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Influência das Tecnologias Construtivas nas decisões de Projeto: uma análise


da arquitetura neoclássica no Rio de Janeiro

Conference Paper · September 2009


DOI: 10.4237/sbqp.09.039

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3 authors, including:

Monica Santos Salgado


Federal University of Rio de Janeiro
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SBQP 2009
Simpósio Brasileiro de Qualidade do Projeto no Ambiente Construído
IX Workshop Brasileiro de Gestão do Processo de Projeto na Construção de Edifícios
18 a 20 de Novembro de 2009 – São Carlos, SP – Brasil
Universidade de São Paulo

Influência das Tecnologias Construtivas nas


decisões de Projeto: uma análise da arquitetura
neoclássica no Rio de Janeiro
The Constructive technology impact in design decision: Case study in a carioca neoclassical
architecture

Marisa HOIRISCH
Arquiteta da UFRJ e Doutoranda do PROARQ – FAU - UFRJ
| e-mail: marisahoirisch@globo.com | CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0884665367639207 |

Mônica Santos SALGADO


Arquiteta, D.Sc, Professor Associado, PROARQ/FAU/UFRJ
| e-mail: monicassalgado@ufrj.br | CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/4598786832250568 |

Rosina Trevisan M. RIBEIRO


Arquiteta, D. Sc., Profª. do PROARQ/FAU/UFRJ.
| e-mail: rosinatrevisan@gmail.com | CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/5126799799489203 |

RESUMO

Proposta: Este artigo parte das origens do neoclassicismo na arquitetura européia para buscar
compreender em que cenário sócio-político se deu sua introdução no Rio de Janeiro, capital do
império português. Na seqüência, descreve o projeto arquitetônico do palácio erguido no século XIX
para ser o Hospício de Pedro II, o primeiro hospital psiquiátrico brasileiro. Considerado um dos
exemplares mais eloqüentes do neoclássico carioca, este monumento arquitetônico é hoje o Palácio
Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro e localiza-se no Campus da Praia Vermelha.
Este artigo investiga como as tecnologias construtivas influenciaram nas decisões do projeto
arquitetônico de um dos mais significativos exemplares da arquitetura da cidade do Rio de Janeiro.
Método de pesquisa/Abordagens: A análise do projeto da edificação escolhida como estudo de
caso bem como a contextualização do momento histórico-político no qual ela foi erguida permitiram
identificar aspectos relacionados às decisões projetuais adotadas à época da concepção do
monumento. Resultados: Os resultados dessa análise comprovam a influência das tecnologias
construtivas disponíveis à época nas decisões de projeto adotadas nas soluções arquitetônicas do
Hospício de Pedro II. Contribuições/Originalidade: O pioneirismo dessa pesquisa reside na análise
das influências dos materiais e técnicas de construção nas decisões de projeto, numa visão histórica,
permitindo a compreensão da genealogia do processo de projeto de um prédio neoclássico.

Palavras-chave: tecnologias construtivas; decisões de projeto; arquitetura neoclássica.

10.4237/sbqp.09.039
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ABSTRACT

Proposal: This paper stems from the neoclassicism roots of European architecture, aiming to explain
its insertion in Rio de Janeiro, the Portuguese empire capital in the socio-political scenery. The palace,
erected in 19th century in order to be Pedro II Asylum, the first psychiatric hospital in Brazil has its
project described next. Regarded as one of the most representatives ‘carioca’ neoclassical example,
this historical building is nowadays the University Palace of Federal University of Rio de Janeiro and is
located in Praia Vermelha Campus. This paper describes the constructive technologies impact in
architecture project decisions of one of the most significant samples of Rio de Janeiro architecture.
Methods: In this survey, the building itself was a primary document among other data, which included
its metrical assessment carried out by the author, the master degree dissertation, in addition to
architectural history, technologies, materials and constructive techniques employed in the 19th
century. Findings: This analysis results prove the influence of available constructive technologies in
those days when it comes to decisions related to Pedro II Asylum architectonic solutions projects.
Originality/value: The originality of this survey consist in analyzing the impact of constructive
techniques and materials in the project decisions, under a historical standpoint, first step in the
understanding of genealogy of a project process of a neoclassical building.

Key-words: constructive technologies; project decisions; neoclassical architecture.

INTRODUÇÃO

A discussão acerca do processo do projetar arquitetônico tem despertado interesse em


diferentes áreas do conhecimento. Entende-se que o projeto do século XXI constitui um
processo multidisciplinar enquanto o arquiteto atua interdisciplinarmente buscando
coordenar as decisões em busca da melhor solução para o produto edificação.

O que se passava na Europa em relação ao domínio artístico, em meados do século XVIII,


mais do que uma transformação estilística, era uma “revisão total da situação do homem
com respeito a seu próprio passado histórico” (SUMMERSON, 1993, p. 75) i. O
neoclassicismo vinculava-se às idéias do Iluminismo, respondendo a um apelo moral pela
sobriedade decorativa. A arquitetura neoclássica conjugava o ideal da nobre simplicidade
com o uso racional das formas clássicas; seus autores adotavam o templo clássico como
modelo supremo. A ordem entre as partes vinculava-se à autoridade e à razão, garantindo o
equilíbrio racional do conjunto da obra.

Na busca da compreensão das raízes desse movimento, torna-se interessante compreender


como ocorria o processo projetual no passado, quando não existiam tantas especialidades
de projeto a serem compatibilizadas. Cabe lembrar que até a criação da Academia Imperial
de Belas Artes em 1826, instituição pioneira em nosso ensino oficial de arquitetura, as
funções de arquiteto e engenheiro civil eram desempenhadas pelo mesmo profissional, que
buscava as melhores alternativas construtivas para atender aos anseios da sociedade da
época.

Esse trabalho apresenta o resultado da pesquisa sobre o processo de projeto neoclássico,


identificando suas principais influências e os mecanismos adotados pelos profissionais
daquela época para administrar uma das principais dificuldades: as limitações impostas
pelas tecnologias construtivas disponíveis.

1 SURGIMENTO DO NEOCLASSICISMO

Conforme Santos (1961), alguns dos mais expressivos monumentos arquitetônicos


europeus beberam de fontes da antiguidade clássica greco-romana. O retorno às formas
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romanas constituía inicialmente clara tendência, e suas origens remontavam à descoberta,
no mesmo período, das ruínas de Herculano e Pompéia. Destruídas pela erupção do
Vesúvio (79 dC), as escavações revelaram aspectos práticos e decorativos do cotidiano
destas cidades. Paralelamente, alguns autores contribuíam para o estímulo do interesse
pela Grécia, ao desvelar todo o esplendor da antiguidade grega, publicando desenhos de
ruínas de seus monumentos. A arquitetura dos gregos era enaltecida por Le Roy ii e
Winckelmann iii, para quem o padrão mais alto de beleza havia sido por eles alcançado.

O modelo clássico transformou-se em referência de uma metodologia projetual, germinando


no neoclassicismo o conceito racional do uso da arquitetura como um instrumento, segundo
o qual a sociedade expressava seu ideal de progresso, não sendo mais a cidade patrimônio
do clero e das famílias abastadas. A École Polytechnique de Durand iv estabeleceu um a
“metodologia universal de edificação, mediante a qual estruturas econômicas e apropriadas
poderiam ser criadas pela permutação modular de tipos fixos de plantas e elevações
alternativas” (FRAMPTON, p.2003).

No Brasil, embora algumas manifestações classicistas tenham surgido no século XVIII, foi
no século seguinte, como se verá a seguir, que o neoclassicismo se firmou como tendência
dominante da arquitetura oficial no Rio de Janeiro. O século XIX foi decisivo para a
formação cultural brasileira. Conforme Rocha-Peixoto (2000), com a transferência da família
real portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808, a simples sede colonial na longínqua
América passou a ser a única cidade colonial da história a se tornar capital de seu império.
O que se deu na seqüência foi mais do que um súbito incremento demográfico; os hábitos
sócio-culturais dos cortesãos europeus, mais civilizados que os da população local,
alavancam ações oficiais de modernizações urbanas e arquitetônicas.

O plano de se prover o Rio de Janeiro de uma escola de aprendizagem artística e técnicas


correlatas, subordinadas a um esquema teórico e prático, foi posto em prática em 1816, com
a chegada da Missão Francesa. A equipe de artistas dissidentes do regime pós-
revolucionário liderada por Lebreton foi contratada pelo governo português para aparelhar a
nova sede metropolitana e conferir rigor ao ensino das artes e ofícios na capital do império.
O grupo foi incumbido de criar uma Academia Imperial de Belas Artes, e contou com
Grandjean de Montigny no ensino superior de arquitetura.

A independência política de Portugal em 1822 inseriu o Brasil entre as nações livres do


mundo. O passo seguinte foi romper com a tradição arquitetônica lusitana, adotando um
padrão internacional estabelecido pela Escola de Belas Artes francesa. A idéia de se criar
projetos arquitetônicos classicizantes e mais modernos objetivou atender internamente ao
conforto do monarca e alguns membros da corte, e externamente à sua representação. “A
arquitetura devia adequar-se aos modos cortesãos, e favorecer os comportamentos sociais
renovados dando aos moradores conforto e decoro compatíveis com suas posições na
Corte” (ROCHA-PEIXOTO, 2000). Neste contexto, o neoclássico foi concebido para
“mostrar-se como um emblema da civilização que o Império tentou construir” (MARQUES
DOS SANTOS, 2004). Predominando na “arquitetura do Rio de Janeiro da segunda década
até o terceiro quartel do século XIX”, o neoclassicismo difunde aqui uma tendência comum a
todo o Ocidente: o retorno às formas da antiguidade greco-romana (SANTOS, 1981). Foram
aqui erguidos palácios e suntuosas obras junto à costa, para exibir aos estrangeiros recém-
chegados o programa civilizador do império.

2 HOSPÍCIO DE PEDRO II

De acordo com Leme Lopes (1965), até a primeira metade no século XIX os loucos eram
depositados em cadeias com vagabundos e criminosos; tal promiscuidade não foi exclusiva
do Brasil, mas universal. Os hospitais psiquiátricos franceses Bicêtre de P. Pinel e
Salpêtrière, de J.E. Esquirol despontaram entre os modelos bem-sucedidos de tratamento a
alienados.

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No Rio de Janeiro desse período, os doentes mentais eram vistos como atentado à moral
pública e à segurança. Pretendia-se “apenas livrar suas famílias de companhia tão
incômoda” (SALLES, 1971). Quando muito, eram mantidos em enfermarias do Hospital da
Misericórdia ou, se agitados, trancafiados no porão, junto ao cano de esgoto, e vizinhos à
“seção de dissecação e à porta interna do cemitério” (SIGAUD, 1835, apud ENGEL, 2001).
A falta de um atendimento humanitário aos doentes mentais, semelhante ao que recebiam
os demais pacientes nas enfermarias, estimulou uma postura de caridade que ganhou na
capital do império a força de protesto público, estimulando a criação de um hospital
dedicado a ministrar um tratamento mais digno aos alienados.

O primeiro passo neste sentido foi a transferência de algumas alienadas, pela Santa Casa,
para um pavilhão da Chácara do Vigário Geral, no Caminho das Fortalezas da Praia
Vermelha. Seu provedor, Clemente Pereira, adquiriu a Chácara da Capela e demais terras
do vigário. Segundo Leme Lopes (1965), a área para a fundação do primeiro hospital
psiquiátrico do Brasil resultou da integração de dez frações de terrenos, adquiridos por
iniciativa imperial, para que a incorporação desta área privilegiada da cidade pudesse
constituir patrimônio nacional. Para Jorge (1997), a opção por sua construção na Praia
Vermelha, antiga praia da Saudade, visou a isolar o louco do meio urbano e social. A região
tinha, então, densidade demográfica baixa; seu aumento, só se deu em fins do século XIX,
com a introdução de bondes e o incremento de indústrias.

Dentre os alunos de Montigny, dois reuniam a formação artística de arquitetura civil da


Academia Imperial de Belas Artes com a base técnica de engenheiros militares na Escola
Central: José Maria Jacintho Rebello e Joaquim Cândido Guillobel. Estes dois
engenheiros/arquitetos, e mais o tenente de engenheiros Domingos Monteiro, foram os
autores do monumento construído para ser o Hospício de Pedro II (Figura 1). Criado para
marcar a maioridade de Pedro II, foi o primeiro hospital psiquiátrico a cuidar exclusivamente
de alienados.

Figura 1. Hospício de Pedro II, Victor Frond, 1859. (FCC, UFRJ).

A arquitetura deste palácio neoclássico, construído de 1842 a 1852, se destaca entre os


demais monumentos históricos cariocas. Exibe grandes fachadas caiadas brancas, sendo a
principal centralizada em uma espécie de templo, por onde se dá o acesso principal. O alto
embasamento da edificação é evidenciado por escadas de acesso ao térreo, aberturas e
óculos circulares dos porões. Estes últimos, criados para ventilá-los, são emoldurados por
cantaria em gnaisse bege e localizam-se sob o eixo das esquadrias. As faixas em cantaria
de marcação dos pavimentos decoram o monumento em todo o perímetro. A dominância da
horizontal é acentuada pelas faixas, pela própria volumetria do palácio e gradis em ferro
fundido alinhados nas sacadas.

Assim como na metade das fachadas neoclássicas não-religiosas do Rio de Janeiro, a do


Hospício de Pedro II se compõe de um corpo central destacado e duas alas laterais.

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A principal característica da arquitetura clássica é a composição a partir dos
elementos sustentados e sustentantes, nos quais a ornamentação se
subordina aos esquemas de representação estrutural. Assim, é natural que
estes elementos sejam expressos através da diferenciação de cor e textura
dos materiais [...] (ALVIM, 1999, p. 105).

Contrastando com o paramento branco, a edificação ostenta cantarias nas fachadas,


estabelecendo o ritmo. O corpo central é saliente, induzido por um pórtico de gnaisse bege
com dois pavimentos de colunas, coroado por um frontão reto. A cornija jônica exibe
dentículos e são da mesma pedra: cunhais, embasamentos, pilares, ombreiras, peitoris,
vergas, sobrevergas, faixas de divisão entre os pavimentos, óculos, patamares e
escadarias.

Na Figura 2, o uso atual do prédio como Palácio Universitário da UFRJ. Há no pórtico quatro
colunas com capitéis dóricos sustentando a balaustrada, elegantemente elaborada em
mármore branco, e entre as colunas três vãos em arco pleno de gnaisse, com tratamento
estereotômico. O segundo pavimento é uma loggia com quatro colunas de capitéis jônicos e
janelas entre elas. São vãos em arco pleno em cantaria semelhante ao do térreo. Os fustes
das colunas do duplo porticado são maciços, lisos e elegantemente executados numa peça
única de gnaisse. O tímpano é helênico. Há duas estátuas em mármore de autoria de
Pietrich, especialmente encomendadas para ornar a entrada principal.

Figura 2. Palácio Universitário, 2000 (www.ufrj.br).

Figura 3. Vista aérea de Charenton (esquerda) e do Palácio Universitário da UFRJ (direita).

Segundo Rocha-Peixoto (2004), as soluções em planta do Hospício de Pedro II devem ter


partido da prancha 19 do manual de Durand (Figura 4). Seus autores podem ser
considerados seguidores do professor da Politécnica, já que o projeto se resolve
primordialmente em planta baixa, sendo as fachadas meras conseqüências da distribuição

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em planta, conforme recomendação do mestre. De fato, o projeto do monumento do Rio de
Janeiro parece ter buscado inspiração no modelo destacado em azul, como se pode conferir
na comparação com o exemplar carioca, na vista aérea da Figura 3.

Figura 4. Précis des leçons d’architecture, prancha 19 (DURAND, 1819).

Uma análise criteriosa das tecnologias construtivas empregadas nestas novas áreas
construídas possibilita a percepção de suas adições. Externamente, a harmonia e linguagem
formal persistem, mas nota-se a presença de vigas e lajes de concreto nas regiões onde se
deu a expansão. Erguido inicialmente junto à baía, seu acesso foi bloqueado pelo Iate Clube
em 1927.

3 TECNOLOGIAS CONSTRUTIVAS E O PROCESSO DE PROJETO

De acordo com Marques dos Santos (2004), a Missão Francesa foi incumbida de atualizar o
gosto e a técnica do novo Império. A ação cultural destes arquitetos e seus discípulos

[...] contribuiu não apenas para a modificação formal dos ambientes, mas
também para o aperfeiçoamento e certo apuro nas formas de construir.
Ainda que na maioria dos casos as estruturas fossem de extrema
simplicidade, a execução revelava um domínio dos materiais e das técnicas
que apenas excepcionalmente poderiam ser encontrados no período
colonial (REIS FILHO, 2004, p. 119).

Os seguidores de Montigny não se restringiram a copiar as teorias arquitetônicas européias:


seus projetos foram concebidos com a preocupação de aclimatar os prédios às condições
do Rio de Janeiro. Alguns aspectos do projeto arquitetônico evidenciavam o cuidado com a
criação de ambientes promotores de saúde no prédio. A distribuição de suas salas em alas,
em torno de pátios internos, com amplos corredores, possibilitava a entrada de iluminação
natural. A aeração abundante era assegurada pela ventilação cruzada natural e pelos pés
direitos elevados. Os azulejos fixados à meia-altura nas paredes de suas galerias (Figura
5a) protegem as salas contra a umidade e calor.

No segundo pavimento, há pavimentações em tábuas largas nas salas e circulações (Figura


5b), com aperfeiçoados encaixes macho-e-fêmea e apoiados por robusto vigamento em
madeiras. A fixação do madeiramento original é feita com pregos de forja. Foi somente em
1839 que um engenheiro britânico, Sir Joseph Withworth estabelece uma padronização para
a rosca de parafuso. Na fase de projeto, e possivelmente também na época da construção,
esta tecnologia ainda não estava disponível no Brasil.

As pinturas murais da Capela São Pedro de Alcântara imitavam marmorizado, em


esmerados trabalhos artísticos. No salão Dourado reproduziam papéis de parede.

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(a) (b)
Figura 5. Palácio Universitário, (a) térreo e (b) segundo pavimento.
(Fotos: BIRA SOARES, 2002).

Segundo Valladares (1978), a disponibilidade limitada de produção de materiais construtivos


nacionais comparáveis aos padrões europeus influenciou uma solução imprópria no projeto
do Hospício. É o caso da telha canal, usada em nossos telhados coloniais com beirais e,
segundo o autor, inadequada às grandes coberturas da arquitetura neoclássica ocultas por
platibanda. O historiador devia estar se referindo à altura da cumeeira de telha canal, mais
elevada que as que empregam telhas francesas. A Figura 6 traz um registro do Hospício de
Pedro II, onde o predomínio das linhas verticais evidencia v o emprego de telhas canal,
enquanto ainda não tinham sido substituídas pelas importadas de Marselha. Neste caso, o
ponto mais alto do telhado pode ter determinado uma platibanda mais elevada, para
encobrir a cobertura.

Figura 6. Telhas canal no Hospício de Pedro II. Foto de Leuzinger, 1865. (ERMAKOFF, 2006).

Ribeiro (2003) esclarece que só a partir da segunda metade do século XIX foram produzidos
tijolos em escala industrial no Brasil. Portanto, devem ter sido importados da Europa todos
os elementos cerâmicos usados na construção primitiva deste monumento. Na observação
das portentosas paredes de alvenaria de cal e pedra com argamassa, tanto quanto da boa
execução dos arcos de descarga onde se inserem as esquadrias (Figura 7), fica a certeza
de que a tecnologia construtiva contribui positivamente na decisão projetual. A espessura
das alvenarias estruturais de 1,00m e 0,70m, respectivamente, externas e internas,
possibilita a execução de espaços com pés direitos elevados e atenua nas salas o calor do
exterior. Ademais, nos arcos plenos, os tijolos garantem o ótimo acabamento dos vãos.

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Figura 7. Parede em alvenaria de pedra, com arco em tijolos. (Foto da autora, 2006).

As portas do projeto original situam-se no eixo central e distinguem-se das demais pela sua
solidez, qualidade de ferragens, e pelo cuidado executivo de seus encaixes, almofadas e
frisos ornamentais. Sua execução é de elevado esmero: abrem-se à francesa, embutindo-se
junto à parede contígua.

Extraído das pedreiras locais e pontais dos maciços, o gnaisse bege tão difundido no
Hospício de Pedro II é muito comum nas fachadas das edificações neoclássicas. A
tecnologia construtiva contribui no elevado acabamento das cantarias aparelhadas dos
cunhais, frisos ornamentais e revestimentos de fachada e revestimentos de fachadas
externas com bossagens, valorizando o pórtico da edificação.

Conforme Martucci (apud FABRÍCIO, 2002) é nos projetos que a tecnologia construtiva se
define e se desenvolve, sendo incorporada nas construções pelos projetos e materializada
nos processos de trabalho pelas técnicas construtivas. Nesta edificação, a elevação das
edificações sobre porões aponta para um aperfeiçoamento construtivo. Aqui a tecnologia
influencia positivamente o projeto: além de promover o benefício da aeração do monumento,
representa uma transformação no uso do térreo, antes destinado apenas à criadagem, lojas
e armazéns.

A modenatura plasmada em argamassa nas fachadas deste prédio é rara nos exemplares
neoclássicos cariocas, sendo mais comumente encontrada nas nossas construções
ecléticas, segundo Rocha-Peixoto (2000). Abundante nos ornatos das marcações de ritmo
de fenestrações e cunhais, esta contribuição acarretou inovações no projeto. Seu emprego
reproduz elementos clássicos, comumente executados em pedra mármore ou outra; pode
ter antecipado um modismo nas construções republicanas.

A escadaria externa principal, situada no pórtico de entrada leva a um vestíbulo de


dimensões palacianas. A escada interna principal em madeira escura se desenvolve a partir
dele, garantindo o acesso à capela com extrema elegância, num complexo trabalho de
marcenaria.

CONCLUSÕES

No Hospício de Pedro II, o aperfeiçoamento do projeto recebeu a contribuição das


tecnologias construtivas. Esta questão fica evidenciada pelo esmero da construção e
também pelo aprimoramento dos recursos formais. Alguns aspectos contribuem para isto:
• Chegada da Missão Francesa e a formação de seus discípulos fazem surgir novos
tipos arquitetônicos.

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• Desenvolvimento de engenheiros e arquitetos, alterando profundamente o aspecto
dos grandes centros próximos ao litoral.
• Disponibilidade de mão-de-obra escrava.
• Abertura dos portos, possibilitando a importação de equipamentos e materiais de
construção.

No monumento em questão, o projeto foi influenciado pela disponibilidade de cal, de


gnaisse, granito e outras pedras extraídas de maciços cariocas, além de vários materiais
que puderam ser importados da Europa, entre os quais se destacam:
• Madeiras serradas, empregadas na execução de esquadrias, tábuas corridas de piso
e seus encaixes, barroteamento do piso e forro.
• Condutores de águas pluviais e calhas de cobre, fundamentais na adoção do telhado
neoclássico, oculto por platibanda.
• Vidros para as bandeiras das portas, substituindo as velhas gelosias.
• Mármore, para a decoração da pavimentação do vestíbulo e das galerias.
• Ferragens para as portas, janelas e corrimãos.
• Tijolos para a perfeita execução dos arcos de descarga.

Na indústria da construção, o processo sócio-técnico de projeto é composto por uma série


de agentes e pela conjugação de diversas técnicas e conhecimentos, que dão suporte à
concepção e desenvolvimento de soluções de projeto e devem subsidiar o processo de
produção e uso de edifícios. A arquitetura no Hospício de Pedro II é relevante pela
linguagem neoclássica, clareza construtiva e simplicidade de formas. Entretanto, muitas das
técnicas coloniais são mantidas. Conforme Reis Filho (2004), o avanço tecnológico no
Segundo Império só cresceu à medida que se aproximou a abolição da escravatura. Mesmo
tendo sido projetado e erigido muitos anos antes, no Hospício de Pedro II, a eloqüência do
neoclássico atinge seu ponto culminante.

Fica patente a introdução de novos processos de formação profissional de arquitetos e


engenheiros. Entretanto, não há uma só feição dominante: coexistem técnicas, evidenciando
a permanência da tradição colonial, entrelaçada ao desejo de modernização e à
necessidade de construção imaginária da nova nação.

REFERÊNCIAS

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Fiocruz, 2001.

FABRÍCIO, M. O Projeto como processo intelectual e como processo social.


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Gestão e Integração de Projetos, 2002. Disponível em:
http://www.eesc.usp.br/sap/grad/disciplinas/SAP505/TEXTO-Aula3e4.pdf. Acesso em: 26
out 2008.

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Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - PROARQ/FAU/UFRJ, Rio de Janeiro, 2007.

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Academia Imperial de Belas Artes. 2004. Tese (Doutorado em História Social) - IFCS,
Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, Rio de Janeiro, 2004.

SALLES, P. História da Medicina no Brasil. Belo Horizonte: Editora G. Holman Ltda.,


1971.

SANTOS, P. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.

SUMMERSON, J. A linguagem clássica da arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

SUMMERSON, J. L’Architecture du XVIII siècle. Paris: Thames & Hudson, 1993.

VALLADARES, C. P. Rio Neoclássico. Análise Iconográfica do Barroco e Neoclássico


Remanentes no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1978.

Notas:

i
Livre tradução, a partir do original: “Ce qui se passe dans le domaine de l’art vers 1750 est, plus qu’une
modification de style, une révision totale de la situation de l’homme à l’égard de son passé historique”.
ii
Julien-David Le Roy publicou em Ruines des plus beaux monuments de La Grèce [Ruínas dos mais belos
monumentos da Grécia] desenhos em escala em 1758.
iii
Winckelmann era arqueólogo, museógrafo, historiador da arte e colecionador e segundo Rocha-Peixoto (In
Czajkowski, 2000, op. cit. p. 27), a partir dele e mesmo depois do declínio do Neoclassicismo, a arte grega é
tomada como julgamento de valor artístico.
iv
Criada na França em 1794, a École Central de Travaux Publics teve seu nome alterado e um ano depois para
École Polytechnique (Escola Politécnica), tendo à frente do ensino da arquitetura Jean-Nicolas-Louis-Durand.
Anais do Simpósio Brasileiro de Qualidade do Projeto no Ambiente Construído
IX Workshop Brasileiro de Gestão do Processo de Projeto na Construção de Edifícios
| 18 a 20 de Novembro de 2009 | São Carlos, SP | PPG-AU EESC USP | 77
v
O uso de telhas canal é evidenciado pelo predomínio das linhas verticais paralelas entre si nos telhados, que
limitam a união de bicas e capas. Estas se contrapõem às coberturas com telhas francesas, identificadas pela
marcação horizontal de encaixe destas telhas.

Anais do Simpósio Brasileiro de Qualidade do Projeto no Ambiente Construído


IX Workshop Brasileiro de Gestão do Processo de Projeto na Construção de Edifícios
| 18 a 20 de Novembro de 2009 | São Carlos, SP | PPG-AU EESC USP | 78

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