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Por Newton Cannito
Para além do mar vermelho da concorrência sangrenta entre as
empresas de televisão existe um vasto oceano azul a ser explorado.
Para além da disputa sangrenta pelo mesmo público, existe um vasto
público que esta migrando para a internet e para os seriados
americanos. Esse público vai crescer ainda mais nos próximos anos. Há
também todo o público internacional que pode ser conquistado para
nossos conteúdos audiovisuais. Esse imenso oceano azul tem um
nome: seriados brasileiros. Mas não os seriados nacionais feitos hoje
que, para sermos diretos, em sua grande maioria ainda não acertaram a
mão. Estamos falando de seriados inovadores no formato e ousados na
temática, tal qual os seriados americanos. Mas com a cara brasileira, tal
como nosso público prefere.
A empresa que conseguir estabelecer um processo de criação contínua
de seriados brasileiros que dialoguem com o formato dos seriados
americanos será a grande empresa do próximo ciclo. Estamos num
momento parecido ao anos 70, quando a Globo implantou um padrão de
qualidade em telenovelas e conquistou o público por cinquenta anos.
Para conquistar esse novo público temos que conhecer as técnicas
desse novo formato e contaminálas com a originalidade nacional. Já
fizemos isso no passado, quando nossos roteiristas abrasileiraram a
telenovela latinoamericana com imenso sucesso. No entanto, antes de
abrasileirar os seriados, precisamos estudar o formato hegemônico.
Antes de brincar, temos que fazer a lição de casa. Temos que estudar o
que eles fazem (o formato) e como eles fazem (o processo). Detalhando
temos que refletir sobre:
1) Os novos formatos: a novidade da técnica narrativa dos seriados
americanos (o que eles fazem)
2) Os novos processos de gestão da criatividade (como eles fazem)
As duas questão estão entrelaçadas, pois é um modelo de criação
inovador que possibilita o surgimento de uma dramaturgia inovadora. O
objetivo desse artigo (e dos próximos) é mostrar como é possível criar
seriados inovadores em série. Antes temos que entender como é o
modelo de gestão da criatividade no Brasil de hoje e comparar com
outras possibilidades. É necessário discutir a inovação em processos
criativos. Temos que entender ainda o conceito de inovação de valor, tal
como trabalhado no livro “A estratégia do Oceano Azul”.
Antes vale falar rapidamente do papel do autor roteirista na criação dos
seriados.
Quem matou o bom roteirista?
“Como os engenheiros, os roteiristas serão essenciais para formar o
novo Brasil”, disse o publicitário Nizan Guanaes em artigo publicado na
Folha de S. Paulo em abril deste ano.
Nos meses seguintes, várias matérias discutiram a suposta ausência de
roteiristas no mercado. O recente insucesso das séries brasileiras
produzidas para TV paga logo achou um vilão: a suposta falta de
roteiristas brasileiros. Isso, obviamente, é simplório.
Todos sabem que no Brasil não temos uma crise de criatividade.
Pessoas criativas nós temos muitas. Claro que podemos ter ainda mais,
mas se não resolvermos a gestão da criatividade não adiantará ter mais
criativos.
A questão começa numa coisa simples: dar algum poder real ao
roteirista. O fato é que as produtoras independentes não valorizam o
autor roteirista. A Rede Globo ainda é a única empresa que valoriza
realmente a área criativa e, por isso, ainda consegue produzir horas de
teledramaturgia de sucesso.
A valorização do roteirista começa no poder criativo. Nos seriados
produzidos para TV fechada pelas produtoras independentes
começamos a usar um crédito tipicamente americano: o crédito do
Criador da série, o profissional que “toca o show”. Isso é ótimo, mas nós
invertemos o sinal. Nos EUA o criador é um roteirista que conquista o
poder de produtor. O crédito de criador dá mais poder ao criativo. Nas
séries brasileiras o criador é um produtor que decide fingir que é
roteirista. Ele dá uma ideia básica para o seriado, não escreve uma
linha, mas palpita o tempo todo e termina assinando como criador. O
produtor deve e pode palpitar, mas tem que aprender a criar processos
para que isso aconteça e, ao mesmo tempo, valorizar a autoria do
roteirista.
Pois a perda de poder do roteirista é a perda de poder dar dramaturgia.
E televisão não é feita sem respeitar a dramaturgia. Os processos
criativos ficaram confusos e os resultados foram, em sua maioria,
fracos. Mais do que faltar roteiristas, o que esses séries têm mostrado é
que falta dar poder real aos roteiristas. As únicas empresas que dão
esse poder ainda são as emissoras abertas, como Globo e Record.
Caso os canais de TV paga queiram conquistar sucesso precisam
garantir que as produtores terceirizadas deem real poder ao
autorroteirista, tal como é nos seriados americanos e na televisão do
mundo todo. Para isso eles podem, por exemplo, escolher primeiro o
roteiro e só depois escolher a produtora.
Já nos seriados feitos pela Globo o problema é outro. Presos ao ultra
bemsucedido modelo de produção e criação da telenovelas, muitos
seriados se tornaram mistos entre seriados e telenovelas. São feitos, via
de regra, com o mesmo modelo de criação e produção, o que inviabiliza
a inovação. Eles preenchem uma papel dentro da grade da televisão
aberta brasileira, mas ainda não são seriados no formato que estamos
falando e não dialogam com esse novo público.