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Pesquisa e Inovação em Gestão e Tecnologia de Projetos: ênfase na construção sustentável View project
All content following this page was uploaded by Monica Santos Salgado on 05 July 2017.
Marisa HOIRISCH
Arquiteta da UFRJ e Doutoranda do PROARQ – FAU - UFRJ
| e-mail: marisahoirisch@globo.com | CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0884665367639207 |
RESUMO
Proposta: Este artigo parte das origens do neoclassicismo na arquitetura européia para buscar
compreender em que cenário sócio-político se deu sua introdução no Rio de Janeiro, capital do
império português. Na seqüência, descreve o projeto arquitetônico do palácio erguido no século XIX
para ser o Hospício de Pedro II, o primeiro hospital psiquiátrico brasileiro. Considerado um dos
exemplares mais eloqüentes do neoclássico carioca, este monumento arquitetônico é hoje o Palácio
Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro e localiza-se no Campus da Praia Vermelha.
Este artigo investiga como as tecnologias construtivas influenciaram nas decisões do projeto
arquitetônico de um dos mais significativos exemplares da arquitetura da cidade do Rio de Janeiro.
Método de pesquisa/Abordagens: A análise do projeto da edificação escolhida como estudo de
caso bem como a contextualização do momento histórico-político no qual ela foi erguida permitiram
identificar aspectos relacionados às decisões projetuais adotadas à época da concepção do
monumento. Resultados: Os resultados dessa análise comprovam a influência das tecnologias
construtivas disponíveis à época nas decisões de projeto adotadas nas soluções arquitetônicas do
Hospício de Pedro II. Contribuições/Originalidade: O pioneirismo dessa pesquisa reside na análise
das influências dos materiais e técnicas de construção nas decisões de projeto, numa visão histórica,
permitindo a compreensão da genealogia do processo de projeto de um prédio neoclássico.
10.4237/sbqp.09.039
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ABSTRACT
Proposal: This paper stems from the neoclassicism roots of European architecture, aiming to explain
its insertion in Rio de Janeiro, the Portuguese empire capital in the socio-political scenery. The palace,
erected in 19th century in order to be Pedro II Asylum, the first psychiatric hospital in Brazil has its
project described next. Regarded as one of the most representatives ‘carioca’ neoclassical example,
this historical building is nowadays the University Palace of Federal University of Rio de Janeiro and is
located in Praia Vermelha Campus. This paper describes the constructive technologies impact in
architecture project decisions of one of the most significant samples of Rio de Janeiro architecture.
Methods: In this survey, the building itself was a primary document among other data, which included
its metrical assessment carried out by the author, the master degree dissertation, in addition to
architectural history, technologies, materials and constructive techniques employed in the 19th
century. Findings: This analysis results prove the influence of available constructive technologies in
those days when it comes to decisions related to Pedro II Asylum architectonic solutions projects.
Originality/value: The originality of this survey consist in analyzing the impact of constructive
techniques and materials in the project decisions, under a historical standpoint, first step in the
understanding of genealogy of a project process of a neoclassical building.
INTRODUÇÃO
1 SURGIMENTO DO NEOCLASSICISMO
No Brasil, embora algumas manifestações classicistas tenham surgido no século XVIII, foi
no século seguinte, como se verá a seguir, que o neoclassicismo se firmou como tendência
dominante da arquitetura oficial no Rio de Janeiro. O século XIX foi decisivo para a
formação cultural brasileira. Conforme Rocha-Peixoto (2000), com a transferência da família
real portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808, a simples sede colonial na longínqua
América passou a ser a única cidade colonial da história a se tornar capital de seu império.
O que se deu na seqüência foi mais do que um súbito incremento demográfico; os hábitos
sócio-culturais dos cortesãos europeus, mais civilizados que os da população local,
alavancam ações oficiais de modernizações urbanas e arquitetônicas.
2 HOSPÍCIO DE PEDRO II
De acordo com Leme Lopes (1965), até a primeira metade no século XIX os loucos eram
depositados em cadeias com vagabundos e criminosos; tal promiscuidade não foi exclusiva
do Brasil, mas universal. Os hospitais psiquiátricos franceses Bicêtre de P. Pinel e
Salpêtrière, de J.E. Esquirol despontaram entre os modelos bem-sucedidos de tratamento a
alienados.
O primeiro passo neste sentido foi a transferência de algumas alienadas, pela Santa Casa,
para um pavilhão da Chácara do Vigário Geral, no Caminho das Fortalezas da Praia
Vermelha. Seu provedor, Clemente Pereira, adquiriu a Chácara da Capela e demais terras
do vigário. Segundo Leme Lopes (1965), a área para a fundação do primeiro hospital
psiquiátrico do Brasil resultou da integração de dez frações de terrenos, adquiridos por
iniciativa imperial, para que a incorporação desta área privilegiada da cidade pudesse
constituir patrimônio nacional. Para Jorge (1997), a opção por sua construção na Praia
Vermelha, antiga praia da Saudade, visou a isolar o louco do meio urbano e social. A região
tinha, então, densidade demográfica baixa; seu aumento, só se deu em fins do século XIX,
com a introdução de bondes e o incremento de indústrias.
Na Figura 2, o uso atual do prédio como Palácio Universitário da UFRJ. Há no pórtico quatro
colunas com capitéis dóricos sustentando a balaustrada, elegantemente elaborada em
mármore branco, e entre as colunas três vãos em arco pleno de gnaisse, com tratamento
estereotômico. O segundo pavimento é uma loggia com quatro colunas de capitéis jônicos e
janelas entre elas. São vãos em arco pleno em cantaria semelhante ao do térreo. Os fustes
das colunas do duplo porticado são maciços, lisos e elegantemente executados numa peça
única de gnaisse. O tímpano é helênico. Há duas estátuas em mármore de autoria de
Pietrich, especialmente encomendadas para ornar a entrada principal.
Uma análise criteriosa das tecnologias construtivas empregadas nestas novas áreas
construídas possibilita a percepção de suas adições. Externamente, a harmonia e linguagem
formal persistem, mas nota-se a presença de vigas e lajes de concreto nas regiões onde se
deu a expansão. Erguido inicialmente junto à baía, seu acesso foi bloqueado pelo Iate Clube
em 1927.
De acordo com Marques dos Santos (2004), a Missão Francesa foi incumbida de atualizar o
gosto e a técnica do novo Império. A ação cultural destes arquitetos e seus discípulos
[...] contribuiu não apenas para a modificação formal dos ambientes, mas
também para o aperfeiçoamento e certo apuro nas formas de construir.
Ainda que na maioria dos casos as estruturas fossem de extrema
simplicidade, a execução revelava um domínio dos materiais e das técnicas
que apenas excepcionalmente poderiam ser encontrados no período
colonial (REIS FILHO, 2004, p. 119).
Figura 6. Telhas canal no Hospício de Pedro II. Foto de Leuzinger, 1865. (ERMAKOFF, 2006).
Ribeiro (2003) esclarece que só a partir da segunda metade do século XIX foram produzidos
tijolos em escala industrial no Brasil. Portanto, devem ter sido importados da Europa todos
os elementos cerâmicos usados na construção primitiva deste monumento. Na observação
das portentosas paredes de alvenaria de cal e pedra com argamassa, tanto quanto da boa
execução dos arcos de descarga onde se inserem as esquadrias (Figura 7), fica a certeza
de que a tecnologia construtiva contribui positivamente na decisão projetual. A espessura
das alvenarias estruturais de 1,00m e 0,70m, respectivamente, externas e internas,
possibilita a execução de espaços com pés direitos elevados e atenua nas salas o calor do
exterior. Ademais, nos arcos plenos, os tijolos garantem o ótimo acabamento dos vãos.
As portas do projeto original situam-se no eixo central e distinguem-se das demais pela sua
solidez, qualidade de ferragens, e pelo cuidado executivo de seus encaixes, almofadas e
frisos ornamentais. Sua execução é de elevado esmero: abrem-se à francesa, embutindo-se
junto à parede contígua.
Extraído das pedreiras locais e pontais dos maciços, o gnaisse bege tão difundido no
Hospício de Pedro II é muito comum nas fachadas das edificações neoclássicas. A
tecnologia construtiva contribui no elevado acabamento das cantarias aparelhadas dos
cunhais, frisos ornamentais e revestimentos de fachada e revestimentos de fachadas
externas com bossagens, valorizando o pórtico da edificação.
Conforme Martucci (apud FABRÍCIO, 2002) é nos projetos que a tecnologia construtiva se
define e se desenvolve, sendo incorporada nas construções pelos projetos e materializada
nos processos de trabalho pelas técnicas construtivas. Nesta edificação, a elevação das
edificações sobre porões aponta para um aperfeiçoamento construtivo. Aqui a tecnologia
influencia positivamente o projeto: além de promover o benefício da aeração do monumento,
representa uma transformação no uso do térreo, antes destinado apenas à criadagem, lojas
e armazéns.
A modenatura plasmada em argamassa nas fachadas deste prédio é rara nos exemplares
neoclássicos cariocas, sendo mais comumente encontrada nas nossas construções
ecléticas, segundo Rocha-Peixoto (2000). Abundante nos ornatos das marcações de ritmo
de fenestrações e cunhais, esta contribuição acarretou inovações no projeto. Seu emprego
reproduz elementos clássicos, comumente executados em pedra mármore ou outra; pode
ter antecipado um modismo nas construções republicanas.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
REIS FILHO, N. G. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2004.
Notas:
i
Livre tradução, a partir do original: “Ce qui se passe dans le domaine de l’art vers 1750 est, plus qu’une
modification de style, une révision totale de la situation de l’homme à l’égard de son passé historique”.
ii
Julien-David Le Roy publicou em Ruines des plus beaux monuments de La Grèce [Ruínas dos mais belos
monumentos da Grécia] desenhos em escala em 1758.
iii
Winckelmann era arqueólogo, museógrafo, historiador da arte e colecionador e segundo Rocha-Peixoto (In
Czajkowski, 2000, op. cit. p. 27), a partir dele e mesmo depois do declínio do Neoclassicismo, a arte grega é
tomada como julgamento de valor artístico.
iv
Criada na França em 1794, a École Central de Travaux Publics teve seu nome alterado e um ano depois para
École Polytechnique (Escola Politécnica), tendo à frente do ensino da arquitetura Jean-Nicolas-Louis-Durand.
Anais do Simpósio Brasileiro de Qualidade do Projeto no Ambiente Construído
IX Workshop Brasileiro de Gestão do Processo de Projeto na Construção de Edifícios
| 18 a 20 de Novembro de 2009 | São Carlos, SP | PPG-AU EESC USP | 77
v
O uso de telhas canal é evidenciado pelo predomínio das linhas verticais paralelas entre si nos telhados, que
limitam a união de bicas e capas. Estas se contrapõem às coberturas com telhas francesas, identificadas pela
marcação horizontal de encaixe destas telhas.