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11434-Texto Do Artigo-20648-1-10-20180813 PDF
11434-Texto Do Artigo-20648-1-10-20180813 PDF
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Universidade de Brasília, Brasil. buzar@unb.br
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Universidade de Brasília, Brasil. lmbz@unb.br
Resumo Abstract
http://dx.doi.org/10.18830/issn.1679-0944.n15.2015.04 53
A estrutura da Igrejinha da Pampulha de Oscar Niemeyer PEREIRA, Nathalia C.
BUZAR, Márcio
BEZZERA, Luciano
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Sistemas Estruturais em Arquitetura | paranoá 15
Sobre a concepção estrutural e concepção ar- tamos falando de formas de objetos edificados,
quitetônica de uma edificação (REBELLO, 2006) os quais necessitam de elementos com carac-
diz que “não se pode imaginar uma forma que não terísticas e demandas específicas. Elementos
necessite de uma estrutura ou uma estrutura que como paredes, vigas, pilares e que possuem
não tenha uma forma.” “Logo, Quem cria forma demandas como: formas com dimensões e geo-
cria estrutura.” Ele explica que “o que acontece é metria adequadas para que suportem as cargas
que nem sempre o criador da arquitetura tem con- dimensionadas de acordo com as características
sciência de que no seu ato criador dos espaços de resistências dos materiais escolhidos e as
está intrínseco o ato criador da estrutura.” condições de segurança da estrutura; ambientes
com geometria coerente com a atividade que irá
Podemos perceber que a constatação colocada se desenvolver nele; condições de conforto am-
por REBELLO é reflexo do paradoxo da estrutura biental, boa relação com o entorno; entre outras
apontado por (SALVADORI, 2006) o qual explica demandas. Podemos considerar que esse conflito
que este paradoxo da estrutura está no fato de também está relacionado a falta de consciência
que para determinar as dimensões de um ele- do ato criador da estrutura citada por REBELLLO,
mento estrutural dependemos da carga estimada 2006.
para que ele suporte e para determinar quanto
um elemento estrutural pode carregar precisamos 1.2. Estética
das suas dimensões.
É possível observar na literatura disponível e em
Outra particularidade apontada por (REBELLO, entrevistas dadas por Oscar Niemeyer que ele
2006) é que a melhor estrutura na verdade não sempre justifica suas decisões de projeto pela
existe. “Existe uma boa estrutura que resolve bem busca pela beleza e pelo encantamento.
alguns pré-requisitos. Assim mesmo, não resolve
todos os requisitos com o mesmo grau de eficiên- A partir desta ênfase trazida por Niemeyer à
cia. É função de quem concebe a estrutura fazer beleza consideramos importante, mesmo para o
com que, apesar de hierarquizados, os requisitos estudo das estruturas de suas obras, investigar
sejam atendidos da forma mais eficiente possível.” porque elas são consideradas belas.
Portanto, “não há consenso sobre os procedi- Pudemos levantar dois aspectos para justificar
mentos projetuais que podem conduzir à boa ar- porque as obras de Niemeyer são consideradas
quitetura e muito menos que caracterize obras de belas pelo público em geral.
qualidade superior no início deste novo século.”
(MAPHUZ, 2004) Sabe-se que a beleza está relacionada a um juízo
feito pelas pessoas que leva em consideração
Diante da relevância da relação entre a concep- conhecimentos anteriores adquiridos por ela, por
ção arquitetônica e a concepção estrutural de isso, o primeiro aspecto a ser considerado seria a
uma edificação, cabe levantar um questionamen- universalidade das formas utilizadas por ele. Ele
to: Quando podemos considerar que houve inte- utiliza formas simples e de fácil compreensão das
gração entre a arquitetura e a estrutura de uma pessoas em geral.
edificação?
Ao apontar razões pelas quais a obra de Niemey-
Partindo da citação de REBELLO, 2006 “quem er merece ser observada MAPHUZ, 2007 aponta
cria forma cria estrutura”, podemos inferir que algumas características que podemos considerar
arquitetura e estrutura já são integradas por na- que influenciam a obra de Niemeyer a ser con-
tureza. Pois arquitetura é expressada através de siderada bela, são elas: a utilização de formas el-
formas, e integração nada mais é que pertencer, ementares; numero de elementos limitados; obra
constituir. Logo, quem cria arquitetura cria estru- sintética, fácil de entender e fácil de memorizar,
tura e se uma não existe sem a outra elas podem por isso, com alto poder simbólico; e seu traço
ser consideradas elementos naturalmente inte- característico é a recorrência. “O verdadeiro ato
grados. criativo não está no elemento, mas na forma de
associá-los.” (MAPHUZ, 2004)
Sendo assim, a pergunta mais adequada seria:
quando podemos considerar que houve uma boa Já o outro aspecto seria pelo ineditismo das for-
integração entre arquitetura e estrutura? E não se mas utilizadas por ele em seus edifícios. Mas in-
esta integração existe ou não. editismo não no sentido de inventar formas que
não existiam antes, mas de usá-las de maneira
Apesar de estarem integradas naturalmente, esta que não tinham sido usadas até então.
relação de integração pode não ser satisfatória,
pois sabemos que existe um conflito nessa as- Neste contexto, é interessante ponderarmos tam-
sociação. Este duelo ocorre porque não estamos bém sobre: porque se valoriza tanto a estética de
falando de formas de objetos generalizados, es- um edifício/estrutura? Porque não é suficiente que
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PULS, 2000 esclarece também que a “beleza e Neste ponto é interessante abordar que as edi-
funcionalidade não são iguais, e é por esse mo- ficações propostas por Niemeyer também foram
tivo que admiramos construções que há muito consideradas desafios a tecnologia do concreto
perderam qualquer utilidade material como, por armado de sua época, principalmente pelas for-
exemplo, o Partenon, o Coliseu e o Panteão. mas inusitadas proposta por ele. Podemos citar o
Essa é uma evidência de que a beleza é comple- exemplo das colunas do Palácio do da Alvorada,
tamente distinta da funcionalidade, e que o inútil
que segundo GALVANE JR., 2004 “tal era a sin-
é, com freqüência, mais belo que o útil.” O que
PULS procura demonstrar é que a imagem de gularidade das colunas idealizadas por Niemeyer
uma edificação pode até chegar a ser mais impor- que os construtores executaram antes de começar
tante que o seu uso. as fôrmas, um molde em tamanho real da coluna.”
GALVANE JR. Cita também outro exemplo: o da
Sendo assim, podemos constatar que não se pode estrutura da Universidade de Constantine, na Ar-
deixar apenas como pano de fundo as questões gélia. A qual chegou a ser considerada inexeqüív-
estéticas e da forma de uma edificação. Pois essa
el por engenheiros franceses, mas prontamente
é uma variável importante para a determinação
do valor da edificação em vários sentidos, tanto projetada pelos profissionais brasileiros.
materiais quanto imateriais e conseqüentemente
também será determinante para as decisões de Sabe-se que, muitas vezes, a teoria de cálculo
projeto em todas as instâncias, inclusive na di- estrutural desenvolvida até então não era sufici-
mensão estrutural da edificação. ente para garantir a segurança e para viabilizar
as estruturas para as obras projetadas por Nie-
1.3. O Concreto Armado meyer. Sendo assim, em que aspectos os edifí-
cios de Oscar Niemeyer representaram avanços
O concreto armado foi a tecnologia que propor-
e inovações dos sistemas estruturais em concreto
cionou a Niemeyer a possibilidade de ousar com
armado?
as formas das edificações. Este se tornou um ma-
terial muito importante para civilização principal-
Podemos analisar as inovações trazidas pela
mente devido a abundancia de matéria-prima.
obra de Niemeyer por dois aspectos: do produto
e do processo.
Boa parte da história do concreto armado é conta-
da baseada no registro de patentes relacionadas
Do ponto de vista do produto é notória a contri-
a esta tecnologia.
buição de Niemeyer para a inovação. Mesmo um
leigo é capaz de perceber as novidades propostas
A construção de alguns edifícios marca pontos
pelo arquiteto na geometria de suas edificações,
importantes da história da tecnologia do concreto
pois Niemeyer rompeu de uma forma brusca com
armado. Desses, este trabalho destaca três: O
o que era construído até então. A principal inova-
Farol de Eddystone, Igreja de Santa Genoveva,
ção em relação à geometria foi o uso das curvas.
hoje Pantheon, em Paris, e a ponte sobre o rio
Dordogne.
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Do ponto de vista do processo não são tão evi- Figura 1: Igrejinha da Pampulha
dentes as inovações propostas pela sua obra, já
que um dos pontos que ela mais se destaca é pela
singularidade acima da média. Tamanha peculiari-
dade dificulta que estabeleçamos parâmetros de
comparação com outras obras, e conseqüente-
mente ofusca a repercussão que sua obra possa
ter obtido em relação aos procedimentos de ex-
ecução. Outra questão que tornam as inovações
em relação ao processo pouco evidentes é a falta
de documentação técnica em relação as suas
obras. “Apesar da obra de Niemeyer ter sido di-
vulgada e discutida ao longo de quase 70 anos
Fonte: Autora
é escassa a documentação primária publicada a
cerca de seu trabalho.” (MACEDO, 2002)
Na pesquisa documental, foi possível encontrar
uma vasta documentação sobre as reformas e
2. Igrejinha Da Pampulha restaurações pelas quais a igrejinha passou e al-
guns croquis e cópias parciais da documentação
Na década de 40, durante a gestão do então pre-
do projeto original.
feito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitscheck, foi
Porém, até a restauração de 2003, na qual
construído um conjunto de edifícios projetados
foram feitos estudos significativamente aprofun-
por Niemeyer para o entorno da lagoa da Pam-
pulha em BH. Esse conjunto de edifícios marca dados sobre a situação da edificação “nenhuma
uma nova fase da carreira deste arquiteto, na qual das intervenções procurou-se estudar mais pro-
ele definitivamente assume um estilo que iria con- fundamente a causa principal dos danos e todas
sagrá-lo. Neste projeto ele propôs edifícios com as reformas foram feitas em caráter empírico e
formas curvas, explorando ao máximo a plastici- experimental. (PUCCIONI, 1998)
dade do concreto. Deste conjunto, foi escolhida a
Igreja São Francisco de Assis, popularmente con- Entre as poucas informações do projeto original
hecida como “Igrejinha da Pampulha”, para um está a Figura 2. Ela foi encontrada no relatório
estudo de caso sobre sua estrutura. A Igrejinha foi de gestão dos anos 1941 e 1942, do então pre-
escolhida, pois, do conjunto, é a que possui for- feito de Belo horizonte Juscelino Kubtischek.
mas mais ousadas.
A indicação na imagem a descreve como “PAM-
Figura 2: Croquis da Igreja da Pampulha encontrados no relatório de gestão 1941-1942 do prefeito de Belo Horizonte,
Juscelino Kubtischeck.
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PULHA - croquis da igreja em construção”. Per- Sobre a relação da igrejinha com o entorno é
cebe-se que os dois desenhos de plantas não interessante observar que apesar de ser uma
são exatamente iguais o que nos leva a inferir edificação fora dos padrões, a igreja se integra
que se tratam de desenhos de um estudo pre- muito bem à paisagem, não chamando mais
liminar. atenção que seu entorno. Essa boa relação se
deve principalmente a sua geometria e suas di-
Não são feitas referências diretas a essas ima- mensões.
gens no texto do relatório. Portanto, não foi pos-
sível identificar porque elas não correspondem Atualmente a edificação é aberta somente para
completamente ao que foi construído. É possív- visitação de turistas, mas seu entrono é muito
el observar que nesses desenhos a marquise freqüentado pela população local como área de
da fachada principal está espelhada e não tem lazer.
a mesma forma da marquise construída na igre-
ja. Também é possível perceber que a forma da Destaca-se também o bom estado de manuten-
casca que cobre a nave não é parabólica como ção, conservação e limpeza da edificação. Ape-
a que foi construída e que a fachada não tem sar de algumas pequenas infiltrações é possível
a abertura em vidro. Constata-se também que dizer que a edificação atualmente encontra-se
as dimensões da relação entre os volumes da bem preservada.
igreja não são as mesmas da edificação que foi
construída e que há uma rampa para acesso a 3. Modelagem
entrada principal que também não corresponde
ao edificado. A partir das informações obtidas em relação à
Igrejinha da Pampulha iniciou-se a modelagem
Figura 3: Mapa das Medições com o pacômetro
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Figura 5: Mapa das Medições com o pacômetro em Fonte: Autora; desenvolvido no SAP2000
todo piso da edificação e no mezanino A definição dos elementos estruturais no SAP2000 foi feita de
acordo com a Tabela 1.
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na direção da gravidade. Já para o vento, foi con- Figura 8: Deformação para a combinação de serviço,
siderada uma carga de 90 kg/m² na direção hori- com pilares e vigas
zontal em uma das faces laterais da edificação.
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Os gráficos mostram que as cascas são estrutu- AGUIAR, J. E. D. et al. Monitoramento e aval-
ras com muita rigidez, produzindo deslocamentos iação estrutural da igreja da Pampulha: como
bem pequenos se comparados com a laje da mar- resolver um problema de 50 anos. Ibracon,2003
quise de acesso.
GALVANE JR., J. A engenharia de estruturas na
O diagrama de forças normais, na Figura 11, arquitetura de Oscar Niemeyer. São Paulo: Poli-
demonstrou que tanto a casca maior quando o USP, 2004.
mezanino estão predominantemente submetidos
a compressão, sendo que, aparecem esforços de INOJOSA, L. O sistema estrutural na obra de
tração no encontro da marquise com as cascas, Niemeyer. Dissertação de mestrado. Brasília:
na marquise e na base da torre. UnB, 2010.
Figura 12: Forças Normais para combinação de carga MACEDO, D. M. A matéria da invenção: a criação
e construçãodas obras de Niemeyer em Minas
Gerais 1938-1945. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
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