Territoriais, 2003.

Livro que resultou do I Encontro com o Pensamento de Milton Santos, realizado em


Campinas em junho de 2002. Nele, estão reunidos 36 textos divididos em seis partes –
1. Reconhecendo o território: monitoramento, regulação e fluidez; 2. Lugar, lugaridades,
paisagem e construção do futuro do mundo; 3. As novas dinâmicas metropolitanas
corporativas e fragmentadas; 4. Os usos do território brasileiro e a dinâmica dos sub-
espaços; 5. Território e sociedade: conhecendo o Brasil do presente; 6. A Geografia renovada
e os jovens geógrafos de campinas: a melhor homenagem a Milton Santos. Todos os textos
trazem como base reflexiva pesquisas iniciadas por Milton Santos e têm como objetivo
contribuir para o conhecimento geográfico do Brasil.

Resumo
A aula aborda a trajetória pessoal e intelectual do mais reconhecido geógrafo
brasileiro: Milton Santos. Faz-se primeiramente uma abordagem biográfica do
autor e em seguida discute-se a sua produção intelectual e as suas formulações
teórico-metodológicas.

12 Aula 15  Introdução à Ciência Geográfica


Auto-avaliação
Após elaborar o texto, em resposta à atividade proposta, verifique se ele
contém os seguintes aspectos: a relação entre fixos e fluxos, que elementos
você considerou como fixo e em que medida eles emitem fluxos, ou seja, qual o
movimento entre os fixos; que temporalidades você percebeu ao analisar o seu
estado, onde você percebe os tempos lentos e os tempos rápidos; que lugares
você considerou luminosos e quais os opacos; que lugares mais recebem a
influência dos agentes hegemônicos globais; que lugares se globalizam através
da difusão das técnicas e da informação, a partir disto que lugares são simples
e quais os complexos; que usos são dados para o território.

Referências
BRANDÃO, Maria A. Milton Santos e o Brasil. São Paulo: Editora da Fundação Perseu
Abramo, 2004.

SANTOS, Milton. Técnica espaço tempo. São Paulo: HUCITEC, 1994.

SANTOS, Milton. Entrevista. Revista Teoria & Debate, fev./abr. 1999.

SANTOS, Milton. Território e Sociedade: entrevista com Milton Santos. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2000a.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
Rio de Janeiro: RECORD, 2000b.

SANTOS, Milton. O país distorcido. São Paulo: PUBLIFOLHA, 2002.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP, 2008.

Aula 15  Introdução à Ciência Geográfica 13


Anotações

14 Aula 15  Introdução à Ciência Geográfica


Anotações

Aula 15  Introdução à Ciência Geográfica 15


Anotações

16 Aula 15  Introdução à Ciência Geográfica


Introdução à Ciência Geográfica – GEOGRAFIA

Ementa
A construção do conhecimento geográfico. A institucionalização da geografia como ciência. As escolas do
pensamento geográfico. A relação sociedade/natureza na ciência geográfica. O pensamento geográfico e seu
reflexo no ensino. A geografia brasileira. Atividades práticas voltadas para a aplicação no ensino.

Autores
n  Aldo Dantas

n  Tásia Hortêncio de Lima Medeiros

Aulas

01    O saber geográfico

02   A ação humana

03   A Geografia na Antiguidade

04   A Geografia na Idade Média

05   Os tempos modernos

06   Espaço e modernidade

07   A institucionalização da Geografia

08   A Geografia de Humboldt e Ritter

09   A Geografia ratzeliana e seu contexto


Impresso por: Texform Gráfica

10   A Geografia vidaliana e o seu contexto

11   A abordagem regional vidaliana

12   Os movimentos de renovação

13   A institucionalização da Geografia no Brasil


1º Semestre de 2008

14   O nascimento da Geografia científica no Brasil

15   Milton Santos: o filósofo da técnica

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