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A CONSTRUÇÃO DO VAZIO
SÃO PAULO
2018
GABRIEL CESAR E SANTOS
A CONSTRUÇÃO DO VAZIO
SÃO PAULO
2018
S237c Santos, Gabriel Cesar e.
A construção do vazio: análise das obras do escritório de
arquitetura Aires Mateus (2000-2010) / Gabriel Cesar e
Santos.
201 f.: il.; 30 cm
Aos Professores:
Prof. Dr. Wilson Florio
Prof. Dr. Silvio Stefanini Sant’Anna
Prof. Dr. Joubert José Lancha
Prof. Dr. Francisco Segnini Junior
Prof. Dr. Francesco Cacciatore
The present research will focus on the analysis of three projects of Aires
Mateus studio, developed between 2000 and 2010, period during which the office
developed the experimental bases later incorporated as the modus operandi of their
projects conception. It is within the scope of the present work the analysis of the
Sines Art Center (2001-2005), the school in Vila Nova da Barquinha (2006-2009) and
the Monsaraz house (2007-2009) through different perspectives according to the
characteristics of each work. The study will be based on four approaches, when it will
be discussed how each work was conceived, graphically represented, organized in
the space and constructed. It is noted that their works have a conceptual character,
with a series of transgressions about the architectural tradition, transforming them
into a conductor of time through the hybridization between tradition and
contemporary. The equivalences behind the spatial organization, phenomenological
questions and the way the projects were thought are given by the search for options
on the same theme: emptiness.
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 17
2 ANTECEDENTES .......................................................................................................................... 23
3 A CONSTRUÇÃO DO VAZIO: QUATRO VIAS DE APROXIMAÇÃO ........................................... 32
3.1 A CONCEPÇÃO.......................................................................................................................... 32
3.1.1 Definição .................................................................................................................................. 32
3.1.2 Atuação .................................................................................................................................... 33
3.2 A REPRESENTAÇÃO................................................................................................................. 47
3.2.1 Definição .................................................................................................................................. 47
3.2.2 Atuação .................................................................................................................................... 48
3.3 A ORGANIZAÇÃO ...................................................................................................................... 54
3.3.1 Definição .................................................................................................................................. 54
3.3.2 Atuação .................................................................................................................................... 55
3.4 A CONSTRUÇÃO ....................................................................................................................... 59
3.4.1 Definição .................................................................................................................................. 59
3.4.2 Atuação .................................................................................................................................... 60
4 PRINCIPAIS PROJETOS 1990/2015 ............................................................................................ 73
5 A ANÁLISE DAS OBRAS............................................................................................................... 77
5.1 O CENTRO DE ARTES DE SINES ............................................................................................ 78
5.1.1 O momento .............................................................................................................................. 81
5.1.2 Introdução ................................................................................................................................ 81
5.1.3 A concepção ............................................................................................................................ 82
5.1.4 A representação ....................................................................................................................... 90
5.1.5 A organização ........................................................................................................................ 100
5.1.6 A construção .......................................................................................................................... 110
5.1.7 Conclusão .............................................................................................................................. 114
5.2 CENTRO ESCOLAR DE VILA NOVA DA BARQUINHA .......................................................... 116
5.2.1 O momento ............................................................................................................................ 119
5.2.2 Introdução .............................................................................................................................. 119
5.2.3 A concepção .......................................................................................................................... 120
5.2.4 A representação ..................................................................................................................... 126
5.2.5 A organização ........................................................................................................................ 130
5.2.6 A construção .......................................................................................................................... 138
5.2.7 Conclusão .............................................................................................................................. 143
5.3 CASA EM MONSARAZ, ALENTEJO ........................................................................................ 144
5.3.1 O momento ............................................................................................................................ 147
5.3.2 Introdução .............................................................................................................................. 147
5.3.3 A concepção .......................................................................................................................... 148
5.3.4 A representação ..................................................................................................................... 158
5.3.5 A organização ........................................................................................................................ 163
5.3.6 A construção .......................................................................................................................... 169
5.3.7 Conclusão .............................................................................................................................. 173
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 174
7 ANEXO ......................................................................................................................................... 179
ENTREVISTA .................................................................................................................................. 179
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................... 197
17
1 INTRODUÇÃO
Por fim, a terceira e mais recente fase dos arquitetos, desenvolvida em sua
maior parte entre os anos de 2007 e 2012, compreende uma série de pequenas
casas de habitação e alguns projetos urbanos, em que o vazio é trabalhado
realmente como um volume vazio e separadamente do volume construído externo.
As formas arquetípicas internas se hibridam ao volume externo das
residências desse período, transparecendo uma relação entre interior e exterior mais
complexa e mais visível, visto que, em determinados pontos, o volume interior
extrapola o volume externo mostrando-se como elemento compositivo da volumetria
externa e trabalhando para que a luz evidencie melhor sua forma tanto interna
quanto externamente.
2 ANTECEDENTES
1
Entrevista. Os Aires Mateus são dois, mas são um. Anabela Mota Ribeiro – 22/11/2010.
24
como arranque das bases para a formação de uma geração de arquitetos modernos
em Portugal, dentre eles Álvaro Siza e Souto de Moura, outrora se desdobrando na
chamada “Escola do Porto”.
2
COSTA (1955, p. 16).
3
Revista catálogo. Agosto de 1962.
25
4
Correio da Manhã, Caderno Urbanismo e Construções, p. 1, 15 jun. 1951; HYPERLINK
"http://hemerotecadigital.bn.br/" http:
27
5
Arquivo DN – Diário de Notícias, 20 de janeiro de 2016.
6
Artigo de Sérgio C. Andrade – 29 de maio de 2013, jornal Público.
28
7
Artigo em Revista 2G, n. 28, p. 5 – Sobre um recorrido.
30
Figura 4 – Centro Cívico Praça Eça de Queirós. Leiria. Gonçalo Byrne, 2003
Fonte: João Morgado
Essa estratégia faz com que os seus projetos adquiram uma linguagem
própria e comum entre eles, sendo a base de toda essa estratégia a forma como os
autores entendem os espaços interior e exterior em suas obras. Toda transformação
e exploração partem dos desenhos interior e exterior de forma livre sem um ser
consequência do outro.
3.1 A CONCEPÇÃO
3.1.1 Definição
3.1.2 Atuação
8
Philip Johnson, “House at new Canaan, Conecticut, “The Architectural Review, nº 645, 1950.
34
A casa existente tinha como valor as suas paredes exteriores que postas a
nu se recuperam. Os muros criaram espaços com forte carácter, dado pelo
seu peso e pela ambiguidade dos seus limites. Estes interiores/exteriores
foram mobilados. De um lado com a colocação de um tanque escavado na
continuidade dos muros. Do outro com as áreas encerradas. Os espaços da
pequena casa pretendem-se claros. O limite em vidro constitui uma fronteira
precisada nas fenestrações das espessas paredes. A tensão é dada pelo
confronto entre uma geometria refeita livremente a partir de um objeto
existente e um objeto de regras claras que, pelas leituras dos muros, se
fundou e deles se autonomizou (MATEUS, 1999, s/p).
9
Carolina Abreu, “Vazio e Espaço. Ilha da Berlenga”.
36
Figura 6 – Foto da instalação “Volátil” de Cildo Meireles na Tate Modern e foto da Casa em
Comporta de Aires Mateus
Fonte: https://acervo.publico.pt/multimedia/cildo-meireles-e-manuel-aires-mateus.
Figura 7 – Gordon Matta-Clark, obra – Conical Intersect, 1975, 27-29, Rue Beauborg, Paris. Aires
Mateus, Casa na Estrela, 2012, Lisboa, Portugal, Gordon Matta-Clark, obra – Splliting, 1974,
Englewood, subúrbio de Nova Iorque e Casa em Alcobaça, 2007
Eduardo Chillida, Richard Long, Cildo Meireles, Donald Judd e Gordon Matta-
Clark, dentre outros artistas da segunda metade do século XX, experimentaram e
outros ainda experimentam invariavelmente a potencialidade plástica do vazio.
Chillida chega a definir-se como “arquiteto do vazio”. Essa expressão não
ressoa em tudo óbvia quando se considera que, somente a partir do final do século
XIX, as explorações sobre a matéria arquitetônica começaram a ser lidas e
explicadas como um resultado de constante e progressivo trabalho sobre o vazio.
40
11
Martin Steinmann, “Hinter dem Bild: nichts. In Herzog e De Meuro, Arktktur Denkform, p. 50.
41
o seu espaço interior, que, pela própria ação de escavar, sempre se difere de sua
forma exterior.
O vazio existe desde que o sentido de espaço se fez presente, mas a ideia de
construir o vazio é relativamente recente. A forma mais comum de entender o vazio
é o não construído. Para Aires Mateus o vazio está levado à condição de primazia
espacial. Quando ele passa a ser perseguido na concepção espacial ele é mais do
que o equilíbrio entre os cheios e vazios.
11
Martin Steinmann, “Hinter dem Bild: nichts. In Herzog e De Meuro, Arktktur Denkform, p. 50.
45
as partes com o todo harmônico. E esses princípios ordenadores são definidos: pela
hierarquia, com a escolha de elementos dominantes na combinação do conjunto,
pela simetria, que dá a forma ao edifício e distribui suas cargas de maneira
organizadas, tornando sua organização espacial e leitura do conjunto mais
previsíveis; pelos eixos que conduz o usuário de forma clara e organiza a disposição
do conjunto; pela regularidade que está relacionada com a simetria e o padrão de
disposição espacial em enfilades; pelo ritmo das peças que compõem todo o edifício
com equilíbrio; pela textura e pela materialidade, dentre outros elementos, que,
juntos, formam uma composição harmônica entre as partes inseparáveis do todo.
Le Corbusier, posteriormente, defendeu o desenvolvimento do sistema
construtivo em concreto armado, aferindo que, com isso, haveria a possibilidade de
substituir as paredes grossas e autoportantes por pilares de concreto para a
sustentação das lajes de piso e cobertura, abrindo novas frentes para a composição
dos espaços internos e da volumetria externa das edificações.
Percebida a liberdade que as novas obras poderiam alcançar por esse fato,
toda a composição do período anterior foi repensada: a simetria que compunha as
obras clássicas foi modificada em prol da assimetria; a regularidade deu lugar à
irregularidade; a composição conferida pela disposição dos elementos na fachada foi
alterada pela fachada monolítica com grandes aberturas; a previsibilidade da
organização interna atrelada ao sistema estrutural; e a organização rígida em
enfilades das obras clássicas foi modificada em favor da imprevisibilidade da
disposição interna, optando por uma disposição espacial mais livre e orgânica, como
os “órgãos” humanos12 citados por August Perret (1874-1954). Este ressaltou a
importância da estrutura de concreto armado, a qual servia como uma ossatura para
o edifício, e que a disposição dos espaços internos poderia ser livre e independente.
Posteriormente, seu discípulo Le Corbusier usou esse termo em várias ocasiões.
Os irmãos Aires Mateus parecem transgredir as regras compositivas clássicas
e modernas. Ao se apropriarem delas, eles as transportam para um novo patamar,
dando-lhes um novo sentido em suas obras. Eles atribuem aos seus projetos um
importante papel de fio condutor da história, mesclando e subvertendo princípios que
se contrapuseram nesses dois períodos, resultando em volumetrias que se remetem
a muitos edifícios ao longo da história e às vezes difíceis de descrever, há
12
Auguste Perret, Contribution à une Théorie de L'architecture, Paris, 1952.
47
3.2 A REPRESENTAÇÃO
3.2.1 Definição
3.2.2 Atuação
Figura 12 – Igreja de San Filippo Neri em Casale Monferrato – Arq. Camillo-Guarino Guarini;
Volume do espaço interno da casa McCord – Arq. Frank Lloyd Wright; Volume do espaço interno
da igreja de San Filippo Neri_Casale Monferrato – Arq. Camillo-Guarino
Em 2010, exatos 58 anos após Luigi Moretti ter iniciado suas pesquisas, os
irmãos Aires Mateus realizaram uma instalação na 12ª Bienal de Veneza intitulada
Voids. Nela, eles representaram os espaços principais em suas obras como
verdadeiros vazios, que, diferentemente de Moretti, escavou um volume referindo-se
ao teto como a superfície que sobrou do material extraído e ao vazio como os
espaços ou úteis13, conforme Guadet, ou espaços servidos14, de acordo com Louis
Kahn, possuindo em suas delimitações a superfície interna dos muros externos e a
forma externa dos espaços servidores, além de adicionar em outro ponto, na mesma
base, a volumetria da superfície externa da mesma edificação.
Dessa maneira, eles conseguiram elucidar com mais precisão os limites
internos e externos de suas obras, apontando claramente a relação entre as suas
faces interior e exterior, que, além de obter melhor compreensão das circulações e
13
Julien Guadet – espaços úteis (principais) e espaços de conexões (secundário). Fonte: Livro
Composition, Non Composition de Jacques Lucan, (2012).
14
Louis Kahn – espaços servidos (principais) e servidores (secundários); ou seja, espaços para
infraestruturas e circulações.
50
16
15
Nuno Crespo é licenciado e doutorado em filosofia pela Faculdade de Ciência Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa e é investigador do Instituto de História da Arte da Universidade
Nova de Lisboa onde coordena o grupo de investigação Arte. Das suas publicações podem destacar-
se trabalhos sobre Adriana Molder, Aires Mateus, Axel Hütte, Bernd e Hilla Becher, Candida Höffer,
Carrilho da Graça, entre outros. Fonte: https://mediterraneanconf.weebly.com/nuno-crespo.html.
51
Tony Smith17, das placas de aço corten de Richard Serra18 e do jogo da conjugação
de cubos de Sol LeWitt19, uma construção espacial que se caracteriza não pela
adição de formas, volumes e matérias, mas através do esvaziamento das estruturas
espaciais mais elementares. Trata-se de um princípio de negatividade, que combate
o excesso de forma, presença, linguagem e expressão.
Bruno Zevi, em seu livro Saber Ver a Arquitetura (2002), afirmou o espaço
como “Protagonista da Arquitetura”. Referindo-se à dupla atuação da pintura, em
duas dimensões, a despeito da possibilidade de sugerir três ou quatro delas, a
escultura atua sobre três dimensões, porém o homem permanece em seu exterior. A
arquitetura, pelo contrário, é uma grande escultura escavada, cujo interior o homem
penetra, caminha e encontra ali meios técnicos para usá-la como refúgio. Todavia, a
arquitetura não deriva de uma soma de comprimentos, larguras e alturas dos
elementos que rodeiam o espaço. Ela deriva-se do espaço vazio, dos espaços
interiores onde o homem vive e se move, delimitados, tais espaços vazios, pelos
limites construídos.
Segundo Juan Antonio Cortes20, no artigo publicado na revista El Croquis, nº
154, intitulado “Construir o molde do espaço”, expõe que alunos de Bruno Zevi
realizaram posteriormente maquetes como as publicadas por Luigi Moretti. Ele
conclui que a descoberta mais significativa no discurso dos dois arquitetos é a
valorização do espaço interior como positivo, que se define contra o negativo, isto é,
os muros envolventes, e sua implícita afirmação de que o elemento configurador do
espaço é o contorno interno das paredes independentemente da espessura e forma
exterior.
17
Tony Smith (Americano, 1912-1980) foi um escultor, arquiteto e pintor minimalista conhecido por
seus trabalhos esculturais modulares em grande escala. Trabalhou para Frank Lloyd Wright
(americano, 1867-1959) como funcionário de escritório, antes de estabelecer sua própria prática
arquitetônica. Fonte: http://www.artnet.com/artists/tony-smith/biography.
18
Richard Serra (Americano, 1939) é um escultor minimalista e figura proeminente no mundo da arte
contemporânea, conhecido por suas esculturas em grande escala criadas a partir de materiais
industriais. Nascido em São Francisco, Serra estudou Literatura Inglesa na Universidade da
Califórnia, em Berkeley. Fonte: http://www.artnet.com/artists/richard-serra/biography
19
Sol LeWitt (americano, 1928–2007) é renomado como membro fundador do Minimalismo e da Arte
Conceitual. Depois de servir no Exército dos Estados Unidos na Coréia, ele se mudou para Nova York
no início dos anos 50, fez aulas de ilustração e trabalhou como designer gráfico para várias revistas e
para o arquiteto I.M.Pei. Nos anos 1960, LeWitt começou a criar obras bidimensionais e
tridimensionais usando o cubo, variando sua forma através de sistemas baseados em linguagem
matemática e outras estruturas. Fonte: http://www.artnet.com/artists/sol-lewitt/biography
20
Professor da Escola Técnica Superior de Arquitetura de Valladolid (ETSAM), escritor e crítico de
arquitetura.
52
Figura 14 – Átrio de la Alhambra – Desenho para o concurso de arquitetura para o futuro Átrio de
la Alhambra, Granada, Espanha
Fonte: Aires Mateus, 2011.
21
Entrevista com o arquiteto Jorge P. Silva, coordenador do escritório Aires Mateus, 2017.
53
Figura 15 – Jorge P. Silva. Croqui inicial para o concurso para o convento de Nossa Senhora de
Los Reyes, Sevilha, 2004.
22
Tonon, Carlotta. Cacciatore, Francesco – L' architettura di Aires Mateus, Mondadori Electa,
Documenti di architettura, 2011, p. 18.
54
Figura 16 – Peter Zumthor, Bruder Klaus Field Chapel – A leitura expressa na representação
gráfica, mostra o espaço interior e a volumetria exterior concebidas de forma clara e
independentes
Fonte: Revista Domus, 2007.
3.3 A ORGANIZAÇÃO
3.3.1 Definição
adequada para cada caso. Os irmãos Aires Mateus organizam os dados específicos
ao programa de necessidades atribuindo uma hierarquia a cada espaço. Como dito
anteriormente, os espaços são distinguidos entre principais e secundários, ou
servidos e servidores, normalmente distribuídos em torno de um vazio exposto ao
tempo e protegido pela própria construção, isto é, um pátio, espaço que ganha
diversas formas e funções, e está muito presente em suas obras, principalmente nas
residenciais, sendo primordiais na organização espacial de seus projetos.
Os limites são muito importantes na disposição espacial de suas construções,
porque são neles que materializam os vazios sobre os quais o homem caminha e
vive. Geralmente, os limites em suas obras são carregados de funções e atributos
que organizam os espaços servidores, dando a forma dos espaços principais e da
volumetria externa do conjunto.
Contudo, os limites são primordiais para a obtenção dos espaços principais
puros e sem interferências. Por isso, os irmãos Aires Mateus procuram tratar os
espaços internos em suas obras sem interferências visuais. A compreensão desses
espaços deve ser imediata, assim como a volumetria externa. Suas obras
normalmente parecem nascer do solo e são carregadas de matéria construída. Para
eles, os limites são necessários também para que suas aberturas se enquadrem na
paisagem e não se abram totalmente a ela, uma arquitetura na qual a forma e sua
imagem são tão importantes quanto seus espaços internos. Eles são autônomos,
porém com os mesmos tratamentos e preocupações de se fazer entender facilmente
com uma expressão marcante.
3.3.2 Atuação
Figura 17 – Desenhos das plantas dos laboratórios de investigação médica A.N. Richards (1957),
projeto exposto em 1959 no CIAM XI, na cidade de Otterlo na Holanda, em preto os espaços
servidores e em branco os espaços servidos
Fonte: Livro Forma e Design.
Esse conjunto de prédios se estende por 113 metros, desde a antiga Escola
de Medicina até o edifício de Zoologia, conectando-os em um só complexo de
ciências médicas e biológicas. O conjunto foi desenvolvido para um fim muito
específico: são laboratórios de ciências que se caracterizam como salas de
pesquisas onde o ar que se respira deveria estar distante do ar que é expelido. A
solução encontrada por Kahn para livrar as salas dos laboratórios das circulações
verticais, dos dutos de infraestrutura e das salas dos animais foi desvincular os
espaços, os quais ele chamava de servidores e servidos.
Os espaços servidores expressos em preto na Figura 17 se caracterizam
pelas torres de circulação e instalações localizadas no centro de cada lado das
áreas de trabalho, que se distinguem em branco conceituados por espaços servidos.
Tanto os espaços servidores e os espaços servidos estão definidos entre si como
uma forma regular e se articulam para compor a planta do edifício. Esse é somente
um exemplo de inúmeros projetos de Louis Kahn, que se organizam desse modo.
Com isso, ele encontrou uma maneira de suplantar o espaço aberto e contínuo da
arquitetura moderna dos anos 1930 atacando a arquitetura de planta livre de Mies
Van der Rohe e Le Corbusier em seu elemento mais aparente e irredutível: a
estrutura reticular. Kahn estava, dessa forma, usando-a num sentido contrário da
maneira como usava Mies: ao invés de fazer a estrutura desaparecer no espaço, ele
fez com que o espaço penetrasse na estrutura, envolvendo-a com as circulações
verticais e, em alguns casos, horizontais, dando um uso à “estrutura oca” e
afirmando a estrutura contida pelo espaço.
57
3.4 A CONSTRUÇÃO
3.4.1 Definição
espaciais puras tratando muito mais do tato, do olfato e da luz e da sombra, do que
soluções estruturais que desenham o espaço por meio de seus componentes.
3.4.2 Atuação
Figura 21 – Sinagoga Mikveh Israel, Filadélfia (1961-1970) e Claypotts Tower Tayside, Scotland
(1569)
Fonte: Livro Forma e Design, Louis Kahn, 2010 e http://carneycastle.com.
e pelas iluminações zenitais pontuais e pelos pátios internos, diluindo-se devido aos
inúmeros obstáculos que atravessam ao banhar os ambientes mais internos,
alterando completamente a cor dos espaços e do volume externo ao passar das
horas e aferindo à tonalidade da luz do Sol, que atinge a cor branca em todo volume:
Nas casas-pátios, também, não construídas, de Mies Van Der Rohe, é usado
o limite de um terreno hipotético para delimitar o espaço interno do lote, que, por sua
vez, se fecha totalmente para o entorno. Ali, um espaço fluído, aberto e transparente
foi criado para prover a continuidade entre o interior (construção) e o exterior (pátio),
protegido pelos limites do lote. A relação entre o interior construído e o exterior pátio
nas duas casas é completamente distinta. Na proposta de Mies, a integração entre
os espaços é clara devido à desmaterialização dos limites entre os espaços interno e
externo por grandes panos de vidro. Na casa em Alvalade, os pátios são construídos
a partir de uma sequência de pórticos, na qual se circula em torno deles, havendo
quase que uma ruptura espacial ao invés da integração proposta por Mies.
64
projetos de Louis Kahn e Alvar Aalto, que afirmavam que os espaços residuais
abertos deveriam ser compreendidos entre as faces interiores e exteriores, podendo
ser considerados um poché24 aberto.
Por outro lado, quando feito na massa edificada, “o espaço servidor”, de
Kahn, e os pochés dos muros da arquitetura romana e barroca tornam-se meios
alternativos para adaptar o interior diferentemente do exterior. Em ambos os casos,
desenhar tanto de dentro para fora, como de fora para dentro, cria as tensões
necessárias que os auxiliam na concepção do projeto arquitetônico.
A correspondência absoluta entre a forma arquitetônica e a sua realidade
construtiva é um fator pouco frequente na história da arquitetura, fato que, com o
passar do tempo, a forma arquitetônica vem ganhando cada vez mais autonomia em
relação à sua origem construtiva. Essa convergência torna possível que a arquitetura
seja expressa, por um lado, pela relação direta entre objeto e imagem e a imanência
entre função e forma, e, por outro, baseando-se na aceitação completa da dualidade
existente entre a necessidade construtiva e, portanto, física, e as necessidades
representativas, portanto, expressivas.
Figura 25 – Centro de Monitorização e Investigação das Furnas. Cortes mostrando relações entre
a face interior e exterior e o poché aberto
Fonte: Aires Mateus, 2006.
Henri Focillon (20010, em seu livro A vida das Formas, no capítulo “As formas
no Espaço”, cita o duplo aspecto da massa na arquitetura, tratando-a como massa
externa e massa interna. Ele diz que a relação entre elas oferece um particular
interesse para o estudo da forma no espaço, apontando que a arquitetura
cisterciense se dedicou em ocultar, por detrás da unicidade das massas murais, a
complexidade da face interior.
O autor continua proferindo que os arquitetos habitualmente tratam a massa
como um sólido compacto perseguindo aquilo que chamam de invólucro, ou pele, e
24
Representação gráfica geralmente pintada de preto das massas construídas seccionadas, para
tornar mais legível a representação das plantas baixas e cortes, termo usado na escola de Beaux-Arts
no início do século XX. (Composition, Non composition, p. 179, 2012).
66
que talvez seja na massa interna que reside a originalidade profunda da arquitetura
como tal. Isto é, ao dar uma forma definida a esses espaços vazios, ela cria
verdadeiramente o seu próprio universo.
Faz-se clara, no desenho anterior (Figura 25), a intenção dos arquitetos Aires
Mateus ao tratarem a superfície interna diferentemente da externa, buscando, mais
uma vez, contestar a fluidez, a transparência e o entendimento imediato do espaço
construído. Isso não ocorre somente por um desejo dos arquitetos, interferindo, as
questões climáticas, sobre as decisões do projeto. Uma construção transparente e
mais fluida, segundo os próprios autores do projeto anterior, “[...] teria que conter
vidros duplos ou triplos que refletem muito, deixando a obra pesada e sem sentido
para determinados lugares” (SILVA, 2017, s/p). Além da afirmação pela busca
dessas contradições, por sua vez, a hibridação de formas, sejam elas arquetípicas
ou orgânicas, e um volume muitas vezes telúrico se afirmam mais como uma
arquitetura estereotômica do que tectônica em suas obras.
Em “Cajas, cajitas cajones. Sobre lo estereotómico y lo tectónico” (em La idea
construida, Buenos Aires, 2000, s/p), Alberto Campo Baeza escreve a respeito
desses dois termos:
Para este estudo, cabem duas descobertas importantes feitas por esse grupo
de estudantes, que, diferentemente de Nolli, não deixaram de lado os vazios dentro
das massas edificadas. Dessa forma, eles não só destacaram os espaços
construídos, dos espaços abertos, mas também, vendo-se a construção no lote em
oposição à rua, esses vazios podem ser representados como poché invertido,
representando a mancha preta como a massa edificada, mudando as relações
interior e exterior do edifício, e mostrando as diferenças entre os limites edificados,
em que se tem uma clara distinção entre a face voltada para o pátio interno (interior)
e a face voltada para a cidade (exterior).
68
25
Segundo a constatação dos alunos de Collin Rowe, a primeira imagem mostra as paredes
delimitando a forma aos espaços internos e, na segunda imagem, a cobertura como um poché
evidenciando a diferença entre a face voltada para a rua e a face voltada para o espaço contido
por ele.
69
Figura 29 – Imagem da esquerda, arquitetura vernacular portuguesa, referência usada como base
para o desenvolvimento do projeto em Moura. Imagem do centro, pátio interno do centro
comercial com residências em Moura se apropriando de elementos já existentes e imagem da
direita, foto externa do centro comercial com residências em Moura, mostrando a relação com os
edifícios do entorno e com a rua.
Cria-se, então, uma relação direta com as ruas que desenham os limites do
edifício, pelo seu uso comercial no pavimento térreo, designando, também, a
possibilidade de uma conexão fluída entre as mesmas ruas para os pedestres
circularem protegidos ou cortando caminho pelo pátio central, que se apropria de
elementos, como chaminés preexistentes no local. Com uma linguagem
contemporânea, que, diferentemente de seus vizinhos, elimina o que há de mais
arquetípico na arquitetura residencial, o telhado, a construção, mesmo assim, propõe
uma relação de proximidade, seja pela sua implantação, materialidade, gabarito e
pela própria composição na fachada, com um jogo de aberturas de piso a teto
intercalando-se verticalmente.
O centro histórico de Moura requeria uma aproximação de densidade
máxima. As estreitas ruas e a intensa relação com o céu desenharam o perímetro do
edifício como uma natural existência. O comércio foi confinado ao piso térreo
estabelecendo a relação com o dia a dia. As habitações foram protegidas no piso
superior. E as aberturas e a sua abstrata presença conduziram a fachada a uma
mesma narrativa.
de lado. Pelo contrário, ela é concebida de modo muito preciso e com o mesmo rigor
técnico-formal de todo o resto dos elementos que compõem seus projetos,
simplesmente para ajustar com máximo rigor a volumetria que se busca executar.
Segundo o arquiteto Manuel Mateus,
[...] a arquitetura tem a ver com coisas muito mais profundas do que
a sua tradução em imagem. Mas é evidente que, num tempo de
consumo rápido, a imagem é determinante. A imagem é o que é
possível manifestar e vender com uma grande celeridade. Estamos
falando de um tempo de necessidades novas, de construções e
lugares novos. A questão do ícone de consumo rápido torna-se
central. Não tem a ver com a cidade que já construiu a sua imagem e
tem calma na sua manifestação, ao contrário do mundo ‘ex-novo’,
que tem necessidade de um outro tipo de afirmação. A arquitetura é
muito bombardeada pela imagética que é desligada do seu próprio
uso, da sua possibilidade de usufruto. As pessoas deixam de se
preocupar com a vivência que essa arquitetura possibilita e passam a
concentrar-se no problema da imagem. Isso é muito nocivo. A
arquitetura é massivamente divulgada a partir da imagem. A nossa
batalha é tentar fazer o contrário.
73
Nos cinco anos posteriores, venceram mais quatro concursos, dentre eles o
Centro de Criação Contemporânea Olivier Debré (2013), na França, a Faculdade de
Arquitetura, em Tournai (2014), na Bélgica, um centro Islâmico em Bordeaux (2014),
na França, e o Museu de Fotografia, Design e Artes Contemporâneas, em Lausanne
(2015), na Suíça.
Também, foram desenvolvidos e construídos, nesse período, projetos de
pequenas e grandes escalas com diferentes programas, além de instalações como a
Radix (2012) para a Bienal de Veneza, período em que os projetos do Atelier foram
se disseminando por toda a Europa. Entretanto, os projetos ainda são em sua
grande maioria desenvolvidos em Portugal. As parcerias com outros escritórios de
arquitetura, como Gonçalo Byrne, Valsassina e SIA Arquitetura, dentre outros,
também são constantes na trajetória do Atelier Aires Mateus, que adotam como
filosofia manter uma estrutura reduzida e, mesmo assim, desenvolver projetos nas
mais diferentes escalas e usos, programas e usos, o que torna as parcerias com
outros escritórios de arquitetura indispensáveis.
76
Aires Mateus
80
5.1.1 O momento
O projeto sob análise faz parte da primeira fase, porém sua obra foi finalizada
no início da segunda fase dos arquitetos de acordo com a análise de Francesco
Cacciatore, conferida em seu livro L’Architeturra di Aires Mateus. Referido autor
propõe os dois temas mais evidentes dessa obra: os muros habitáveis, que dão
maior flexibilidade e clareza aos espaços principais; e o invólucro externo, que
confere a monomaterialidade para evidenciar com mais clareza sua expressão
volumétrica.
5.1.2 Introdução
5.1.3 A concepção
Figura 33 – Foto do terreno após a demolição Cine Teatro Vasco da Gama, do Teatro do Mar e
um parque de estacionamento
Fonte: Aires Mateus, 2015.
83
de cruzá-la por de baixo, fazendo disso um novo potencial do edifício, não conferido
anteriormente.
Além da antiga rua Cândido dos Reis, os pisos dos pátios no trecho do
terreno transformam-se em pontes que flutuam sobre as áreas de exposição
situadas no subsolo do Centro de Artes. A ideia de unir os quatro volumes pelo
subsolo e desconectá-los nos níveis acima do térreo melhorou a proporção do
edifício com relação ao entorno, além de trazer algumas vantagens econômicas e
espaciais ao conjunto. Por terem espaços mais amplos e conectados, podem ser
usados para várias funções, deixando a programação do edifício muito mais ampla,
além de concentrar os usos, o que acaba por simplificar a manutenção e circulação
entre as diversas atividades. Isso potencializa a exploração dos espaços, tornando-
os mais vividos e reunindo maior número de pessoas com diferentes interesses e
gerações, além de reforçar o uso das atividades pela utilização de outras.
Parece não haver hierarquia entre as partes do edifício. Há, por outro lado, a
busca de uma neutralidade hierárquica no conjunto. A relação entre as partes com o
todo é uma relação clara de busca pela cumplicidade entre as atividades propostas.
A relação do edifício com o entorno também se caracteriza pela busca da
cumplicidade, sem hierarquias ou imposições por parte do novo empreendimento,
86
Figura 36 – Rua Cândido dos Reis cruzando o Centro de Artes Sines. No piso o poema Acordai
de Fernando Lopes Graça
Fonte: Daniel Malhão (2006).
Figura 37 – Corte transversal e elevação frontal. Evidencia a via central e os pátios nos edifícios.
Fonte: Aires Mateus, 2015.
Figura 38 – Antón García-Abril e Débora Mesa, Musical Studies Centre, Santiago de Compostela,
2002. Aires Mateus, Centro de Artes de Sines, Sines, 2006. Castelo de Sines e Francesco
Venezia, Laboratório de Prova de Materiais da Universidade de Veneza, 1995
Fontes: https://www.ensamble.info/musicalstudycentre, Daniel Malhão, 2005, foto produção do
autor, 2016 e ehttps://divisare.com/projects/321841-francesco-venezia-orsenigo_chemollo-iuav-
materials-testing-laboratory-1995.
Figura 39 – Aberturas nas paredes do Castelo de Dover e na fachada frontal do Centro de Artes
Sines
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
27
HUSSERL, Edmund. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1986.
28
OTERO-PAILOS, Jorge. A fenomenologia e a emergência do arquiteto historiador. Arquitextos. São
Paulo, Ano 11, n. 125. 1. out. 2010.
29
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Tradução Antonio de Pádua Danesi. 7. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1993. p. 242.
90
5.1.4 A representação
30
Idem, ibidem, p.01.
91
Figura 40 – Planta subsolo 3, em preto estão os acessos, depósitos e shafts de serviços. Centro
de Artes Sines
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
Figura 43 – Planta subsolo 2 destacando os limites dos espaços de circulação e diagrama figura
fundo para evidenciar os mesmos espaços. Centro de Artes Sines
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
93
Figura 44 – Planta subsolo 1 destacando os limites dos espaços de circulação e diagrama figura
fundo para evidenciar os mesmos espaços. Centro de Artes Sines
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
Figura 58 – Corte detalhes construtivos com espaços servidores em cinza claro. Centro de Artes
Sines
Fonte: Aires Mateus, 2017.
5.1.5 A organização
O complexo foi dividido em sete pavimentos, sendo que três deles localizam-
se no subsolo e quatro acima do nível da rua. Os três subsolos ocupam toda a área
do terreno, conectando todos os programas do Centro de Artes, e os pavimentos
superiores se moldam segundo as problemáticas do local onde o Centro de Artes foi
implantado.
31
1. Arquivo Municipal, 2. Auditório, 3. Biblioteca, 4 Centro de Exposições, 5 Cafeteria, 6.
Estacionamento. Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
102
confere um amplo espaço expositivo, conectados por inúmeros túneis que cruzam a
Biblioteca e o Auditório, integrando todo o segundo subsolo.
33
Idem, ibidem, p. 76.
104
5.1.6 A construção
Figura 73 – Foto do terreno após a demolição Cine Teatro Vasco da Gama, do Teatro do Mar e
de um parque de estacionamento
Fonte: Aires Mateus, 2000.
volumes, e não por planos. Mais uma vez, somente o auditório possui uso
específico, diferenciando-se com relação ao acabamento do resto das demais
atividades: os painéis acústicos são revestidos de preto para evidenciar somente os
artistas, palestrantes e espetáculos que ali se apresentam.
A luz nessa obra não poderia ser menos importante. O edifício se abre
pontualmente em busca dela. Em sua maioria, ela cria iluminações indiretas, mais
113
adequadas para galeria de artes. Apenas a biblioteca se abre em toda sua extensão,
para que a luz entre protegida pelo volume da galeria a poucos metros e afastada
por um dos pátios externos. Logo, cria-se uma estrutura que trabalha completamente
a tração, pendurando as lajes na viga da cobertura. Assim, a estrutura reaparece
pontuando um ritmo à fachada de vidro voltada para a parte interna ao prédio.
Nas demais atividades, a luz é controlada agindo segundo regras claras para
enfatizar o espaço, compondo com as matérias sólidas e evidenciando as
proporções, forma e matéria dos vazios.
É graças à ação da luz que se realiza uma experiência espacial na qual se
evidencia a subtração da matéria nessa obra, principalmente na volumetria externa e
no segundo subsolo, composto pelo espaço de exposições. Quando a luz atinge os
vazios no volume externo, enfatiza-o ainda mais. A leitura do edifício se torna mais
clara devido ao desenho rígido das arestas e a monomaterialidade de todo o
volume. Já no subsolo, parece que o espaço se torna material e a matéria
desaparece devido à sua cor branca como se fosse uma inversão do cheio e vazio.
O branco parece desaparecer, enquanto a sombra no vazio parece desenhar os
limites daquele espaço. Isso se faz pelo controle absoluto da luz no espaço, por
meio de maquetes em escalas 1:20, as quais permitem o estudo do trajeto da luz.
114
Muitas vezes, essas maquetes são feitas no próprio terreno onde será construída a
obra. Nesse caso, elaboraram-se muitos estudos acerca da luz, e o resultado foi
bastante satisfatório segundo os próprios autores do projeto.
5.1.7 Conclusão
O lugar, para os irmãos Aires Mateus, é entendido como uma acepção muito
ampla, não somente como um espaço físico, mas, acima de tudo, como um espaço
que foi o resultado de uma interação de fatores de diversas ordens ao longo do
tempo. Essa leitura é, muitas vezes, mais evidente nas aglomerações urbanas,
como o lugar onde foi inserido o Centro de Artes de Sines, que passou por
constantes transformações pela ação do homem ao longo da história.
O terreno escolhido continha um potencial enorme de transformação.
Somente a leitura seletiva e interpretativa do local garantiu que essa obra
construísse lentamente uma relação com o entorno e fizesse parte integrante e
qualificadora daquela cidade.
A reconstrução daquela pequena parte da cidade foi marcada pelo respeito
aos fluxos construídos por meio das relações interpessoais ao longo da história e
pela consideração aos edifícios que personificam e dão o caráter àquele lugar.
115
A relação com o tempo também está muito presente nessa obra, traduzida
por uma organização espacial complexa. Os percursos levam o usuário a
descobertas paulatinas dos espaços, também, através de relações com o castelo de
Sines, trazendo para o novo Centro Cultural o peso que contém o castelo. As
espessuras de seus limites e a materialidade conferida pela pedra, além de diálogos
através das aberturas entalhadas nas duas construções e, por fim, da forma
volumétrica aludindo aos detalhes dos muros que cercam aquela construção,
parecem, nesse caso, estar à procura de características de edifícios de seu entorno
para extrair partes deles e compor a nova obra.
A contradição entre uma obra estereotômica com uma volumetria austera e
pesada, que nasce do chão com os vazios internos no subsolo com iluminação
natural indireta desviada pelos volumes que parecem flutuar sobre eles, e os
diferentes pés-direitos em quase todos os ambientes remete a uma leveza que não
se espera encontrar pelo lado de fora do empreendimento, afirmando a surpresa, a
descoberta e as contradições que dão o caráter dessa obra.
Sua composição volumétrica de simples leitura mostra claramente a ação de
esvaziamento da matéria, subtraindo do volume trechos essenciais que organizam
as atividades, as quais banham os espaços internos de luz natural e que criam a
passagem do homem pela via externa entre os conjuntos. São formas simples,
postas no espaço com relação composicional entre si e com o seu entorno, criando
diálogos com seus vizinhos e qualificando aquele espaço.
116
Aires Mateus
118
5.2.1 O momento
5.2.2 Introdução
Vila Nova da Barquinha é uma pequena vila. Em Portugal, essas vilas são
caracterizadas como um pequeno aglomerado populacional. Situa-se ao norte de
Lisboa e hoje possui pouco mais de sete mil habitantes distribuídos pelas freguesias
de Atalaia, Vila Nova da Barquinha, Tancos e Praia do Ribatejo. O seu conselho
integra-se à Província do Ribatejo e pertence ao Distrito de Santarém. É limitada ao
sul pelo rio Tejo, importante rota fluvial que conecta Espanha a Portugal,
desaguando no oceano Atlântico pelo estuário na cidade de Lisboa.
A Câmara Municipal decidiu construir uma nova escola, que foi batizada de
Escola Ciência Viva de Vila Nova da Barquinha, a qual faria parte de um
agrupamento escolar da cidade. O novo espaço deveria ser um lugar com atividades
para toda a comunidade, funcionado com diversos programas de funções públicas e
suprimindo demandas por um auditório, espaço esportivo, biblioteca, restaurantes,
além de outros serviços deficitários. Seu programa está voltado para o ensino da
ciência e foi fruto da cooperação entre a comunidade e a equipe de Aires Mateus, a
qual, em parceria com a Universidade de Aveiro, que, durante os próximos 20 anos,
irá monitorar a escola para estudar o impacto da arquitetura na aprendizagem das
crianças. A própria Universidade de Aveiro tem uma tradição na arquitetura por
possuir obras de grandes arquitetos portugueses, dentre eles Nuno Portas, Álvaro
Siza, Souto de Moura, Gonçalo Byrne, Carrilho da Graça e os irmãos Aires Mateus,
que projetaram, em 1997, o prédio do refeitório.
120
5.2.3 A concepção
Figura 80 – Mapa cidade de Vila Nova da Barquinha, Portugal. Ponto quadrado em preto, terreno
da escola
Fonte: Prefeitura de Vila Nova Barquinha, 2016.
O terreno onde foi implantada a escola é vasto, situando-se entre uma região
residencial de baixa densidade, ao norte, e uma área rural próximo ao Rio Tejo, ao
sul. Sendo sua área muito maior do que a necessária para resolver o programa de
necessidades, criou-se um limite desenhado por um quadrado de 77 x 77 metros, o
qual acolheria todo o programa funcional. Buscou-se, então, uma modulação restrita
por dois fatores importantes: as dimensões para acolher cada atividade do programa
de necessidades e a organização e disposição do conjunto.
121
Figura 82 – Centro Escolar Vila Nova da Barquinha. Diagrama conceitual - Modulação espacial e
disposição final das atividades
Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.
Não há uma leitura clara do edifício que o relacione ao seu uso. Seu desenho
não é proposto somente à atividade escolar; ou seja, sua forma externa é neutra,
podendo representar qualquer atividade ou instituição. Percebe-se logo tratar-se de
uma escola pelos seus usuários, ao percorrerem um espaço aberto de grandes
dimensões, pontuados por uma espécie de árvores ainda pequenas, para acessar o
interior do edifício implantado no centro de um grande terreno.
123
34
Jacques Lucan, em seu livro Composition, Non-Composition, usa o termo Ordem Aberta e Ordem
Fechada relacionando os tipos de implantação e organização do edifício, geralmente usado aos
edifícios clássicos como ordem fechada e aos edifícios modernos como ordem aberta, devidos à
permeabilidade que se tem através deles ou conjunto de edifícios implantados, além da flexibilidade
interna devido aos novos sistemas estruturais.
124
35
Modelo 1 – Vila Nova de Barquinhas e Centro Escolar de Rio de Moinhos. Modelo 2 – Centro
Escolar de Alferrarede e Centro Escolar de Bemposta.
126
Figura 87 – Fotos do Grupo Escolar de Bemposta e Centro Escolar de Vila Nova de Barquinhas,
mostrando as diferentes volumetrias no topo dos edifícios
Fonte: Fernando Guerra / FG + SG.
5.2.4 A representação
espaços protegidos, esse espaço livre e aberto comporta-se como uma espécie de
labirinto instigando o uso por via da curiosidade e da surpresa.
Outra ação importante são as diferenças de pés-direitos em todos os
ambientes que seguem a mesma lógica de dilatação e compressão espacial de todo
o conjunto, devido aos estudos das proporções espaciais, espaços que causam
diferentes percepções a quem os usam. O trabalho desenvolvido ao mesmo tempo
acerca do controle do espaço e da composição de todo o conjunto certamente foi o
que a tornou tão especial.
Figura 88 – Planta diagramática dos módulos das atividades e elevações do Centro Escolar de
Vila Nova de Barquinhas
Fonte: Aires Mateus, 2017.
128
interior não dependem da mesma ação exterior. O ajuste das proporções espaciais
foi calibrado com o uso de forros de gesso que regularam os pés-direitos em cada
ambiente.
5.2.5 A organização
Figura 93 – Foto dos pátios internos. Escola em Vila Nova Barquinha, Portugal
Fonte: FG+SG, 2016.
Figura 94 – Diagrama dos limites das massas e dos vazios da escola em Vila Nova Barquinha,
Portugal
Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.
Figura 95 – Diagrama de organização das atividades internas da escola em Vila Nova Barquinha,
Portugal
Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.
se uma nova dimensão que não é nem movimento, nem profundidade, e que leva à
ilusão.
Para os alunos dessa escola, o simples fato de caminhar e explorar esses
espaços tornam-se modos de aguçar os sentidos e percepções, fazendo parte de
suas formações acadêmicas. Não obstante, um estudo sobre o comportamento dos
alunos dessa escola está sendo elaborado pela Universidade de Aveiro para
entender melhor suas relações com a aprendizagem e o espaço de ensino.
Figura 97 – Croqui dos eixos de circulação periférica organizada em pórticos, cada espaço entre
os pórticos conta com diferentes pés-direitos
Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.
falta de detalhes foram usados para evidenciar a sua volumetria, mas também para
o conjunto arquitetônico assumir a luz do tempo que passa à sua volta.
norte da Europa, já que o Sol não possui a mesma força em todo o continente,
sendo mais interessante trabalhar com as cores para ressaltar a sua volumetria.
5.2.6 A construção
Figura 100 – Diagrama evidenciando os pátios internos – Centro Escolar Nova da Barquinha.
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
É muito fácil a compreensão dos espaços que compõem todo o conjunto por
ser uma sucessão de espaços regulares como quadrado e retângulo. Mesmo nos
volumes internos, apesar de terem diversas proporções, as formas são sempre
regulares e próximas umas das outras. A transição entre um espaço e outro torna
cada lugar, em cada canto desse complexo, muito particular. Caminhar por esses
pátios remete o usuário a um labirinto, em que se procura sucessivamente uma nova
descoberta.
143
5.2.7 Conclusão
Pode-se colocar essa obra num conjunto de obras particulares dos irmãos
Aires Mateus. Ela não é uma resposta especialmente arquitetônica como integradora
ou qualificadora de um local. É pensada de dentro para fora, revelando
características marcantes que a tornam absolutamente única.
Diferentemente do Centro de Arte de Sines, que adquiriu características do
ambiente onde foi inserido, comportando-se como integrador de seu entorno, que é
caracterizado pela cidade antiga e a cidade nova, a Escola Vila Nova da Barquinha,
com um entorno mais difuso e menos característico, carregou a incumbência de
explorar ao máximo os sentidos dos alunos que passarão a maior parte do dia
naquele local.
Tudo nessa escola partiu do foco central, que são as salas de aula, e se
irradiou para além dos limites de seu terreno, trazendo um programa de usos
específicos para a população desfrutar.
No entanto, o interesse maior está tão somente na exploração espacial e na
relação direta entre o construído e seus usuários. Ao caminhar entre os seus limites
construídos, percebe-se a verdadeira contribuição original do trabalho dos irmãos
Aires Mateus. O controle da matéria, da proporção e da luz determinou o caráter
espacial que essa obra possui. Não havendo relação das partes com o todo, o
edifício se comporta como um organismo, uma única volumetria dinâmica e contida
precisamente no seu plano externo, com um mundo particular interno.
Deslocando no espaço, não se percebe que a escola se caracteriza por uma
organização espacial rígida e modular. Com formas estáticas entre os limites
estabelecidos, a circulação se comporta como um labirinto, descobrindo-se o
conjunto através do tempo. Nesse caso, os limites horizontais são marcados por
corredores que se conectam dando a volta em todo o complexo, diferentemente das
circulações em enfilades que organizam todo o resto das atividades. A relação
interior-exterior da escola é pontual e sensorial, por conta dos pátios abertos ao
tempo, havendo uma autonomia em relação das partes com o todo, sem um
princípio claro ordenador do conjunto,
144
Aires Mateus
147
5.3.1 O momento
O projeto sob análise pode ser situado na terceira fase dos arquitetos
segundo a análise de Francesco Cacciatore. De acordo com o autor, nesse período,
o vazio interno é trabalhado como um volume vazio, ou seja, entendido
separadamente do volume construído, onde formas arquetípicas se hibridam ao
volume externo.
5.3.2 Introdução
5.3.3 A concepção
Figura 108 – Foto de uma casa típica da região do Alentejo com alpendre
Fonte: desconhecida, 1947.
Figura 109 – Casa em Monsaraz. Referências usadas pelos arquitetos, 1. Domus Aurea de Nero
– Sala Octogonal; 2. Villa de Adriano; 3. Gruta de Tibério
Fonte: Aires Mateus, 2017.
concreto aparente, para com o tempo tomar-se mais natural, como uma rocha ou
uma ruína na paisagem circundante, marcando o espaço principal da construção.
Figura 110 – Diagrama da sequência dos espaços internos e vazios. Casa em Monsaraz
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
O espaço que compõe o alpendre em forma de cúpula foi criado por meio da
subtração de três elipses: a primeira, do próprio alpendre; a segunda, que o
intercepta e cria a abertura superior; e a terceira escava o piso sob a cúpula
principal, que será preenchido com água, criando uma atmosfera na qual o usuário
ficará em constante contato com o tempo e a natureza. A luz entrará através do
orifício superior, atingindo a água sob o alpendre, que, por sua vez, refletirá a luz em
todo esse espaço, o qual mudará de tom de acordo com a luz do Sol e da Lua. Com
o passar do tempo, esse espaço fenomenológico abordará a essência da percepção
humana e a essência da consciência do lugar transformará o espaço, o qual será
percebido de diversas maneiras ao longo do dia, da noite, das estações do ano e do
clima seco ou chuvoso, mantendo o usuário em constante contato com a natureza, a
construção e o tempo.
153
Figura 111 – Casa em Monsaraz. Croqui feito por Jorge P. Silva na entrevista com o autor da
dissertação
Fonte: Jorge P. Silva, 2017.
Figura 112 – Casa em Monsaraz. Vista lateral, a casa implantada na condição natural do terreno
Fonte: http://afasiaarchzine.com/2017/12/aires-mateus-59/. 2017.
154
Figura 113 – Casa em Monsaraz. Vista da cobertura e das aberturas dos pátios internos
Fonte: http://afasiaarchzine.com/2017/12/aires-mateus-59/. 2017.
Figura 114 – Casa em Monsaraz. Contraste entre a sombra da cúpula e seu orifício
Fonte: http://afasiaarchzine.com/2017/12/aires-mateus-59/. 2017.
155
O atelier dos irmãos Aires Mateus cria em cada projeto inúmeros caminhos a
serem desenvolvidos. A escolha de um deles vem por uma melhor solução
entendida pela equipe de projeto, porém não sendo descartados por completo os
outros caminhos, que, pelo contrário, são sempre revisitados. O alpendre da casa
em Monsaraz pressupõe um espaço de encontro e vem sendo estudado ao longo de
vários projetos posteriores à obra sob análise. Foi revisitada numa sucessão de
cúpulas subtraídas de um volume de aço para a escultura Radix feita para a Bienal
de Veneza, em 2012, que, naquela ocasião, também propunha espaços de
acolhimento sendo entendido como solo comum.
Figura 116 – Escultura “Radix” para Bienal de Veneza em 2012 e Casa em Monsaraz 2007
Fonte: Aires Mateus, 2015.
156
Figura 117 – Casa em Monsaraz e Museu Parque De Los Cuentos em Málaga, Espanha. Óculo
escavado no topo da cúpula, criando um ponto focal na cobertura e sob ele, a luz que penetra o
espaço em forma de cúpula
Fonte: Aires Mateus, 2017.
Figura 118 – Casa em Monsaraz. Criação do alpendre por subtração das cúpulas e do espelho
d’água
Fonte: Ilustração produção do autor, 2015.
5.3.4 A representação
durante o dia, trazendo um movimento que o vento exercerá sobre a água, que
refletirá em toda a superfície da cúpula, tornando-a ainda mais especial.
Pelos cortes e elevações, pode-se observar que a casa tem uma leve
inclinação, tornando o nível sobre o alpendre mais alto do que o nível sobre o
acesso superior e enfatizando ainda mais a presença desse espaço tão importante
para a organização e composição dessa casa.
163
5.3.5 A organização
Figura 124 – Plantas das Casas em Leiria e em Monsaraz, condições iguais dos dormitórios
enterrados voltados para pátios internos
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
Figura 125 – Kazimir Malevich (1878–1935) Supremus No.50, 1915. e Jackson Pollock (1912-
1956) Lucifer, 1947
Fonte:https://www.russianartandculture.com/exh-kazimir-malevich-and-the-russian-avant-garde-
tate-modern-16-july-26-october/ e https://abstractcri.
36
Composition, Non-Composition. Architecture and Theory in the Nineteenth and Twentieth Centuries
(2012).
165
Donald Judd acrescentou que não fazia nenhum esforço para conceber suas
obras a partir da simetria:” [...] minhas obras são simétricas porque eu quero me
livrar de quaisquer efeitos de composição e a maneira óbvia de fazê-los é sendo
simétrico”. Assim como Carl Andre (1935), que teve uma posição similar dizendo que
queria evitar qualquer dramatização na colocação de seus elementos, ao mesmo
tempo em que evitava o equilíbrio e a centralização, reconheceu o débito com Stella,
que chamava isso de simetria anaxial, a qual se caracteriza pela simetria em que
qualquer parte poderia ser substituída por outra.
No caso da casa em Monsaraz, se se partir do eixo diagonal caracterizado
pelo corredor, parece haver a busca de um equilíbrio no conjunto, dividindo de um
lado do corredor, dormitórios e sala, e, do outro, dormitórios e cozinha quase
simétricos. Todavia, a ordem dos dormitórios e banheiros pouco importa se a cúpula
e as áreas sociais se mantiverem na posição.
166
por Louis Kahn como o “desejo de simplicidade”, uma satisfação para o espírito
quando legítima e profunda, originando-se de uma complexidade interior.
5.3.6 A construção
Para a cúpula, foi feita uma forma de madeira em seu formato completo,
porém extravasando os limites externos da casa, a fim de criar o alpendre aberto
para o exterior. A construção dessa forma lembra a estrutura de uma oca dos índios
Yawalapiti, na qual curvam-se os montantes verticais em direção aos apoios
170
centrais. Mesmo não sendo a intenção dos arquitetos fazer uma alusão a esse
sistema construtivo indígena, mostra o quanto manual e simples foi o método
utilizado por eles para construir esse espaço.
Foi feita uma forma inversa para deixar o óculo na cúpula. Após a
concretagem da laje e do alpendre, foi concretada a cúpula inversa e, depois de
172
O controle da luz natural é um dos pontos que os irmãos Aires Mateus têm
levado ao extremo em seus projetos. O contraste entre luz e sombra é usado para
enfatizar aspectos particulares de suas obras, hierarquizando e pontuando os
espaços que necessitam desse tipo de cuidado. Por fim, a luz que banha esse
determinado espaço torna o alpendre o ponto focal dessa obra.
173
5.3.7 Conclusão
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se uma série de lições da arquitetura de Álvaro Siza, nas obras dos
irmãos Aires Mateus, sobretudo no âmbito da dilatação e compressão espacial, no
controle da luz, na organização dos espaços e na relação de suas obras com o
entrono.
Alexandre Alves Costa no texto Escandalosa Artisticidade37, afirma que a
modelação do espaço é o objeto de desejo central de Álvaro Siza, os espaços são
sempre inesperados, com percursos labirínticos, entendidos como preparação de
uma surpresa, isso é evidente no museu de Serralves e em tantos outros projetos de
sua autoria. A luz é sempre controlada, qualificando a riqueza dos vazios e a
apropriação dos espaços interiores como negativos qualificados dos volumes
construídos, encontra neles a sua contrapartida escultórica, de relação com o
contexto mais alargado do território.
Eduardo Souto de Moura, na obra do museu Paula Rêgo em Cascais,
trabalha o ponto que é frequentemente usado pelos irmãos Aires Mateus, a
diferença entre forma e função. Os dois volumes que se destacam na paisagem,
recordando as grandes chaminés do Palácio Nacional de Sintra, parece estar
diretamente relacionado com a função a qual eles abrigam, porém, naqueles
espaços encontram-se uma livraria e um restaurante mostrando que aquela forma foi
concebida mais pelo ponto de vista expressivo externo do que da necessidade
interna, afirmando que a relação direta entre forma e função em vários arquitetos
portugueses não tem os mesmos princípios da arquitetura moderna que em muitos
casos, ainda é seguida por uma fatia expressiva de arquitetos.
Por outro lado, percebe-se, em suas obras, princípios projetuais bem
definidos, que não respeitam a tradição da formação dada no Brasil; como exemplo:
a busca pela razão, simplicidade, economia e clareza dos espaços. Esses princípios
não estão presentes em suas obras. Não se trata da busca dessas características. O
espaço e a forma edificada nas obras do período aqui estudado são protagonistas.
Preocupações como a modulação estrutural e a verdade construtiva, não são
pontos-chave de seus projetos, todo o sistema construtivo em suas obras, está
preparado para a modelação do espaço. Como dito anteriormente, a obra surge
como uma proteção à técnica construtiva, um invólucro, erradicando todos os
37
Livro: Álvaro Siza, Modern Redux. p.39.
176
vestígios estruturais. As figuras erigidas parecem não dialogar com sua origem
construtiva nem ao menos com suas funções. Tudo se torna independente.
A geração portuguesa, dos últimos 20 anos, não teve o interesse em discutir a
técnica construtiva como elemento central na arquitetura. Ela nunca teve o peso que
tinha na arquitetura dos primeiros modernos do século XX nem tão pouco a
discussão sobre ela que houve na década de 50 e 60 no Brasil e que continua até os
dias atuais, é alvo da arquitetura contemporânea portuguesa.
Para eles, a técnica não é mais um meio de o arquiteto atingir o fim, ou seja, a
técnica não é mais um desafio para o avanço na industrialização da construção civil,
para que o arquiteto possa viabilizar obras de grande porte de cunho social. Seu
protagonismo vai perdendo importância ao longo do século XX por conta dos
avanços tecnológicos na área da engenharia civil.
A construção do vazio na forma como está pretendida pelos arquitetos
estudados exige conhecimento técnico apurado, diferentemente da técnica citada
acima e grande descompromisso com a linguagem e as questões de partido
estrutural tão relevantes na modernidade. A estrutura não é necessariamente
assunto quando se quer evidenciar um vazio, não existe preocupação com as
verdades materiais.
Os vazios são provocados ora por balanços, ora por vãos ou formas
revestidas de gesso sobre estrutura leve, o gesso e outros materiais funcionam
como pele de recobrimento. Seus projetos questionam os pressupostos acadêmicos
e populares, tipologias, clara compressão espacial, construções lógicas, se
desmancham em favor da construção do espaço.
O interesse dos arquitetos Aires Mateus recai sobre a transgressão das
regras compositivas clássicas e modernas. Ao se apropriarem delas, eles as
transportam para um novo patamar, dando-lhes um novo sentido em suas obras,
como dito anteriormente, colocando-as como um fio condutor da história, assim
como fez Fernando Távora e fazem Álvaro Siza e Peter Zumthor, numa geração
anterior, e Barozzi Veiga e Valério Olgiatti, dentre outros arquitetos de uma nova
geração.
Sobre Álvaro Siza, Costa38 ressalta que as antinomias clássico/anticlássico,
oriente/ocidente, na difícil resolução do interior/exterior, acarretam um complexo
38
Alexandre Alves Costa, Álvaro Siza, Modern Redux. p.39
177
A obra e o tempo – Toda obra do período estudado tem uma relação com
o tempo em termos fenomenológicos. O tempo que muda a coloração de
suas fachadas com o passar das horas, a luz que invade ambientes
pontualmente ressaltando texturas, formas e cores; o tempo que levamos
para descobrir suas obras através do percurso, já que a organização
espacial é sempre complexa e labiríntica.
7 ANEXO
ENTREVISTA
180
Jorge: Exato. Há uma relação evolutiva, sim. Não é só uma réplica. Eu acho
que nós podemos comparar isso, não sei, com o trabalho da criação em música.
Não se consegue nunca... quer dizer, quando alguém faz um álbum, faz o álbum
dentro de uma série de atmosferas de cosias que o preocupam na altura. E é claro
que as músicas partilham um estilo e não são iguais, mas têm denominadores
comuns. E isso só consegue encontrar n’alguns projetos. Nós não fazemos dois
projetos iguais. Não fazemos nem na habitação..., mas é frequente encontrar traços
comuns em vários projetos mesmo havendo variações, depois as coisas voltam a
acontecer.
Jorge: Nós temos projetos mais para achar que há só uma maneira de se
fazer e de desenhar. Tu podes ver que há muitos tipos de projetos diferentes que
saem de cá do ateliê. Mas há uma coisa em comum entre eles, o modo de como o
espaço é entendido. A qualidade do espaço, a compreensão do espaço é uma coisa
que para nós é muito importante. Nós conseguimos reconhecer noutros arquitetos
182
méritos que têm a ver com princípios de conceitos sociais etc., mas é bastante
menos concretizado espacialmente. Acho que há aqui uma coisa em que, por
ventura, nós trabalhamos sobre um legado que tem a ver com um tipo de arquitetura
vernacular portuguesa. Portuguesa que eu acredito que compartilha com a
arquitetura vernacular brasileira. Porque, na altura em que nossa história a partir de
um período se cruzaram, construía-se muita arquitetura e para nós são muito caros,
são muito queridos, os exemplos de arquitetura vernácula, que pelo lado de fora se
percebe que uma casa é uma casa.
Jorge: Sim. Mas isso também tem um gesto claro e fundativo de assumir, de
declarar que isso é uma casa, não é só uma associação, uma junção de coisas. Nós
sentimos muito isso na arquitetura do Alentejo ou do interior do país, sobretudo. E
essa dualidade que existe entre o interior e o exterior, essa... como é que eu vou
dizer... Essa cumplicidade que nós do Alentejo temos por espaços que são mesmo o
conceito de proteção de um espaço total, depois no interior ele é dividido e muitas
vezes ele já nem sequer tem teto, mas o espaço que se lê do lado de fora também
se lê do lado de dentro, nós pensamos o espaço interior como verdadeiramente um
vazio. Esse negativo que tu estás a dizer, ou esse escavar, ele pode ser mais claro
ou não, na maneira de desenhar, mas a intenção é sempre que o espaço interior
seja ele próprio também compreensível e que seja um volume.
Ele não é só uma consequência. As duas coisas tão desenhadas uma com
outra, o exterior e o interior. Existe essa propensão, essa tendência, para tornar o
espaço... Tornar tanto espaços interiores claros como a imagem exterior clara
também. E os limites são muitas vezes usados para abrigar tudo aquilo que é
preciso...
183
39
Louis Isadore Kahn (1901-1974) nasceu na Estônia, mas sua família mudou-se para os Estados
Unidos (Filadélfia), quando Kahn tinha apenas cinco anos. Foi naturalizado americano em 15 de maio
de 1914. É considerado um dos grandes nomes da arquitetura mundial do século XX.
40
Robert Charles Venturi (1925-) é um arquiteto norte-americano vencedor do Prêmio Pritzker de
1991. Formou-se em Princeton em 1947. Trabalhou com Eero Saarinen e Louis Kahn antes de formar
sua própria firma com John Rauch.
184
Jorge: Na área em preto, para dizer isto é cozinha, aqui é o frigorífico... Isso
parte logo do esquisso. Isso existe em todas as fases do trabalho. As fases,
eventualmente, em que isso é poupado, nas fases do projeto de execução, porque
isso pode ser ambíguo para quem está a construir, mas elas existem nos esquissos,
no anteprojeto, na parte de licenciamento, existem muitas vezes em projeto de
execução também, mas não com preto, mas com outras maneiras de representar
essa densidade e depois voltam a aparecer nas publicações. Isso é completamente
longitudinal em relação à maneira de pensar o espaço. Essa maneira de organizar
existe sempre... E as referências que nós temos, não há muitas referência que nós
precisamos dizer de arquitetos contemporâneos, quer dizer, há de vez em quando
os livros do Zunthor,41 que não andam muito longe; depois, por umas razões ou por
outras, há o Herzog42 ou mesmo o Koolhass43, ou outros, alguém que admiramos,
mas não há assim alguém em especial, mas a maneira que tu tinhas de desenhar
arquitetura há quinhentos anos não é distante da maneira que nós temos hoje em
dia de desenhar também. Portanto, se tu vires desenhos de arquitetura do século
XVI, século XVII, século XVII, XVIII, ela já tem manchas desenhadas dentro das
paredes e lá dentro estão todas as pedras, tudo aquilo que fabrica essa arquitetura.
Jorge: Sim. Ela serve para você definir outras coisas. Isso eu reconheço que
existe, mas eu acho que há mais... Volto a dizer que me parece que há mais
semelhanças com arquitetura vernacular que propriamente referências aos
arquitetos contemporâneos. Mas, enfim, é nossa maneira de pensar arquitetura, de
pensar espaço, pensar o mundo, e essa ideia das raízes interessa-nos bastante, não
para replicar, mas para servir de mote, para servir de caminho também como
reflexão.
41
Peter Zumthor (1943-) é um arquiteto suíço, agraciado com o Prêmio Pritzker de 2009. Estudou no
Pratt Institute em Nova Iorque na década de 1960.
42
Jacques Herzog (1950-) é um arquiteto suíço, nasceu na Basileia, estudou no Instituto Federal de
Tecnologia de Zurique. Vencedor do Prêmio Pritzker de 2001.
43
Rem Koolhaas (1944-) Nasceu em Roterdã, estudou na Architectural Association e Cornell
University em Nova Iorque. Vencedor do Prêmio Pritzker de 2000.
185
Gabriel: E o branco, digo a cor, que são pintadas as suas obras, geralmente
de branco, também podemos dizer que está dentro desse pensamento da
arquitetura vernacular portuguesa?
zonas iluminadas com contraste muito melhor que qualquer outro material de
qualquer outra cor.
Jorge: Sim. É uma pedra de origem vulcânica, por acaso não sei dizer de que
ilha que ela veio, mas o princípio era esse, era de haver uma relação com o Sol e
com a topografia, e se fossem vários materiais tu entras num diálogo entre... Não
sei, muros, paredes... E isso não nos interessa tanto. Mas não quer dizer que nós
não reconheçamos projetos que têm como princípio o uso de materiais diferentes,
porque reconhecemos que têm outros tipos de arquitetura que recorrem a esse
léxico e que funcionam, não é. Nosso caminho não é esse, não é um desprezo em si
por essa maneira de pensar, refletir e desenhar, mas não é o que nós procuramos.
187
Figura 137 – Centro de investigação de Furnas. S. Miguel, Açores, Portugal. Aires Mateus e
Associados
Fonte: Aires Mateus, 2016.
Gabriel: No Brasil, ainda temos uma ligação muito forte com a arquitetura
moderna. Nós somos um país jovem e a arquitetura moderna foi um período de
grande êxito em nosso país. Tivemos grandes arquitetos nesse período. E isso
reflete na maneira com que pensamos o espaço. A relação interior/exterior, é
praticamente transparente, muitas vezes, você entende o interior do lado externo ou
simplesmente, ao adentrar a obra, com um simples olhar você vê todo o espaço
praticamente. E isso na obra de vocês é o inverso. Os espaços que vocês criam são
mais labirínticos, por quê?
Jorge: Nós podemos falar das diferenças, nós também achamos que existem
especificidades muito grande em relação ao sítio onde se desenha. Eu, há pouco,
estava a falar da luz, da luz e da riqueza que a luz tem, mas nós também admiramos
muito essa fase mais rica da arquitetura brasileira, apesar de sabermos, que aquilo
que admiramos também é um pouco daquilo que nós não conseguimos viver. A
arquitetura brasileira é muito brasileira no sentido da relação com as condições do
clima que existe em seu país. Nós cá, por mais que queiramos estabelecer o mesmo
gênero de relações entre o interior e o exterior, a partir do momento em que temos
de ter dos vidros duplos aos vidros triplos, em que aquilo tem mais reflexo do que
transparência, a obra fica pesadíssima! E é um equívoco, passa a ser um equívoco.
188
Isso não tem mal nenhum, mas é até um equívoco nós cá tentarmos desenhar como
se desenha no Brasil, como seria para vocês desenhar como se desenha em
Portugal. E tem a ver com essas condições. Os livros do Paulo Mendes da Rocha
estão abertos por aí, do Niemeyer naturalmente também, mas isso é quase que as
vezes como uma espécie de desejo mais do que propriamente uma capacidade de
concretização. Mas é engraçado, porque nós gostamos da maneira como o interior
se relaciona com o exterior enquanto pele no sentido de transparência, mas não
desenhamos exatamente dessa maneira em que nada tem limites. O limite como ele
precisa de existir para nós é importante e saber como desenhá-lo. Eu não sei se os
espaços são labirínticos ou não, mas são complexos na maneira de organizar, sim,
sem dúvida. Mas eu acho que isso tem a ver com as condições que nós temos de
clima. Se nós desenhássemos no Brasil, iríamos querer desenhar assim. Como se
desenha no Brasil.
44
Valerio Olgiati (1958-) estudou arquitetura até 1986 na ETH Zürich. Em 1996, abriu seu escritório
em Zurich e, em 2008, em Flims.
45
Pezo Von Ellrichshausen é um estúdio de arte e arquitetura estabelecido em Concepcion, no sul do
Chile em 2002 por Mauricio Pezo e Sofia von Ellrichshausen. Mauricio Pezo completou seu Mestrado
em Arquitetura na Universidade Católica do Chile (Santiago, 1998) e é licenciado em Arquitetura pela
Universidad do Bio-Bio (Concepcion, 1999), e Sofia von Ellrichshausen é licenciada em Arquitectura
pela Universidade de Buenos Aires (Buenos Aires, 2002).
189
Figura 138 – Casa a Alvalade, Alentejo, Portugal, 1999. Aires Mateus e Associados
Fonte: Aires Mateus, 2015.
vão sendo alteradas ou afinadas de geração em geração, que faz com que
intrinsicamente as coisas sejam diferentes do mundo novo. E no mundo novo, posso
por, sei lá, a América toda, América do Norte, América do Sul, em que aí a grande
força é exatamente o que não existe na Europa, que é o “desrespeito” pelo que já
existia. Isso não é mau, são só condições diferentes. Mas quando a pessoa chega a
Nova York e compra um livro sobre todos os edifícios que já foram demolidos aí, a
pessoa fica a pensar “Ah! Como é que é possível? Eram edifícios magníficos que
existiam aqui e que foram demolidos, porque era preciso construir um centro
comercial”, e ninguém pestaneja. Não há qualquer pudor de o fazer. Isso também é
uma força e eu acho que é aquilo que fez com que a arquitetura do Brasil também
tivesse a força que tem, porque era sempre legítimo pôr tudo em causa e tudo podia
começar do início. E isso dá uma riqueza e uma liberdade que na Europa, por
ventura, não se consegue viver. Porque nós estamos sempre a trabalhar sobre
aquilo que já existia, e isto só se liga noutro sentido em que, por exemplo, numa
igreja, se tu pensares em numa igreja, uma igreja é mais ou menos por dentro aquilo
que tu vês por fora. Tu já tens... A forma que tu vês do lado de fora é mais ou menos
aquela que está no interior, é um espaço vazio.
E tu também sentes isso no Panteão em Roma. Vais a Roma, vais ao
Panteão e tens aquele volume todo vazio, também é uma coisa que de alguma
maneira tu sentes do lado de fora. E eu acho que nós, se calhar, continuamos esse
legado. E andamos preocupados com o interior e com o exterior, com a dualidade
entre as duas coisas e, sei lá, pensar agora também na catedral de Florença que tu
tens as duas cúpulas. As duas cúpulas são mesmo duas cúpulas, não é? Elas não
têm nada a ver uma com a outra, mas depois uma só cabe dentro da outra. Isso é
uma matéria que nós trabalhamos, mas eu acho que é uma especificidade da
arquitetura do mundo antigo, não é?
Do mundo velho que, da qual, às vezes, nós não conseguimos fugir e
custava-nos. Enquanto que o mundo novo, é pá! Mandava abaixo a catedral de
Florença se fosse preciso construir um parque de estacionamento. E isso não é mal.
E essa é a grande força da arquitetura no mundo novo. É o que também acaba por
proporcionar e por oferecer raciocínio e cultura ao mundo velho, que ele não teria se
continuasse a só viver nos seus vícios.
191
Figura 139 – Cúpula da Catedral de Florença, 1419, Itália, o projeto de Filippo Brunelleschi foi o
vencedor do concurso para a construção da cúpula
Fonte:http://ngm.nationalgeographic.com/2014/02/il-duomo/mueller-text. 2018.
Jorge: Sim, mas essa submissão ao contexto é uma coisa que vai estar. É
uma cosia que tem a ver com o tal mundo velho, é certo, mas é que o que é mais
engraçado, nós também temos um grande afeto pela cidade mais densa. Mas o que
é mais divertido nisso é pensar que a cidade medieval, ela é o produto dos muitos
compromissos entre pessoas. Aquilo não era desenhado com planejamento.
Portanto, o teu limite para fazer a tua casa era um limite em que tu sabias até onde
tu podias ir sem que o teu vizinho te viesse agredir. E tu tens... E a cidade era muito
mais surpreendente por isso, não é, porque no fundo essa cidade medieval tu vês
n’alguma parte de Lisboa, tu vês em Barcelona, vês em Roma, o espaço público
continua a ser uma vitrine de todos esses processos que são humanos, que são
46
Gonçalo Nuno Pinheiro de Sousa Byrne (1941 -) é um arquiteto português. Gonçalo Byrne
diplomou-se em Arquitetura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em 1968. Autor de uma
vasta obra, várias vezes premiada em nível nacional e internacional.
192
humanos por convivência, que são de compromisso, não saem só de uma cabeça,
saem de muitas condições diferentes. Nós também achamos... E depois é uma coisa
que eu ia falar, é claro que as cidades medievais foram construídas em ordem à
escala da pessoa, e não em ordem à escala do trânsito ou do carro. Mas, pronto,
mais uma vez, as cidades têm umas vantagens de capacidade de renovação, de
expansão, que uma cidade com casco histórico não tem tanto, não é. Uma cidade
como Nova York evoluiu muito mais nos últimos cem anos do que qualquer cidade
europeia nos últimos trezentos. E tem essa capacidade de adaptação que o mundo
antigo não tem. Mas a grande vantagem é o desenho em ordem à pessoa, e não o
desenho à máquina. Mas as duas coisas são valores urbanos muito diferentes, mas
igualmente legítimos.
Jorge: Não, chegamos naquela forma com maquete escava com lixa. As
nossas ferramentas para pensar o espaço são exatamente as mesmas de 20 anos
atrás. Mas aquele edifício, em particular, saía d’um programa de funções muito
específico e que nós achávamos que não podia ou não devia ter nada a ver com
aquilo que nós conhecêssemos como espaços cotidianos. Quer dizer, nasce mais
dessa missão de fugir de tudo aquilo que nós conhecemos, divisão de parede, porta,
de procurar uma relação com uma atmosfera irrepetível, do que outra coisa. Mas,
quer dizer, é uma coisa que sai da intuição ideológica, se tu quiseres, mas não
necessariamente de nós “agora queremos fazer coisas curvas”, não tem a ver nada
com isso. Os instrumentos são exatamente os mesmos que nós usávamos há 20
anos para projetar.
193
Jorge: Esta casa tem uma história curiosa. Nós tínhamos feito um projeto para
uns pequenos produtores imobiliários em Moura. Essa é uma cidade onde está o
maior lago da Europa ou foi o maior lago por muito tempo, fica no interior do
Alentejo. Essa área era muito, muito seca, e havia um rio que passava e foi
interrompido por uma barragem enorme. Muita, muita água junta serve os campos
da agricultura e tudo o mais. E aqui junto ao Alqueva47 existe uma coisa, uma terra
que se chama Moura – esta é Mourão, mas é aqui mais para cima – em que umas
pequenas coisas, uns pequenos investidores locais pediram-nos para fazer um
edifício que tinha nove casas e algumas lojas.
E nós fizemos, eles gostaram, eles ficaram bastante entusiasmados com a
arquitetura, com o projeto e tudo mais, e começaram a procurar outras maneiras de
investir ali e encontraram um terreno que era esse terreno junto à água. Eles
próprios que eram locais não sabiam desse terreno, ninguém sabia da existência
dele, isso foi há muitos, muitos anos – se calhar, há uns dez, 12 anos – eles
compraram o terreno. Compraram o terreno para fazer uma casa com a intenção de,
depois, venderem e estavam bastantes entusiasmados com aquela possibilidade, e
47
A construção dessa barragem permitiu a criação do maior reservatório artificial de água da Europa,
também chamado de Grande Lago ou Lago de Alqueva.
194
tudo o mais. Nós começamos a pensar nisso, começamos a visualizar isso, fizemos
o projeto até praticamente o licenciamento e eles ficaram apaixonados pela casa,
ficaram completamente entusiasmados e mesmo não sendo pra eles – porque a
intenção deles era fazer uma casa para depois venderem e se ter por investimento,
ficaram muito rendidos à ideia da casa e à maneira como ela se relacionava com a
água, era uma espécie de supressão de um pátio. Porque aí o que nós pensamos
foi: “Nós acreditamos num pátio enquanto relação de ligação com o exterior, mas é
um crime fazer um pátio com uma paisagem perfeita à frente”. Não se vai esconder.
Então, em vez de se fazer um pátio, como de costume, decidimos fazer um pátio
assim, tanto que o alpendre... Aquele alpendre é um espaço em si protegido. Pois é,
é um espaço com vinte e tantos metros quadrados, mas aquilo não é uma
continuação da casa, aquilo é o princípio de fundação que relaciona o interior com o
exterior naquela casa.
Quer dizer, aquela semi-cúpula ou aquela zona de alpendre que gera toda a
casa para trás. Aquilo, apesar de não ser fechado, é uma zona de relação com o
exterior, é o que legitima todo o resto que está atrás. Esse pátio é formado pelo
encontro de duas elipses que formam um buraco no teto. Essa ideia das elipses veio
duma outra referência que nós temos, que é intrigante.
Na Vila Adriana, em Roma, há uma cúpula que tem um buraco e foi mais ou
menos daí que ela veio, e foi na altura que se pensou “O que que aconteceu ali? O
que ela está fazendo ali em cima? O que que aconteceu para esse buraco estar aí?
Como é que aquilo existe?” E, na prática, há um buraco em cima, e isso é que
gerou... isso foi que fez com que se percebesse que a interseção entre duas cúpulas
pode dar a relação com o Sol, e é um sol que mexe pra todo lado. Naquele pátio,
faltava uma outra coisa, se me permite, falta uma outra cúpula aqui, que nós temos a
cúpula, que é da parte de cima do terreno, temos a cúpula, que é esta, como se
pode dizer que faz isto, que é da zona da proteção, e, depois, nós dizemos que o
terreno vem até aqui, que ele faz isto até aqui, mas falta uma terceira cúpula, que
esteve desenhada e que vai ser eventualmente construída, que é a cúpula da água,
que está aqui e ainda vai ser construída, isto daqui uma piscina, quer dizer, um lago,
uma coisa assim, porque é isto que faz com que o Sol que anda aqui e que se
espalha reflita depois o brilho todo da água e o cintilar da luz nesta cúpula toda que
recebe a luz do Sol e que tem depois tanto de luz direta como luz refletida pela
água.
195
se fez com umas condições muito, muito peculiares de entusiasmo pela arquitetura.
Que consolou nos antigos clientes que não queriam de maneira nenhuma.... Eles
sabiam que se vendessem este terreno com esta capacidade de construção que o
vendiam num instantinho e o vendiam por mais dinheiro. Eles conseguiriam ter feito
um lucro enorme, porque o terreno era extraordinário, mas não ia ser construída a
mesma coisa. E por isso é que eles nos disseram: “Nós queremos que vocês
construam a casa”. E nós dissemos: “Bora! Está bem! Bora! Vamos lá!” Vais gostar
desta casa e nós estamos ansiosos por ver como é que isso vai avançar. Acho que
sim... Esta casa é uma casa muito, muito extraordinária, sem dúvida!
Figura 141 – Casa em Monsaraz. Croqui feito por Jorge P. Silva na entrevista com o autor da
dissertação
Fonte: Jorge P. Silva, 2017.
197
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