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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

A CONSTRUÇÃO DO VAZIO

ANÁLISE DAS OBRAS DO ESCRITÓRIO DE ARQUITETURA AIRES MATEUS


(2000-2010)

SÃO PAULO

2018
GABRIEL CESAR E SANTOS

A CONSTRUÇÃO DO VAZIO

ANÁLISE DAS OBRAS DO ESCRITÓRIO DE ARQUITETURA AIRES MATEUS


(2000-2010)

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e


Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como
requisito parcial à obtenção de título de Mestre em Arquitetura.

Orientador: Prof. Dr. Wilson Florio

SÃO PAULO

2018
S237c Santos, Gabriel Cesar e.
A construção do vazio: análise das obras do escritório de
arquitetura Aires Mateus (2000-2010) / Gabriel Cesar e
Santos.
201 f.: il.; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) –


Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018.
Orientador: Wilson Florio.
Bibliografia: f. 197-201.

1. Aires, Mateus. 2. Arquitetura portuguesa. 3.


Construção do vazio. 4. Análise de projetos. I. Florio, Wilson,
orientador. II. Título.
CDD 720.981
Bibliotecária Responsável: Giovanna Cardoso Brasil – CRB/8 9605
Aos meus pais, Maria Helena e Isaias.
AGRADECIMENTOS

Aos Professores:
Prof. Dr. Wilson Florio
Prof. Dr. Silvio Stefanini Sant’Anna
Prof. Dr. Joubert José Lancha
Prof. Dr. Francisco Segnini Junior
Prof. Dr. Francesco Cacciatore

Ao arquiteto Jorge P. Silva, pelo material disponibilizado e pelas conversas,


ao Estudio Aires Mateus Associados e ao engenheiro Paulo Freire, por tê-los me
apresentado.

Aos amigos que ajudaram direta e indiretamente:


Cassio Oba, Diogo Luz, Eugenio Conte, Larissa Urbano, Marina Caio, Marina
Lessa, Ney Nicolau Zillmer Neto, Paulo Roberto, Rodrigo Perez e Tais Cristina.

E à minha esposa, Erika Seddon, pelo apoio inestimável.


RESUMO

A presente pesquisa se ocupará em estudar três obras do atelier de


arquitetura Aires Mateus, desenvolvidas aproximadamente no intervalo entre os
anos 2000 e 2010, período em que o escritório desenvolveu bases experimentais,
que, desde então, tornaram-se o modus operandi de sua produção. Serão
estudados os projetos do Centro de Arte Sines – Projeto (1998-2000) | Obra (2001-
2005), da Escola em Vila Nova da Barquinha – Projeto (2006-2009) | Obra (2010-
2011) e a Casa em Monsaraz – Projeto (2007-2009) | Obra (2010-), mediante
diversas hipóteses de leitura de acordo com as características de cada obra. Em
comum aos três projetos, o estudo se apoiará em quatro vias de aproximação,
quando será discutido o modo como cada obra foi concebida, representada
graficamente, organizada espacialmente e construída. É notado que seus trabalhos
têm caráter conceitual, com uma série de transgressões sobre a tradição
arquitetônica, transformando-os num fio condutor do tempo através da hibridação
entre a tradição e o contemporâneo. As equivalências por trás da organização
espacial, de questões fenomenológicas e da maneira de pensar os projetos se dão
pela busca de opções sobre o mesmo tema: o vazio.

Palavras-chave: Aires Mateus. Arquitetura Portuguesa. A construção do


vazio. Análise de projetos.
ABSTRACT

The present research will focus on the analysis of three projects of Aires
Mateus studio, developed between 2000 and 2010, period during which the office
developed the experimental bases later incorporated as the modus operandi of their
projects conception. It is within the scope of the present work the analysis of the
Sines Art Center (2001-2005), the school in Vila Nova da Barquinha (2006-2009) and
the Monsaraz house (2007-2009) through different perspectives according to the
characteristics of each work. The study will be based on four approaches, when it will
be discussed how each work was conceived, graphically represented, organized in
the space and constructed. It is noted that their works have a conceptual character,
with a series of transgressions about the architectural tradition, transforming them
into a conductor of time through the hybridization between tradition and
contemporary. The equivalences behind the spatial organization, phenomenological
questions and the way the projects were thought are given by the search for options
on the same theme: emptiness.

Keywords: Aires Mateus. Portuguese architecture. Building the emptiness.


Projects analysis.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Casa em Azeitão e Casa em Alenquer. Aires Mateus.............................. 19


Figura 2 – Hotel em Dublin e Museu Farol de Santa Marta....................................... 20
Figura 3 – Centro de Pesquisa de Furnas e Casa em Coruche. Aires Mateus ......... 20
Figura 4 – Centro Cívico Praça Eça de Queirós. Leiria. Gonçalo Byrne, 2003 ......... 30
Figura 5 – Casa em Alenquer. Aires Mateus, 2016 ................................................... 35
Figura 6 – Foto da instalação “Volátil” de Cildo Meireles na Tate Modern e foto da
Casa em Comporta de Aires Mateus ........................................................................ 37
Figura 7 – Gordon Matta-Clark, obra – Conical Intersect, 1975, 27-29, Rue
Beauborg, Paris. Aires Mateus, Casa na Estrela, 2012, Lisboa, Portugal, Gordon
Matta-Clark, obra – Splliting, 1974, Englewood, subúrbio de Nova Iorque e Casa em
Alcobaça, 2007 .......................................................................................................... 38
Figura 8 – Projeto da Instalação para La Biennale di Venezia 2010, intitulada Radix
.................................................................................................................................. 41
Figura 9 – Fotos das maquetes e do escritório Aires Mateus.................................... 43
Figura 10 – Herzog e De Meuron (armazém da Ricola (1986-1987) em Laufen e
galeria Goetz (1989-1992) em Munique .................................................................... 44
Figura 11 – Séries de maquetes de estudo para o Instituto de Farmácias
Hospitalares (1995-1998), o prédio comercial e de apartamentos (1993,2000) em
Solothurn de Herzog e De Meuron e a casa em Coruche de Aires Mateus .............. 45
Figura 12 – Igreja de San Filippo Neri em Casale Monferrato – Arq. Camillo-Guarino
Guarini; Volume do espaço interno da casa McCord – Arq. Frank Lloyd Wright;
Volume do espaço interno da igreja de San Filippo Neri_Casale Monferrato – Arq.
Camillo-Guarino ........................................................................................................ 49
Figura 13 – Fotos da Instalação para a Bienal de Veneza – Voids “Praticar o Vazio”
.................................................................................................................................. 50
Figura 14 – Átrio de la Alhambra – Desenho para o concurso de arquitetura para o
futuro Átrio de la Alhambra, Granada, Espanha ........................................................ 52
Figura 15 – Jorge P. Silva. Croqui inicial para o concurso para o convento de Nossa
Senhora de Los Reyes, Sevilha, 2004. ..................................................................... 53
Figura 16 – Peter Zumthor, Bruder Klaus Field Chapel – A leitura expressa na
representação gráfica, mostra o espaço interior e a volumetria exterior concebidas
de forma clara e independentes ................................................................................ 54
Figura 17 – Desenhos das plantas dos laboratórios de investigação médica A.N.
Richards (1957), projeto exposto em 1959 no CIAM XI, na cidade de Otterlo na
Holanda, em preto os espaços servidores e em branco os espaços servidos .......... 56
Figura 18 – Maquete volumétrica conceitual da Casa em Coruche .......................... 57
Figura 19 – Casa em Coruche. Diagrama volumétrico de subtração da forma dos
espaços servidos (principais) .................................................................................... 57
Figura 20 – Diagramas de forma, organização espacial e volumetria dos espaços
principais e secundários da Casa em Coruche ......................................................... 58
Figura 21 – Sinagoga Mikveh Israel, Filadélfia (1961-1970) e Claypotts Tower
Tayside, Scotland (1569)........................................................................................... 61
Figura 22 – Casa em Alvalade, Alentejo ................................................................... 61
Figura 23 – Casa em Alvalade, Alentejo. Circulações em vermelho (enfilades)
circulações em azul (corredores) .............................................................................. 62
Figura 24 – Mies Van Der Rohe, Grupo de casas-pátio ............................................ 64
Figura 25 – Centro de Monitorização e Investigação das Furnas. Cortes mostrando
relações entre a face interior e exterior e o poché aberto ......................................... 65
Figura 26 – Mapa de Roma de Giambattista Nolli ..................................................... 67
Figura 27 – Casa em Aroeira .................................................................................... 68
Figura 28 – Planta Figura-fundo da cidade de Parma e Planta figura-fundo do projeto
de Le Corbusier para Saint-Dié. ................................................................................ 69
Figura 29 – Imagem da esquerda, arquitetura vernacular portuguesa, referência
usada como base para o desenvolvimento do projeto em Moura. Imagem do centro,
pátio interno do centro comercial com residências em Moura se apropriando de
elementos já existentes e imagem da direita, foto externa do centro comercial com
residências em Moura, mostrando a relação com os edifícios do entorno e com a
rua. ............................................................................................................................ 70
Figura 30 – Projetos de maior relevância do Atelier Aires Mateus de 1990 a 2015 .. 76
Figura 31 – Ficha técnica, Centro de Artes de Sines ................................................ 78
Figura 32 – Foto obra construída .............................................................................. 80
Figura 33 – Foto do terreno após a demolição Cine Teatro Vasco da Gama, do
Teatro do Mar e um parque de estacionamento........................................................ 82
Figura 34 – Diagrama, implantação e fluxos ............................................................. 84
Figura 35 – Corte do entorno .................................................................................... 85
Figura 36 – Rua Cândido dos Reis cruzando o Centro de Artes Sines. No piso o
poema Acordai de Fernando Lopes Graça................................................................ 86
Figura 37 – Corte transversal e elevação frontal. Evidencia a via central e os pátios
nos edifícios. Fonte: Aires Mateus, 2015. ................................................................ 87
Figura 38 – Antón García-Abril e Débora Mesa, Musical Studies Centre, Santiago de
Compostela, 2002. Aires Mateus, Centro de Artes de Sines, Sines, 2006. Castelo de
Sines e Francesco Venezia, Laboratório de Prova de Materiais da Universidade de
Veneza, 1995 ............................................................................................................ 88
Figura 39 – Aberturas nas paredes do Castelo de Dover e na fachada frontal do
Centro de Artes Sines ............................................................................................... 89
Figura 40 – Planta subsolo 3, em preto estão os acessos, depósitos e shafts de
serviços. Centro de Artes Sines ................................................................................ 91
Figura 41 – Maquete, corte transversal. Centro de Artes Sines ................................ 91
Figura 42 – Foto pavimento subsolo 2. Centro de Artes Sines ................................. 92
Figura 43 – Planta subsolo 2 destacando os limites dos espaços de circulação e
diagrama figura fundo para evidenciar os mesmos espaços. Centro de Artes Sines 92
Figura 44 – Planta subsolo 1 destacando os limites dos espaços de circulação e
diagrama figura fundo para evidenciar os mesmos espaços. Centro de Artes Sines 93
Figura 45 – Planta pavimento térreo. Centro de Artes Sines .................................... 94
Figura 46 – Planta pavimento 1. Centro de Artes Sines ............................................ 94
Figura 47 – Planta pavimento 3. Centro de Artes Sines ............................................ 94
Figura 48 – Foto abertura café, pavimento 3. Centro de Artes Sines ........................ 95
Figura 49 – Prancha pavimento subsolo 3. Centro de Artes Sines ........................... 95
Figura 50 – Prancha pavimento subsolo 2. Centro de Artes Sines ........................... 96
Figura 51 – Prancha pavimento subsolo 1. Centro de Artes Sines ........................... 96
Figura 52 – Prancha pavimento Térreo. Centro de Artes Sines ................................ 97
Figura 53 – Prancha pavimento 1. Centro de Artes Sines......................................... 97
Figura 54 – Prancha pavimento 2. Centro de Artes Sines......................................... 98
Figura 55 – Prancha pavimento 3. Centro de Artes Sines......................................... 98
Figura 56 – Prancha cobertura. Centro de Artes Sines ............................................. 99
Figura 57 – Elevação e Corte transversal do Auditório. Centro de Artes Sines ........ 99
Figura 58 – Corte detalhes construtivos com espaços servidores em cinza claro.
Centro de Artes Sines ............................................................................................. 100
Figura 59 – Diagrama de subtração da massa representado em corte do Centro de
Artes de Sines, Portugal .......................................................................................... 100
Figura 60 – Diagrama de disposição das atividades do Centro de Artes de Sines,
Portugal ................................................................................................................... 101
Figura 61 – Espaço expositivo no segundo subsolo conectando todas as atividades.
Centro de Artes de Sines, Portugal ......................................................................... 102
Figura 62 – Galeria Principal do centro de exposições. Centro de Artes de Sines,
Portugal ................................................................................................................... 103
Figura 63 – Planta subsolo 3. Centro de Artes de Sines, Portugal.......................... 104
Figura 64 – Planta subsolo 2. Centro de Artes de Sines, Portugal.......................... 104
Figura 65 – Planta subsolo 1. Centro de Artes de Sines, Portugal.......................... 105
Figura 66 – Planta pavimento térreo. Centro de Artes de Sines, Portugal .............. 105
Figura 67 – Planta pavimento 1. Centro de Artes de Sines, Portugal ..................... 106
Figura 68 – Planta pavimento 2. Centro de Artes de Sines, Portugal ..................... 106
Figura 69 – Planta pavimento 3. Centro de Artes de Sines, Portugal ..................... 107
Figura 70 – Planta cobertura. Centro de Artes de Sines, Portugal .......................... 107
Figura 71 – Praça das Artes, Centro de Artes de Sines, Portugal........................... 108
Figura 72 – Diagrama de acessos e circulação. Centro de Artes de Sines, Portugal
................................................................................................................................ 109
Figura 73 – Foto do terreno após a demolição Cine Teatro Vasco da Gama, do
Teatro do Mar e de um parque de estacionamento ................................................. 110
Figura 74 – Foto da obra, subsolo. Centro de Artes de Sines ................................. 111
Figura 75 – Foto da obra, auditório. Centro de Artes de Sines ............................... 112
Figura 76 – Foto da obra, estrutura da biblioteca. Centro de Artes de Sines .......... 113
Figura 77 – Contraste entre luz e sombra. Centro de Artes de Sines ..................... 114
Figura 78 – Ficha técnica, Centro Escolar Vila Nova da Barquinha ........................ 116
Figura 79 – Foto obra construída ............................................................................ 118
Figura 80 – Mapa cidade de Vila Nova da Barquinha, Portugal. Ponto quadrado em
preto, terreno da escola........................................................................................... 120
Figura 81 – Mapa do entorno da escola em Vila Nova Barquinha, Portugal ........... 121
Figura 82 – Centro Escolar Vila Nova da Barquinha. Diagrama conceitual -
Modulação espacial e disposição final das atividades ............................................ 121
Figura 83 – Centro Escolar Vila Nova da Barquinha e Conjunto Habitacional da
Malagueira............................................................................................................... 122
Figura 84 – Centro Escolar Vila Nova da Barquinha ............................................... 123
Figura 85 – Centro Escolar Vila Nova da Barquinha e Projeto de um Museu ......... 124
Figura 86 – Diagrama de modelos escolares adotados para o conjunto escolar citado
anteriormente .......................................................................................................... 125
Figura 87 – Fotos do Grupo Escolar de Bemposta e Centro Escolar de Vila Nova de
Barquinhas, mostrando as diferentes volumetrias no topo dos edifícios ................. 126
Figura 88 – Planta diagramática dos módulos das atividades e elevações do Centro
Escolar de Vila Nova de Barquinhas ....................................................................... 127
Figura 89 – Planta térreo e corte do Centro Escolar de Vila Nova de Barquinhas .. 128
Figura 90 – Planta do Centro Escolar de Vila Nova de Barquinhas ........................ 129
Figura 91 – Corte construtivo do Centro Escolar de Vila Nova de Barquinhas ....... 130
Figura 92 – Diagrama de organização das atividades do Centro Escolar de Vila Nova
da Barquinha, Portugal ............................................................................................ 131
Figura 93 – Foto dos pátios internos. Escola em Vila Nova Barquinha, Portugal.... 132
Figura 94 – Diagrama dos limites das massas e dos vazios da escola em Vila Nova
Barquinha, Portugal ................................................................................................. 133
Figura 95 – Diagrama de organização das atividades internas da escola em Vila
Nova Barquinha, Portugal ....................................................................................... 134
Figura 96 – Diagrama de circulação e pontos visuais entre interior-exterior da escola
em Vila Nova Barquinha, Portugal .......................................................................... 135
Figura 97 – Croqui dos eixos de circulação periférica organizada em pórticos, cada
espaço entre os pórticos conta com diferentes pés-direitos .................................... 136
Figura 98 – Fotos do Centro Escolar de Vila Nova da Barquinha, mostrando as
diferentes tonalidades da cor branca ao passar do dia, Vila Nova da Barquinha,
Portugal ................................................................................................................... 137
Figura 99 – Diagrama de camadas de construção – Vila Nova Barquinha, Portugal
................................................................................................................................ 138
Figura 100 – Diagrama evidenciando os pátios internos – Centro Escolar Nova da
Barquinha. ............................................................................................................... 139
Figura 101 – Eixos Estruturais – Centro Escolar Nova da Barquinha ..................... 140
Figura 102 – Corte construtivo do Centro Escolar Nova da Barquinha ................... 141
Figura 103 – Obra quase finalizada do Centro Escolar Nova da Barquinha ........... 142
Figura 104 – Ficha técnica, Centro Escolar Vila Nova da Barquinha ...................... 144
Figura 105 – Foto, Casa em Monsaraz ................................................................... 145
Figura 106 – Imagem aérea da Vila de Monsaraz e da casa em Monsaraz............ 148
Figura 107 – Foto do terreno e da região do lago de Alqueva em Monsaraz .......... 149
Figura 108 – Foto de uma casa típica da região do Alentejo com alpendre ............ 150
Figura 109 – Casa em Monsaraz. Referências usadas pelos arquitetos, 1. Domus
Aurea de Nero – Sala Octogonal; 2. Villa de Adriano; 3. Gruta de Tibério .............. 151
Figura 110 – Diagrama da sequência dos espaços internos e vazios. Casa em
Monsaraz................................................................................................................. 152
Figura 111 – Casa em Monsaraz. Croqui feito por Jorge P. Silva na entrevista com o
autor da dissertação ................................................................................................ 153
Figura 112 – Casa em Monsaraz. Vista lateral, a casa implantada na condição
natural do terreno Fonte: http://afasiaarchzine.com/2017/12/aires-mateus-59/. 2017.
................................................................................................................................ 153
Figura 113 – Casa em Monsaraz. Vista da cobertura e das aberturas dos pátios
internos.................................................................................................................... 154
Figura 114 – Casa em Monsaraz. Contraste entre a sombra da cúpula e seu orifício
................................................................................................................................ 154
Figura 115 – Casa em Monsaraz. Vista da cobertura na quina da cúpula .............. 155
Figura 116 – Escultura “Radix” para Bienal de Veneza em 2012 e Casa em
Monsaraz 2007........................................................................................................ 155
Figura 117 – Casa em Monsaraz e Museu Parque De Los Cuentos em Málaga,
Espanha. Óculo escavado no topo da cúpula, criando um ponto focal na cobertura e
sob ele, a luz que penetra o espaço em forma de cúpula ....................................... 157
Figura 118 – Casa em Monsaraz. Criação do alpendre por subtração das cúpulas e
do espelho d’água ................................................................................................... 158
Figura 119 – Diagrama de evolução da forma e partido arquitetônico .................... 159
Figura 120 – Casa em Monsaraz. Implantação ....................................................... 160
Figura 121 – Casa em Monsaraz. Implantação ....................................................... 161
Figura 122 – Casa em Monsaraz. Cortes longitudinais ........................................... 162
Figura 123 – Casa em Monsaraz. Elevações .......................................................... 162
Figura 124 – Plantas das Casas em Leiria e em Monsaraz, condições iguais dos
dormitórios enterrados voltados para pátios internos .............................................. 163
Figura 125 – Kazimir Malevich (1878–1935) Supremus No.50, 1915. e Jackson
Pollock (1912-1956) Lucifer, 1947 ........................................................................... 164
Figura 126 – Programa funcional. Casa em Monsaraz ........................................... 166
Figura 127 – Casa em Monsaraz ............................................................................ 167
Figura 128 – Casa em Monsaraz. Detalhes da cobertura ....................................... 168
Figura 129 – Casa em Monsaraz. Fotos da obra .................................................... 169
Figura 130 – Oca Xinguana, índios Yawalapiti ........................................................ 170
Figura 131 – Casa em Monsaraz. Planta térreo ...................................................... 171
Figura 132 – Casa em Monsaraz. Cortes construtivo da cúpula e pátio interno ..... 171
Figura 133 – Casa em Monsaraz. Concretagem da cobertura e do óculo na cúpula
................................................................................................................................ 172
Figura 134 – Foto escritório Aires Mateus e Associados ........................................ 181
Figura 135 – Casa em Coruche. Aires Mateus e Associados ................................. 183
Figura 136 – Universidade de Arquitetura. Tournai, Bélgica. Aires Mateus e
Associados .............................................................................................................. 186
Figura 137 – Centro de investigação de Furnas. S. Miguel, Açores, Portugal. Aires
Mateus e Associados .............................................................................................. 187
Figura 138 – Casa a Alvalade, Alentejo, Portugal, 1999. Aires Mateus e Associados
................................................................................................................................ 189
Figura 139 – Cúpula da Catedral de Florença, 1419, Itália, o projeto de Filippo
Brunelleschi foi o vencedor do concurso para a construção da cúpula ................... 191
Figura 140 – Centro Mulçumano de Bordéus, 2016. Aires Mateus e Associados ... 193
Figura 141 – Casa em Monsaraz. Croqui feito por Jorge P. Silva na entrevista com o
autor da dissertação ................................................................................................ 196
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 17
2 ANTECEDENTES .......................................................................................................................... 23
3 A CONSTRUÇÃO DO VAZIO: QUATRO VIAS DE APROXIMAÇÃO ........................................... 32
3.1 A CONCEPÇÃO.......................................................................................................................... 32
3.1.1 Definição .................................................................................................................................. 32
3.1.2 Atuação .................................................................................................................................... 33
3.2 A REPRESENTAÇÃO................................................................................................................. 47
3.2.1 Definição .................................................................................................................................. 47
3.2.2 Atuação .................................................................................................................................... 48
3.3 A ORGANIZAÇÃO ...................................................................................................................... 54
3.3.1 Definição .................................................................................................................................. 54
3.3.2 Atuação .................................................................................................................................... 55
3.4 A CONSTRUÇÃO ....................................................................................................................... 59
3.4.1 Definição .................................................................................................................................. 59
3.4.2 Atuação .................................................................................................................................... 60
4 PRINCIPAIS PROJETOS 1990/2015 ............................................................................................ 73
5 A ANÁLISE DAS OBRAS............................................................................................................... 77
5.1 O CENTRO DE ARTES DE SINES ............................................................................................ 78
5.1.1 O momento .............................................................................................................................. 81
5.1.2 Introdução ................................................................................................................................ 81
5.1.3 A concepção ............................................................................................................................ 82
5.1.4 A representação ....................................................................................................................... 90
5.1.5 A organização ........................................................................................................................ 100
5.1.6 A construção .......................................................................................................................... 110
5.1.7 Conclusão .............................................................................................................................. 114
5.2 CENTRO ESCOLAR DE VILA NOVA DA BARQUINHA .......................................................... 116
5.2.1 O momento ............................................................................................................................ 119
5.2.2 Introdução .............................................................................................................................. 119
5.2.3 A concepção .......................................................................................................................... 120
5.2.4 A representação ..................................................................................................................... 126
5.2.5 A organização ........................................................................................................................ 130
5.2.6 A construção .......................................................................................................................... 138
5.2.7 Conclusão .............................................................................................................................. 143
5.3 CASA EM MONSARAZ, ALENTEJO ........................................................................................ 144
5.3.1 O momento ............................................................................................................................ 147
5.3.2 Introdução .............................................................................................................................. 147
5.3.3 A concepção .......................................................................................................................... 148
5.3.4 A representação ..................................................................................................................... 158
5.3.5 A organização ........................................................................................................................ 163
5.3.6 A construção .......................................................................................................................... 169
5.3.7 Conclusão .............................................................................................................................. 173
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 174
7 ANEXO ......................................................................................................................................... 179
ENTREVISTA .................................................................................................................................. 179
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................... 197
17

1 INTRODUÇÃO

O privilégio único da arquitetura entre todas as artes, seja edificando


casas, igrejas ou naves, não é abrigar uma vida cômoda e rodeá-la
de segurança, mas sim construir um mundo interior que dimensione
o espaço e a luz segundo as leis de uma geometria, de uma
mecânica ou de uma óptica, necessariamente implícitas na ordem
natural, mas em que a natureza não desempenha qualquer papel
(FOCILLON, 2001, p. 35).

O estudo do repertório de projetos de um arquiteto, por meio da análise dos


procedimentos, técnicas e soluções empregadas, revela a construção do
conhecimento, o qual fundamenta sua obra. Pelo estudo das obras dos irmãos
portugueses Aires Mateus e da submersão no processo criativo e experimental de
seu atelier, percebe-se tratar-se de uma arquitetura em busca da formação de
intensas relações entre o espaço arquitetônico e seu utente.
O projeto é pensado a partir da compreensão total do lugar onde a obra será
implantada, reformulada a partir do programa de necessidades atribuído e moldado
pelas condições impostas direta ou indiretamente, as quais acabam por definir
grande parte das soluções arquitetônicas. Suas obras são abertamente carregadas
de tradições e experiências que os irmãos arquitetos trazem de sua própria vivência
global e local, estando em constante sintonia com as mudanças de seu tempo,
procurando interpretá-las em suas obras a despeito de onde estejam situadas.
A presente pesquisa aponta quatro conceitos subjacentes à obra dos
arquitetos Aires Mateus, caracterizados pela exploração dos limites físicos de seus
projetos, pelo percurso que se faz para a descoberta paulatina dos espaços, pelos
próprios espaços intersticiais e labirínticos e pela grande carga de atributos
fenomenológicos que suas obras carregam.
Conforme Carlotta Tonon e Francesco Cacciatore (2011, p. 20), os irmãos
portugueses apoiam-se em três níveis de análise do espaço, desenvolvidos em três
períodos distintos, que abrangem o período entre 2000 e 2010: o primeiro nível de
análise apoia-se numa pesquisa sobre as medidas do cheio e do vazio referindo-se
às proporções espaciais e às recíprocas relações entre elas; em seguida, o estudo
da própria construção da matéria que delimita e organiza o espaço, pensada de
forma precisa e clara, com o intuito de favorecer a melhor compreensão espacial e
18

volumétrica do projeto arquitetônico; e, enfim, a configuração espacial é


controlada por meio de formas arquetípicas, as quais já foram amplamente
experimentadas e postas à prova no decurso do tempo. Complementadas as três
sínteses, o uso controlado da luz natural torna-se imprescindível para a total
compressão da proporção, da matéria e da forma espacial e volumétrica.
Como dito anteriormente, os três níveis de controle sobre o espaço foram
objeto de maior análise aproximadamente no período em que esta dissertação se
apoiará. Esse intervalo foi marcado pelo desenvolvimento contínuo de pesquisas
acerca do vazio, inicialmente tratado como um manifesto por parte dos irmãos Aires
Mateus. Naturalmente, com o passar dos anos, o maior controle desses níveis
tornou suas obras mais complexas e precisas e, hoje, esses conceitos já incorporam
suas obras de forma natural e espontânea.
O referido período (2000-2010) percebido como a fase em que os irmãos
atingiram sua maturidade arquitetônica ao desenvolver os três níveis de
compreensão espacial em suas obras, que, segundo Carlotta Tonon e Francesco
Cacciatore (2011), divididem-se em três momentos distintos.
O primeiro momento se encontra no período entre 1999 e 2003, que se
caracteriza pela pesquisa enfática sobre as medidas do cheio e do vazio. Referindo-
se às proporções espaciais e às recíprocas relações entre elas, chega-se ao
momento de sua maior expressão na casa em Alenquer (1999-2002), seguidas pela
casa em Azeitão (2001-2003), pela casa em Alvalade (1999) e, por último, pela casa
no Alcácer do Sal (2003).
Os limites internos de cada ambiente e o exterior do edifício são os locais
onde a obra dos irmãos arquitetos ganha maior significado, passando o muro a
auferir peso e espessura, tornando-se um lugar onde se experimenta a possibilidade
de habitar em diferentes escalas e determinando uma experiência de contínua
dilatação e compressão espacial. O tema do “muro habitado”, o muro que contém
espaço, encontra-se em maior e mais complexa atuação nos projetos do Centro de
Artes de Sines (1998-2005) e do concurso para o Grande Museu no Cairo (2002).
19

Figura 1 – Casa em Azeitão e Casa em Alenquer. Aires Mateus


Fonte: Daniel Malhão.

Pode-se dizer que o segundo momento corresponde ao período entre 2003 e


2007, o qual coincide com projetos de edifícios públicos e residenciais coletivos.
Nesse período, o tema da articulação das proporções entre o cheio e o vazio parece
transcender o limite da superfície externa dos edifícios, havendo a confirmação do
uso dos muros que contêm espaços e ajudando na compreensão dos espaços
principais internos aos edifícios.
Além dos muros que delimitam e contêm espaços, a forma externa é
trabalhada de modo autônomo para maior expressão e compreensão das suas
obras. Ou seja, a volumetria é concebida com o intuito de ser entendida
imediatamente, sendo o revestimento externo monocromático usado para enfatizar
ainda mais a sua forma, como se cada elemento da composição fizesse parte de
uma mesma lógica incorporando-se à volumetria. Para esse período, pode-se citar
as obras do Hotel de Dublin (2003-2006), do Museu Farol de Santa Marta (2003-
2007) e, por último, do Centro Escolar Vila Nova da Barquinha (2006-2011), as quais
se mesclam com o já citado Museu de Arte de Sines, mostrando que a
categorização ou a separação em períodos e em fases não é tão clara e óbvia, mas
somente uma maneira de situar as obras dentro de um pensamento que nem
sempre é tão linear e sucessivo.
20

Figura 2 – Hotel em Dublin e Museu Farol de Santa Marta


Fonte: Daniel Malhão e FG+SG.

Por fim, a terceira e mais recente fase dos arquitetos, desenvolvida em sua
maior parte entre os anos de 2007 e 2012, compreende uma série de pequenas
casas de habitação e alguns projetos urbanos, em que o vazio é trabalhado
realmente como um volume vazio e separadamente do volume construído externo.
As formas arquetípicas internas se hibridam ao volume externo das
residências desse período, transparecendo uma relação entre interior e exterior mais
complexa e mais visível, visto que, em determinados pontos, o volume interior
extrapola o volume externo mostrando-se como elemento compositivo da volumetria
externa e trabalhando para que a luz evidencie melhor sua forma tanto interna
quanto externamente.

Figura 3 – Centro de Pesquisa de Furnas e Casa em Coruche. Aires Mateus


Fonte: FG+SG e Francisco Caseiro.

Com o decurso do tempo, os irmãos arquitetos foram encontrando formas


mais eficazes de unir as três sínteses ditas anteriormente, aliando o componente
21

espacial às proporções, matéria e luz. Podem ser citadas como exemplares de


referida fase o Centro de Pesquisa de Furnas (2005-2010), a Casa em Monsaraz
(2007), a Casa em Coruche (2007-2011) e o Museu Parque de Los Cuentos em
Málaga (2010).
Assim, a presente pesquisa visa ao estudo de três obras dos arquitetos Aires
Mateus, cada uma correspondente a uma das três fases citadas no período de 2000
a 2010.
Em pesquisas anteriores, não se logrou em deter-se ao estudo acerca do
espaço nas obras dos irmãos portugueses, questão tratada de forma mais
abrangente. São claras as manifestações e intenções dos arquitetos ao projetar
suas obras, porém apenas a análise isolada de cada obra, relacionando-as com
outras dos mesmos autores e de outros ao longo da história, permite a revelação do
processo criativo e de suas fases seguintes do escritório Aires Mateus.
O objetivo da presente pesquisa, portanto, é analisar os conceitos e as
estratégias projetuais correspondentes aos três momentos das obras dos arquitetos
aqui estudados no período aproximadamente entre 2000 e 2010, momento em que
os próprios autores dizem ser de grande importância na formação do pensamento
arquitetônico em suas obras.
O objeto de estudo desta pesquisa são os projetos a seguir:
Centro de Arte de Sines – Projeto (1998-2000) / Obra (2001-2005);
Escola em Vila Nova da Barquinha – Projeto (2006-2009) / Obra (2010-2011);
Casa em Monsaraz – Projeto (2007-2009) / Obra (2010-).
A dissertação será dividida em duas partes: a teórica e a empírica, que, por
sua vez, é subdividida em capítulos. Para a parte teórica, utilizou-se de referencial
teórico-conceitual, que discorre de assuntos ligados ao tema principal desta
dissertação. A análise das obras e a problematização dos resultados obtidos
comporá a parte empírica.
O primeiro capítulo do presente estudo revela, de forma abrangente, os
principais acontecimentos políticos e culturais que levaram Portugal a desenvolver
uma arquitetura moderna tardia ligada à tradição de seu país. Ingressando no
âmbito da arquitetura portuguesa, mencionam-se alguns arquitetos como Nuno
Portas, Nuno Teotônio e principalmente Fernando Távora, entre outros que iniciaram
um trabalho de transformação do pensamento arquitetônico que formaram bases
22

referenciais para os profissionais mais jovens, consolidando a arquitetura portuguesa


como uma arquitetura genuinamente de seu país.
O segundo capítulo discorre sobre as aproximações elaboradas desde textos
escritos por Francesco Cacciatore e João Belo Rodeia, além de conversas entre
Manuel Aires Mateus, Gonçalo Byrne e Valentino Capelo de Sousa, como também
entrevista realizada pelo autor da dissertação com o arquiteto associado do Atelier
Aires Mateus, Jorge P. Silva, em um dos ateliers de Lisboa. Procura-se, com as
aproximações acerca da construção do vazio, abordar um pouco da prática e da
visão sobre a arquitetura que os membros do Atelier Aires Mateus Associados
buscam. Essa aproximação se dá a partir de uma leitura sobre a maneira de
conceber, organizar, representar e construir seus projetos.
No terceiro capítulo será mostrado os principais projetos do Atelier em estudo
no período entre 1990 e 2015. A seleção dos projetos foi feita a partir dos materiais
recebidos do atelier Aires Mateus e através de publicações em sites e revistas
especializadas, além de palestras e bienais de arquitetura que membros do atelier
participaram.
O quarto capítulo será desenvolvido por meio de discussões sobre os três
projetos selecionados conforme a leitura feita no capítulo anterior. Os estudos se
apoiarão nas três vias de aproximação desenvolvidas no segundo capítulo através
de peças gráficas recebidas do escritório Aires Mateus e em outras desenvolvidas
pelo autor da dissertação.
O capítulo subsequente será pautado por discussões acerca dos
procedimentos e das características das obras dos irmãos Aires Mateus. Desse
modo, será possível o leitor identificar as estratégias projetuais, assim como uma
clara demonstração de um processo não compositivo.
E por fim, no anexo constará uma entrevista feita pelo autor dessa
dissertação ao arquiteto associado do atelier Aires Mateus Jorge P. Silva.
23

2 ANTECEDENTES

A liberdade na arquitetura é sermos capazes de relatar com clareza


as nossas memórias [...] qualquer pessoa faz uma casa; a
capacidade de tornar poéticas as suas memórias e a liberdade do
fazer é talvez o que define a arquitetura1 (MATEUS, 2010).

Brasil e Portugal seguiram caminhos “simétricos e opostos” (WISNIK, 2008, p.


42) no seu processo de modernização da arquitetura. Enquanto em 1930, no Brasil,
havia uma produção consistente que influenciava o panorama da arquitetura
internacional, Portugal permanecia isolado desde 1926, quando foi estabelecida a
ditadura no país, permanecendo sem grandes inovações até os anos 1960,
momento em que se iniciou um movimento lento e constante de abertura política,
consolidando-se após a Revolução dos Cravos em 1974.
No entanto, os conceitos da arquitetura moderna, nessa época já plenamente
aplicados em muitos países, há algum tempo, tardaram em adentrar Portugal
mesmo nos anos seguintes após a Revolução dos Cravos (IBELINGS, 2008, p. 44).
Financiados pelo governo português da época, alguns arquitetos, dentre eles Nuno
Portas, Nuno Teotônio, Antônio Menéres e Fernando Távora, iniciaram em 1955
uma extensa pesquisa de recuperação da tradição construtiva rural em seu país,
ficando conhecida como o Inquérito à Arquitetura Popular Portuguesa, publicada em
1961 com o título Arquitetura Popular em Portugal.
A proposição inicial desta pesquisa baseava-se na demonstração da
existência de uma arquitetura tipicamente portuguesa. Entretanto, os arquitetos
participantes, em viagem ao país, depararam-se não somente com um modelo de
arquitetura vernacular, mas com diversas arquiteturas portuguesas nas diferentes
regiões visitadas. Além das características construtivas, como as questões materiais
onde a distinção entre o norte e o centro sul fica evidente nas construções em pedra
e em calcário branco respectivamente, surge também como premissa importante
dentre as discussões estabelecidas a questão da territorialidade muito defendida
pelos arquitetos da escola do porto, lembrando que Portugal é um dos menores
países da Europa.
Tal expedição, sem dúvida, encorajou os arquitetos da época para a
retomada histórica e da tradição portuguesa, de inquestionável relevância ao pôr-se

1
Entrevista. Os Aires Mateus são dois, mas são um. Anabela Mota Ribeiro – 22/11/2010.
24

como arranque das bases para a formação de uma geração de arquitetos modernos
em Portugal, dentre eles Álvaro Siza e Souto de Moura, outrora se desdobrando na
chamada “Escola do Porto”.

A tardo-moderna arquitetura portuguesa se constitui, e se lança


efetivamente ao mundo, de modo concomitante à eclosão do pós-
modernismo na Europa e nos Estados Unidos, absorvendo dele um
componente crítico, realista e heterodoxo, que dissolve a matriz
utópica e universalista do projeto moderno. Contudo, os estilhaços
que restam do compromisso ideológico moderno sobrevivem em
Portugal, numa ética construtiva assentada sobre os princípios
fortemente tectônicos daquela tradição popular inventariada no
Inquérito (WISNIK, 2008, p. 48).

No Brasil, após a construção de Brasília, inaugurada ainda incompleta em 21


de abril de 1960, e sobretudo a partir do golpe militar em 1964, a produção
arquitetônica passou por um profundo corte de perspectivas, assistindo ao exílio e
cassação de arquitetos importantes, como Vila Nova Artigas e Oscar Niemeyer
dentre outros.
Lucio Costa, que vinha de uma formação acadêmica do espirito da Beaux-
Arts, tinha uma postura de mediação entre a arquitetura de renovação acadêmica e
o modernismo de vanguarda de Le Corbusier, visto que, ao desenvolver uma
pesquisa particular, percebeu que a identidade entre a modernidade e a tradição
local era muito mais um projeto pessoal seu do que uma verdade generalizável e
duradoura, levando-o a admitir que, após duas viagens de estudo em Portugal, entre
1948 e 1952, não existiam laços entre a “arquitetura original da metrópole” (WISNIK,
2008, p. 49) e aquela produzida na colônia. Ao observar em sua viagem os
exemplos da arquitetura tradicional portuguesa, pôde constatar a diferença entre
estilos derivados da correta utilização da técnica construtiva tradicional e a cópia
confusa com diferentes estilos, que produzia a idealização neocolonial.2
Adiante, no longo e importante texto intitulado “Muita Construção, Alguma
Arquitetura e Um Milagre”3, conclui que a modernidade destrói impiedosamente a
tradição artesanal, pois “[...] a força viva avassaladora da idade da máquina havia
tornado obsoleta a experiência tradicional acumulada nas lentas e penosas etapas

2
COSTA (1955, p. 16).
3
Revista catálogo. Agosto de 1962.
25

da Colônia e do Império, a ponto de lhes apagar, em pouco tempo, até mesmo as


lembranças”.
Portugal ainda passava pelas consequências da ditadura de Salazar e,
diferentemente dos países membros da Comunidade Econômica Europeia (CEE),
sofria com a pobreza e o isolamento, porque não acompanhou a rápida
modernização havida entre os outros países membros durante as décadas de 1960
e 1970. De acordo com Hans Ibelings (2008), o lapso democrático fez com que a
arquitetura moderna deixasse de ser posta em prática no país, conservando, quando
praticada, um elemento de contracultura que havia sido perdido praticamente em
todo o resto dos países membros da CEE.
Todavia, um projeto arquitetônico e político de habitação popular criado
poucos meses após o dia 25 de abril de 1974, foi o programa de construção de
habitações do Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), encabeçado pelo
arquiteto e urbanista Nuno Portas, que construiu habitação social nas cidades de
Lisboa, Porto, Setúbal e no Algarve, entre 1974 e 1976, um dos únicos projetos que
colocou em prática alguns conceitos da arquitetura moderna no país, porém de uma
forma bem diferente.
A proposta básica era implantar, em grandes terrenos afastados dos centros,
projetos desenvolvidos com participação dos futuros moradores, tendo, dentre os
autores dos projetos, notórios arquitetos portugueses, como o próprio Nuno Portas,
Gonçalo Byrne e Álvaro Siza, que assinou dois conjuntos. Logo no início de 1980, já
num período pós-moderno, as referências à arquitetura moderna nos trabalhos do
arquiteto Álvaro Siza, conforme Hans Ibelings (2008), veio com uma carga ideológica
muito diferente do resto do mundo, pela utilização de ferramentas e recursos
modernos, a fim de criar uma arquitetura que dialoga com o seu entorno, sem
produzir grandes contrastes. Isso porque a arquitetura abstrata, branca e
geométrica, geralmente associada ao modernismo, está muito mais próxima da
tradição vernacular e do estilo da construção local do sul da Europa do que daquela
ao norte do continente, o que certamente acabou influenciando os novos arquitetos
que viriam a surgir naquele país na década seguinte, como os irmãos Aires Mateus.
No início da década de 1990, apareceram em Portugal, dentre os arquitetos
de uma nova geração, os irmãos Aires Mateus: Manuel Rocha Aires Mateus (1963) e
Francisco Xavier Rocha Aires Mateus (1964), ambos naturais de Lisboa.
26

Tiveram grande influência artística da mãe que pintava e escrevia e


do pai arquiteto. Os dois concluíram o ensino secundário na escola
artística Antônio Arroio e se formaram na Faculdade de Arquitetura
na Universidade Técnica de Lisboa nos anos de 1986 e 1987,
respectivamente (CASTRO, 2008, s/p).

No período, Portugal recebeu grandes investimentos dos países que estavam


ingressando juntamente com ele na antiga Comunidade Econômica Europeia (CEE),
atual União Europeia (UE):

[...]. Os anos 90 em Portugal são caracterizados por um bem-estar


econômico e um interesse político pela modernização do país
surgida na década de 80 após o rescaldo da Revolução de Abril de
1974. A estabilização política, a recuperação financeira do setor
privado e principalmente a adesão à CEE em 1986, com a
consequente chegada dos Fundos Estruturais, criaram uma
conjuntura nacional favorável ao investimento que se veio a inverter
apenas com a entrada no novo século. Foram anos em que a
arquitetura, enquanto atividade profissional, adquiriu um forte
protagonismo, fazendo jus à condição de instrumento mediático que
(Inter)nacionalmente começava a assumir (CASTRO, 2008, p. 19).

Em 1983, ainda cursando a universidade, Manuel Aires Mateus iniciou sua


colaboração com o arquiteto Gonçalo Byrne4 em seu atelier em Lisboa, com o
posterior ingresso de Francisco, que, até então, colaborava com o arquiteto Eduardo
Trigo de Sousa, permanecendo a referida composição até 1988, quando decidiram
fundar o seu próprio atelier: Aires Mateus e Associados. Hoje, com dois ateliers
próximos um do outro na cidade de Lisboa, compõem uma equipe jovem de diversas
nacionalidades, que sempre se renovam, contando com o auxílio dos arquitetos
associados que coordenam todos os projetos, uma vez que, além da prática na
arquitetura, os irmãos Aires Mateus lecionam na Universidade Técnica de Lisboa e
na Lusíada Academia de Arquitetura de Mendrizio ao sul da Suíça, além de terem
sido professores convidados da Faculdade de Arquitetura de Harvard, nos Estados
Unidos da América, e na Escola de arquitetura de Oslo em 2009.

[...] trabalhei num escritório do engenheiro Crespo, que dividia o


espaço com o Gonçalo. Fiz de paquete e de moço das cópias, até ir
para a sala de desenho, onde comecei por desenhar estruturas.
Talvez no 12º ano, com 16 ou 17 anos, passei para o Gonçalo, e fiz o
curso todo a trabalhar para ele. O Francisco começa a trabalhar mais

4
Correio da Manhã, Caderno Urbanismo e Construções, p. 1, 15 jun. 1951; HYPERLINK
"http://hemerotecadigital.bn.br/" http:
27

tarde, porque fazia aquelas coisas todas. Começa com o Trigo de


Sousa, outro amigo dos meus pais. Quando vem trabalhar, já teria
acabado o curso. O Gonçalo é que permite que tenhamos acesso a
uma boa biblioteca. É uma pessoa com um conhecimento infinito de
arquitetura (MATEUS, 2018, s/p).

Além da figura de Álvaro Siza como uma referência mais abrangente e


abstrata, é fundamental destacar a presença pessoal do arquiteto Gonçalo Byrne
para a formação dos dois profissionais, influenciando-os diretamente no período em
que colaboraram em seu atelier.
Byrne graduou-se na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa em 1968,
estagiou com o arquiteto Raul Chorão Ramalho e, posteriormente, no início de sua
carreira profissional, colaborou com Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas, havendo
sido autor de vários projetos premiados. Nuno Teotônio era membro honorário da
Ordem dos Arquitetos desde 2004 e Doutor Honoris Causa pela Faculdade de
Arquitetura da Universidade do Porto (2003) e pela Faculdade de Arquitetura da
Universidade de Lisboa (2005). Entre 1948 e 1972, foi consultor de Habitações
Econômicas na Federação das Caixas de Previdência, tendo realizado o primeiro
concurso para habitações de renda controlada e, posteriormente, sido contemplado
com o segundo Prémio Nacional de Arquitetura da Fundação Calouste Gulbenkian
(1961), pelo Edifício das Águas Livres, e com Prêmios Valmor para a Torre de
Habitação nos Olivais Norte (1967), Edifício Franjinhas (1971) e Igreja do Sagrado
Coração de Jesus (1975).5
Nuno Portas é arquiteto urbanista e professor agregado da Escola Superior
de Belas-Artes de Lisboa (Esbal), onde lecionou entre 1965 e 1971, além de
professor catedrático da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto,
exercendo a crítica de arquitetura em várias revistas portuguesas e estrangeiras,
que lhe permitiram receber o Prêmio Fundação Calouste Gulbenkian de Crítica de
Arte em 1965. O Núcleo de Arquitectura e Urbanismo (NAU) do Laboratório Nacional
de Engenharia Civil (LNEC) é herdeiro de uma longa tradição de pesquisa em
arquitetura, iniciada na década de 60, com Nuno Portas que nesse período, também
veio ao Brasil estudar no Rio de Janeiro o fenômeno das favelas.6
Gonçalo Byrne iniciou o seu próprio percurso na arquitetura em 1974, já
carregando as bases obtidas pela experiência de trabalho com esses dois grandes

5
Arquivo DN – Diário de Notícias, 20 de janeiro de 2016.
6
Artigo de Sérgio C. Andrade – 29 de maio de 2013, jornal Público.
28

arquitetos. Conforme citado anteriormente, colaborou com o projeto SAAL e o


conjunto residencial do Casal das Figueiras. Suas obras foram ganhando destaque,
principalmente por atributos como a redução linguística, atendo-se apenas ao
essencial, ao uso discreto e fundamental dos materiais locais, pela integração delas
ao seu entorno e pela presença de sistemas construtivos tradicionais de seu país.
Apesar de ser uma arquitetura sofisticada em seus detalhes, está totalmente
relacionada à arquitetura popular Portuguesa.

Entenda-se por ‘Arquitetura Popular’ como aquela que diz respeito a


um povo, que contém na sua génese a identidade e necessidades da
sociedade a que se destina responder, uma arquitetura social, sem
imposições, onde a verdadeira imposição é servir o Homem que a vai
habitar (LOPES, 2012, p. 25).

Principalmente Álvaro Siza, mas também Souto de Moura e os mais jovens


arquitetos, como Carrilho da Graça e os próprios irmãos Aires Mateus, estão
cercados desses princípios ligados à arquitetura popular de seu pais, que pode
aproximá-lo do conceito criado por Alexander Tzonis e Liane Lefaivre chamado
“regionalismo crítico”, que mais tarde foi popularizado por Kenneth Frampton, quem
deu quase que exclusiva atenção aos arquitetos que viviam em países considerados
periféricos e produziam arquitetura de altíssimo nível.
Ressalta-se que, antes mesmo de esse conceito ter tido um nome, ele foi
muito debatido pelo arquiteto Fernando Távora e seus contemporâneos já citados
anteriormente. Ao modo deles, propunham apreender a funcionalidade, a beleza e o
saber técnico da arquitetura popular em Portugal sem qualquer nostalgia,
anacronismo ou populismo:

[...] se a influência de Nuno Portas é teórica e discursiva, de certa


forma acadêmica, ainda que sempre perpassada por uma
intencionalidade política última, a de Siza é fundamentalmente
estética: Trata-se de saber olhar para saber propor, a partir de
raciocínios que partem da simplicidade do partido tipológico ou da
elaborada simplicidade produzida a partir do retorno às origens
próximas aos mestres do século XX. Não é possível ignorar este
componente linguístico de Gonçalo Byrne apesar do seu extremo
cuidado, do seu permanente controle racional do processo de
projeto, da sua vontade ecuménica de fazer da proposta formal e
construtiva uma síntese, um lugar de encontro de uma precisa
multiplicidade de requisitos (SOLÀ-MORALES, 1998, p. 20).
29

Manuel, primeiramente, seguido por Francisco, assumiram coautoria em


vários projetos de Gonçalo Byrne. A trajetória realizada em íntima colaboração com
uma das figuras mais importantes da arquitetura portuguesa foi certamente
fundamental na formação dos dois como profissionais. No entanto, essa influência
não se manifesta em nenhum tipo de vínculo formal ou estilístico, mas sim num
estado mais latente, isto é, na particular maneira de intervir nos lugares onde suas
obras são desenvolvidas, apropriando-se das condições do lugar e sempre
buscando qualificar o seu entorno.
Certamente, essas características não se restringem aos arquitetos citados,
mas a um pequeno conjunto de arquitetos portugueses que trazem consigo a
tradição e o valor de sua arquitetura.

[...] não há lugares não construídos. O que acontece é que quando


pensamos na cidade, e há em todos nós uma abordagem parecida,
tentamos a compreensão da cidade como uma cidade europeia, com
história, com muitos traços sobrepostos. Todos temos a ideia de que
é necessária uma análise cuidada dos valores em presença. É a
preservação e a elevação dos valores e a substituição dos não
valores pela possibilidade de novos valores. Isto é igual para uma
grande parte da boa arquitetura portuguesa. A maneira como
concluímos é que talvez possa ser diferente. De alguma maneira, até
é isto que define a boa arquitetura portuguesa. Esta capacidade de
olhar, perceber as possibilidades de transformação, manter valores
que possam estar em presença, sublinhar outros e transformar ainda
outros, sempre com a ideia de respeito pela preexistência. Não acho
que exista grande diferença nessa raiz. A forma de fazer é talvez
diferente, mas isso é outro assunto (MATEUS, 2018, s/p).

A capacidade de intervenção em contextos de extrema complexidade no


trabalho de Gonçalo Byrne faz com que cada proposta procure consistentemente
uma forma de se adequar, de se encaixar ao local da intervenção. Segundo João
Bello Rodeia7,

[...] seus projetos são construídos mediante o recurso de uma


relação umbilical com o tempo e a memória. A profunda capacidade
de análise e compreensão de diferentes situações de cunho
extraordinariamente erudito se mescla com um realismo construtivo
de matriz urbana ou territorial que se traduz em um sistema de
espaços de enorme sensibilidade e ao mesmo tempo de uma
evidência tal, que se aproxima quase do anonimato.

7
Artigo em Revista 2G, n. 28, p. 5 – Sobre um recorrido.
30

Os Aires Mateus partilham de Byrne a mesma maturidade e entendimento do


contexto em que são inseridos os seus projetos, sendo, porém, muito mais evidente
a abordagem que eles têm ao projetar suas obras quando comparadas com as de
Byrne, que têm abordagens muito diversas. Mas ao propor uma ideologia de projeto
muito particular, revisitada em cada novo desafio, admite-se que é um processo de
amadurecimento dela própria, esgotando todas as possibilidades de um determinado
raciocínio antes de desviar o olhar.

Figura 4 – Centro Cívico Praça Eça de Queirós. Leiria. Gonçalo Byrne, 2003
Fonte: João Morgado

Essa estratégia faz com que os seus projetos adquiram uma linguagem
própria e comum entre eles, sendo a base de toda essa estratégia a forma como os
autores entendem os espaços interior e exterior em suas obras. Toda transformação
e exploração partem dos desenhos interior e exterior de forma livre sem um ser
consequência do outro.

Gostamos de fazer projetos a partir daquilo que não conhecemos de


uma possibilidade de experimentação que uma vez é mais
conseguida e outra vez é menos, mas as questões que queremos
31

colocar em cada projeto são isoladas para atingirem os melhores


objetivos, para poderem ser potencializadas (MATEUS, 2004, p. 44).

Os projetos evidenciam haver sido concebidos, à primeira vista, por meio de


traços simples e claros, capazes de situar prioridades, hierarquias e decisões acerca
das condições concretas que encarnam o lugar; palavras como cheio e vazio,
dilatação e compressão, limite espacial, luz e sombra, formas puras e arquetípicas,
figuras que serão invariavelmente usadas nesta dissertação para descrever suas
obras. Porém, o espaço interior resultante da “subtração da matéria”, que desenha o
vazio interno e evidencia o valor de sua arquitetura, torna-se protagonista, regendo
todas as outras manifestações.
Na perspectiva de Cacciatore (2011), em seu texto L’animale e la conchiglia.
L’architettura di Aires Mateus come dimora del vuoto, o espaço escavado e o muro
habitado são dispositivos que governam e controlam grande parte das obras de
Aires Mateus.
Mediante muita insistência, conforme as palavras dos próprios arquitetos
observadas em palestras e debates, essas ações ocupam o núcleo de cada obra
estudada, resultando num modo particular de concebê-las, representá-las, organizá-
las e construí-las.
32

3 A CONSTRUÇÃO DO VAZIO: QUATRO VIAS DE APROXIMAÇÃO

As quatro vias aproximação foram baseadas em textos escritos por Carlotta


Tonon e Francesco Cacciatore no livro L’Architettura di Aires Mateus, no artigo
escrito por João Belo Rodeia e Alberto Campo Baeza na Revista 2G nº 28 e nos
artigos da revista El Croquis números 154 e 186 escritos por Juan Antonio Cortes e
Emilio Tuñón.

3.1 A CONCEPÇÃO

3.1.1 Definição

O significado de concepção para os irmãos Aires Mateus está mais


relacionado com a subjetividade pessoal do que um ato racional e preestabelecido.
Certamente, após o momento da criação, as decisões tornam-se um ato racional,
operada a partir do conhecimento específico do problema, intimamente relativizado
pela experiência vivida dos arquitetos e pelo momento em que o projeto é realizado.
Porém, dois elementos tornam-se primordiais na concepção de suas obras.
São eles: o lugar e o tempo. Sem dúvida, não é uma exceção. A maioria dos
arquitetos concebe seus projetos tendo como parâmetros as informações obtidas
sobre o lugar, pois são colocadas de antemão ao seu conhecimento. Não poderia
ser diferente ao considerar essas informações para conceber suas obras, mas a
maneira de interpretar o lugar e de se relacionar com ele, criam pontos de
resistência que tornam suas obras muito pessoais e dinâmicas.
O tempo, ou melhor, a relação dele com suas obras está interligada com o
modo como os irmãos Aires Mateus elaboram o pensamento acerca de seus
projetos. Inicialmente, essa relação se dá ao confirmar que suas obras fazem parte
de uma tradição arquitetônica, que vem se transformando ao longo do tempo e
assegurando que a alteração da arquitetura se faz dia após dia, lenta e
progressivamente. Contudo, os irmãos portugueses pensam arquitetura como parte
de um percurso, dando continuidade a uma tradição, conferindo em suas obras uma
hibridação entre a arquitetura ao longo da história e o momento atual,
caracterizando-as numa transgressão, e não uma ruptura com o que foi feito ao
longo do tempo.
33

O tempo também está intrinsicamente relacionado com a maneira como seus


edifícios são pensados para envelhecer ao longo dos anos, aceitando ou refutando
por completo a ação dele em suas obras. Ainda nesse tema, o tempo também é
interpretado num sentido mais amplo e fenomenológico, podendo incorporar os tons
da luz natural ao longo do dia em uma superfície monocromática. O contraste entre
a luz e sombra ressalta a volumetria de suas obras, tão fundamental para a
compreensão do conjunto arquitetônico. Em suma, a textura, o tato, o olfato, o vento,
a água e a luz estão sempre presentes nas obras dos irmãos portugueses. Além do
tempo que o homem necessita para compreender suas obras, descobrindo-as
paulatinamente ao caminhar por elas, percebe-se que não são concebidas para ser
entendidas subitamente, mas sim lentamente com o passar das horas.
Philip Johnson8 escreveu um artigo para a revista Perspecta em 1965,
postulando o tempo e o deslocamento como fatores essenciais na compreensão da
arquitetura e afirmando: “A arquitetura não é o projeto do espaço e certamente não é
a organização de massas e volumes, essas são auxiliares para o ponto principal que
é a organização da procissão, afirmando que arquitetura existe somente no tempo”.
Nota-se também que suas referências estão atidas ao mundo das artes e na
arquitetura vernacular, exercendo cada vez mais influências em suas obras. Por fim,
as ferramentas usadas para conceber seus projetos, são basicamente as maquetes
volumétricas que são sempre elaboradas em diversas escalas.

3.1.2 Atuação

[...] A arquitetura é uma arte. Esta é uma afirmação que gosto de


fazer. Se a arquitetura não fosse uma arte, o barroco seria ridículo. É
uma arte, mas é uma arte que não está acabada. Tem necessidade
de algo por cima. Precisamos da vida para terminar a arquitetura. Só
assim é que ela se completa e só assim é que ela se significa. Como
necessita da vida, é uma arte em espera (MATEUS, 2018, s/p).

O lugar é primordial a todos os arquitetos. Cada um o interpreta de alguma


maneira. Ele vem carregado de informações prévias como orientação solar,
topografia, interferências naturais e construídas, e legislação entre tantas outras,
que se articularão num primeiro instante com a concepção do arquiteto.

8
Philip Johnson, “House at new Canaan, Conecticut, “The Architectural Review, nº 645, 1950.
34

Para exemplificar a importância do lugar nas obras de Aires Mateus, será


usada como exemplo a primeira intervenção desenvolvida, que ficou reconhecida
internacionalmente.
Trata-se da casa em Alenquer, uma pequena cidade situada a 40 quilômetros
ao norte de Lisboa. Ao visitar o local da futura casa, os arquitetos se depararam com
uma ruina em meio a construções típicas daquele lugar e decidiram mantê-la,
revitalizando-a, e construir uma nova casa dentro de seus limites, após o colapso de
todo o telhado que sobrou da construção antiga, devido ao desgaste natural. Assim,
o que antes era o limite interno da antiga casa tornou-se o limite do terreno. Dessa
maneira, eles mantiveram a imagem da antiga casa, que já estava integrada àquele
local, e construíram, dentro de seus limites, uma pequena residência com uma
volumetria clara, monocromática e de fácil leitura, a qual se contrasta e se integra ao
mesmo tempo com a ruina preexistente. Segundo os arquitetos autores do projeto:

A casa existente tinha como valor as suas paredes exteriores que postas a
nu se recuperam. Os muros criaram espaços com forte carácter, dado pelo
seu peso e pela ambiguidade dos seus limites. Estes interiores/exteriores
foram mobilados. De um lado com a colocação de um tanque escavado na
continuidade dos muros. Do outro com as áreas encerradas. Os espaços da
pequena casa pretendem-se claros. O limite em vidro constitui uma fronteira
precisada nas fenestrações das espessas paredes. A tensão é dada pelo
confronto entre uma geometria refeita livremente a partir de um objeto
existente e um objeto de regras claras que, pelas leituras dos muros, se
fundou e deles se autonomizou (MATEUS, 1999, s/p).

Pode-se afirmar que o mais importante na casa em Alenquer não é somente o


preexistente e nem a construção nova, mas sim os espaços deixados entre eles,
caracterizados por espaços residuais, saturados de ar. Ajustadas as proporções na
nova construção com relação à antiga, os vazios deixados entre elas tornam-se
espaços com diversas possibilidades de uso, ficando a critério dos moradores os
locais a serem habitados de acordo com determinados momentos, devido à
sensação de proteção e acolhimento dentro ou entre as construções em todo o local.
E é precisamente o que há entre as duas construções: a condição escultórica, a qual
tem como consequência a construção de espaços que se relacionam
constantemente entre o cheio e o vazio.
35

Figura 5 – Casa em Alenquer. Aires Mateus, 2016


Fonte: Daniel Malhão.

Habitualmente, o vazio é definido como a ausência de matéria. Em muitos


casos, significa absolutamente o “nada”. Mas o vazio, quando contido entre limites,
torna-se essencial para se entender o espaço. Ou seja, ele se caracteriza como
criador da forma, e não algo que está somente delimitado por ela. O vazio e a
matéria construída formam a polaridade de base da arquitetura. Entende-se como
vazio a qualidade espacial que permite o movimento do homem por meio dele,
percebendo as qualidades expressivas, simbólicas e ordenadoras, as quais definem
o espaço, tornando-se um elemento primordial na concepção arquitetônica: “[...] Ele
pode ser visto como a supressão de tudo o que é supérfluo e viver esse espaço
torna-se uma experiência sensorial e de percepção não racional, o espaço vazio tem
a capacidade de despertar e elevar a consciência do homem”.9
O diálogo com o tempo está explicitamente presente nessa obra, Emilio
Tuñon, em seu artigo “No coração do Tempo”, escrito para a revista El Croquis
número 186, aponta que

[...] sua forma metaforicamente se aproxima dos restos de rochas integradas


à construção existente que sofreram erosões ao passar do tempo. Nesse projeto, os
irmãos Aires Mateus aliaram a busca de uma identidade histórica reconhecível à
combinação unitária monolítica do volume construído com a independência do que
possa ocorrer dentro e fora dele.

9
Carolina Abreu, “Vazio e Espaço. Ilha da Berlenga”.
36

Essa condição unitária e livre de cada construção sempre estará assegurada,


porque, assim que foi tomada a decisão de requalificar a construção em ruina e de
construir um novo espaço entre seus limites, assumiu-se ali a postura de que aquela
casa se manterá parte daquela rua ou daquele bairro como sempre se manteve. Isto
é, o elo de cumplicidade entre as casas do período em que ela foi construída se
manteve. Mesmo com a nova construção, sua relação com seus vizinhos foi
mantida, atestando que ela sempre fez parte daquele local e sempre o fará até que
todo o seu entorno mude e ela se torne a memória daquele lugar.
Após toda a cobertura da ruína vir abaixo, por estar muito frágil, decidiu-se
construir uma estrutura independente. Segundo Manuel Aires Mateus, “[...] as
paredes da antiga construção ganharam uma força incrível. O espaço que estava
dentro e entre as duas construções era admirável”. Assim que acabaram de construir
a nova casa, pintaram-na toda de branco e não sabiam exatamente o que fazer com
os muros existentes até que perceberam que, se as duas construções tivessem
acabamentos diferentes, os vazios entre elas não teriam a mesma qualidade
espacial.
Assegurando as aberturas dos muros antigos, a luz do Sol é duplamente
filtrada antes de banhar os ambientes internos da nova residência. Vê-se claramente
a passagem do tempo através das sombras dos muros que emolduram essas
aberturas antigas nos pisos e na nova construção. Com o passar do dia, a luz do Sol
muda de tonalidade refletindo-se também em toda a construção, que acertadamente
foi deixada na cor branca.
Manuel e Francisco admitiram, em diversas ocasiões, que se inspiram muito
pouco na arquitetura contemporânea, mas, pelo contrário, muitíssimo no mundo das
artes, principalmente dos anos 1950 e 1960, e na arte contemporânea, sustentando
que, de alguma forma, tomam os princípios e conceitos da arte desse período para
conceber seus projetos. Em particular, inspiram-se no campo das esculturas e
instalações. Conforme os próprios arquitetos, o desenvolvimento na linguagem de
comunicação é um dos meios mais originais de expressão na arte contemporânea.
Em entrevista ao jornal Português o Público, em 2013, com Manuel Aires
Mateus e Cildo Meireles, Manuel ressaltou que, em visita a Tate Modern (Londres)
em 2008, visitou uma das instalações de Cildo, intitulada “Volátil”, que consistia
numa sala com uma vela solitária acessa ao fundo, que, para chegar até ela, o
visitante era convidado a tirar os sapatos e caminhar sobre um chão coberto de
37

cinzas: “[...] a experiência de afundar os pés e o efeito de abrandamento foram uma


inspiração direta para o projeto da casa em Comporta (2008)” (MATEUS, 2013).
Segundo o próprio autor do projeto, em entrevista aquele jornal, Cildo Meireles
concebeu aquele espaço em sua obra afirmando a importância que essas
inspirações têm em seus projetos.

Figura 6 – Foto da instalação “Volátil” de Cildo Meireles na Tate Modern e foto da Casa em
Comporta de Aires Mateus
Fonte: https://acervo.publico.pt/multimedia/cildo-meireles-e-manuel-aires-mateus.

Gordon Matta-Clark também exerceu influência na concepção de alguns


projetos de Aires Mateus. As obras do artista e arquiteto americano passaram por
diferentes intervenções em diversas condições espaciais, sejam elas mais pontuais,
efêmeras e performativas, como a intervenção Cherry Tree de 1971, na qual ele
plantou uma cerejeira sob um edifício que ele costumava trabalhar, até as obras que
foram apelidadas de Anarquitetura, que consitiam em esculpir vazios em estruturas
condenadas, revelando uma outra condição espacial naquela obra arquitetônica,
evidenciando do que consistia a matéria construída e criando uma nova percepção
ao pedestre através da luz e do espaço que tinha entre aquelas estruturas.
38

Figura 7 – Gordon Matta-Clark, obra – Conical Intersect, 1975, 27-29, Rue Beauborg, Paris. Aires
Mateus, Casa na Estrela, 2012, Lisboa, Portugal, Gordon Matta-Clark, obra – Splliting, 1974,
Englewood, subúrbio de Nova Iorque e Casa em Alcobaça, 2007

A casa da Estrela e a casa em Alcobaça, de acordo com as imagens


da Figura 7, são obras que podem ser aproximadas ao campo de experimentação
de Matta-Clark. Na casa na Estrela, havia uma construção preexistente, que foi
demolida para a nova intervenção no lote. A posição dos limites externos do edifício
anterior foi mantida, criando um volume interno transparente em contraste com a
nova casca de concreto, que remete à construção de uma casa devido à sua forma
arquetípica.
Ao contrário de Mata-Clark, que na obra Conical Intersect seccionou a matéria
construída correspondente a uma casa, o vazio no telhado da casa da Estrela foi
construído referindo-se a uma subtração dos limites externos por duas esferas que
se intersectam, remetendo-se a uma demolição de parte do existente. A imagem se
aproxima da intervenção que Matta-Clark fez em Paris, porém a ação é oposta.
39

Na casa em Alcobaça, na imagem anterior, a ação executada por Aires


Mateus se aproxima da Obra “Splitting” (1974), que Matta-Clark fez no subúrbio de
Nova Iorque, seccionando ao meio uma casa abandonada. A ação partiu da
estabilização do conjunto com a ajuda de macacos hidráulicos após seccionar a
casa transversalmente. No passo seguinte, sua base de sustentação foi seccionada
diagonalmente e, ao retornar a casa em seu apoio seccionado, ela inclinou-se
naturalmente para um dos lados, evidenciando ainda mais o corte pela visão que se
tinha por meio dela.
Os irmãos Aires Mateus, metaforicamente, também seccionaram a casa
mantendo a posição e o desenho das aberturas anteriores, evidenciando a imagem
da construção preexistente, abrindo rasgos nas duas fachadas opostas e
conectando-as por uma abertura zenital ao centro no telhado. Evidentemente, não
se enxerga através da casa por conta dos ambientes internos, porém a inspiração é
clara: se atentar-se aos detalhes das molduras das janelas preexistentes
seccionadas, vê-se que a separação é muito próxima daquela que Matta-Clark fez,
ressaltando ainda mais o ato de seccionar a construção preexistente.
Para os arquitetos em geral, a possibilidade de desenvolver uma obra
efêmera, como uma instalação por exemplo, significa colocar em prática um
experimento como um meio para atingir um fim. Isto é, ela é usada como uma
ferramenta para explorar uma ideia a ser concretizada em outras obras
permanentes. Para os artistas, a instalação, ou seja, o efêmero, é a própria obra
final. E, nesse caso, o efêmero e o permanente se invertem.

Ao contrário das outras artes, a arquitetura não é uma arte efémera.


É uma arte da permanência. Dizia-se que a arquitetura acabou
quando acabou o tempo das catedrais. A arquitetura correspondia a
essa ideia da eternidade. Hoje em dia, a eternidade é a eternidade
da inteligência, e não a da fisicalidade (MATEUS, 2018, s/p).

Eduardo Chillida, Richard Long, Cildo Meireles, Donald Judd e Gordon Matta-
Clark, dentre outros artistas da segunda metade do século XX, experimentaram e
outros ainda experimentam invariavelmente a potencialidade plástica do vazio.
Chillida chega a definir-se como “arquiteto do vazio”. Essa expressão não
ressoa em tudo óbvia quando se considera que, somente a partir do final do século
XIX, as explorações sobre a matéria arquitetônica começaram a ser lidas e
explicadas como um resultado de constante e progressivo trabalho sobre o vazio.
40

Nesse período, estabeleceu-se uma nova abordagem sobre o problema do espaço,


criando-se, desde então, uma nova visão da arquitetura centrada não somente sobre
a massa sólida, mas sobre o vazio que se desenvolve no interior dela.10
A história da edificação muitas vezes se coloca diante de edifícios nos quais
existe uma diferença nítida entre continente e conteúdo. Com frequência demasiada,
o invólucro mural foi objeto de maiores preocupações e trabalho do que o espaço
arquitetônico (ZEVI, 2002, p .20).
Chillida, sobre o vazio, expõe que ele não se refere ao vazio como a parte
externa da forma, mas, ao invés disso, como produto da forma em si, uma realidade
interna e oculta, que o ato criativo pretende de qualquer modo revelar. Por outro
lado, admite que a substância escavada não deva ser tratada como qualquer coisa
abstrata e intangível, porém como uma matéria vigorosa e corpórea, como os
volumes que constroem os limites. De acordo com Martin Heidegger (apud FINN,
1999, p. 6)., “[...] a forma escultórica pode se apresentar em três estados diferentes:
o primeiro, como um volume cheio, o segundo, como um volume que contém áreas
vazias e, em terceiro, como um volume totalmente vazio”.
Heidegger e Chillida colaboraram diretamente em 1969 para a elaboração do
texto “A arte e o espaço”, sendo possível admitir que essa aproximação entre eles
tenha influenciado as reflexões apontadas anteriormente, diferentemente das obras
de Mies van der Rohe. Estas propunham um espaço fluído e uma arquitetura leve
por meio da desmaterialização dos limites em uma série de planos, revelando
claramente a leitura do espaço interior de suas obras a partir do exterior e, por
consequência, estendendo o espaço interno para além dos limites construídos, que
parecia estar em busca do um volume totalmente vazio, segundo a reflexão anterior
de Heidegger.
Por sua vez, a matéria sólida e monocromática torna-se essencial nas obras
dos irmãos Aires Mateus. Nela, a leveza se manifesta por meio das escavações dos
espaços interiores e de partes de seus limites estabelecidos. A luz apropria-se do
espaço revelando sua forma, enfatizada por meio do contraste estabelecido pelo
claro, muitas vezes reforçado pelo uso da cor branca e pelo escuro tingido mediante
sombras. O volume opaco se sobressai à transparência, não revelando de imediato

11
Martin Steinmann, “Hinter dem Bild: nichts. In Herzog e De Meuro, Arktktur Denkform, p. 50.
41

o seu espaço interior, que, pela própria ação de escavar, sempre se difere de sua
forma exterior.
O vazio existe desde que o sentido de espaço se fez presente, mas a ideia de
construir o vazio é relativamente recente. A forma mais comum de entender o vazio
é o não construído. Para Aires Mateus o vazio está levado à condição de primazia
espacial. Quando ele passa a ser perseguido na concepção espacial ele é mais do
que o equilíbrio entre os cheios e vazios.

Figura 8 – Projeto da Instalação para La Biennale di Venezia 2010, intitulada Radix


Fonte: Aires Mateus, 2012.

As massas arquiteturais, na perspectiva de Henri Focillon (2001): “[...] são


rigorosamente estabelecidas segundo a afinidade das partes entre si e das partes
com o todo e isso se reflete em todos os componentes do projeto”. Nas obras dos
irmãos Aires Mateus, nas quais, em muitos projetos, a própria fachada não se
comporta como uma simples parede, mas como uma combinação de massas e
vazios, dispostas como um reflexo da organização dos espaços internos, trazendo
toda a complexidade das disposições internas para a composição externa dos
edifícios, nem sempre havendo afinidade das partes entre si e delas com o todo,
diferentemente de um trabalho somente compositivo.
Em seu livro A vida das Formas, capítulo 2, Focillon (2001) diz que “[...] uma
descrição adequadamente informativa e abundante em exemplos pode reconstruir
teoricamente o edifício a partir da projeção no solo, ou seja, somos ensinados a
42

imaginar o projeto em distintos planos”. Essa espécie de redução ou abreviação dos


procedimentos de trabalho não constrange a arquitetura no seu todo, privando-a do
seu privilégio fundamental, que é possuir um espaço completo, e não apenas como
objeto compacto, todavia o molde vazio que impõe às três dimensões um valor novo.
A concepção dos projetos de Aires Mateus, na prática, se dá a partir da busca
da delimitação do vazio por meio da utilização de croquis e confecções de maquetes
físicas em diferentes escalas, chegando à escala de 1:20 de projetos completos e
usando-as realmente para antecipar problemas que poderiam existir na obra e para
entender com mais precisão os espaços projetados. Esses modelos físicos também
são desenvolvidos em diversos materiais, para estudarem a materialidade do
conjunto.
A mescla de materiais não faz parte da composição nas obras dos irmãos
portugueses. Ela é vista com a consciência de uma abstração, segundo as palavras
dos próprios autores, porque, em seus projetos no período estudado, sempre
tiveram a condição de mono materialidade, implicando a compreensão de um objeto
autônomo ao invés de uma composição elaborada por texturas e cores sobre as
superfícies. As maquetes são elaboradas desde a concepção e, mesmo que muitas
vezes não se saiba quais serão os resultados de tais impulsos, ela é usada em todas
as etapas do projeto, evoluindo juntamente com ele.

O espaço deve ser concebido em termos de maquete volumétrica, em vez


de ser fixada com a ajuda de linhas sobre a superfície abstrata de uma folha
de papel. Sou incapaz de imaginar, exceto em três dimensões. Esse é o
modo através do qual a forma adquire a sua estrutura. Ela transforma-se
espontaneamente a partir das necessidades do espaço que constrói sua
casa como o animal a sua concha. Assim como este animal, eu também sou
um arquiteto do vazio (CHILLIDA, 1967, s/p).

Conforme a percepção do arquiteto Jorge P. Silva, sócio coordenador e


colaborador desde 1998 do Atelier Aires Mateus, o trabalho de autocorreção e
progressão desses anseios muitas vezes propicia novas experiências espaciais que
podem ser descartadas e depois resgatadas para outro projeto. Com isso, o
escritório consegue explorar, de forma contínua, sem preconceitos e definições
preestabelecidas, espaços que resultam em diferentes experiências.
43

Figura 9 – Fotos das maquetes e do escritório Aires Mateus


Fonte: João Carmo Simões.

Sobre a maneira de modelagem de suas formas, pode-se ressaltar que as


obras dos irmãos Aires Mateus, no período estudado, foram, em sua maioria,
concebidas por meio da modelagem a partir de formas primárias, as quais se
modificam através da subtração da matéria até a obtenção da forma desejada.
Jacques Herzog (1950) e Pierre De Meuron (1950), na cerimônia de 7 de
maio de 2001, na qual foram-lhes entregues o Prémio Pritzker, declararam a Willian
Curtis, para o artigo “The Nature of Artifice”, da revista El Croquis, nº 109-110, que o
recurso as figuras do retângulo e da caixa como a priori conceitual, no início dos
anos 1980, significou uma tentativa de trabalhar fora de qualquer impulso figurativo.
Segundo Herzog, os projetos desse período foram "uma reação contra o pós-
modernismo e contra o desconstrutivismo”. O prédio do projeto do armazém da
Ricola (1986-1987), em Laufen, e da galeria Goetz (1989-1992), em Munique,
44

representaram, respectivamente, o começo e o final dessa passagem "minimalista",


cujo objetivo era tornar inteligível o projeto de um objeto arquitetônico que
oferecesse uma pluralidade de experiências perceptíveis, um traçado de esforço,
como observou Martin Steinmann (1942):11 "um caminho que leva da imagem a
estrutura da imagem”.

Figura 10 – Herzog e De Meuron (armazém da Ricola (1986-1987) em Laufen e galeria Goetz


(1989-1992) em Munique
Fonte: http://afasiaarchzine.com/2016/07/herzog-de-meuron-95/. 2018.

O edifício, enquanto objeto construído, deveria ser entendido sem recorrer a


quaisquer referências externas, entendido em si como uma estrutura sintática unindo
seus elementos constitutivos numa abordagem quase “analítica” de sua modelagem.
Para Herzog e De Meuron, no final dos anos 1980, o retângulo e a caixa não
eram mais as únicas figuras e o link, enfatizado com frequência para a arte minimal,
que estava se tornando cada vez menos pronunciada. Um prédio comercial e de
apartamentos (1993-2000), em Solothurn, e o Instituto de Farmácias Hospitalares
(1995-1998), em Basileia, veriam os contornos de seus planos se curvando e se
tornando irregulares com formas difíceis de descrever.

11
Martin Steinmann, “Hinter dem Bild: nichts. In Herzog e De Meuro, Arktktur Denkform, p. 50.
45

Figura 11 – Séries de maquetes de estudo para o Instituto de Farmácias Hospitalares (1995-


1998), o prédio comercial e de apartamentos (1993,2000) em Solothurn de Herzog e De Meuron
e a casa em Coruche de Aires Mateus
Fonte: produção do autor. 2018.

Dadas as condições contextuais e programáticas particulares, encontrar a


forma certa para o Edifício Solothurn e o Instituto de Farmácias Hospitalares de
Basiléia obrigou Herzog e De Meuron a desenvolverem uma série de modelos não
por composição ou montagem de peças, mas pela modelagem escultórica e
esvaziando o bloco grosso para nunca ser fragmentado. Trata-se da mesma técnica
utilizada pelos irmãos Aires Mateus em seus projetos, que, como visto
anteriormente, partem geralmente de formas primitivas ou de fácil leitura para, em
seguida, iniciar um processo de esvaziamento da matéria, algumas vezes mantendo
sua forma inicial mais evidente e outras desfigurando-a por completo, remetendo-se
à leitura de uma outra forma irregular e muitas vezes com formas arquetípicas para
determinados programas.
A composição fez parte da concepção da arquitetura em determinados
períodos. Para a École des Beaux Arts, a composição era vista como o princípio
ordenador entre a forma e o espaço, mantendo relações de interdependência entre
46

as partes com o todo harmônico. E esses princípios ordenadores são definidos: pela
hierarquia, com a escolha de elementos dominantes na combinação do conjunto,
pela simetria, que dá a forma ao edifício e distribui suas cargas de maneira
organizadas, tornando sua organização espacial e leitura do conjunto mais
previsíveis; pelos eixos que conduz o usuário de forma clara e organiza a disposição
do conjunto; pela regularidade que está relacionada com a simetria e o padrão de
disposição espacial em enfilades; pelo ritmo das peças que compõem todo o edifício
com equilíbrio; pela textura e pela materialidade, dentre outros elementos, que,
juntos, formam uma composição harmônica entre as partes inseparáveis do todo.
Le Corbusier, posteriormente, defendeu o desenvolvimento do sistema
construtivo em concreto armado, aferindo que, com isso, haveria a possibilidade de
substituir as paredes grossas e autoportantes por pilares de concreto para a
sustentação das lajes de piso e cobertura, abrindo novas frentes para a composição
dos espaços internos e da volumetria externa das edificações.
Percebida a liberdade que as novas obras poderiam alcançar por esse fato,
toda a composição do período anterior foi repensada: a simetria que compunha as
obras clássicas foi modificada em prol da assimetria; a regularidade deu lugar à
irregularidade; a composição conferida pela disposição dos elementos na fachada foi
alterada pela fachada monolítica com grandes aberturas; a previsibilidade da
organização interna atrelada ao sistema estrutural; e a organização rígida em
enfilades das obras clássicas foi modificada em favor da imprevisibilidade da
disposição interna, optando por uma disposição espacial mais livre e orgânica, como
os “órgãos” humanos12 citados por August Perret (1874-1954). Este ressaltou a
importância da estrutura de concreto armado, a qual servia como uma ossatura para
o edifício, e que a disposição dos espaços internos poderia ser livre e independente.
Posteriormente, seu discípulo Le Corbusier usou esse termo em várias ocasiões.
Os irmãos Aires Mateus parecem transgredir as regras compositivas clássicas
e modernas. Ao se apropriarem delas, eles as transportam para um novo patamar,
dando-lhes um novo sentido em suas obras. Eles atribuem aos seus projetos um
importante papel de fio condutor da história, mesclando e subvertendo princípios que
se contrapuseram nesses dois períodos, resultando em volumetrias que se remetem
a muitos edifícios ao longo da história e às vezes difíceis de descrever, há

12
Auguste Perret, Contribution à une Théorie de L'architecture, Paris, 1952.
47

construções com métodos vernaculares e em outros casos com tecnologia de ponta


e organizações espaciais complexas e fragmentadas em alguns casos e, em outros,
aberta e mais fluida, refletindo também no modo de representar graficamente seus
projetos.

3.2 A REPRESENTAÇÃO

3.2.1 Definição

Para os irmãos Aires Mateus, o método particular de expressar seus projetos


está relacionado com a maneira como eles pensam o espaço em suas obras. O uso
do preto e do branco em seus desenhos não consiste unicamente em um modo de
representar graficamente seus projetos para distinguir o construído do vazio: nas
manchas pretas são representadas as matérias construídas de fato, concebidas
como verdadeiras e próprias substâncias em estado físico e dotadas sempre de
peso pela sua espessura. Nessas manchas, também, são pensados os espaços
auxiliares constituídos por mobiliários fixos, shafts, equipamentos e usos
secundários, que se envolvem na matéria construída, explicando a espessura e o
peso que elas possuem.
Por sua vez, as áreas em branco representam os vazios, que correspondem
aos espaços principais de suas obras. Esses espaços são entendidos como lugar de
relações, dimensão interior que transcorre a vida do usuário, espaços dinâmicos e
sugestivos, cada um deles, em uma experiência, modificando-se livremente segundo
as intenções dos autores dos projetos. O branco assume uma dupla natureza, de
vazio interno, controlável e independente tanto de sua volumetria externa quanto do
vazio externo, que somente se contempla.
O processo de representação gráfica demonstra o protagonismo e a força dos
espaços em suas obras e é elaborado desde a sua concepção, passando por todas
as etapas de desenvolvimento projetual. A representação não é feita posteriormente,
ela representa verdadeiramente a postura que os arquitetos têm ao pensar suas
obras e ela se torna fundamental para o discurso do vazio. É através da
representação e a forma como expressa o cheio e o vazio que a grafia figura/fundo
ganha evidência, juntamente com o uso de diagramas e modelos físicos.
48

3.2.2 Atuação

As formas animam o espaço e dela vivem, mas o espaço, embora


não vejamos, constitui a forma (TÁVORA, 2007, p. 21).

É evidente que os desenhos revelam como e em que os arquitetos pensam


quando projetam. Já as imagens e os recursos gráficos expressam as precisas
intenções guiadas pela concepção. O desejo expresso pelo autor e a identidade dos
documentos gráficos que representam uma proposta arquitetônica nunca são
banais, podendo ser um ato consciente ou não, mas nunca são casuais. Pelo
contrário, é nele que se encontra a chave do pensamento arquitetônico revelando
suas intenções. Além de um registro, ela faz parte integrante do raciocínio conceitual
projetual dos arquitetos dividindo os espaços em servidores e servidos adiante
explicado.
Mas, antes, passar-se-á pela forma como são pensados os espaços principais
em suas obras. Para isso, esta dissertação se apoiará no estudo feito pelo arquiteto
Luigi Moretti, quem, no início dos anos 1950, na Itália, elaborou algumas pesquisas
acerca do vazio, incluindo em sua revista Spazio, na edição nº 7, um artigo intitulado
“Strutture e Sequenze di Spazi”, publicado entre 1952 e 1953, no qual tratou do
estudo da leitura da arquitetura, expondo uma série de fotografias de modelos dos
espaços internos das obras analisadas por ele, dentre elas a igreja de San Fillipo
Neri de Guarini, um projeto não construído, e a casa McCord, de Frank Lloyd Wright.
Tratava-se de maquetes moldadas em gesso representando o vazio interno
em contraposição ao construído; ou seja, do piso, parede e teto. A natureza do
espaço arquitetônico para Luigi Moretti está no “entre ou dentro”. Então, solidificar o
vazio que está “entre ou dentro” como matriz negativa do construído, por meio de um
molde de gesso obtido da maquete fabricada sobre as bases dos projetos
arquitetônicos, permitiu analisar o seu contorno interno de maneira mais clara.
Inicialmente, a intenção de realizar esses modelos era representar apenas o
espaço interno dos edifícios para evidenciar seus parâmetros formais. No entanto, o
que se obtém é um espaço irreal pelo fato de ser um maciço, e não um vazio; por
tratar-se de um volume sólido e opaco, que não se pode penetrar, nem visualmente,
para melhor compreensão espacial. Devido a esse fato, as representações em
49

plantas, cortes e maquetes em grandes escalas se avaliaram mais compreensíveis


espacialmente.

Figura 12 – Igreja de San Filippo Neri em Casale Monferrato – Arq. Camillo-Guarino Guarini;
Volume do espaço interno da casa McCord – Arq. Frank Lloyd Wright; Volume do espaço interno
da igreja de San Filippo Neri_Casale Monferrato – Arq. Camillo-Guarino

Em 2010, exatos 58 anos após Luigi Moretti ter iniciado suas pesquisas, os
irmãos Aires Mateus realizaram uma instalação na 12ª Bienal de Veneza intitulada
Voids. Nela, eles representaram os espaços principais em suas obras como
verdadeiros vazios, que, diferentemente de Moretti, escavou um volume referindo-se
ao teto como a superfície que sobrou do material extraído e ao vazio como os
espaços ou úteis13, conforme Guadet, ou espaços servidos14, de acordo com Louis
Kahn, possuindo em suas delimitações a superfície interna dos muros externos e a
forma externa dos espaços servidores, além de adicionar em outro ponto, na mesma
base, a volumetria da superfície externa da mesma edificação.
Dessa maneira, eles conseguiram elucidar com mais precisão os limites
internos e externos de suas obras, apontando claramente a relação entre as suas
faces interior e exterior, que, além de obter melhor compreensão das circulações e

13
Julien Guadet – espaços úteis (principais) e espaços de conexões (secundário). Fonte: Livro
Composition, Non Composition de Jacques Lucan, (2012).
14
Louis Kahn – espaços servidos (principais) e servidores (secundários); ou seja, espaços para
infraestruturas e circulações.
50

da maneira de organizar os espaços, eles evidenciaram com exatidão as formas dos


espaços internos e suas relações com o todo.
Segundo o curador da exposição, Nuno Crespo15,

Esta instalação não é sinônimo de uma proposta de ação, mas


explora uma metodologia arquitetônica e desenvolve um
pensamento: não estão em causa e conteúdo específicos, formas
concretas, gestos imobilizados na matéria ou no estabelecimento de
tipologias e hierarquias. Neste contexto, o vazio, diferentemente do
nada, apresenta uma possibilidade de desenvolvimento, um ponto de
partida, um elemento de organização espacial e, sobretudo, uma
vocação estrutural.

16

Figura 13 – Fotos da Instalação para a Bienal de Veneza – Voids “Praticar o Vazio”


Fonte: Aires Mateus, 2010.

Trata-se de praticar o vazio no espaço. Nesse aspecto, esses gestos


arquitetônicos aproximam-se da escultura minimalista como dos cubos negros de

15
Nuno Crespo é licenciado e doutorado em filosofia pela Faculdade de Ciência Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa e é investigador do Instituto de História da Arte da Universidade
Nova de Lisboa onde coordena o grupo de investigação Arte. Das suas publicações podem destacar-
se trabalhos sobre Adriana Molder, Aires Mateus, Axel Hütte, Bernd e Hilla Becher, Candida Höffer,
Carrilho da Graça, entre outros. Fonte: https://mediterraneanconf.weebly.com/nuno-crespo.html.
51

Tony Smith17, das placas de aço corten de Richard Serra18 e do jogo da conjugação
de cubos de Sol LeWitt19, uma construção espacial que se caracteriza não pela
adição de formas, volumes e matérias, mas através do esvaziamento das estruturas
espaciais mais elementares. Trata-se de um princípio de negatividade, que combate
o excesso de forma, presença, linguagem e expressão.
Bruno Zevi, em seu livro Saber Ver a Arquitetura (2002), afirmou o espaço
como “Protagonista da Arquitetura”. Referindo-se à dupla atuação da pintura, em
duas dimensões, a despeito da possibilidade de sugerir três ou quatro delas, a
escultura atua sobre três dimensões, porém o homem permanece em seu exterior. A
arquitetura, pelo contrário, é uma grande escultura escavada, cujo interior o homem
penetra, caminha e encontra ali meios técnicos para usá-la como refúgio. Todavia, a
arquitetura não deriva de uma soma de comprimentos, larguras e alturas dos
elementos que rodeiam o espaço. Ela deriva-se do espaço vazio, dos espaços
interiores onde o homem vive e se move, delimitados, tais espaços vazios, pelos
limites construídos.
Segundo Juan Antonio Cortes20, no artigo publicado na revista El Croquis, nº
154, intitulado “Construir o molde do espaço”, expõe que alunos de Bruno Zevi
realizaram posteriormente maquetes como as publicadas por Luigi Moretti. Ele
conclui que a descoberta mais significativa no discurso dos dois arquitetos é a
valorização do espaço interior como positivo, que se define contra o negativo, isto é,
os muros envolventes, e sua implícita afirmação de que o elemento configurador do
espaço é o contorno interno das paredes independentemente da espessura e forma
exterior.

17
Tony Smith (Americano, 1912-1980) foi um escultor, arquiteto e pintor minimalista conhecido por
seus trabalhos esculturais modulares em grande escala. Trabalhou para Frank Lloyd Wright
(americano, 1867-1959) como funcionário de escritório, antes de estabelecer sua própria prática
arquitetônica. Fonte: http://www.artnet.com/artists/tony-smith/biography.
18
Richard Serra (Americano, 1939) é um escultor minimalista e figura proeminente no mundo da arte
contemporânea, conhecido por suas esculturas em grande escala criadas a partir de materiais
industriais. Nascido em São Francisco, Serra estudou Literatura Inglesa na Universidade da
Califórnia, em Berkeley. Fonte: http://www.artnet.com/artists/richard-serra/biography
19
Sol LeWitt (americano, 1928–2007) é renomado como membro fundador do Minimalismo e da Arte
Conceitual. Depois de servir no Exército dos Estados Unidos na Coréia, ele se mudou para Nova York
no início dos anos 50, fez aulas de ilustração e trabalhou como designer gráfico para várias revistas e
para o arquiteto I.M.Pei. Nos anos 1960, LeWitt começou a criar obras bidimensionais e
tridimensionais usando o cubo, variando sua forma através de sistemas baseados em linguagem
matemática e outras estruturas. Fonte: http://www.artnet.com/artists/sol-lewitt/biography
20
Professor da Escola Técnica Superior de Arquitetura de Valladolid (ETSAM), escritor e crítico de
arquitetura.
52

Figura 14 – Átrio de la Alhambra – Desenho para o concurso de arquitetura para o futuro Átrio de
la Alhambra, Granada, Espanha
Fonte: Aires Mateus, 2011.

Assim como representados em suas maquetes, os desenhos seguem a


mesma lógica desde sua concepção, considerando os espaços principais como
positivo, na cor branca, e os espaços secundários como negativos, na cor preta.
Mesmo antes de definir os usos dos espaços secundários, o que prevalece são os
vazios principais, por meio dos quais, a partir deles, todo o resto é organizado. Essa
maneira de representar graficamente seus projetos vem desde os primeiros croquis:
“[..] não é um trabalho cosmético feito a posteriori”21, sendo as paredes espessas
desenhadas desde o início. Esse modo de representar os espaços os acompanha
em todas as etapas de cada projeto, compondo-se como uma forma completamente
longitudinal em relação à maneira de pensar o espaço.
Os espaços em branco representados em seus desenhos correspondentes ao
vazio se caracterizam como espaços subtraídos de um todo, que são entendidos
como os lugares das relações sociais e íntimas das pessoas. Ou seja, as dimensões
dos espaços principais são controladas por meio das relações espaciais concebidas
a partir da proporção e relação com o corpo humano.

21
Entrevista com o arquiteto Jorge P. Silva, coordenador do escritório Aires Mateus, 2017.
53

Contudo, esses espaços são explorados no limite das relações com as


dimensões físicas atribuídas ao homem por natureza. Essa atitude, por definição,
descarta padronizações espaciais, procurando sistematicamente experiências
espaciais que se pode chamar de desproporção sábia22, um arranjo que envolve o
desenho de espaços “muito pequenos” ou “muito grandes” em relação aos padrões
usados normalmente, mas que se constroem em relação direta com as dimensões
do corpo humano.

Figura 15 – Jorge P. Silva. Croqui inicial para o concurso para o convento de Nossa Senhora de
Los Reyes, Sevilha, 2004.

Sustentam os irmãos Aires Mateus que a história da arquitetura já


experimentou largamente experiências espaciais de extraordinária intensidade, hoje
consideradas fora de normas específicas da arquitetura, limitando as possibilidades
de experimentos que o arquiteto tem nesse campo de exploração.

22
Tonon, Carlotta. Cacciatore, Francesco – L' architettura di Aires Mateus, Mondadori Electa,
Documenti di architettura, 2011, p. 18.
54

Figura 16 – Peter Zumthor, Bruder Klaus Field Chapel – A leitura expressa na representação
gráfica, mostra o espaço interior e a volumetria exterior concebidas de forma clara e
independentes
Fonte: Revista Domus, 2007.

Como dito anteriormente e representadas na Figura 16, da Capela de Peter


Zumthor, e igualmente nas obras de Aires Mateus, as áreas em preto correspondem
à matéria, que é concebida como verdadeira e própria substância do estado físico,
dotada sempre de peso e espessura, e nunca entendida como superfície. É uma
realidade concreta com possibilidades de assumir diferentes características, tanto,
sensíveis com o uso de materiais de diferentes texturas, cores e temperatura, quanto
na consistência da massa edificada em profundidade e espessura controlada
mediante dispositivos técnicos próprios dos sistemas construtivos. Geralmente,
procura-se o uso de um só material para compor seus limites construídos,
possibilitando uma experiência de um volume com características “monomatérica”, a
fim de realizar uma melhor leitura das condições espaciais, impedindo o observador
e usuário que se distraia ou se confunda com combinações de diferentes elementos,
assegurando uma continuidade da superfície e fazendo da forma externa e do vazio
interno os verdadeiros protagonistas de cada projeto.

3.3 A ORGANIZAÇÃO

3.3.1 Definição

Certamente o programa é imprescindível para prever a dimensão do projeto e


sua complexidade funcional. A partir dele, é organizada uma disposição espacial
55

adequada para cada caso. Os irmãos Aires Mateus organizam os dados específicos
ao programa de necessidades atribuindo uma hierarquia a cada espaço. Como dito
anteriormente, os espaços são distinguidos entre principais e secundários, ou
servidos e servidores, normalmente distribuídos em torno de um vazio exposto ao
tempo e protegido pela própria construção, isto é, um pátio, espaço que ganha
diversas formas e funções, e está muito presente em suas obras, principalmente nas
residenciais, sendo primordiais na organização espacial de seus projetos.
Os limites são muito importantes na disposição espacial de suas construções,
porque são neles que materializam os vazios sobre os quais o homem caminha e
vive. Geralmente, os limites em suas obras são carregados de funções e atributos
que organizam os espaços servidores, dando a forma dos espaços principais e da
volumetria externa do conjunto.
Contudo, os limites são primordiais para a obtenção dos espaços principais
puros e sem interferências. Por isso, os irmãos Aires Mateus procuram tratar os
espaços internos em suas obras sem interferências visuais. A compreensão desses
espaços deve ser imediata, assim como a volumetria externa. Suas obras
normalmente parecem nascer do solo e são carregadas de matéria construída. Para
eles, os limites são necessários também para que suas aberturas se enquadrem na
paisagem e não se abram totalmente a ela, uma arquitetura na qual a forma e sua
imagem são tão importantes quanto seus espaços internos. Eles são autônomos,
porém com os mesmos tratamentos e preocupações de se fazer entender facilmente
com uma expressão marcante.

3.3.2 Atuação

Um espaço arquitetônico deve revelar a evidência de sua criação por meio


de seu próprio espaço (KAHN, 1962, s/p).

O edifício dos laboratórios de investigação médica A.N. Richards (1957-1961),


na Filadélfia, de Louis Kahn, mostra claramente a forma encontrada para organizar
os espaços internos do edifício, atribuindo o que ele chamou de espaços servidos e
espaços servidores, método invariavelmente usado por Aires Mateus.
56

Figura 17 – Desenhos das plantas dos laboratórios de investigação médica A.N. Richards (1957),
projeto exposto em 1959 no CIAM XI, na cidade de Otterlo na Holanda, em preto os espaços
servidores e em branco os espaços servidos
Fonte: Livro Forma e Design.

Esse conjunto de prédios se estende por 113 metros, desde a antiga Escola
de Medicina até o edifício de Zoologia, conectando-os em um só complexo de
ciências médicas e biológicas. O conjunto foi desenvolvido para um fim muito
específico: são laboratórios de ciências que se caracterizam como salas de
pesquisas onde o ar que se respira deveria estar distante do ar que é expelido. A
solução encontrada por Kahn para livrar as salas dos laboratórios das circulações
verticais, dos dutos de infraestrutura e das salas dos animais foi desvincular os
espaços, os quais ele chamava de servidores e servidos.
Os espaços servidores expressos em preto na Figura 17 se caracterizam
pelas torres de circulação e instalações localizadas no centro de cada lado das
áreas de trabalho, que se distinguem em branco conceituados por espaços servidos.
Tanto os espaços servidores e os espaços servidos estão definidos entre si como
uma forma regular e se articulam para compor a planta do edifício. Esse é somente
um exemplo de inúmeros projetos de Louis Kahn, que se organizam desse modo.
Com isso, ele encontrou uma maneira de suplantar o espaço aberto e contínuo da
arquitetura moderna dos anos 1930 atacando a arquitetura de planta livre de Mies
Van der Rohe e Le Corbusier em seu elemento mais aparente e irredutível: a
estrutura reticular. Kahn estava, dessa forma, usando-a num sentido contrário da
maneira como usava Mies: ao invés de fazer a estrutura desaparecer no espaço, ele
fez com que o espaço penetrasse na estrutura, envolvendo-a com as circulações
verticais e, em alguns casos, horizontais, dando um uso à “estrutura oca” e
afirmando a estrutura contida pelo espaço.
57

Figura 18 – Maquete volumétrica conceitual da Casa em Coruche


Fonte: Aires Mateus, 2006.

O projeto da casa em Coruche dos irmãos portugueses é um claro exemplo


dessa organização espacial distribuída em espaços servidores e servidos,
diferentemente da planta do edifício dos laboratórios de Kahn, a qual se articula por
meio de um eixo de circulação horizontal ao centro dos espaços servidos
conectando as duas extremidades do empreendimento. Nota-se que, na casa em
Coruche, é definido um limite trapezoidal com planos de cobertura em quatro águas,
na qual subtraiu-se, primeiramente, o pátio interno mantendo um dos planos íntegro;
depois, escavaram-se os espaços principais (servidos) com formas euclidianas e
arquetípicas. Conforme Montaner (2012, p. 99), essas formas “[...] referem-se a
princípios formais lógicos, originais, imutáveis, atemporais e genéricos. Formas
essenciais e primigênias da arquitetura como o arco, o dólmen, o templo, a cabana
primitiva, a cova, a escalinata”.

Figura 19 – Casa em Coruche. Diagrama volumétrico de subtração da forma dos espaços


servidos (principais)
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
58

A circulação se organiza entre os espaços servidos e servidores, e não com


um eixo no centro dos espaços como no exemplo de Kahn. A planta se comporta
como uma estrutura labiríntica, com inúmeros percursos possíveis, que, ao caminhar
de uma extremidade a outra, obriga a desviar-se dos espaços estabelecidos com
formas singulares e específicas, tirando a identificação de uniformidade e de
igualdade entre eles. A planta livre e flexível dá lugar à planta com espaços
delimitados e diferentes hierarquias, admitindo-se como uma organização mais
próxima da arquitetura vernacular portuguesa do que da arquitetura moderna de
Mies. Os corpos do edifício descocam-se e giram-se em relação à sua volumetria
externa. Eles comprimem-se em determinados pontos, expandem-se em outros,
criando circulações com possíveis usos. E as formas arquetípicas se hibridam à
volumetria externa, que também se apresenta com a mesma característica de
elemento arquetípico como os espaços principais.

Figura 20 – Diagramas de forma, organização espacial e volumetria dos espaços principais e


secundários da Casa em Coruche
Fonte: Aires Mateus, 2017.

A casa se constrói de maneira clara e objetiva, em um volume


estereotômico23, que se emerge do chão, totalmente fechado em sua face externa e
aberto em seu lado interno, voltado ao pátio central, conferindo uma volumetria
monocromática de simples leitura, com uma organização complexa interna e
completamente vazia e aberta no centro.
Segundo Jorge P. Silva, “[...] o espaço interior é verdadeiramente pensado
como um vazio”. O negativo ou a subtração da matéria pode ser dado de forma clara
ou não, dependendo de cada conjuntura, mas o espaço interno não é entendido
como uma consequência do volume externo, mas sim como um volume vazio,
23
Francesco Cacciatore, Il Muro come Contenitore di Luoghi. Forme struturali cave nella opera de
Louis Kahn. Diferença entre forma tectônica e estereotômica – A primeira é dinâmica e provém
segundo um princípio de adição e justaposição dos elementos; a segunda, ao contrário, é estática e
funciona segundo um princípio de escavação e subtração das partes.
59

desenvolvido em paralelo aos limites externos. Essa maneira de organizar o projeto


foi elaborada para tornar a leitura dos espaços internos, assim como a imagem do
lado externo, mais simples e livre de interferências, usando os limites estabelecidos
para alocar os programas necessários para o funcionamento pleno da construção,
sem interferir nas duas volumetrias, transformando esses limites em paredes
habitadas.

3.4 A CONSTRUÇÃO

3.4.1 Definição

Este tópico refere-se à construção do vazio. Para isso, perceber a maneira


como os limites são pensados é imprescindível para se avançar no desenvolvimento
do tema. Considerando que a matéria com espessura é fundamental nas obras de
Aires Mateus, porque é nela que se definem os espaços e que se cria um campo de
força bem determinado para desenhar uma nova centralidade; ou seja, os espaços
de encontro do homem.
Os limites internos desenham as formas dos espaços contidos por eles, que
são tão importantes quanto os limites externos que conferem a volumetria da obra.
Com o uso do concreto armado e da estrutura independente, tentou-se
desmaterializar os limites abrindo completamente a construção para o exterior.
Porém, na história da arquitetura, a forma externa nem sempre foi igual à forma do
espaço interno. Aires Mateus entende os limites como espaços habitados, assim
como Louis Kahn, que se apropriava desse tema para construir espaços internos
monumentais com uma maneira concisa e desvinculada de sua imagem externa.
Com isso, eles conseguem o preciso controle da luz e criam a atmosfera necessária
para cada uso sem descaracterizar o desenho preciso da volumetria interna e da
volumetria externa.
A técnica construtiva utilizada pelos irmãos portugueses está mais
relacionada com a arquitetura vernacular portuguesa do que com as novas técnicas
industrializadas disponíveis, apesar de que, em alguns casos, usam-se elementos
industrializados em grande escala. De qualquer forma, a estrutura se adapta à sua
volumetria e ao desenho interno, certamente não ganhando protagonismo em suas
obras, à medida que suas preocupações recaem mais em transmitir experiências
60

espaciais puras tratando muito mais do tato, do olfato e da luz e da sombra, do que
soluções estruturais que desenham o espaço por meio de seus componentes.

3.4.2 Atuação

O espaço é um vazio com um punhado de ar que se transforma


através da matéria que define o limite […] O espaço é definido
através da forma, da textura, cor, temperatura e da luz do limite que
se constrói também com um vazio (MATEUS, 2010, bienal de
Veneza, “VOIDS”).

Louis Isadore Kahn graduou-se na Universidade da Pensilvânia, em 1928, e,


segundo a tradição Beaux-Arts, em viagem de estudos para a Europa, seu interesse
recaiu sobre as ruínas de Carcassonne ao sul da França e sobre os castelos
medievais da Escócia.
Quando foi estudar em Roma, em 1950, na American Academy, ao se
deparar com a arquitetura italiana, disse que aquelas obras permaneceriam como
fonte de inspiração para o futuro. De maneira mais abstrata e reflexiva, ele observou
que tal inspiração viria mais das técnicas construtivas e dos dramáticos efeitos de
luzes nas obras religiosas do que da própria estética e dos detalhes escultóricos que
continham aquelas obras.
Na primeira oportunidade que teve, Kahn pôs em prática a antiga relação, na
qual a estrutura se integra ao fechamento externo do edifício. Desse modo, envolvia
as partes do edifício conseguindo o efeito de muros grossos dos castelos medievais,
locando dentro deles os espaços servidores. Assim, a luz que banha os edifícios
internamente também se modifica, tornando-se cada vez mais dramática ao
atravessar as aberturas mais profundas para banhar os espaços internos. Esse
método foi usado no projeto da Sinagoga Mikveh Israel, na Filadélfia, no qual as
paredes externas do edifício se abriam convertendo em espaços habitáveis. “O muro
é um acontecimento” (KAHN, 1965, s/p), segundo suas palavras.
61

Figura 21 – Sinagoga Mikveh Israel, Filadélfia (1961-1970) e Claypotts Tower Tayside, Scotland
(1569)
Fonte: Livro Forma e Design, Louis Kahn, 2010 e http://carneycastle.com.

Os irmãos Aires Mateus procuram, na arquitetura vernacular portuguesa,


formas de expressões para seus projetos, sejam elas por meio da textura, cheiro,
espaço ou luz. No caso a seguir, apoiam-se no raciocínio de paredes espessas, as
quais tornaram-se uma massa construída habitável a partir dos limites espaciais.
Conforme citado anteriormente, distribuem todos os espaços que requerem
instalações ou circulações nesses limites, deixando o vazio protagonista e, livre de
qualquer interferência, o vazio puro e banhado somente por luz e sombra,
modificando-se ao passar do tempo.

Figura 22 – Casa em Alvalade, Alentejo


Fonte: Aires Mateus, 1999 – 2000.

O projeto da casa, não construída, em Alvalade, explora o conceito defendido


por Kahn de “muros habitáveis”, porém a concepção partiu da indagação sobre viver
de duas maneiras o mesmo espaço. Para isso, as paredes grossas deram lugar a
duas paredes paralelas, transformando-as em espaços de circulação. Foram
62

colocadas portas duplas em todos os ambientes enclausurados, dando a


possibilidade de fechar tais ambientes, abrindo-se os corredores, e vice-versa. A
ideia de habitabilidade das paredes acabou gerando os espaços internos,
transformando a planta, aparentemente muito simples e regular ao primeiro olhar,
em uma composição extremamente complexa pelo simples fato de abrir e fechar das
portas, mudando completamente as circulações e a percepção espacial da casa.
A planta regular e labiríntica ao mesmo tempo foi disposta inicialmente em
enfilades segundo a tradição clássica da arquitetura e, em seguida, por eixos
definidos pelos corredores de circulação. Os arquitetos, no projeto em questão,
transformaram uma planta com características clássicas por outra com o princípio
moderno de organização dos ambientes por meio de eixos de circulação. Por fim,
essa casa se articula pela fusão dos dois princípios, o clássico e o moderno,
mudando ou mesclando-se de acordo com a vontade dos usuários.

Figura 23 – Casa em Alvalade, Alentejo. Circulações em vermelho (enfilades) circulações em azul


(corredores)
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

Sua forma foi construída a partir da definição de um limite externo. Nesse


caso, o quadrado delimita o espaço e pelo qual a casa fecha-se ao entorno. A luz
natural penetra pelas aberturas nas fachadas dispostas entre um corredor e o outro
63

e pelas iluminações zenitais pontuais e pelos pátios internos, diluindo-se devido aos
inúmeros obstáculos que atravessam ao banhar os ambientes mais internos,
alterando completamente a cor dos espaços e do volume externo ao passar das
horas e aferindo à tonalidade da luz do Sol, que atinge a cor branca em todo volume:

O lote é ‘infinito’, um terreno de ondulação suave pontuado por


sobreiros. O projeto surge como um ponto no território, um mínimo,
um quadrado. O programa muito extenso obriga a proximidades e
distâncias como um labirinto. Os espaços organizam-se por dois
grupos: os espaços de apoio – instalações sanitárias e circulações e
os espaços principais – salas, cozinha, quartos e pátios. Os espaços
de apoio são dispostos como um ‘muro habitado’, entre paredes que
contêm um espaço e um maciço total. Os espaços principais
desenham-se um a um, cobertos ou descobertos, e relacionam-se
entre si através dos muros/percursos, criando longos enfilamentos.
No percurso através da casa, perspectivas semelhantes variam pela
ação do espaço e da luz (MATEUS, 2000, s/p).

Nas casas-pátios, também, não construídas, de Mies Van Der Rohe, é usado
o limite de um terreno hipotético para delimitar o espaço interno do lote, que, por sua
vez, se fecha totalmente para o entorno. Ali, um espaço fluído, aberto e transparente
foi criado para prover a continuidade entre o interior (construção) e o exterior (pátio),
protegido pelos limites do lote. A relação entre o interior construído e o exterior pátio
nas duas casas é completamente distinta. Na proposta de Mies, a integração entre
os espaços é clara devido à desmaterialização dos limites entre os espaços interno e
externo por grandes panos de vidro. Na casa em Alvalade, os pátios são construídos
a partir de uma sequência de pórticos, na qual se circula em torno deles, havendo
quase que uma ruptura espacial ao invés da integração proposta por Mies.
64

Figura 24 – Mies Van Der Rohe, Grupo de casas-pátio


Fonte: Livro A boa Vida, Inãki Ábalos, 2016.

Montaner, em seu livro A Modernidade Superada, no capítulo “Espaço e


Antiespaço, Lugar e Não lugar na Arquitetura Moderna” (2012 p.28), discorrendo
sobre a diferença entre espaço e lugar, cita que “[...] o espaço tem uma condição
ideal, teórica, genérica e indefinida, o lugar possui um caráter concreto, empírico,
existencial, articulado e definido até os detalhes”. Ainda que o espaço fique sempre
delimitado, pela sua própria essência, tende a ser infinito e ilimitado. O lugar, pelo
contrário, é definido por substantivos, pelas qualidades das coisas e dos elementos,
pelos valores simbólicos e históricos; é ambiental e do ponto de vista
fenomenológico, está relacionado com o corpo humano.
Robert Venturi, em seu livro Complexidade e Contradição na Arquitetura,
publicado originalmente em 1966, discorre, no capítulo 9, intitulado “O interior e o
exterior”, sobre a diferença entre o lado externo e o interno de uma edificação,
afirma o contraste entre as duas faces edificadas como uma das principais
manifestações na contradição da arquitetura.
Mediante uma série de exemplos em distintas épocas e estilos, Venturi (2004)
mostra inúmeras possibilidades de tornar o interior independente do exterior de
maneira direta. No entanto, a maioria dos exemplos baseia-se em projetos
arquitetônicos antigos. Os mais recentes são principalmente fundamentados nos
65

projetos de Louis Kahn e Alvar Aalto, que afirmavam que os espaços residuais
abertos deveriam ser compreendidos entre as faces interiores e exteriores, podendo
ser considerados um poché24 aberto.
Por outro lado, quando feito na massa edificada, “o espaço servidor”, de
Kahn, e os pochés dos muros da arquitetura romana e barroca tornam-se meios
alternativos para adaptar o interior diferentemente do exterior. Em ambos os casos,
desenhar tanto de dentro para fora, como de fora para dentro, cria as tensões
necessárias que os auxiliam na concepção do projeto arquitetônico.
A correspondência absoluta entre a forma arquitetônica e a sua realidade
construtiva é um fator pouco frequente na história da arquitetura, fato que, com o
passar do tempo, a forma arquitetônica vem ganhando cada vez mais autonomia em
relação à sua origem construtiva. Essa convergência torna possível que a arquitetura
seja expressa, por um lado, pela relação direta entre objeto e imagem e a imanência
entre função e forma, e, por outro, baseando-se na aceitação completa da dualidade
existente entre a necessidade construtiva e, portanto, física, e as necessidades
representativas, portanto, expressivas.

Figura 25 – Centro de Monitorização e Investigação das Furnas. Cortes mostrando relações entre
a face interior e exterior e o poché aberto
Fonte: Aires Mateus, 2006.

Henri Focillon (20010, em seu livro A vida das Formas, no capítulo “As formas
no Espaço”, cita o duplo aspecto da massa na arquitetura, tratando-a como massa
externa e massa interna. Ele diz que a relação entre elas oferece um particular
interesse para o estudo da forma no espaço, apontando que a arquitetura
cisterciense se dedicou em ocultar, por detrás da unicidade das massas murais, a
complexidade da face interior.
O autor continua proferindo que os arquitetos habitualmente tratam a massa
como um sólido compacto perseguindo aquilo que chamam de invólucro, ou pele, e

24
Representação gráfica geralmente pintada de preto das massas construídas seccionadas, para
tornar mais legível a representação das plantas baixas e cortes, termo usado na escola de Beaux-Arts
no início do século XX. (Composition, Non composition, p. 179, 2012).
66

que talvez seja na massa interna que reside a originalidade profunda da arquitetura
como tal. Isto é, ao dar uma forma definida a esses espaços vazios, ela cria
verdadeiramente o seu próprio universo.
Faz-se clara, no desenho anterior (Figura 25), a intenção dos arquitetos Aires
Mateus ao tratarem a superfície interna diferentemente da externa, buscando, mais
uma vez, contestar a fluidez, a transparência e o entendimento imediato do espaço
construído. Isso não ocorre somente por um desejo dos arquitetos, interferindo, as
questões climáticas, sobre as decisões do projeto. Uma construção transparente e
mais fluida, segundo os próprios autores do projeto anterior, “[...] teria que conter
vidros duplos ou triplos que refletem muito, deixando a obra pesada e sem sentido
para determinados lugares” (SILVA, 2017, s/p). Além da afirmação pela busca
dessas contradições, por sua vez, a hibridação de formas, sejam elas arquetípicas
ou orgânicas, e um volume muitas vezes telúrico se afirmam mais como uma
arquitetura estereotômica do que tectônica em suas obras.
Em “Cajas, cajitas cajones. Sobre lo estereotómico y lo tectónico” (em La idea
construida, Buenos Aires, 2000, s/p), Alberto Campo Baeza escreve a respeito
desses dois termos:

Entendemos por arquitetura estereotômica aquela em que a


gravidade se transmite de maneira contínua, em um sistema
estrutural no qual a continuidade construtiva é completa. É a
arquitetura maciça, pétrea, pesada, a que se assenta sobre a terra
como se dela tivesse nascido. É a arquitetura do pódio, do
embasamento, da plataforma. Também, é a que busca a luz,
perfurando suas paredes para que ela possa entrar. Em resumo, é a
arquitetura da caverna.
Por outro lado, a arquitetura tectônica é aquela em que a gravidade
se transmite de modo descontínuo, em um sistema estrutural com
nós, em que a construção é sincopada. É a arquitetura óssea, leve,
que se apoia sobre a terra como se estivesse na ponta dos pés. É a
arquitetura que se defende da luz, que tem que proteger suas
aberturas para controlar a luz que a inunda. Resumindo, é a
arquitetura da cabana.

Colin Rowe e seus alunos de urbanismo da Universidade de Cornell fizeram


um estudo baseado no mapa de Roma do arquiteto e engenheiro Giovanni Battista
Nolli, que adotou a representação em planta no nível da rua para evidenciar com
mais precisão os espaços públicos.
67

Figura 26 – Mapa de Roma de Giambattista Nolli


Fonte: http://www.lib.berkeley.edu, 1748.

Para este estudo, cabem duas descobertas importantes feitas por esse grupo
de estudantes, que, diferentemente de Nolli, não deixaram de lado os vazios dentro
das massas edificadas. Dessa forma, eles não só destacaram os espaços
construídos, dos espaços abertos, mas também, vendo-se a construção no lote em
oposição à rua, esses vazios podem ser representados como poché invertido,
representando a mancha preta como a massa edificada, mudando as relações
interior e exterior do edifício, e mostrando as diferenças entre os limites edificados,
em que se tem uma clara distinção entre a face voltada para o pátio interno (interior)
e a face voltada para a cidade (exterior).
68

Figura 27 – Casa em Aroeira


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.25

Porém, o mais importante é a observação feita ao adotar-se o dualismo


figura-fundo como instrumento de análise. Somente assim, percebeu-se que a
arquitetura moderna havia invertido a proporção entre espaço livre e espaço
construído, produzindo resultados desastrosos no nível do pedestre, criando áreas
descampadas e sem vida no espaço urbano, aumentando as distâncias entre os
edifícios e isolando as pessoas, diferentemente das cidades típicas europeias, nas
quais as sinuosidades criavam surpresas e as proporções eram mais adequadas à
escala do pedestre. A cidade era, então, construída pela cumplicidade com o seu
vizinho e fundamentada mais pela lógica do terreno e pelas curvas de nível do que
pela lógica cartesiana.

25
Segundo a constatação dos alunos de Collin Rowe, a primeira imagem mostra as paredes
delimitando a forma aos espaços internos e, na segunda imagem, a cobertura como um poché
evidenciando a diferença entre a face voltada para a rua e a face voltada para o espaço contido
por ele.
69

Figura 28 – Planta Figura-fundo da cidade de Parma e Planta figura-fundo do projeto de Le


Corbusier para Saint-Dié.
Fonte: Colin Rowe, Collage City, p. 62-63.

A estratégia do projeto do centro comercial com residências em Moura foi de


apropriar-se do lote respeitando os limites desenhados pelas ruas do centro histórico
da cidade, conectando-se com os edifícios vizinhos e procurando estabelecer um
diálogo com o entorno numa linguagem própria, mostrando que o edifício pode se
estabelecer no centro histórico qualificando o espaço, incorporando-se a ele e
demonstrando que nem sempre são necessários grandes investimentos e
complexidade projetual para transformar positivamente o contexto da cidade ou do
lugar.
70

Figura 29 – Imagem da esquerda, arquitetura vernacular portuguesa, referência usada como base
para o desenvolvimento do projeto em Moura. Imagem do centro, pátio interno do centro
comercial com residências em Moura se apropriando de elementos já existentes e imagem da
direita, foto externa do centro comercial com residências em Moura, mostrando a relação com os
edifícios do entorno e com a rua.

Cria-se, então, uma relação direta com as ruas que desenham os limites do
edifício, pelo seu uso comercial no pavimento térreo, designando, também, a
possibilidade de uma conexão fluída entre as mesmas ruas para os pedestres
circularem protegidos ou cortando caminho pelo pátio central, que se apropria de
elementos, como chaminés preexistentes no local. Com uma linguagem
contemporânea, que, diferentemente de seus vizinhos, elimina o que há de mais
arquetípico na arquitetura residencial, o telhado, a construção, mesmo assim, propõe
uma relação de proximidade, seja pela sua implantação, materialidade, gabarito e
pela própria composição na fachada, com um jogo de aberturas de piso a teto
intercalando-se verticalmente.
O centro histórico de Moura requeria uma aproximação de densidade
máxima. As estreitas ruas e a intensa relação com o céu desenharam o perímetro do
edifício como uma natural existência. O comércio foi confinado ao piso térreo
estabelecendo a relação com o dia a dia. As habitações foram protegidas no piso
superior. E as aberturas e a sua abstrata presença conduziram a fachada a uma
mesma narrativa.

Comércio e habitação partilham o discurso. Uma fronteira permeável


é assumida pela densidade das paredes que separam a rua dos
espaços interiores, e um espaço protegido é criado. Profundos e
dramatizados vãos estabelecem a fachada enquanto entidade
reconhecível (MATEUS, 2005, s/p).
71

Os projetos dos irmãos Aires Mateus sempre se caracterizam pela busca do


novo, fortemente marcados por experimentos e sempre relacionados com a cultura e
a arquitetura vernaculares portuguesas, seja ela no processo construtivo, na
linguagem arquitetônica, na maneira cirúrgica de se relacionar com o entorno, mas,
sobretudo, pelo raciocínio que conduz por inventivas análises de construções das
cidades nos mais diferentes tempos.
Na maioria de suas obras, a construção não é um apanhado de estudos
acerca de soluções construtivas. Elas não provam o esforço do construtor, nem
demonstram um estudo sobre diversos materiais e texturas. Não há rastro da
construção ou de uma fase de resistência pelo qual o trabalho teve que passar, nem
sinal algum do caminho por trás do que foi construído.

A obra surge como uma proteção à técnica construtiva, um invólucro,


erradicando todos os vestígios estruturais. Evita-se mostrar as
soluções adotadas, porque parecem determinadas a apagar todos os
vestígios do passado em seu processo. As figuras erigidas parecem
não dialogar com sua origem construtiva e não há conflito ou fricção
em sua aparente simplicidade. A casa parece fornecer abrigo àquela
contemporânea uniformidade que se chama de tecnologia,
erradicando qualquer vestígio dela, dos utensílios de cozinha ao
automóvel. Sua arquitetura evita a tecnologia, porque se projeta ao
mundo como uma resistência, não como um modelo, e porque
procura substituir ou quase vencê-lo em vez de contemplá-lo: “E se a
tecnologia se baseia, como Octavio Paz disse uma vez, na negação
do mundo como imagem, é exatamente o oposto do que esses
arquitetos querem, ou seja, eles querem usar tudo o que é
imaginável” (SANTAMARÍA, 2016, p.38).

O método de trabalho é uma estratégia de redução das interferências com


ações claras e objetivas que confrontam o processo de construção com todas as
suas complicações, fadigas e azáfamas, que ocorrem ao longo de todo percurso de
uma obra. Enfrentada com tantos obstáculos, a criatividade sai à procura de um
campo único e independente, até agora de acordo com as contingências
necessárias. Isso porque, para os irmãos Aires Mateus, a forma que se expõe é
mais importante do que a técnica construtiva escolhida. A sua estrutura se adapta à
imagem que se pretende passar. Certamente, nunca se verá a estrutura como
protagonista de suas obras e se evidenciando mais do que sua volumetria. Não se
trata de uma arquitetura de componentes, mas nem por isso a estrutura é deixada
72

de lado. Pelo contrário, ela é concebida de modo muito preciso e com o mesmo rigor
técnico-formal de todo o resto dos elementos que compõem seus projetos,
simplesmente para ajustar com máximo rigor a volumetria que se busca executar.
Segundo o arquiteto Manuel Mateus,

[...] a arquitetura tem a ver com coisas muito mais profundas do que
a sua tradução em imagem. Mas é evidente que, num tempo de
consumo rápido, a imagem é determinante. A imagem é o que é
possível manifestar e vender com uma grande celeridade. Estamos
falando de um tempo de necessidades novas, de construções e
lugares novos. A questão do ícone de consumo rápido torna-se
central. Não tem a ver com a cidade que já construiu a sua imagem e
tem calma na sua manifestação, ao contrário do mundo ‘ex-novo’,
que tem necessidade de um outro tipo de afirmação. A arquitetura é
muito bombardeada pela imagética que é desligada do seu próprio
uso, da sua possibilidade de usufruto. As pessoas deixam de se
preocupar com a vivência que essa arquitetura possibilita e passam a
concentrar-se no problema da imagem. Isso é muito nocivo. A
arquitetura é massivamente divulgada a partir da imagem. A nossa
batalha é tentar fazer o contrário.
73

4 PRINCIPAIS PROJETOS 1990/2015

A fim de elaborar a relação dos principais projetos do Atelier Aires Mateus e


escolher dentre eles os projetos a serem analisados nesta dissertação, foram
consultados: o site do Escritório, os livros El Croquis nº 154 e nº 186, que abrangem
obras desde 2002 a 2016 dos arquitetos em questão, a Revista GA nº 28, artigos,
dissertações, entrevistas, blogs, portais de arquitetura, palestras feitas pelos autores
dos projetos e, por fim, o material disponibilizado pelo próprio Atelier Aires Mateus
ao autor desta dissertação. Nesse material, constam 51 projetos de diversas escalas
e programas, que, por terem sido disponibilizados pelos próprios autores, entende-
se serem relevantes dentro de sua produção. Certamente, outros projetos menos
divulgados não foram incluídos nessa lista por serem compreendidos como projetos
com menos relevância.
Como veremos na tabela a seguir (Figura 30), o início da carreira dos irmãos
Aires Mateus, já em seu próprio atelier, foi marcado por quase uma década de
projetos desenvolvidos por meio de concursos públicos, que foram vencidos por
eles, cuja grande parte estão relacionados ao tema da educação. O primeiro
concurso vencido pelo atelier foi uma instalação na Trienal de Arquitetura em Sintra
(1990), início da fundação do Escritório.
Em seguida, o projeto para as Novas Instalações do Colégio de Engenheiros
Portugueses (1994) também ganhou o primeiro prêmio. Daí em diante, ganharam os
prêmios de concursos para a Residência de Estudantes, em Coimbra (1996) e
Unidade Pedagógica da Universidade de Coimbra (1997). Venceram também o
concurso para desenvolver a Cantina da Universidade de Aveiro (1997) e para a
Reitoria da Universidade Nova de Lisboa (1998), além da Nova Orquestra
Metropolitana de Lisboa (1999), desenvolvida em colaboração com Gonçalo Byrne.
Ainda, nesse período, foram encomendados alguns projetos de residências
unifamiliares, como a casa em Urzal (1992), projeto não executado; a casa em
Navarros (1993), primeira obra residencial executada no atelier; em seguida, a casa
em Alvalade (1999); e a casa em Alenquer (1999), considerada pelos autores como
o primeiro projeto que formou bases para o desenvolvimento de um pensamento que
refletiu em todos os projetos vindouros.
Dentre os anos 2000 e 2005, a equipe de Aires Mateus venceu mais quatro
concursos públicos nacionais de arquitetura e foi finalista no concurso internacional
74

para o Novo Museu Egípcio em Cairo (2002), afirmando a importância de concursos


nas obras e na evolução do escritório dos irmãos Aires Mateus. Dentre estes, estão
dois projetos que serão estudados adiante. Trata-se do Centro de Artes de Sines
(2001) e do Museu Farol de Santa Marta (2003). Nesse período, eles também foram
agraciados por premiações nacionais e internacionais de arquitetura pelo
reconhecimento de algumas obras como a Residência de Estudantes em Coimbra, a
Reitoria da Universidade Nova em Lisboa, a Cantina da Universidade de Aveiros e a
casa em Brejos de Azeitão, com um prêmio internacional que colocou o Escritório
em evidência. Naturalmente, contratos de diversas escalas e programas foram
acordados dando a possibilidade de intervenções com diferentes níveis de
complexidade.
Nos cinco anos seguintes, entre os anos 2005 a 2010, o Escritório foi
premiado com mais oito concursos internacionais e nacionais. Dentre os
internacionais, dois projetos estão na Suíça, um Complexo Multifuncional (2005) em
Balerna e um Edifício Residencial em Sully (2009). Na Espanha, também, venceram
dois concursos com o Museu Parque de los Cuentos (2007) em Málaga e um edifício
de uso misto (2007) em Madrid. As outras três premiações foram nacionais,
tratando-se de um Hotel em Monsaraz (2008), da Sede Corporativa do Grupo EDP
(2008), em Lisboa, e do Palácio Dos Condes de Murça (2008), em coautoria com o
arquiteto português Frederico Valsassina. Dentre os nacionais, venceram o concurso
para um projeto urbano de Requalificação do Jardim Botânico e do entorno do
Parque Mayer (2008) em Lisboa e, por último, para a Requalificação do Mercado da
Ribeira em Cais do Sodré (2010) em Lisboa.
Dentre os contratos privados nesse período, estão um Edifício Multifuncional
(2006) em Dubai nos Emirados Árabes, ainda não construído, um Auditório em
Padova (2007), na Itália, um hotel em Dublin (2008), além de residências
unifamiliares, edifícios de habitação coletiva, um edifício de uso misto e uma série de
escolas em diferentes cidades em Portugal, dentre elas o Centro Escolar Vila Nova
da Barquinha (2007), estudado adiante.
Nesse período, o Escritório já era reconhecido internacionalmente, tinha
recebido prêmios e homenagens de entidades nacionais e internacionais, e
participava constantemente das principais bienais internacionais, como a de Veneza,
na Itália.
75

Nos cinco anos posteriores, venceram mais quatro concursos, dentre eles o
Centro de Criação Contemporânea Olivier Debré (2013), na França, a Faculdade de
Arquitetura, em Tournai (2014), na Bélgica, um centro Islâmico em Bordeaux (2014),
na França, e o Museu de Fotografia, Design e Artes Contemporâneas, em Lausanne
(2015), na Suíça.
Também, foram desenvolvidos e construídos, nesse período, projetos de
pequenas e grandes escalas com diferentes programas, além de instalações como a
Radix (2012) para a Bienal de Veneza, período em que os projetos do Atelier foram
se disseminando por toda a Europa. Entretanto, os projetos ainda são em sua
grande maioria desenvolvidos em Portugal. As parcerias com outros escritórios de
arquitetura, como Gonçalo Byrne, Valsassina e SIA Arquitetura, dentre outros,
também são constantes na trajetória do Atelier Aires Mateus, que adotam como
filosofia manter uma estrutura reduzida e, mesmo assim, desenvolver projetos nas
mais diferentes escalas e usos, programas e usos, o que torna as parcerias com
outros escritórios de arquitetura indispensáveis.
76

PRINCIPAIS PROJETOS 1990|2015 DATA LOCAL

1 INSTALAÇÃO DA TRIENAL DE ARQUITETURA EM SINTRA (CONCURSO) 1990 SINTRA - PORTUGAL


2 CASA EM URZAL 1992 URZAL - PORTUGAL
3 CASA EM NAFARROS 1993 NAFARROS - PORTUGAL
4 NOVAS INSTALAÇÕES DO COLÉGIO DE ENGENHEIROS PORTUGUESES (CONCURSO) 1994 LISBOA - PORTUGAL
5 RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES NO COMPLEXO II DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (CONCURSO) 1996|1999 COIMBRA - PORTUGAL
6 UNIDADE PEDAGÓGICA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (CONCURSO) 1997 COIMBRA - PORTUGAL
7 CANTINA DA UNIVERSIDADE DE AVEIRO (CONCURSO) 1997 AVEIRO - PORTUGAL
8 REITORIA DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA (CONCURSO) 1998|2002 LISBOA - PORTUGAL
9 NOVA ORQUESTRA METROPOLITANA DE LISBOA (CONCURSO) 1999 LISBOA - PORTUGAL
10 BIBLIOTECA CENTRAL DE LISBOA 1999 LISBOA - PORTUGAL
11 LIVRARIA ALMEDINA LISBOA 1999|2000 LISBOA - PORTUGAL
12 CASA EM ALVALADE 1999|2000 ALENTEJO - PORTUGAL
13 CASA EM ALENQUER 1999|2002 ALENQUER - PORTUGAL
14 CASA NO LITORAL ALENTEJANO 2000 LITORAL ALENTEJANO - PORTUGAL
15 EDIFÍCIOS DE HABITAÇÃO, PARQUE EXPO ZONA NORTE 2000|2005 LISBOA - PORTUGAL
16 CORTE UNIVERSITÁRIA DE COMIBRA (CONCURSO) 2001 COIMBRA - PORTUGAL
17 CONJUNTO ARQUITETONICO LOS SANFERMINES 2001 NAVARRA - ESPANHA
18 CENTRO DE ARQUITETURA DE LISBOA 2001 LISBOA - PORTUGAL
19 CASA EM BREJOS DE AZEITÃO 2001|2003 AZEITÃO - PORTUGAL
20 CENTRO DE ARTE DE SINES (CONCURSO) 2001|2005 SINES - PORTUGAL
21 GRANDE MUSEU EGÍPCIO (CONCURSO) 2002 CAIRO - EGITO
22 LIVRARIA ALMEDINA PORTO 2002 PORTO - PORTUGAL
23 NOVA BIBLIOTECA CENTRAL DE LISBOA (CONCURSO) 2003 LISBOA - PORTUGAL
24 CASA EM ALCACER DO SAL 2003 ALCÁCER DO SAL - PORTUGAL
25 BOM SUCESSO 2003|2010 ÓBIDOS - PORTUGAL
26 MUSEU FAROL DE SANTA MARTA (CONCURSO) 2003|2007 CASCAIS - PORTUGAL
27 RESIDÊNCIAS PARA IDOSOS EM ALCÁCER DO SAL 2004|2010 ALCÁCER DO SAL - PORTUGAL
28 AUTO-SILO NAS PORTAS DO SOL 2005 LISBOA - PORTUGAL
29 EDIFÍCIO DE HABITAÇÃO COLETIVA - RATO 2005|2007 LISBOA - PORTUGAL
30 CASAS E COMÉRCIO EM MOURA 2005|2008 MOURA - PORTUGAL
31 ALMEDINA COIMBRA 2006 COIMBRA - PORTUGAL
32 EDIFÍCIO MULTIFUNCIONAL 2006 DUBAI - EMIRADOS ÁRABES
33 CASA EM CORUCHE 2006 CORUCHE - PORTUGAL
34 CONSULTAZIONE INTERNAZIONALE DI IDÉE NELL'AREA EX-METALPLEX A BENEVENTO (CONCURSO) 2006 BENEVENTO - ITÁLIA
35 AUDITORIUM CITTÀ DI PADOVA (CONCURSO) 2007 PADOVA - ITÁLIA
36 MUSEU PARQUE DE LOS CUENTROS (CONCURSO) 2007 MÁLAGA - ESPANHA
37 CASA EM MONSARAZ 2007|2009 MONSARAZ - PORTUGAL
38 CASA NA AROEIRA 2007|2010 AROEIRA - PORTUGAL
39 CENTRO ESCOLAR EM VILA NOVA DA BARQUINHA 2007|2010 VILA NOVA DA BARQUINHA - PORTUGAL
40 CASA EM ALCOBAÇA 2007|2011 ALCOBAÇA - PORTUGAL
41 EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS E COMERCIO - PARQUE DAS NAÇÕES 2008 LISBOA - PORTUGAL
42 REQUALIFICAÇÃO DOS PALÁCIO DOS CONDES DE MURÇA 2008 LISBOA - PORTUGAL
43 GRAND CANAL SQUERE HOTEL 2008 DUBLIN - IRLANDA
44 PALÁCIO DOS CONDES DE MURÇA 2008 LISBOA - PORTUGAL
45 CASA EM LEIRIA 2008|2010 LEIRIA - PORTUGAL
46 RESIDÊNCIAS E CENTRO DE MONITORIZAÇÃO E INVESTIGAÇÃO DAS FURNAS 2008|2010 AÇORES - PORTUGAL
47 CASA NA COMPORTA 2008|2010 GRÂNDOLA - PORTUGAL
48 HOTEL EM BARROCAL (CONCURSO) 2008|2010 MONSARAZ - PORTUGAL
49 CASA NA COSTA ALENTEJANA 2008|2015 GRÂNDOLA - PORTUGAL
50 SEDE CORPORATIVA DO GRUPO EDP (CONCURSO) 2008|2015 LISBOA - PORTUGAL
51 SANTO TIRSO CALL CENTER 2009 SANTO TIRSO - PORTUGAL
52 CASA EM FONTINHA 2009|2013 MELINDES - PORTUGAL
53 CASA EM AJUDA 2009|2014 LISBOA - PORTUGAL
54 REQUALIFICAÇÃO DO JARDIM BOTÂNICO E DA ZONA DO PARQUE MAYER (CONCURSO) 2010 LISBOA - PORTUGAL
55 REQUALIFICAÇÃO DO MERCADO DA RIBEIRA (CONCURSO) 2010 LISBOA - PORTUGAL
56 TERMINAL DE CRUZEIROS DE LISBOA 2010 LISBOA - PORTUGAL
57 INSTALAÇAO VOIDS - BIENAL DE VENEZA 2010 VENEZA - ITÁLIA
58 CENTRO ESCOLAR DE ALFERRAREDE 2010|2012 ABRANTES - PORTUGAL
59 CENTRO ESCOLAR DE BEMPOSTA 2010|2012 ABRANTES - PORTUGAL
60 CENTRO ESCOLAR RIO DE MOINHOS 2010|2012 ABRANTES - PORTUGAL
61 CASA NO TEMPO 2010|2014 ALENTEJO - PORTUGAL
62 REQUALIFICAÇÃO DA ETAR DE ALCÂNTARA 2011 LISBOA - PORTUGAL
63 TERMAS NA SERRA DA ESTRELA 2011 COVILHÃ - PORTUGAL
64 ATRIO DE LA ALHAMBRA (CONCURSO) 2011 GRANADA - ESPANHA
65 CENTRO DE CONVIVÊNCIA EM GRÂNDOLA 2011|2016 GRÂNDOLA - PORTUGAL
66 RADIX (INSTALAÇÃO) 2012 VENEZA - ITÁLIA
67 CASA EM BARREIRO (REFORMA) 2012 BARREIRO - PORTUGAL
68 CASA EM ESTRELA 2012 LISBOA - PORTUGAL
69 CASA EM CAMPOLIDE 2012 LISBOA - PORTUGAL
70 CASA EM MELINDES II 2012|2015 ALENTEJO - PORTUGAL
71 CENTRO DE CREACIÓN CONTEMPORÁNEA OLIVIER DEBRÉ (CONCURSO) 2012|2016 TOURS - FRANÇA
72 CABANAS NO RIO 2013 GRÂNDOLA - PORTUGAL
73 REQUALIFICAÇÃO DO COLÉGIO TRINDADE - COLEGIO EUROPEU 2013 COIMBRA - PORTUGAL
74 CASA EM MELINDES I 2013 GRÂNDOLA - PORTUGAL
75 CAPELA DE SAN GIROLAMO 2013 COMO - ITÁLIA
76 SCUOLA DI MUSICA DI BRESSANONE 2014 BRESSANONE - ITÁLIA
77 FACULDADE DE ARQUITETURA - UNIVERSIDADE CATÓLICA DE LOVAINA (CONCURSO) 2014 TOURNAI - BÉLGICA
78 CENTRO ISLÂMICO EM BORDEAUX (CONCURSO) 2014 BORDEAUX - FRANÇA
79 MUSEU CANTONAL DE FOTOGRAFIA E MUSEU DE DESIGN E ARTES CONTEMPORÂNEA (CONCURSO) 2015 LAUSANNE - SUÍÇA
80 HABITAÇÕES ASSISTIDAS BELEM DO BOM SUCESSO 2015 LISBOA - PORTUGAL
81 EDIFÍCIO DE HABITAÇÕES BELEM JERONIMOS 2015 LISBOA - PORTUGAL

Figura 30 – Projetos de maior relevância do Atelier Aires Mateus de 1990 a 2015


Fonte: Tabela produção do autor, 2017.
77

5 A ANÁLISE DAS OBRAS

As análises se apoiarão nas quatro vias de aproximação elaboradas


anteriormente; ou seja, serão organizadas sob o olhar atento de como foi concebida,
representada, organizada e construída cada obra.
78

5.1 O CENTRO DE ARTES DE SINES

Figura 31 – Ficha técnica, Centro de Artes de Sines


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
79

O projeto inicia-se na escolha do lugar. ‘Porta’ tradicional do centro histórico,


marca o início da rua principal de ligação ao mar. Define-se a operação pela
máxima ocupação envolvendo a rua e compactando o extenso programa.
Parte-se de uma leitura horizontal transparente ao nível da rua que interliga
todas as funções e revela a dimensão da intervenção. Constrói-se o projeto
para baixo deste nível ‘imprimindo’ as funções no sítio, escavando o terreno.
Para cima as massas sólidas e pesadas são suspensas a partir dos muros
da periferia. As funções dispõem-se em faixas paralelas à rua, intercaladas
por pátios. Funções ligadas transversalmente abaixo do nível terra
organizam-se a partir deste nível verticalmente. O projeto é desenhado à
escala das peças de exceção do centro histórico.

Aires Mateus
80

Figura 32 – Foto obra construída


Fonte: Daniel Malhão, 2006.
81

5.1.1 O momento

O projeto sob análise faz parte da primeira fase, porém sua obra foi finalizada
no início da segunda fase dos arquitetos de acordo com a análise de Francesco
Cacciatore, conferida em seu livro L’Architeturra di Aires Mateus. Referido autor
propõe os dois temas mais evidentes dessa obra: os muros habitáveis, que dão
maior flexibilidade e clareza aos espaços principais; e o invólucro externo, que
confere a monomaterialidade para evidenciar com mais clareza sua expressão
volumétrica.

5.1.2 Introdução

Sines é uma cidade litorânea na região do Alentejo, localizada a 160


quilômetros ao sul de Lisboa e que possui, atualmente, população de
aproximadamente 15 mil habitantes. A cidade foi contemplada com uma fortificação
nomeada de Castelo de Sines, projetada pelo engenheiro militar Napolitano
Alexandre Massai em 1614.
Em novembro de 1999, a Câmara Municipal de Sines encarregou ao Atelier
Aires Mateus o desenvolvimento do projeto de arquitetura para a Biblioteca e o
Centro de Artes. Somente cinco anos depois, em janeiro de 2004, as obras foram
iniciadas, ficando a cargo da construção do edifício a construtora Alberto Martins
Mesquita & Filhos, que, dentre outras, foi responsável pela construção da Casa da
Música na cidade do Porto. Em 2005, foi inaugurada a Biblioteca e o Centro de
Exposições e, finalmente, em janeiro de 2006, iniciou-se a programação regular do
Centro de Artes de Sines.
Vencedor de diversos prêmios nacionais e internacionais de arquitetura, o
Centro de Artes de Sines foi um dos sete projetos finalistas do prêmio de arquitetura
contemporânea da União Europeia ou Prêmio Mies van der Rohe.
Ele foi construído no espaço anteriormente ocupado pelo Cine Teatro Vasco
da Gama, pelo Teatro do Mar e por um parque de estacionamento. Para esse
complexo, foram analisados anteriormente sete terrenos em áreas periféricas de
Sines, mas foi escolhida, por fim, uma posição central da cidade, com grande
acessibilidade e cruzamento entre todos os estratos da população local e visitantes.
O local escolhido coincide com o início do caminho medieval, que abre a cidade para
82

a enseada e é, também, a via de delimitação entre a parte histórica da cidade e a


nova. As características do lugar foram determinantes para a concepção do edifício,
que tinha como princípio o papel de dinamizador e modelo de qualidade para o
centro histórico da cidade.

5.1.3 A concepção

Rafael Moneo, em seu livro Inquietud teórica y estrategia proyectual en la


obra de ocho arquitectos contemporáneos, abordando as obras de Álvaro Siza,
disse que “[...] a consciência da realidade começa com o conhecimento do lugar”.
Manuel Aires Mateus, em entrevista para o jornal Expresso, disse “[...] o nosso
trabalho enquanto arquitetos é descobrir o que é único em cada projeto. O que o
diferencia do projeto seguinte do anterior”. De certa forma, estão dizendo a mesma
coisa. Isto é, para o arquiteto, cada projeto deve ser único, pois é pensado para a
única situação em que se encontra naquele momento.
Os arquitetos portugueses têm mostrado muita maturidade e sensibilidade ao
conceber suas obras em locais de toda natureza, sejam eles complexos pelas
interferências do entorno construído e sua própria topografia ou simplesmente pela
falta de referências e interferências, transformando a natureza do lugar.
Aires Mateus, nesse projeto, estudou, em minúcias, todas as mediações e
relações que podiam conectar sua obra ao entorno numa relação fenomenológica
encarnando o caráter fragmentário, cenográfico e complexo da cidade que o tempo
vem construindo. A integração da obra com o entorno é atribuída por diversas
formas de acepção e percepções que o homem sente ao explorá-la.

Figura 33 – Foto do terreno após a demolição Cine Teatro Vasco da Gama, do Teatro do Mar e
um parque de estacionamento
Fonte: Aires Mateus, 2015.
83

O terreno escolhido está localizado em um ponto estratégico da cidade,


fazendo uma transição entre a porção histórica e a nova. A então futura obra tinha a
incumbência de caracterizar aquele local como porta principal de ingresso à área
histórica. Além de seu caráter estratégico na organização e qualificação daquele
lugar, passava por diversas interferências de seu entorno e havia duras restrições
legais para a construção de um novo empreendimento naquele local.
A rua Marquês de Pombal tem uma relevância naquela região: ao longo de
seu trajeto, serve de delimitadora das porções antiga e nova da cidade e se coloca
na divisa frontal do novo Centro de Artes. A proposta naquela faixa foi de torná-la
uma extensão do novo complexo. Para isso, foi transformada somente para o uso
pedonal e revestida do mesmo material que foi usado em todas as faces externas do
edifício. A rua Cândido dos Reis nasce no centro histórico, cruza todo o terreno
transversalmente e conecta-se à rua Marquês de Pombal, frequentemente usada
pelos moradores da região e turistas para acessar a parte histórica de Sines. Os
arquitetos sugeriram dispor nessa rua as mesmas características da rua Marquês de
Pombal, transformando-a em uso restrito a pedestres na porção em que abrange a
nova construção e revestindo-a com a mesma pedra usada nas fachadas. Desse
modo, eles intervieram além dos limites do terreno, transformando essas ruas em
extensões da construção.
Funcionando como um espaço de transição, as ruas Marquês de Pombal e
Cândido dos Reis tornaram a relação entre o edifício e os pedestres mais próxima e
direta, preparando o visitante antes de adentrar ao edifício.
Os dois lotes somados têm uma área de 2.500 m² e o novo complexo deveria
ter aproximadamente 13.000 m²; ou seja, construiriam um pouco mais de cinco
vezes a área do terreno. O gabarito máximo, restrito às construções de exceção
daquela região, era de aproximadamente 13 metros de altura, o que fez com que,
inevitavelmente, a ocupação máxima do terreno fosse necessária, já que não havia
obrigatoriedade de conferir recuos em seus limites.
Visto que o edifício deveria ter pés-direitos generosos no auditório e em
algumas áreas expositivas, o que tolhia uma quantidade razoável de áreas, fez-se
inevitável o uso do subsolo, construindo mais de 4.000 m² sob o terreno conectando
os dois lotes com a demolição e reconstrução da rua Cândido dos Reis estruturada
por duas grandes vigas, transformando-a numa ponte, a qual daria a possibilidade
84

de cruzá-la por de baixo, fazendo disso um novo potencial do edifício, não conferido
anteriormente.

Figura 34 – Diagrama, implantação e fluxos


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

A estratégia de ocupação do lote foi utilizar todos os seus limites, gerando a


forma externa do edifício. Dessa maneira, o complexo assumiu uma dimensão
monumental pelas suas proporções volumétricas, tendo quase 70 metros de
comprimento voltados para a rua Marquês de Pombal e 40 metros na Rua Cândido
dos Reis, tornando-se, principalmente, na escala do pedestre numa volumetria de
grandes extensões. Se comparado com as construções do bairro antigo da cidade, o
complexo se destaca. Entretanto, se ampliada a visão, pode-se notar que o novo
edifício se integra mais à escala do centro histórico do que os edifícios do novo
centro, os quais se mostram mais evidentes e menos integrados ao contexto urbano.
Sua austeridade é quebrada por duas fendas que formam dois pátios
descobertos ao centro de cada volume, servindo, dentre outras, para ajustar suas
85

proporções do complexo e fornecer entrada de luz natural ao nível do pavimento


térreo. Mas é através da abertura longilínea nas fachadas voltadas para a rua
Cândido dos Reis que o edifício rompe definitivamente sua austeridade, dando
passagem aos pedestres e garantindo a permeabilidade entre as atividades culturais
do interior e a vida quotidiana do exterior através de sua transparência
dimensionada para a escala do transeunte.

Figura 35 – Corte do entorno


Fonte: Aires Mateus, 2015.

Além da antiga rua Cândido dos Reis, os pisos dos pátios no trecho do
terreno transformam-se em pontes que flutuam sobre as áreas de exposição
situadas no subsolo do Centro de Artes. A ideia de unir os quatro volumes pelo
subsolo e desconectá-los nos níveis acima do térreo melhorou a proporção do
edifício com relação ao entorno, além de trazer algumas vantagens econômicas e
espaciais ao conjunto. Por terem espaços mais amplos e conectados, podem ser
usados para várias funções, deixando a programação do edifício muito mais ampla,
além de concentrar os usos, o que acaba por simplificar a manutenção e circulação
entre as diversas atividades. Isso potencializa a exploração dos espaços, tornando-
os mais vividos e reunindo maior número de pessoas com diferentes interesses e
gerações, além de reforçar o uso das atividades pela utilização de outras.
Parece não haver hierarquia entre as partes do edifício. Há, por outro lado, a
busca de uma neutralidade hierárquica no conjunto. A relação entre as partes com o
todo é uma relação clara de busca pela cumplicidade entre as atividades propostas.
A relação do edifício com o entorno também se caracteriza pela busca da
cumplicidade, sem hierarquias ou imposições por parte do novo empreendimento,
86

apesar de suas proporções e escala comparativamente grandes em relação ao seu


contexto.

Figura 36 – Rua Cândido dos Reis cruzando o Centro de Artes Sines. No piso o poema Acordai
de Fernando Lopes Graça
Fonte: Daniel Malhão (2006).

Sua volumetria austera remete-se a um projeto que influenciou diretamente


essa obra e outros dois que poderia somente se aproximar com certa cautela, mais
como uma digressão do que uma afirmação. O primeiro e mais direto é o Castelo de
Sines, localizado no final da rua Cândido dos Reis, a 200 metros do Certo de Artes.
Sua influência é caracterizada pela sua materialidade, robustez e, principalmente,
pelo desenho de seu muro externo com frestas em sua porção superior assegurando
o desenho arquetípico de um castelo medieval. Nesse caso, parece que os irmãos
Aires Mateus ampliaram o detalhe das frestas do muro do Castelo e compuseram as
fachadas frontal e posterior do complexo. As proporções parecem iguais. É evidente
que os autores conceberam a volumetria com a memória dele, além, é claro, da
87

pedra Lioz, utilizada em todas as fachadas e pisos externos, remetendo-se àquela


usada para a construção do castelo de Sines.

Figura 37 – Corte transversal e elevação frontal. Evidencia a via central e os pátios nos edifícios.
Fonte: Aires Mateus, 2015.

Pode-se aventurar e dizer que Francesco Venezia e Antón García-Abril e


Débora Mesa, diferentemente do exemplo anterior, poderiam exercer uma influência
mais indireta, talvez somente como imagem do edifício, ligado à forma e matéria.
Apesar de ser mais provável tratar-se de mera coincidência, de qualquer forma,
foram declaradas, algumas vezes, a admiração vinda por parte dos irmãos Aires
Mateus ao arquiteto italiano Francesco Venezia, o qual tem muitas obras de
intervenções em importantes edifícios históricos, em diversas escalas e programas.
Suas obras são, em sua maioria, o reflexo da linguagem usada na obra do
Laboratório de Provas da Universidade de Veneza, conforme o exemplo a seguir.
São obras carregadas de sobriedade e de um entendimento muito apurado do
local de intervenção com grande compressão espacial. As sutilezas em seus
detalhes são sempre vistas mediante grande rigor técnico-experimental, assim como
Antón e Débora Mesa, marcados por desenvolverem projetos ainda mais
experimentais, que, como Aires Mateus, iniciam do desconhecido para atingir algo
88

inusitado, fazem obras em que a matéria também é muito presente e carregada de


significados.

Figura 38 – Antón García-Abril e Débora Mesa, Musical Studies Centre, Santiago de Compostela,
2002. Aires Mateus, Centro de Artes de Sines, Sines, 2006. Castelo de Sines e Francesco
Venezia, Laboratório de Prova de Materiais da Universidade de Veneza, 1995
Fontes: https://www.ensamble.info/musicalstudycentre, Daniel Malhão, 2005, foto produção do
autor, 2016 e ehttps://divisare.com/projects/321841-francesco-venezia-orsenigo_chemollo-iuav-
materials-testing-laboratory-1995.

A volumetria estática do Centro de Artes de Sines parece trabalhar somente a


compressão. Seus detalhes pontuais e muito precisos funcionam com o princípio da
subtração das partes, revelando-se como uma matéria que nasce do chão e
apresentando-se como parte integrante daquele lugar. O edifício revela detalhes
construtivos remetendo às construções de templos antigos e castelos medievais
como o daquela cidade. As aberturas na fachada principal se aproximam
conceitualmente do sistema construtivo de estereotomia26, revelando um edifício
introspectivo, que busca a luz natural se protegendo do ambiente externo com
pequenas aberturas que se abrem em seu interior. Devido às características que
buscam relacionar-se com as construções em sua volta, certamente essa obra
26
Etimologicamente, seu significado vem do grego Stereos, Sólido e Tomia, Corte, cortes em pedras
ou elementos sólidos. Sistema construtivo usado desde Templos Egípcios como o Templo de Horus,
3000 a.C. até o século XIII em Castelos Medievais. Louis Khan resgatou esse conceito e o aplicou em
vários de seus projetos com um método revisitado e atualizado, resultando nos mesmos efeitos de luz
nos espaços desses templos e castelos.
89

envelhecerá com o tempo da mesma maneira que o castelo e a cidade histórica


envelhecem. Isto é, ele estará sempre integrado aquele local.

Figura 39 – Aberturas nas paredes do Castelo de Dover e na fachada frontal do Centro de Artes
Sines
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

Pontuada de descontinuidades formais e geradora de tensões, essa obra


permite que o usuário seja o principal beneficiado pelo apelo fenomenológico, pela
rica experiência espacial de um edifício de exceção e pela integração de várias
dimensões do conhecimento e da criação humana. A fenomenologia sugere uma
visão metafisica dos fatos, que reconsidera a intuição do indivíduo como fonte de
conhecimento primário, procedente do que Edmund Husserl chamou de “o fenômeno
puro”27. Ela passou a fazer parte do debate crítico e teórico a partir da década de
1960 quando o arquiteto Michel Moore decidiu explorar a relação entre
fenomenologia e arquitetura por meio do conceito de “imagens poéticas” proposto
por Bachelard28. Em seu livro A poética do espaço, Bachelard29 define as “imagens
poéticas” como as evocações emocionais provocadas por poemas de alto apelo
psicológico e espacial. Um dos primeiros pontos levantados pelo autor no livro é a
importância do momento imagético, ou momento da imagem quando:

27
HUSSERL, Edmund. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1986.
28
OTERO-PAILOS, Jorge. A fenomenologia e a emergência do arquiteto historiador. Arquitextos. São
Paulo, Ano 11, n. 125. 1. out. 2010.
29
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Tradução Antonio de Pádua Danesi. 7. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1993. p. 242.
90

“É necessário estar presente, presente à imagem no minuto da imagem, ela deve


nascer e renascer por ocasião de um verso dominante [...] muito precisamente no
próprio êxtase da novidade da imagem”30 (BACHELARD, 1993, p. 1).
O projeto cultural e artístico para o Centro de Artes de Sines resulta de um
compromisso entre as dinâmicas colocadas pelo seu próprio projeto arquitetônico e
o desenvolvimento de linhas de programação centradas na intervenção e
experimentação artística do mundo contemporâneo.

5.1.4 A representação

Os diagramas a seguir servirão para a identificação clara e objetiva dos


espaços servidos e servidores, que são importantes na distribuição interna do
conjunto e, por consequência, nas transformações que ocorrem entre os
pavimentos, além da correspondência da obra com o seu entorno e as dinâmicas
entre a austera volumetria exterior com o desenho dos espaços principais internos.
Cacciatore expõe dois pontos relevantes que regem o pensamento por trás dessa
obra: os muros habitados conferidos, nesse caso, pelos espaços servidores e a
maneira de como é trabalhada a volumetria externa do edifício como imagem,
evidenciada de forma clara e objetiva sem ter vínculos diretos com os espaços
internos principais.
Observando o espaço a partir do terceiro subsolo, onde se encontra o
estacionamento, nota-se uma transição na forma com que a estrutura se relaciona
com os espaços ao transpor os andares superiores. Num primeiro momento, ela
parte como elemento pontual marcando um ritmo no espaço, sem uma modulação
muito rígida, mas respeitando a organização das vagas dos automóveis; logo,
comportando-se como na maioria das garagens de edifícios.

30
Idem, ibidem, p.01.
91

Figura 40 – Planta subsolo 3, em preto estão os acessos, depósitos e shafts de serviços. Centro
de Artes Sines
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

Nos pisos superiores, as paredes e tetos se incorporam à estrutura ajudando


a compor os limites espaciais internos, desaparecendo por completo nos grandes
vazios da galeria e do auditório sem deixar vestígios de sua existência. Apenas será
retomado contato com elas novamente nos primeiro e segundo pavimentos da
biblioteca devido à abertura lateral voltada para o pátio entre ela e a galeria de artes
feita para banhar o espaço interno de luz natural.
No pavimento acima, ou seja, no segundo subsolo, veem-se as conexões que
formam os pátios e a rua Candido dos Reis flutuarem sobre as salas de exposições
sem apoio algum. A partir do pavimento térreo, os elementos horizontais
correspondentes aos pisos e tetos perdem completamente os vestígios estruturais.

Figura 41 – Maquete, corte transversal. Centro de Artes Sines


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Nesse pavimento, onde iniciam-se a distribuição e a conexão entre as


atividades do Centro de Artes, observa-se, claramente, o desenho das áreas
92

expositivas e conexões entre elas sem interferência pontual alguma. As geometrias


dos volumes de apoio, caracterizadas por espaços servidores, se envolvem nas
estruturas, desenhando os limites dos principais espaços internos, sem qualquer tipo
de interferência visual. Os espaços servidos têm por característica uma clara leitura
e compressão espacial. Tratada de forma neutra, deixa o protagonismo somente
para a iluminação proveniente do térreo e para as obras de arte.

Figura 42 – Foto pavimento subsolo 2. Centro de Artes Sines


Fonte: Daniel Malhão. 2006.

Observando os diagramas, pode-se afirmar que os espaços servidores se


adaptam em sua maioria nos limites da volumetria externa e em pontos no centro de
cada atividade, criando dilatações, fluxos e compressões espaciais internas, nos
sentidos horizontal e vertical.

Figura 43 – Planta subsolo 2 destacando os limites dos espaços de circulação e diagrama figura
fundo para evidenciar os mesmos espaços. Centro de Artes Sines
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
93

Ao adentrar no pavimento de distribuição no segundo subsolo, as referências


dos limites exteriores e da forma do edifício são perdidas devido às posições dos
espaços de apoio que moldam os espaços principais. Nos pavimentos térreo e
superiores, é possível ter uma relação com a volumetria externa, já que os espaços
servidores, locados nos limites da volumetria, foram postos paralelamente às faces
externas, além, é claro, da relação entre o usuário e o entorno através das poucas
aberturas pontuais, mas que mostram pontos específicos e relações com a cidade.
O primeiro subsolo funciona como um pavimento de transição entre o térreo e
o segundo subsolo. Nele, estão as circulações e algumas aberturas internas que se
pode ler no pavimento a seguir (Figura 44), além dos espaços entre ele e o térreo
em alguns pontos específicos, servindo como uma preparação antes de chegar ao
grande salão. É observada a disposição, nesse pavimento, de atividades de apoio,
como banheiros, circulações, além das importantes aberturas ao longo das três
“pontes” mostradas na cor branca no diagrama a seguir (Figura 44), caracterizados
pelos vazios ao lado de cada pátio e pela rua de acesso à parte antiga da cidade.

Figura 44 – Planta subsolo 1 destacando os limites dos espaços de circulação e diagrama figura
fundo para evidenciar os mesmos espaços. Centro de Artes Sines
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

Continuando a exploração do complexo, no pavimento térreo, tem-se uma


relação interior-exterior clara e objetiva devido à grande transparência locada ao
longo dos dois volumes voltados para a rua Candido dos Reis, os quais mantêm a
comunicação interior-exterior entre as atividades mais dinâmicas e colaborativas,
fazendo com que esse local se torne o centro de integração visual entre as
atividades, além de ser o acesso principal ao complexo. As áreas nesse pavimento
são mais abertas e convidativas, enquanto as atividades superiores são
94

introspectivas e caracterizadas pelo uso distinto em cada volume, sem nenhuma


conexão física entre eles, mas apenas visual e em alguns pontos.

Figura 45 – Planta pavimento térreo. Centro de Artes Sines


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

Do primeiro pavimento em diante a volumetria austera ganha força fechando-


se para o entorno e evidenciando cada atividade. Conforme dito anteriormente,
somente a biblioteca ganha abertura para o pátio central e pequenas aberturas para
a rua Marquês de Pombal.

Figura 46 – Planta pavimento 1. Centro de Artes Sines


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

Figura 47 – Planta pavimento 3. Centro de Artes Sines


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
95

Segue a mesma lógica de organização nos dois pavimentos da biblioteca até


o último pavimento, onde se encontra um café, o qual se abre para o mar.

Figura 48 – Foto abertura café, pavimento 3. Centro de Artes Sines


Fonte: Daniel Malhão. 2006.

A seguir, algumas Pranchas Técnicas usadas para a execução da obra:

Figura 49 – Prancha pavimento subsolo 3. Centro de Artes Sines


Fonte: Aires Mateus, 2017.
96

Figura 50 – Prancha pavimento subsolo 2. Centro de Artes Sines


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Figura 51 – Prancha pavimento subsolo 1. Centro de Artes Sines


Fonte: Aires Mateus, 2017.
97

Figura 52 – Prancha pavimento Térreo. Centro de Artes Sines


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Figura 53 – Prancha pavimento 1. Centro de Artes Sines


Fonte: Aires Mateus, 2017.
98

Figura 54 – Prancha pavimento 2. Centro de Artes Sines


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Figura 55 – Prancha pavimento 3. Centro de Artes Sines


Fonte: Aires Mateus, 2017.
99

Figura 56 – Prancha cobertura. Centro de Artes Sines


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Figura 57 – Elevação e Corte transversal do Auditório. Centro de Artes Sines


Fonte: Aires Mateus, 2017.
100

Figura 58 – Corte detalhes construtivos com espaços servidores em cinza claro. Centro de Artes
Sines
Fonte: Aires Mateus, 2017.

5.1.5 A organização

O complexo foi dividido em sete pavimentos, sendo que três deles localizam-
se no subsolo e quatro acima do nível da rua. Os três subsolos ocupam toda a área
do terreno, conectando todos os programas do Centro de Artes, e os pavimentos
superiores se moldam segundo as problemáticas do local onde o Centro de Artes foi
implantado.

Figura 59 – Diagrama de subtração da massa representado em corte do Centro de Artes de


Sines, Portugal
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
101

No terceiro subsolo, encontra-se um estacionamento com acesso direto pela


rua Marquês de Pombal. Os programas expositivos iniciam-se no segundo subsolo
seguindo aos pisos superiores. Cada atividade é organizada verticalmente a partir
do segundo subsolo conforme o diagrama a seguir.

Figura 60 – Diagrama de disposição das atividades do Centro de Artes de Sines, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.31

O Auditório locado no pavimento térreo acomoda 175 espectadores e ocupa


praticamente todo o seu volume. O Centro de Exposições é constituído pela sala
principal (galeria), com pé-direito de 8,60 metros, situado no primeiro pavimento com
extensão distribuída nos demais pavimentos por rampas, com um pé-direito variável
chegando a 7,50 metros. No segundo subsolo, ligando a galeria ao átrio inferior, que

31
1. Arquivo Municipal, 2. Auditório, 3. Biblioteca, 4 Centro de Exposições, 5 Cafeteria, 6.
Estacionamento. Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
102

confere um amplo espaço expositivo, conectados por inúmeros túneis que cruzam a
Biblioteca e o Auditório, integrando todo o segundo subsolo.

Figura 61 – Espaço expositivo no segundo subsolo conectando todas as atividades. Centro de


Artes de Sines, Portugal
Fonte: Daniel Malhão, 2006.

É um espaço de ausência, um vazio, silencioso pela própria condição de estar


enterrado, mas também pela ausência de interferências. Lê-se o espaço
imediatamente e a subtração dos volumes da biblioteca e do auditório convida a
explorá-los. Trata-se de espaços delimitados por massas, e não por planos, que
conduzem os olhares e abrem-se para a luz natural e para os caminhos a serem
percorridos, segundo os autores do projeto.

[...] o espaço é o olhar nos limites, o que gostaríamos de alcançar


quando projetamos um edifício, é que ele se torne parte do vazio. O
que o arquiteto constrói são os limites do espaço e já que esse é
nosso trabalho, queremos levá-lo ao extremo, não limitar os espaços
somente por planos, mas também por massas, por matéria, pelas
possibilidades distintas que se tem em cada projeto (MATEUS, 2016,
p. 9).

Nos espaços interiores, predominam as paredes de exposição e as aberturas


pontuais. Essa característica de espaço introspectivo é definida por Montaner como
“o museu que se volta para si mesmo”32. Segundo o autor, desse modo, é possível
resolver as complexidades interiores do programa sem ficar indiferente às
especificidades do entorno: “uma posição que se funde nos dados preexistentes:
32
MONTANER, Josep Maria. Museus para o século XXI. Tradução Eliana Aguiar. Barcelona: Editorial
Gustavo Gili, 2003.
103

para o interior, coleção e critérios museológicos e para o exterior, espaço urbano,


jardins e paisagem”33.

Figura 62 – Galeria Principal do centro de exposições. Centro de Artes de Sines, Portugal


Fonte: Daniel Malhão, 2006.

As disposições espaciais de todo o complexo estão representadas nas


plantas a seguir:

33
Idem, ibidem, p. 76.
104

Figura 63 – Planta subsolo 3. Centro de Artes de Sines, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

Figura 64 – Planta subsolo 2. Centro de Artes de Sines, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.
105

Figura 65 – Planta subsolo 1. Centro de Artes de Sines, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

Figura 66 – Planta pavimento térreo. Centro de Artes de Sines, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.
106

Figura 67 – Planta pavimento 1. Centro de Artes de Sines, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

Figura 68 – Planta pavimento 2. Centro de Artes de Sines, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.
107

Figura 69 – Planta pavimento 3. Centro de Artes de Sines, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

Figura 70 – Planta cobertura. Centro de Artes de Sines, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

O arquivo municipal ocupa toda a porção leste do complexo, conserva, trata e


divulga a documentação histórica de Sines.
108

A Biblioteca atualmente possui cerca de 22 mil títulos e é dividida em cinco


setores. Dentre eles, estão o átrio/recepção, no piso térreo, juntamente com a sala
de leitura de periódicos e multimídia. Os serviços internos estão no primeiro
pavimento e os setores infantis e adultos no segundo pavimento. No terceiro
pavimento, encontram-se as áreas técnicas e um café voltado para a porção sul com
vista para o castelo, a cidade histórica e o mar de Sines.
A casa Preta, situada na ala oeste, é um espaço autônomo, de apoio ao
Centro de Artes. Possui 47 m2 e é equipada com copa e instalações sanitárias,
servindo também de acesso e saída de emergência dos pisos enterrados. Uma
praça pública chamada de Pátio das Artes foi inaugurada em 2012, situada num
terreno voltado para a porção sul do edifício. O espaço tem características para
acolher eventos culturais e feiras abertas dentre outras atrações. Foi anexada ao
Centro Cultural após a sua construção pelo Programa de Regeneração Urbana de
Sines.

Figura 71 – Praça das Artes, Centro de Artes de Sines, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.
109

Figura 72 – Diagrama de acessos e circulação. Centro de Artes de Sines, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

O acesso principal se dá no pavimento térreo pela rua Cândido dos Reis, no


átrio comum, situado no volume da biblioteca. O segundo subsolo encarrega-se de
fazer a conexão para as outras alas, conferindo a essa área, voltada para exposição,
um espaço de distribuição para as outras atividades do Centro de Artes.
110

5.1.6 A construção

A obra do Centro de Artes de Sines começou em 2004 e foi finalizada após


dois anos de seu início. Em janeiro de 2006, o Centro de Artes estava funcionando
plenamente.

Figura 73 – Foto do terreno após a demolição Cine Teatro Vasco da Gama, do Teatro do Mar e
de um parque de estacionamento
Fonte: Aires Mateus, 2000.

Conforme dito anteriormente, os dois terrenos ocupados pelo


empreendimento tinham a rua Candido dos Reis como principal acesso da parte
nova da cidade para a antiga. Entre eles e ao propor uma ligação abaixo dessa rua,
pelo subsolo, foi necessária sua completa demolição e, após escavado o subsolo, foi
construída uma nova rua em seu lugar, com somente dois pontos de apoio nas
extremidades, justamente para dar a possibilidade de conexão das atividades no
segundo subsolo sem interferência alguma.
Todo o subsolo foi construído com muros de contenção e superestrutura em
concreto armado. Alguns pilares são pré-moldados e os fechamentos dos espaços
de apoio são feitos com tijolos cerâmicos convencionais. A partir do pavimento
térreo, o edifício é erguido com estrutura mista de concreto e aço, apoios em
concreto e vigas e aço e lajes steel deck.
111

Figura 74 – Foto da obra, subsolo. Centro de Artes de Sines


Fonte: Aires Mateus, 2004

Somente o auditório é construído com superestrutura metálica como um todo.


Os outros três volumes, caracterizados pelas outras atividades, continuam a utilizar
o concreto como elemento de apoio e vigas metálicas em todos as atividades,
Subitamente após o terceiro subsolo, no qual se localiza o estacionamento, a
estrutura desaparece por completo e os revestimentos brancos formam os espaços
internos: pisos em mármore branco, paredes e tetos com gesso cartonado pintado
de branco, tudo para evidenciar os vazios internos com mais clareza sem
interferências de materiais ou elementos construtivos. Espaços são delimitados por
112

volumes, e não por planos. Mais uma vez, somente o auditório possui uso
específico, diferenciando-se com relação ao acabamento do resto das demais
atividades: os painéis acústicos são revestidos de preto para evidenciar somente os
artistas, palestrantes e espetáculos que ali se apresentam.

Figura 75 – Foto da obra, auditório. Centro de Artes de Sines


Fonte: Aires Mateus, 2005.

A luz nessa obra não poderia ser menos importante. O edifício se abre
pontualmente em busca dela. Em sua maioria, ela cria iluminações indiretas, mais
113

adequadas para galeria de artes. Apenas a biblioteca se abre em toda sua extensão,
para que a luz entre protegida pelo volume da galeria a poucos metros e afastada
por um dos pátios externos. Logo, cria-se uma estrutura que trabalha completamente
a tração, pendurando as lajes na viga da cobertura. Assim, a estrutura reaparece
pontuando um ritmo à fachada de vidro voltada para a parte interna ao prédio.

Figura 76 – Foto da obra, estrutura da biblioteca. Centro de Artes de Sines


Fonte: Aires Mateus, 2005.

Nas demais atividades, a luz é controlada agindo segundo regras claras para
enfatizar o espaço, compondo com as matérias sólidas e evidenciando as
proporções, forma e matéria dos vazios.
É graças à ação da luz que se realiza uma experiência espacial na qual se
evidencia a subtração da matéria nessa obra, principalmente na volumetria externa e
no segundo subsolo, composto pelo espaço de exposições. Quando a luz atinge os
vazios no volume externo, enfatiza-o ainda mais. A leitura do edifício se torna mais
clara devido ao desenho rígido das arestas e a monomaterialidade de todo o
volume. Já no subsolo, parece que o espaço se torna material e a matéria
desaparece devido à sua cor branca como se fosse uma inversão do cheio e vazio.
O branco parece desaparecer, enquanto a sombra no vazio parece desenhar os
limites daquele espaço. Isso se faz pelo controle absoluto da luz no espaço, por
meio de maquetes em escalas 1:20, as quais permitem o estudo do trajeto da luz.
114

Muitas vezes, essas maquetes são feitas no próprio terreno onde será construída a
obra. Nesse caso, elaboraram-se muitos estudos acerca da luz, e o resultado foi
bastante satisfatório segundo os próprios autores do projeto.

Figura 77 – Contraste entre luz e sombra. Centro de Artes de Sines


Fonte: Aires Mateus, 2007.

5.1.7 Conclusão

O lugar, para os irmãos Aires Mateus, é entendido como uma acepção muito
ampla, não somente como um espaço físico, mas, acima de tudo, como um espaço
que foi o resultado de uma interação de fatores de diversas ordens ao longo do
tempo. Essa leitura é, muitas vezes, mais evidente nas aglomerações urbanas,
como o lugar onde foi inserido o Centro de Artes de Sines, que passou por
constantes transformações pela ação do homem ao longo da história.
O terreno escolhido continha um potencial enorme de transformação.
Somente a leitura seletiva e interpretativa do local garantiu que essa obra
construísse lentamente uma relação com o entorno e fizesse parte integrante e
qualificadora daquela cidade.
A reconstrução daquela pequena parte da cidade foi marcada pelo respeito
aos fluxos construídos por meio das relações interpessoais ao longo da história e
pela consideração aos edifícios que personificam e dão o caráter àquele lugar.
115

A relação com o tempo também está muito presente nessa obra, traduzida
por uma organização espacial complexa. Os percursos levam o usuário a
descobertas paulatinas dos espaços, também, através de relações com o castelo de
Sines, trazendo para o novo Centro Cultural o peso que contém o castelo. As
espessuras de seus limites e a materialidade conferida pela pedra, além de diálogos
através das aberturas entalhadas nas duas construções e, por fim, da forma
volumétrica aludindo aos detalhes dos muros que cercam aquela construção,
parecem, nesse caso, estar à procura de características de edifícios de seu entorno
para extrair partes deles e compor a nova obra.
A contradição entre uma obra estereotômica com uma volumetria austera e
pesada, que nasce do chão com os vazios internos no subsolo com iluminação
natural indireta desviada pelos volumes que parecem flutuar sobre eles, e os
diferentes pés-direitos em quase todos os ambientes remete a uma leveza que não
se espera encontrar pelo lado de fora do empreendimento, afirmando a surpresa, a
descoberta e as contradições que dão o caráter dessa obra.
Sua composição volumétrica de simples leitura mostra claramente a ação de
esvaziamento da matéria, subtraindo do volume trechos essenciais que organizam
as atividades, as quais banham os espaços internos de luz natural e que criam a
passagem do homem pela via externa entre os conjuntos. São formas simples,
postas no espaço com relação composicional entre si e com o seu entorno, criando
diálogos com seus vizinhos e qualificando aquele espaço.
116

5.2 CENTRO ESCOLAR DE VILA NOVA DA BARQUINHA

Figura 78 – Ficha técnica, Centro Escolar Vila Nova da Barquinha


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
117

Os universos que frequentamos na infância tendem a perdurar nas


nossas memórias. É o tempo em que nos relacionamos com a
arquitetura de um modo mais livre e genuíno. Estabelecem-se
apropriações e hierarquizações intuitivas dos valores da arquitetura.
Interessa por isso identificar o património que é estimado por todos, e
sobre o qual se pode desenhar as memórias que se construirão.

Num território não conformado define-se um perímetro quadrado:


forma autónoma e clara. A necessidade de diferentes funções na
escola estabelece o pretexto para espaços distintos. Cada
compartimento é uma experiência autónoma com escala, proporção
e identidade própria. A agregação de todos os volumes define o seu
valor iconográfico exterior. No interior protegido é definido um espaço
intersticial, infinito por não revelar o seu início ou fim, que é usado
como recinto lúdico.

É uma estrutura de ausência e ocupação que mimetiza os princípios


que sempre se encontraram nas aglomerações urbanas.

Escolhe-se um vão replicável para todas as necessidades e define-


se um acabamento generalizado para todos os espaços. A criteriosa
economia destes elementos faz ressaltar a diversidade dos espaços.

A intensidade deste novo universo propõe-se na serena sucessão de


momentos únicos.

Aires Mateus
118

Figura 79 – Foto obra construída


Fonte: FG + SG, 2009.
119

5.2.1 O momento

O projeto que será analisado se encaixa na segunda fase dos arquitetos,


consoante a análise de Francesco Cacciatore conferida na introdução dessa
dissertação. Segundo o autor, a articulação entre a proporção do cheio e o vazio,
juntamente com a geometria externa mais fechada e introspectiva e a seu “mono
materialismo”, dão mais ênfase a sua expressão volumétrica.

5.2.2 Introdução

Vila Nova da Barquinha é uma pequena vila. Em Portugal, essas vilas são
caracterizadas como um pequeno aglomerado populacional. Situa-se ao norte de
Lisboa e hoje possui pouco mais de sete mil habitantes distribuídos pelas freguesias
de Atalaia, Vila Nova da Barquinha, Tancos e Praia do Ribatejo. O seu conselho
integra-se à Província do Ribatejo e pertence ao Distrito de Santarém. É limitada ao
sul pelo rio Tejo, importante rota fluvial que conecta Espanha a Portugal,
desaguando no oceano Atlântico pelo estuário na cidade de Lisboa.
A Câmara Municipal decidiu construir uma nova escola, que foi batizada de
Escola Ciência Viva de Vila Nova da Barquinha, a qual faria parte de um
agrupamento escolar da cidade. O novo espaço deveria ser um lugar com atividades
para toda a comunidade, funcionado com diversos programas de funções públicas e
suprimindo demandas por um auditório, espaço esportivo, biblioteca, restaurantes,
além de outros serviços deficitários. Seu programa está voltado para o ensino da
ciência e foi fruto da cooperação entre a comunidade e a equipe de Aires Mateus, a
qual, em parceria com a Universidade de Aveiro, que, durante os próximos 20 anos,
irá monitorar a escola para estudar o impacto da arquitetura na aprendizagem das
crianças. A própria Universidade de Aveiro tem uma tradição na arquitetura por
possuir obras de grandes arquitetos portugueses, dentre eles Nuno Portas, Álvaro
Siza, Souto de Moura, Gonçalo Byrne, Carrilho da Graça e os irmãos Aires Mateus,
que projetaram, em 1997, o prédio do refeitório.
120

5.2.3 A concepção

A liberdade dada aos arquitetos para conceberem o projeto foi de


fundamental importância. Não à toa, ele foi desenvolvido em dois anos e construído
em um. Trata-se de um experimento no qual a espacialidade, materialidade e
volumetria sendo imprescindíveis para a pesquisa conduzida pela Universidade de
Aveiro sobre a formação desses alunos.

Figura 80 – Mapa cidade de Vila Nova da Barquinha, Portugal. Ponto quadrado em preto, terreno
da escola
Fonte: Prefeitura de Vila Nova Barquinha, 2016.

O terreno onde foi implantada a escola é vasto, situando-se entre uma região
residencial de baixa densidade, ao norte, e uma área rural próximo ao Rio Tejo, ao
sul. Sendo sua área muito maior do que a necessária para resolver o programa de
necessidades, criou-se um limite desenhado por um quadrado de 77 x 77 metros, o
qual acolheria todo o programa funcional. Buscou-se, então, uma modulação restrita
por dois fatores importantes: as dimensões para acolher cada atividade do programa
de necessidades e a organização e disposição do conjunto.
121

Figura 81 – Mapa do entorno da escola em Vila Nova Barquinha, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

Após a criação de um limite e a modulação das atividades, iniciou-se a


disposição correta de cada uso. Segundo o autor do projeto, essa disposição partiu
do conceito de uma cidade murada, cujo centro dispõe a construção principal e, na
periferia, o desenvolvimento de todas as outras atividades, cercada por um muro que
desenha o seu limite e a protege.

Figura 82 – Centro Escolar Vila Nova da Barquinha. Diagrama conceitual - Modulação espacial e
disposição final das atividades
Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

Nesse sentido, na área central, encontram-se as salas de aula. Depois, como


uma grande praça, um espaço vazio circunda esses volumes e, na periferia,
122

localizam-se todas as outras atividades, como salas de exposições, biblioteca, sala


dos professores, administração, espaços para os pais, restaurantes, cantinas e
centros esportivos. O conjunto é circundado por uma circulação linear, o qual, em
analogia com a cidade murada, serve como uma muralha que protege as crianças
que estão dentro e fora das salas de aula, sendo sempre observadas pelos pais,
habitantes e funcionários que ali trabalham.
Observando o conjunto da obra, entende-se por que ela não se destoa de seu
entorno. Ela poderia ser comparada pela volumetria e pelo jogo de luz e sombra em
seus volumes, com diferentes alturas, ao conjunto habitacional Quinta da Malagueira
de Álvaro Siza. Porém, suas similaridades aí se encerram. Ao aproximar-se e com
um olhar atento, percebe-se que se trata de um único edifício conectado por sua
base, com limites precisos e claros, dados pelo contraste da cor branca de todo o
volume construído e o marrom claro do chão ao seu redor, lembrando o próprio solo
da região. Devido à diferença de volumes na porção superior e o gabarito máximo
adotado, a relação dele com as obras ao seu redor é de perfeito equilíbrio apesar de
suas grandes dimensões horizontais.

Figura 83 – Centro Escolar Vila Nova da Barquinha e Conjunto Habitacional da Malagueira


Fonte: FG + SG, 2009.

Não há uma leitura clara do edifício que o relacione ao seu uso. Seu desenho
não é proposto somente à atividade escolar; ou seja, sua forma externa é neutra,
podendo representar qualquer atividade ou instituição. Percebe-se logo tratar-se de
uma escola pelos seus usuários, ao percorrerem um espaço aberto de grandes
dimensões, pontuados por uma espécie de árvores ainda pequenas, para acessar o
interior do edifício implantado no centro de um grande terreno.
123

Figura 84 – Centro Escolar Vila Nova da Barquinha


Fonte: FG + SG, 2009.

Apropriando-se de um termo usado por Jacques Lucan34, o edifício foi


implantado no terreno segundo a composição de “ordem fechada”. Olhando a
próxima imagem, vê-se que a escola nasce completamente apoiada no chão,
voltada para um ou mais pátios internos, sem criar fluxos ou conexões por meio
dele. Pelo contrário, cria uma barreira pela sua própria volumetria. Certamente, as
comparações se mantêm restritas à implantação, forma e organização espacial do
edifício, que nos dois casos são distribuídos em enfilades. Mas se se considerarem
outros aspectos das obras clássicas, como simetria, hierarquias, previsibilidade,
regularidade e a composição de elementos, pode-se perceber não haver conexão
alguma entre eles.

34
Jacques Lucan, em seu livro Composition, Non-Composition, usa o termo Ordem Aberta e Ordem
Fechada relacionando os tipos de implantação e organização do edifício, geralmente usado aos
edifícios clássicos como ordem fechada e aos edifícios modernos como ordem aberta, devidos à
permeabilidade que se tem através deles ou conjunto de edifícios implantados, além da flexibilidade
interna devido aos novos sistemas estruturais.
124

Figura 85 – Centro Escolar Vila Nova da Barquinha e Projeto de um Museu


Fonte: Aires Mateus e Jean-Nicolas-Louis Durando, Livro: Précis of the Lecture on Architecture, p.
256.

Tudo nessa escola é resultado da multiplicação dos mesmos elementos e


sistemas: as portas são iguais, as janelas são iguais, os materiais, os detalhes,
enfim, todos os espaços são semelhantes. Porém, as proporções espaciais são
distintas entre si e, além de dilatar e comprimir os espaços horizontal e
verticalmente, a disposição dos espaços é imprevisível tanto ao caminhar quanto
nas possibilidades de ocupação. São espaços flexíveis que ganham uma certa
autonomia.
No período entre 2009 e 2012, o atelier de Aires Mateus projetou quatro
escolas: o Centro Escolar de Vila Nova da Barquinha (2009-2011), o Centro Escolar
de Rio de Moinhos (2010-2012), o Centro Escolar de Alferrarede (2010-2012) e o
Centro Escolar de Bemposta (2010-2012), todos desenvolvidos a partir de um
mesmo princípio: partindo de bases quadradas com limites bem definidos, com uma
volumetria precisa, de cor branca, com nenhum adereço ou materialidade diversa,
sobrepondo-se a massa construída à transparência dos vidros encaixilhados postos
pontualmente e também com o perímetro quadrado e os edifícios apoiados
totalmente no chão. Porém, as duas últimas escolas se remetem a três volumes de
bases quadradas, rotacionadas entre si e em diferentes ângulos, conectando-se em
um único ponto pelo volume central, formando um corpo geométrico agrupado,
lembrando a conexão que Louis Kahn fez na Casa Fisher (1960-1967).
125

Figura 86 – Diagrama de modelos escolares adotados para o conjunto escolar citado


anteriormente
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.35

Porém, somente em Vila Nova da Barquinha, os arquitetos trabalharam o


princípio de dilatação e compressão dos espaços internos nos dois sentidos,
horizontal e vertical, mudando os pés-direitos de cada volume ocupado e criando
tensões internas mais complexas, diferentemente das tensões mais comuns
horizontais criadas nas escolas subsequentes, cujo pé-direito permanece fixado
numa cota. As sensações ao entrar nos espaços internos se modificam assim que o
usuário passa de um ambiente ao outro, com espaços fora de proporções habituais,
tentando justamente aguçar os sentidos dos frequentadores da escola.

35
Modelo 1 – Vila Nova de Barquinhas e Centro Escolar de Rio de Moinhos. Modelo 2 – Centro
Escolar de Alferrarede e Centro Escolar de Bemposta.
126

Figura 87 – Fotos do Grupo Escolar de Bemposta e Centro Escolar de Vila Nova de Barquinhas,
mostrando as diferentes volumetrias no topo dos edifícios
Fonte: Fernando Guerra / FG + SG.

5.2.4 A representação

Segundo as palavras de Manuela Aires Mateus:

O desenho não é tanto uma obsessão como uma necessidade vital


de expressar um sentido arquitetônico feito de uma grande
sensibilidade e de uma enorme paixão pela criação de formas e
volumes que, ao transformarem-se em arquitetura, só o serão em
pleno ao assumirem-se como contentores de vida.

E essa escola é usada intensamente pelos alunos, pais e funcionários,


resultando, segundo as palavras do autor do projeto, num experimento acertado.
Os principais pontos que a tornam particular são as disposições de seus
pátios internos, que, devido à dilatação e compressão bem coordenadas dos
127

espaços protegidos, esse espaço livre e aberto comporta-se como uma espécie de
labirinto instigando o uso por via da curiosidade e da surpresa.
Outra ação importante são as diferenças de pés-direitos em todos os
ambientes que seguem a mesma lógica de dilatação e compressão espacial de todo
o conjunto, devido aos estudos das proporções espaciais, espaços que causam
diferentes percepções a quem os usam. O trabalho desenvolvido ao mesmo tempo
acerca do controle do espaço e da composição de todo o conjunto certamente foi o
que a tornou tão especial.

Figura 88 – Planta diagramática dos módulos das atividades e elevações do Centro Escolar de
Vila Nova de Barquinhas
Fonte: Aires Mateus, 2017.
128

Figura 89 – Planta térreo e corte do Centro Escolar de Vila Nova de Barquinhas


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

Observando o corte, vê-se que a relação interior-exterior, ou seja, a


volumetria externa e o espaço interno não diversos. Assim como em muitos de seus
projetos, o interior não reflete exatamente o exterior. Nesse caso, não propuseram
formas arquetípicas para o desenho do teto, porém a compressão e a dilatação
129

interior não dependem da mesma ação exterior. O ajuste das proporções espaciais
foi calibrado com o uso de forros de gesso que regularam os pés-direitos em cada
ambiente.

Figura 90 – Planta do Centro Escolar de Vila Nova de Barquinhas


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

A primeira representação gráfica revela mais o processo construtivo e a


disposição interna dos espaços. A segunda, pelo contrário, revela os valores
espaciais que as obras possuem: são subtrações que se transformam em espaços
de encontro, consistindo nos principais espaços em suas obras.
Nesses dois casos, pode-se dizer que os espaços contidos entre muros são
habitados e usados conforme as regras impostas pelos arquitetos. Todos os
espaços em preto são pensados para um determinado uso e dimensionados para
tal. Por sua vez, os espaços em branco parecem ser espaços mais flexíveis e,
portanto, com possibilidades diversas de usos.
Os espaços principais, mostrados na cor branca, são os espaços onde é
ajustada a entrada de luz natural internamente. São escapes ou folgas para o ajuste
das proporções dos usos determinados e são nesses espaços que as formas e a
matéria se mostram mais evidentes.
A investigação espacial e formal se inicia nos limites do edifício, na fronteira
de separação entre o interno e o externo. Nesse caso, ela foi determinante para a
organização do edifício. As paredes mais espessas contêm armários, shafts e
130

equipamentos necessários para o funcionamento do prédio. Dessa forma, foi


possível liberar os espaços internos de interferências, assim como a sua volumetria
externa.

Figura 91 – Corte construtivo do Centro Escolar de Vila Nova de Barquinhas


Fonte: Aires Mateus, 2016.

5.2.5 A organização

Organizados os espaços para completar o programa de necessidades, um ao


lado do outro, seguindo a disposição organizada segundo as análises mostradas
anteriormente, forma-se o desenho do conjunto, disposto de maneira que o vazio ao
ar livre, onde ocorrem as atividades informais das crianças, torne-se um labirinto
desenhado pelas faces externas das duas construções: central e periférica.

Pode-se, desse modo, entender o complexo como três ações: a primeira, a


construção do anel exterior; a segunda, traduzida nas salas de aula destacadas da
131

periferia ao centro; e, a terceira, no vazio resultante, limitada pelas faces externas


dos volumes edificados que se dilatam e se contraem, vertical e horizontalmente,
atribuindo as mesmas características aos vazios internos que desenham as tensões
desses volumes. Criam-se, assim, surpresas ao passar de um pátio ao outro,
igualmente nos ambientes internos ao passar de uma sala para outra.

Figura 92 – Diagrama de organização das atividades do Centro Escolar de Vila Nova da


Barquinha, Portugal
Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

O desenho e a disposição dos volumes foram pensados também para que os


vazios externos possam ser usados separadamente uns dos outros, rompendo
temporariamente as conexões entre eles nas transições de um pátio ao outro, caso
haja a necessidade de fazer um evento social ou uma atividade com as crianças na
qual se deseje usar somente um espaço reduzido, mantendo-se as outras
funcionalidades regulares em uso.
Devido ao uso intenso do vazio externo que, além das atividades dos alunos,
se afirma como espaço de transição entre as salas de aula e as outras atividades
por haver somente uma conexão interna entre as atividades administrativas e de
ensino, cada sala destinada aos alunos divide pelo menos um pátio com uma
atividade comunitária ou administrativa, havendo somente um vazio central
compartilhado entre os alunos.
132

Figura 93 – Foto dos pátios internos. Escola em Vila Nova Barquinha, Portugal
Fonte: FG+SG, 2016.

Os espaços construídos foram pensados seguindo as mesmas soluções de


acabamentos, aberturas e portas: mudam somente as proporções volumétricas de
cada uso de acordo com suas necessidades, criando, dessa forma, hierarquias e
uma própria identidade para cada espaço devido à mudança de proporções. Apesar
disso, a diferenciação entre os pátios se dá, além das diferentes dimensões e
proporções, por meio de pequenas diferenças pontuais, como uma espécie de
árvore em um pátio, uma cobertura no outro e texturas, principalmente nos pisos,
também pensados para a identificação de cada lugar.
133

Figura 94 – Diagrama dos limites das massas e dos vazios da escola em Vila Nova Barquinha,
Portugal
Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

Os espaços internos são organizados segundo a tradição clássica de


enfilades, ou seja, passando de sala em sala para chegar a um determinado lugar
ou, também, com a possibilidade de acessá-las diretamente pelos pátios internos.
Essas salas são tanto caracterizadas pela diferença de proporções e volumes
quanto pela intencional ausência de detalhes, nas quais somente o mobiliário
encarrega-se de proporcionar uma distinção aos ambientes. Isto é, os pisos, as
paredes e os tetos igualmente brancos e os ambientes regulares proporcionam uma
enorme possibilidade de organização dentro desses espaços, visto que os pilares e
vigas encontram-se envolvidos pelas paredes e tetos, liberando os espaços
abrigados sem interferências visuais ou de obstáculos.
134

Figura 95 – Diagrama de organização das atividades internas da escola em Vila Nova Barquinha,
Portugal
Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

Os únicos eixos claros de circulação encontram-se paralelos aos limites da


construção, sendo caracterizados por quatro corredores que se conectam nas quatro
extremidades do volume periférico. Tais corredores são marcados por pórticos
definidos pelas modulações das dependências conectadas a eles, reforçando as
marcações desses ambientes e criando tensões espaciais por alterar os pés-direitos
entre cada pórtico, quebrando, dessa maneira, a regularidade de um corredor e
propondo um percurso em enfilades, como resto da organização espacial dos
demais espaços internos ao edifício. Assim, as circulações se tornam mais
labirínticas ou complexas ao se aproximarem dos pátios internos, resultantes de
seus limites construídos.
O sistema de séries compostas por elementos contínuos, claramente
analíticos, fortemente ritmados, que definem um espaço estável e simétrico, dá lugar
ao sistema labiríntico que se processa por sínteses móveis num espaço palpitante.
No interior do labirinto, que a vista percorre sem se conhecer, minuciosamente se
dispersa num capricho linear que se oculta para atingir um fim secreto, elaborando-
135

se uma nova dimensão que não é nem movimento, nem profundidade, e que leva à
ilusão.
Para os alunos dessa escola, o simples fato de caminhar e explorar esses
espaços tornam-se modos de aguçar os sentidos e percepções, fazendo parte de
suas formações acadêmicas. Não obstante, um estudo sobre o comportamento dos
alunos dessa escola está sendo elaborado pela Universidade de Aveiro para
entender melhor suas relações com a aprendizagem e o espaço de ensino.

Figura 96 – Diagrama de circulação e pontos visuais entre interior-exterior da escola em Vila


Nova Barquinha, Portugal
Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

Apesar do aparente fechamento para o exterior, são criadas aberturas pelas


quais pode-se observar, a partir dos pátios internos, o exterior, e vice-versa,
buscando-se, dessa maneira, manter uma comunicação visual interior-exterior em
vários pontos da edificação.
136

Figura 97 – Croqui dos eixos de circulação periférica organizada em pórticos, cada espaço entre
os pórticos conta com diferentes pés-direitos
Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

A materialidade dá lugar ao jogo de luz e sombra esculpido pela forma, não


se tratando de adição de volumes para compor o conjunto, mas, ao revés, de
subtração da matéria para se obter o vazio, consistindo em uma meticulosa
exploração da escavação que resulta no conjunto arquitetônico.
A luz natural é tratada como um elemento primordial. Ilumina não apenas a
massa interior, mas colabora com a arquitetura para ressaltar a forma edificada.
Assim, os volumes se amplificam com a profundidade das sombras. O branco e a
137

falta de detalhes foram usados para evidenciar a sua volumetria, mas também para
o conjunto arquitetônico assumir a luz do tempo que passa à sua volta.

Figura 98 – Fotos do Centro Escolar de Vila Nova da Barquinha, mostrando as diferentes


tonalidades da cor branca ao passar do dia, Vila Nova da Barquinha, Portugal
Fonte: FG+SG, 2016.

Da mesma forma, o arquiteto Jorge P. Silva, em entrevista, ressaltou a


relevância da forma volumétrica nas obras do escritório, dizendo que a utilização do
branco é para destacar o volume monocromático, beneficiando-se, ainda, da grande
disponibilidade de luz solar em Portugal.
Assim, a tonalidade da luz, com a variação do período da manhã ao final do
dia, muda a cor dos edifícios com o passar das horas. Ressalta-se, ademais, a
distinção da atividade de projetar-se em Portugal em relação aos demais países do
138

norte da Europa, já que o Sol não possui a mesma força em todo o continente,
sendo mais interessante trabalhar com as cores para ressaltar a sua volumetria.

5.2.6 A construção

Figura 99 – Diagrama de camadas de construção – Vila Nova Barquinha, Portugal


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

O diagrama anterior revela algumas características da forma como a escola


de Vila Nova da Barquinha foi pensada, construída e seus principais pontos, que a
tornam tão singular.
A leitura imediata do piso são seus limites internos e externos, tendo por
consequência a leitura de seus pátios, mostrando que a forma regular dos limites
externos se repete 13 vezes para formar o conjunto dos pátios. Porém, é também
139

clara a percepção de que, apesar de regulares, os pátios passam por modificações


nas suas dimensões, a fim de se encaixarem na modulação espacial interna e se
conectarem formando uma espécie de portal, todos nas mesmas dimensões,
locados de forma que impede o usuário de ver por meio de um pátio para outro, e
criando uma certa expectativa por parte dele ao tentar sempre antecipar a imagem
que encontraria no pátio seguinte.

Figura 100 – Diagrama evidenciando os pátios internos – Centro Escolar Nova da Barquinha.
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

O Centro Escolar foi construído com um método bastante usual: a fundação


foi feita em concreto moldado in loco e a superestrutura com elementos pré-
fabricados de concreto. Os fechamentos laterais são constituídos por duas paredes
de alvenaria amarradas entre si em alguns pontos, contendo entre elas poliestireno
expandido de 50 mm e uma camada de ar. A laje plana da cobertura foi
impermeabilizada com manta asfáltica. Acima da proteção mecânica, foram
instaladas placas rígidas de poliestireno expandido de 80 mm e uma camada de
brita branca, que ajuda na proteção térmica. Nesse caso, as paredes não são
portantes, mas funcionaria também dessa forma, já que todo o complexo é
modulado e totalmente apoiado no chão. A altura dos pilares muda de acordo com a
140

diferença de gabaritos, que se intercalam entre aproximadamente quatro e oito


metros de altura distribuídos entre todos os módulos que formam o conjunto. Os
pilares e vigas seguem a disposição espacial interna. Não foi um fator de muita
preocupação por parte dos arquitetos ter uma modulação muito rígida. Conforme o
diagrama a seguir (Figura 101), pode-se perceber que existem inúmeros eixos
estruturais determinam as posições dos pilares.

Figura 101 – Eixos Estruturais – Centro Escolar Nova da Barquinha


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

Toda a estrutura desparece dos olhos do usuário devido ao emprego de


gesso nos tetos de todos os compartimentos, bem como dos fechamentos em
alvenaria, que, por sua vez, foram protegidos por camadas de chapisco, emboço,
reboco e, por último, uma tinta branca uniformizando todo o complexo.
141

Figura 102 – Corte construtivo do Centro Escolar Nova da Barquinha


Fonte: Aires Mateus, 2016.

Os planos verticais externos que formam a composição do conjunto são


trabalhados num único plano, o qual muda de altura em determinados pontos, dando
a todo o movimento na fachada a personalidade em todo o conjunto. Os planos
horizontais, nesse caso, não interferem em praticamente nada na composição
externa e na espacialidade interna, já que as diferenças de altura dos volumes
externos não correspondem aos pés-direitos internos, mas sim às posições dos
forros de gesso acartonado, que, em muitos casos, unificam dois planos verticais
externos de diferentes alturas, compondo um ambiente único internamente, com
apenas um pé-direito.
142

Figura 103 – Obra quase finalizada do Centro Escolar Nova da Barquinha


Fonte: Aires Mateus, 2016.

É muito fácil a compreensão dos espaços que compõem todo o conjunto por
ser uma sucessão de espaços regulares como quadrado e retângulo. Mesmo nos
volumes internos, apesar de terem diversas proporções, as formas são sempre
regulares e próximas umas das outras. A transição entre um espaço e outro torna
cada lugar, em cada canto desse complexo, muito particular. Caminhar por esses
pátios remete o usuário a um labirinto, em que se procura sucessivamente uma nova
descoberta.
143

5.2.7 Conclusão

Pode-se colocar essa obra num conjunto de obras particulares dos irmãos
Aires Mateus. Ela não é uma resposta especialmente arquitetônica como integradora
ou qualificadora de um local. É pensada de dentro para fora, revelando
características marcantes que a tornam absolutamente única.
Diferentemente do Centro de Arte de Sines, que adquiriu características do
ambiente onde foi inserido, comportando-se como integrador de seu entorno, que é
caracterizado pela cidade antiga e a cidade nova, a Escola Vila Nova da Barquinha,
com um entorno mais difuso e menos característico, carregou a incumbência de
explorar ao máximo os sentidos dos alunos que passarão a maior parte do dia
naquele local.
Tudo nessa escola partiu do foco central, que são as salas de aula, e se
irradiou para além dos limites de seu terreno, trazendo um programa de usos
específicos para a população desfrutar.
No entanto, o interesse maior está tão somente na exploração espacial e na
relação direta entre o construído e seus usuários. Ao caminhar entre os seus limites
construídos, percebe-se a verdadeira contribuição original do trabalho dos irmãos
Aires Mateus. O controle da matéria, da proporção e da luz determinou o caráter
espacial que essa obra possui. Não havendo relação das partes com o todo, o
edifício se comporta como um organismo, uma única volumetria dinâmica e contida
precisamente no seu plano externo, com um mundo particular interno.
Deslocando no espaço, não se percebe que a escola se caracteriza por uma
organização espacial rígida e modular. Com formas estáticas entre os limites
estabelecidos, a circulação se comporta como um labirinto, descobrindo-se o
conjunto através do tempo. Nesse caso, os limites horizontais são marcados por
corredores que se conectam dando a volta em todo o complexo, diferentemente das
circulações em enfilades que organizam todo o resto das atividades. A relação
interior-exterior da escola é pontual e sensorial, por conta dos pátios abertos ao
tempo, havendo uma autonomia em relação das partes com o todo, sem um
princípio claro ordenador do conjunto,
144

5.3 CASA EM MONSARAZ, ALENTEJO

Figura 104 – Ficha técnica, Centro Escolar Vila Nova da Barquinha


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.
145

Figura 105 – Foto, Casa em Monsaraz


Fonte: Aires Mateus, 2017.
146

Diante da infinita extensão do lago do Alqueva, procura-se um pátio,


um centro para a casa, protegido e simultaneamente aberto sobre a
água. Utilizando a topografia, desenha-se um calote que estende as
áreas sociais, tornando-se o centro da vida na casa. Moldando a luz
neste espaço, um outro calote simétrico intersecta esta, criando uma
abertura que ilumina este centro com desenho e limites rigorosos. Os
espaços dos quartos abrem-se sobre espaços circulares. A escala da
casa nesta vasta paisagem natural será a dos pátios e do calote
superior, únicos elementos visíveis, pintados de um branco luminoso.

Aires Mateus
147

5.3.1 O momento

O projeto sob análise pode ser situado na terceira fase dos arquitetos
segundo a análise de Francesco Cacciatore. De acordo com o autor, nesse período,
o vazio interno é trabalhado como um volume vazio, ou seja, entendido
separadamente do volume construído, onde formas arquetípicas se hibridam ao
volume externo.

5.3.2 Introdução

A Vila de Monsaraz situa-se no Alentejo Central, cerca de 185 quilômetros a


oeste de Lisboa, fazendo divisa com a Espanha. O rio Guardiana divide os dois
países ao longo dessa região. Seu curso foi interrompido próximo à Moura com a
construção de uma barragem, a Barragem de Alqueva, a qual acabou formando um
grande lago, que leva o mesmo nome onde se situa a casa projetada pelos irmãos
Aires Mateus. Após a barragem, o rio volta a fazer a divisa entre os dois países até
desembocar no Golfo de Cádiz no Oceano Atlântico.
A Vila de Monsaraz possui aproximadamente 800 pessoas e faz parte do
Concelho de Reguengos de Monsaraz, composto pelas freguesias de Reguengos de
Monsaraz, Campo e Campinho, Corval e Monsaraz.
A casa foi comissionada aos arquitetos portugueses em 2007 por uma
construtora da região com intuito de vendê-la ou alugá-la. Porém, segundo o
arquiteto Jorge p. Silva, a casa foi comprada pelo Escritório, que agora está
construindo lentamente e servirá como um local para descanso para os proprietários
e funcionários do Escritório.
148

Figura 106 – Imagem aérea da Vila de Monsaraz e da casa em Monsaraz


Fonte: Google Earth, 2017.

5.3.3 A concepção

A região tem fortes restrições para a construção de qualquer tipo de imóvel


por ser área de preservação ambiental. Somente em poucos pontos, poderiam ser
construídas casas, limitadas a 200 m². Devido à preexistência de ruínas no terreno
onde se encontra a casa sob análise, que será analisada supostamente, foi
aprovada a construção de uma nova casa com restrições de gabarito, taxa de
ocupação e coeficiente de aproveitamento.
149

Figura 107 – Foto do terreno e da região do lago de Alqueva em Monsaraz


Fonte: Aires Mateus, 2017.

A paisagem, que compreende o entorno do terreno, é repleta de maciços de


árvores, grandes descampados e alguns morros, além, é claro, do grande lago
artificial.
Trata-se de uma região onde os olhos alcançam um horizonte muito vasto e
homogêneo. Esse primeiro contato com o lugar fez com que os arquitetos,
imediatamente, desejassem construir um espaço para a observação da paisagem,
mas, ao mesmo tempo, atribuir à futura edificação características das casas da
região; isto é, construir a casa ao redor de um pátio. Com isso, o primeiro desafio
dos arquitetos foi delimitar um espaço e abri-lo para a paisagem ao mesmo tempo.
Outro aspecto importante era inserir a casa no contexto; ou seja, disfarçando-a de
seu entorno e deixando-a quase com um aspecto de ruina, para que envelheça de
forma análoga ao local onde está inserida.
Esse pátio ganharia características de espaço central da casa e de mediação
entre a casa e o seu entorno. Isto é, um local passível de proteção e que ofereça a
possibilidade de convivência entre o interior e o exterior ao mesmo tempo,
transportando, por um lado, o usuário para o meio natural e, por outro, para o
150

construído. Um espaço que ganharia características lúdicas por dialogar


constantemente com o meio natural e com o tempo, através da luz do Sol e do luar,
da proteção contra intempéries, ao mesmo tempo em que o vento passa todo o
tempo sem impedimento algum.

Figura 108 – Foto de uma casa típica da região do Alentejo com alpendre
Fonte: desconhecida, 1947.

A ideia de criar um espaço com as características de fornecer ao usuário


proteção e ao mesmo tempo dar a possibilidade de ele se relacionar com a
paisagem ao seu redor veio concretizar-se por meio de uma cúpula. Além de
resolver a problemática posta anteriormente, a cúpula dialoga diretamente com
formas da natureza e da arquitetura romana dos templos e espaços de encontro,
fazendo da sua obra um percurso entre as diferentes épocas e tornando-a um fio
condutor da história ao retomar formas arquetípicas que são tão claras e tão
familiares às pessoas. Cria-se, assim, um espaço protegido e acolhedor como se a
151

cúpula tivesse um papel de alpendre, tão típico em residências em Portugal e


principalmente da região do Alentejo.

Figura 109 – Casa em Monsaraz. Referências usadas pelos arquitetos, 1. Domus Aurea de Nero
– Sala Octogonal; 2. Villa de Adriano; 3. Gruta de Tibério
Fonte: Aires Mateus, 2017.

O alpendre, ao remeter-se à forma de uma cúpula, naturalmente tornou-se o


centro da casa. É a partir dele que toda a organização interna se inicia:
primeiramente, foi definido um limite retangular e escavada uma cúpula
internamente, a qual extravasa a projeção desses limites em um dos vértices. Apôs-
se outra acima desta, porém invertida, interseccionando-as num ponto, formando um
orifício na união entre elas e banhando de luz natural o espaço interior da cúpula
principal. A partir desse local, foram abertos dois acessos, contendo uma cozinha e
sala de estar e dois corredores que se estendem perpendicularmente. Tais espaços
encontram-se, conduzindo os usuários para o acesso da casa pela parte posterior,
na cobertura, por meio de uma escada. Depois, foram escavados três pátios internos
cilíndricos para iluminar a cozinha, a sala e os dormitórios, com os banheiros que
foram locados ao lado de cada pátio.
A casa está coberta pelo terreno, criando uma topografia que a disfarçará
completamente de seu contexto. A vista que se terá do acesso posterior serão
pontos formados pelos três pátios e pela cúpula invertida, pintada de branco, e a
escada continuará em concreto natural. Ao observar a casa pela cúpula, vê-se que
ela emerge inacabada. Feita como uma subtração daquele vértice, ela ficará em
152

concreto aparente, para com o tempo tomar-se mais natural, como uma rocha ou
uma ruína na paisagem circundante, marcando o espaço principal da construção.

Figura 110 – Diagrama da sequência dos espaços internos e vazios. Casa em Monsaraz
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

O espaço que compõe o alpendre em forma de cúpula foi criado por meio da
subtração de três elipses: a primeira, do próprio alpendre; a segunda, que o
intercepta e cria a abertura superior; e a terceira escava o piso sob a cúpula
principal, que será preenchido com água, criando uma atmosfera na qual o usuário
ficará em constante contato com o tempo e a natureza. A luz entrará através do
orifício superior, atingindo a água sob o alpendre, que, por sua vez, refletirá a luz em
todo esse espaço, o qual mudará de tom de acordo com a luz do Sol e da Lua. Com
o passar do tempo, esse espaço fenomenológico abordará a essência da percepção
humana e a essência da consciência do lugar transformará o espaço, o qual será
percebido de diversas maneiras ao longo do dia, da noite, das estações do ano e do
clima seco ou chuvoso, mantendo o usuário em constante contato com a natureza, a
construção e o tempo.
153

Figura 111 – Casa em Monsaraz. Croqui feito por Jorge P. Silva na entrevista com o autor da
dissertação
Fonte: Jorge P. Silva, 2017.

O acesso posterior da casa está inserido a quatro metros acima do nível do


lago, numa distância de aproximadamente 40 metros. Com a ajuda do desnível
natural do terreno, os arquitetos cobriram uma parte da casa. O restante foi aterrado
justamente para desaparecer e envelhecer em conjunto com seu entorno. Os
arquitetos gostariam que a casa refletisse como um todo a ideia de atemporalidade,
absorvendo a complexidade do tempo não só sob a sua cúpula, mas também em
todo o seu conjunto. O propósito da natureza invadir sua cobertura e o concreto.
Com o passar dos anos, ser povoado por musgos e ter marcas das chuvas e do Sol
são características desejadas pelos arquitetos enfatizando a importância do local
onde a casa está inserida e da relação da casa com ele.

Figura 112 – Casa em Monsaraz. Vista lateral, a casa implantada na condição natural do terreno
Fonte: http://afasiaarchzine.com/2017/12/aires-mateus-59/. 2017.
154

Figura 113 – Casa em Monsaraz. Vista da cobertura e das aberturas dos pátios internos
Fonte: http://afasiaarchzine.com/2017/12/aires-mateus-59/. 2017.

Figura 114 – Casa em Monsaraz. Contraste entre a sombra da cúpula e seu orifício
Fonte: http://afasiaarchzine.com/2017/12/aires-mateus-59/. 2017.
155

Figura 115 – Casa em Monsaraz. Vista da cobertura na quina da cúpula


Fonte: http://afasiaarchzine.com/2017/12/aires-mateus-59/. 2017.

O atelier dos irmãos Aires Mateus cria em cada projeto inúmeros caminhos a
serem desenvolvidos. A escolha de um deles vem por uma melhor solução
entendida pela equipe de projeto, porém não sendo descartados por completo os
outros caminhos, que, pelo contrário, são sempre revisitados. O alpendre da casa
em Monsaraz pressupõe um espaço de encontro e vem sendo estudado ao longo de
vários projetos posteriores à obra sob análise. Foi revisitada numa sucessão de
cúpulas subtraídas de um volume de aço para a escultura Radix feita para a Bienal
de Veneza, em 2012, que, naquela ocasião, também propunha espaços de
acolhimento sendo entendido como solo comum.

Figura 116 – Escultura “Radix” para Bienal de Veneza em 2012 e Casa em Monsaraz 2007
Fonte: Aires Mateus, 2015.
156

A ideia de solo comum desenvolvida para a Bienal cria espaços com as


mesmas caracteristicas da cúpula da casa em Monsaraz. De acordo com os autores,
esse espaço pressupõe a possibilidade de reconhecer e compreender uma realidade
física, mas também cultural: “Enfatizando que a arquitetura atribui significados a uma
condição sensorial, num ato consciente, reclama um sentido cultural e instaura
relações entre realidades, transformando esse ato de reconhecimento em afeto”
(MATEUS, 2012).
Partindo da constituição de uma ideia de espaço comum, do conceito de
contemporaneidade como coincidência no tempo e no espaço, onde reconhecer é
acolher e estabelecer uma continuidade, uma ressonância, e não uma procura de
novidade. Investigar e propor são atos culturais de recombinação, porto seguro de
encontro, diálogo e reflexão.
No campo da arquitetura, identificam-se memórias de formas, de técnicas, de
espaços, de materiais, de cheiros, de tatos, de luz e de sons. Essa identificação é
eletiva e afetiva. Esse reconhecimento seleciona, despertando, recombinando e
permitindo uma compreensão do patrimônio comum e também uma ação crítica
sobre ele.
Os arquitetos também usaram essa cúpula com um óculo subtraído em seu
topo no projeto para o concurso do Museu Parque De Los Cuentos, no antigo
Convento De La Trinidad, em Málaga, Espanha. Naquela ocasião, a cúpula era
completamente fechada, comportando-se como um espaço de transição, a partir de
um acesso por meio de um longo corredor com uma das paredes inclinadas, e
abrindo uma fenda ao longo de todo o trajeto. Chega-se, por fim, a esse espaço
amplo em forma de cúpula, o qual serve de acesso para o antigo convento.
157

Figura 117 – Casa em Monsaraz e Museu Parque De Los Cuentos em Málaga, Espanha. Óculo
escavado no topo da cúpula, criando um ponto focal na cobertura e sob ele, a luz que penetra o
espaço em forma de cúpula
Fonte: Aires Mateus, 2017.

As cúpulas, nos dois casos, são espaços comuns repletos de significados,


desenvolvidos num ato fenomenológico para agitar os sentidos dos usuários que ali
percorrerão ou permanecerão por um tempo. Em ambas as situações, o diálogo com
o tempo através da luz e da sombra, da chuva e do vento que banham o espaço,
são os pontos focais criados pelos arquitetos.
Na casa em Monsaraz, há outro elemento presente: a água. Ela refletirá a luz
em todo o espaço por meio do óculo criado na cúpula. Esse detalhe importante
parece ter sido pensado com a obra já em andamento. Em nenhum desenho ou
explicação anterior à entrevista feita no atelier os arquitetos, menciona-se o uso da
água sob aquela cúpula. Se esse detalhe foi concebido ou não no inicio do projeto,
pouco importa. Certamente, após construído, tornará esse espaço ainda mais
dinâmico, potencializando a ação da luz e, certamente, transportando o usuário para
um universo próprio.
158

Figura 118 – Casa em Monsaraz. Criação do alpendre por subtração das cúpulas e do espelho
d’água
Fonte: Ilustração produção do autor, 2015.

5.3.4 A representação

Muitos projetos dos irmãos Aires Mateus iniciam-se a partir de formas


primitivas simples, como quadrados e retângulos em sua maioria. Parece que, num
primeiro momento, é definida a forma base; depois, subtraem-se os espaços
principais, que correspondem aos pátios internos e aos acessos, sendo trabalhados
os planos horizontais ou coberturas. Normalmente, isso não se repete em todas as
obras. Todavia, quando possível, é feita essa leitura. A casa de Monsaraz, de certa
forma, segue esse mesmo padrão de partido arquitetônico.
159

Figura 119 – Diagrama de evolução da forma e partido arquitetônico


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

Formas primitivas desenham a cobertura da casa e formam a disposição


espacial sob ela. As duas elevações que emergem também são resultado de
composições de figuras primitivas, que, segundo Francis D. K. Ching (2013, p. 38),
na psicologia gestaltística, a mente simplifica o meio visual, a fim de compreendê-lo.
Dada qualquer composição de formas, tem-se a tendência a reduzir o tema no
campo visual aos formatos mais simples e regulares. Quanto mais simples e regular
for a forma, mais fácil será percebida e compreendida.
160

Figura 120 – Casa em Monsaraz. Implantação


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Sua implantação parece esculpir linhas que delimitam os limites da cobertura


na área voltada para o lago, reforçada pelo triângulo que aponta em direção à água
e se destaca do terreno, formando a cúpula sob ele. No sentido oposto, a casa
parece se dissolver na paisagem. Os círculos dos pátios internos marcam três
pontos brancos em meio à vegetação rasteira. O retângulo, que desenha o acesso
superior por intermédio de uma escada, reforça o eixo de distribuição interna da
casa e o óculo esculpido na cúpula avigora os elementos feitos por formas
primitivas.
161

Figura 121 – Casa em Monsaraz. Implantação


Fonte: Aires Mateus, 2017.

A imagem da casa é somente a forma do alpendre, o qual internamente lê-se


como uma cúpula e, externamente, como um volume regular que sofreu a subtração
de um volume esférico. Sob essa cobertura, é criado um espaço fenomenológico,
regulado por meio de seu formato, que é o seu contorno, ou configuração da
superfície, que, nesse caso, tem a forma de uma cúpula. As proporções, ou seja, as
dimensões físicas de comprimento, largura e profundidade de uma forma, também
foram reguladas obtendo resultados desejados de acolhimento e proteção. A cor,
ressaltada pelo fenômeno da luz e percepção visual, é o atributo que mais distingue
uma forma de seu ambiente. Nesse projeto, o branco usado nos elementos de
subtração da massa foi eleito para criar a distinção entre o ambiente e o construído.
A face da cúpula, até o momento, terá a cor do concreto com a textura, outro
elemento importante para a composição total desse espaço, marcado pelas formas
de madeira usadas para conter o concreto até a sua cura.
Não há vestígios nas representações gráficas iniciais do espelho d’água que
será feito sob a cúpula. Crê-se que esse elemento foi pensado após sua concepção
inicial, mas que dará mais riqueza ao espaço por potencializar as diferenças de tons
162

durante o dia, trazendo um movimento que o vento exercerá sobre a água, que
refletirá em toda a superfície da cúpula, tornando-a ainda mais especial.

Figura 122 – Casa em Monsaraz. Cortes longitudinais


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Figura 123 – Casa em Monsaraz. Elevações


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Pelos cortes e elevações, pode-se observar que a casa tem uma leve
inclinação, tornando o nível sobre o alpendre mais alto do que o nível sobre o
acesso superior e enfatizando ainda mais a presença desse espaço tão importante
para a organização e composição dessa casa.
163

5.3.5 A organização

O alpendre caracteriza-se como o centro da casa. Além de ser o local de


encontro e contemplação da paisagem, ele é a imagem que se tem da casa. Os
outros espaços parecem se organizar segundo o princípio de aglomeração. As áreas
sociais, como a cozinha e a sala de estar, estão intimamente conectadas a esse
espaço. A divisão entre a ala social e a íntima é muita clara: a partir da cozinha e da
sala de estar submergem os espaços íntimos da casa, o eixo de circulação anuncia
em seu fim e a escada que transporta para a cobertura forrada pela vegetação que o
entorno se apropriou, camuflando totalmente a residência na paisagem, e cria um
espaço totalmente aberto, com uma visão panorâmica de todo o seu entorno,
mantendo por completo a casa abaixo do nível daquela cota.
Por conta da disposição da casa em relação ao terreno, os dormitórios e os
banheiros se abrem somente para os pátios internos cilíndricos. Não é a primeira
vez que os irmãos Aires Mateus usam desse artifício para os banheiros e
dormitórios. Na casa em Leiria, eles também se abrem para os pátios. Devido à
própria condição desses espaços estarem enterrados, não há muitos recursos para
iluminá-los e ventilá-los, senão voltá-los para um pátio.

Figura 124 – Plantas das Casas em Leiria e em Monsaraz, condições iguais dos dormitórios
enterrados voltados para pátios internos
Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

O programa funcional é de uma casa típica, com sala de estar, cozinha,


dormitórios, banheiros e um alpendre para proteger e marcar seu acesso. O que a
164

faz tão particular é a maneira que os arquitetos a interpretaram, deixando de ser


uma simples casa para tornar-se parte integrante de seu entorno. À primeira vista,
sua forma intriga por não descobrir que se trata de uma casa. Todavia, pelo fato de
parecer uma construção inacabada, ou mesmo em ruína, a simplicidade da leitura
que a casa transmite é o resultado de um raciocínio complexo e muito particular.
O programa funcional é organizado livremente, respeitando a posição do
alpendre como elemento principal e as duas áreas sociais, que se conectam à área
interna através de dois corredores que se unem, transportando o usuário até as
áreas intimas e para a cobertura. O setor intimo se agrupa livremente nas áreas
sociais, formando todo o conjunto e revelando uma hierarquia das partes do
conjunto através da cúpula, mas não a relação das partes com o todo, nem em
planta como em sua volumetria.
Num trecho extraído do livro36 de Jacques Lucan, no capítulo intitulado
“Process and Program Versus Composition”, sobre um questionamento por parte de
Peter Eisenman (1932) a Richard Serra (1939), em 1983, no qual observou o
arquiteto que o escultor usou o termo não compositivo em referência ao trabalho de
Pollock (1912-1956), e Serra respondeu: “Não há hierarquia das partes em Pollock.
Não há relação das partes com o todo, como há por exemplo em Malevich (1878-
1935), cujos desenhos das formas flutuam na tela em relação composicional entre si
e com o enquadramento”.

Figura 125 – Kazimir Malevich (1878–1935) Supremus No.50, 1915. e Jackson Pollock (1912-
1956) Lucifer, 1947
Fonte:https://www.russianartandculture.com/exh-kazimir-malevich-and-the-russian-avant-garde-
tate-modern-16-july-26-october/ e https://abstractcri.

36
Composition, Non-Composition. Architecture and Theory in the Nineteenth and Twentieth Centuries
(2012).
165

Certos princípios imaginados para serem definitivamente declinados foram


reabilitados. Foi assim que, respondendo com Donald Judd (1928-1994) às
perguntas de Bruce Glase, em 1966, o pintor Frank Stella (1936) fez da simetria uma
nova necessidade na pintura americana. Suas observações prontamente
encontraram ressonância também na arquitetura, dizendo que

[...] os pintores geométricos europeus realmente se esforçam para


fazer o que eu chamo de pintura relacional. A base de toda a sua
ideia é o equilíbrio, ou seja, você faz algo em um canto e equilibra-o
com algo no outro canto. Agora a nova pintura está caracterizada
como simétrica.

Donald Judd acrescentou que não fazia nenhum esforço para conceber suas
obras a partir da simetria:” [...] minhas obras são simétricas porque eu quero me
livrar de quaisquer efeitos de composição e a maneira óbvia de fazê-los é sendo
simétrico”. Assim como Carl Andre (1935), que teve uma posição similar dizendo que
queria evitar qualquer dramatização na colocação de seus elementos, ao mesmo
tempo em que evitava o equilíbrio e a centralização, reconheceu o débito com Stella,
que chamava isso de simetria anaxial, a qual se caracteriza pela simetria em que
qualquer parte poderia ser substituída por outra.
No caso da casa em Monsaraz, se se partir do eixo diagonal caracterizado
pelo corredor, parece haver a busca de um equilíbrio no conjunto, dividindo de um
lado do corredor, dormitórios e sala, e, do outro, dormitórios e cozinha quase
simétricos. Todavia, a ordem dos dormitórios e banheiros pouco importa se a cúpula
e as áreas sociais se mantiverem na posição.
166

Figura 126 – Programa funcional. Casa em Monsaraz


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Robert Venturi (2004) cita, em seu livro Complexidade e Contradição” no


capítulo “Complexidade versus pitoresco”, que a complexidade que se limita
exclusivamente ao programa alimenta um formalismo de falsa simplicidade e a
complexidade que se refere meramente à expressão tende a um formalismo de
multiplicidade, o qual de um lado gera a supersimplificação – em vez de simplicidade
–, e, de outro, obtém-se o mero pitoresco ao invés de complexidade. A simplicidade
não pode se tornar simplista a ponto de se transformar numa arquitetura insípida
onde o “menos é chato”. Mas, por outro lado, a arquitetura não deve negar o desejo
de simplicidade. Logo, a análise da simplicidade faz parte do processo de criação do
complexo.
Nas palavras do autor: “Os melhores arquitetos do século XX têm geralmente
rejeitado a simplificação – isto é, a simplicidade pela redução –, a fim de promover a
complexidade no todo. p.20”. As relações físicas e psíquicas, ou seja, entre “o que é”
e o que “parece ser”, também são fortemente marcadas nas obras dos irmãos Aires
Mateus. Nessa casa, essas relações são pontuadas de forma ainda mais acentuada
do que nas demais obras. O espaço criado para o alpendre da casa marca bem essa
relação física e psíquica, fazendo de um simples alpendre um espaço que traduz
toda a complexidade existente nessa obra.
167

Venturi novamente diz que os problemas devem ser resolvidos de forma


unificada, e não decompondo em partes. Essa obra é o resultado claro de que ela foi
concebida e resolvida como um todo. A tensão e a ambiguidade estão por toda a
parte, numa arquitetura complexa e contraditória, revelando que a arquitetura deve
ser abstrata e concreta; isto é, as relações devem ser oscilantes entre estrutura,
forma, texturas, materiais, sensações etc.

Figura 127 – Casa em Monsaraz


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Essa casa é aparentemente fechada por não possuir aberturas que


enquadrem a paisagem. Entretanto, ela se abre totalmente para o seu entorno sob
sua cúpula e, em sua cobertura, que se integra totalmente com a paisagem, seus
ambientes internos não têm uma organização convencional apesar de seu programa
de necessidades o ser. A disposição do programa se relaciona diretamente com a
posição dos pátios, que, por sua vez, compõem uma das principais fachadas da
casa. Por ser horizontal, é vista somente de cima e a outra fachada só faz sentido se
composta pelas duas laterais; ou seja, faz parte de um pequeno quadrante da casa,
que se associa pela união de duas fachadas para completar a forma da cúpula que
compõe a fachada principal da casa, lida claramente a partir de uma das quinas da
casa.
168

A forma do alpendre como imagem de uma cúpula subtraída do volume de


concreto fez com que essa casa ganhasse uma aparência de ruína na paisagem por
remeter a uma construção inacabada ou mesmo deteriorada com a ação do tempo.
Pelo lado oposto, isto é, pelo acesso superior, onde se tem a cobertura, que, além
de proteção, tem um papel de fachada plana horizontal, somente três buracos
brancos – correspondentes aos pátios e ao óculo escavado da cúpula – ganham
destaque sútil perante a natureza compondo aquele plano.

Figura 128 – Casa em Monsaraz. Detalhes da cobertura


Fonte: Ilustração produção do autor, 2017.

Esses detalhes formam a composição externa de toda a casa. O restante dela


está sob o terreno. As formas de suas funções são completamente ortogonais e
dispostas livremente uma ao lado da outra, respeitando as dimensões efetivas de
cada ambiente. A complexidade que se traduz nessa obra é a interpretação do local
onde a casa foi inserida e a relação dela com a paisagem que a envolve e com o
tempo, sendo que cada espaço pensado na casa se dialoga diferentemente com
esses pontos. A simplicidade estética nasce de uma complexidade interior, citada
169

por Louis Kahn como o “desejo de simplicidade”, uma satisfação para o espírito
quando legítima e profunda, originando-se de uma complexidade interior.

5.3.6 A construção

A casa foi construída basicamente toda em concreto armado, usando formas


de madeira, um método convencional e bastante usual em Portugal e no Brasil. Toda
a cobertura da casa é plana e foi ancorada para a sua concretagem, livrando, num
primeiro momento, praticamente todo o espaço sob ela. As divisões internas foram
construídas após a cura do concreto, servindo somente para compartimentar os
ambientes.

Figura 129 – Casa em Monsaraz. Fotos da obra


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Para a cúpula, foi feita uma forma de madeira em seu formato completo,
porém extravasando os limites externos da casa, a fim de criar o alpendre aberto
para o exterior. A construção dessa forma lembra a estrutura de uma oca dos índios
Yawalapiti, na qual curvam-se os montantes verticais em direção aos apoios
170

centrais. Mesmo não sendo a intenção dos arquitetos fazer uma alusão a esse
sistema construtivo indígena, mostra o quanto manual e simples foi o método
utilizado por eles para construir esse espaço.

Figura 130 – Oca Xinguana, índios Yawalapiti


Fonte: Fredox Carvalho, 2011.

Todo o envoltório foi construído em concreto armado e as divisões internas


em tijolos cerâmicos simples. Pode-se notar que os arquitetos criam as paredes
externas em concreto, as quais, em sua maioria, servem de contenção da terra que
envolve toda a construção. Paralelo a esta, as paredes desenham os pátios
circulares e o banheiro social, desvinculando a forma externa da construção com a
interna que se dialoga com o usuário. Após a parede externa de concreto, ainda
foram assentadas outras duas paredes de alvenaria: a primeira garantindo a
estanqueidade e contornando toda a periferia; e uma outra, após esta, garantindo a
compartimentação interna e a regulação da forma dos espaços internos e as
dimensões apropriadas para cada ambiente, recebendo o acabamento de todo o
conjunto. Os móveis fixos compreendidos pelas marcenarias incorporam-se à
volumetria interna e são discretos. Localizam-se entre as camadas de paredes,
evidenciando somente o espaço, o vazio interno.
171

Figura 131 – Casa em Monsaraz. Planta térreo


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Como visto anteriormente, a cobertura se integra à paisagem por receber a


mesma vegetação de seu entorno. A estanqueidade de toda a casa auxilia no
conforto térmico no inverno, não deixando escapar a temperatura interna aquecida.
No verão, se abertas as portas de acesso pelo alpendre, os pátios internos
funcionam como chaminés, renovando o ar fresco a todo instante.

Figura 132 – Casa em Monsaraz. Cortes construtivo da cúpula e pátio interno


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Foi feita uma forma inversa para deixar o óculo na cúpula. Após a
concretagem da laje e do alpendre, foi concretada a cúpula inversa e, depois de
172

impermeabilizada e feita a proteção mecânica, foi coberta de terra, posteriormente


dominada em toda a superfície.

Figura 133 – Casa em Monsaraz. Concretagem da cobertura e do óculo na cúpula


Fonte: Aires Mateus, 2017.

O controle da luz natural é um dos pontos que os irmãos Aires Mateus têm
levado ao extremo em seus projetos. O contraste entre luz e sombra é usado para
enfatizar aspectos particulares de suas obras, hierarquizando e pontuando os
espaços que necessitam desse tipo de cuidado. Por fim, a luz que banha esse
determinado espaço torna o alpendre o ponto focal dessa obra.
173

5.3.7 Conclusão

O projeto da Casa em Monsaraz, assim como o da Escola Vila Nova da


Barquinha, são obras marcadas pela aglutinação dos espaços, dispondo os
programas lado a lado, com espaços complexos e de leitura não imediata.
Sua condição, no sentido de onde foi implantada, é particular. Suas
referências externas são meios naturais e a natureza criada pelo homem – o lago, e
sua imagem se dá a partir de uma cúpula inacabada ou arruinada, um espaço
entendido como solo comum, um lugar de convivência, de trocas e de reflexão. É
uma casa que se abre para o céu por meio de seus pequenos pátios internos e para
um horizonte direcionado através da cúpula. Nessa casa, a fenomenologia está
presente a todo instante. O tempo, o percurso, a surpresa, os símbolos, a
materialidade, a luz, o reflexo e o lugar espacial tornam a casa quase em um ser,
onde a troca com o meio é constante.
Mais uma vez, a interpretação do lugar é fortemente carregada de uma
própria vivência e da maneira de olhar o mundo ao seu redor. Trata-se de uma
interpretação muito particular. Soterrando a casa, impedindo que o usuário
contemple a paisagem de diversos pontos. Elegendo somente um lugar protegido
para essa contemplação, parece que se remeteram a Álvaro Siza, que elege
precisamente suas fenestrações para a contemplação pontual do exterior.
Não há uma tentativa de composição volumétrica, nem mesmo de elementos
e materiais nessa obra. Sua maior parte está completamente enterrada e o que se
mostra é uma subtração de uma cúpula num volume emético de concreto. Segundo
conceitos compositivos que abrangem as obras arquitetônicas do período estudado,
percebe-se que em alguns momentos elas mantêm uma relação harmônica das
partes entre si e delas com o todo.
Nesse caso, sobressai a vontade de libertar-se da necessidade de
estabelecer uma harmonia das partes entre si e a subjugação dos espaços com o
todo harmônico, trabalhando livremente como se fizesse uma colagem de elementos
autônomos entre si e criando espaços justapostos com certa independência do
conjunto.
As vanguardas sempre fizeram o que é característico dos esforços
necessários para a evolução ou transformação da arte e da arquitetura em seu
174

tempo. A partir da vontade de ruptura com a tradição, buscaram novos valores,


fechando um ciclo a partir de novas buscas com o culto, a novidade a e
originalidade, ao ser efetivo de apropriações dos novos valores, novos conceitos e
novas formas abstratas adequadas aos novos tempos, que se resumem no
experimento contínuo e na ânsia da transgressão aos limites estabelecidos, se
contrapõem as regras e/ou princípios que fundamentaram a tradição anterior e a
recriação de novas tecnologias, explorando novas possibilidades.
No entanto, percebe-se, aqui e em outros projetos dos irmãos arquitetos, que
há busca de uma hibridação entre a tradição, representada na casa em Monsaraz
pela arquitetura clássica, registrada pelo alpendre em forma de cúpula e pela
arquitetura vernacular portuguesa, fazendo da sua arquitetura, uma transgressão e
não uma ruptura com a história.
O alpendre em forma de cúpula poderia ser literalmente o centro de uma
casa, como na Villa Capra de Palladio, mas, nesse caso, é inacabada e dá a forma
externa da casa. O olhar dessa construção a partir de uma ruína, que a natureza a
invadiu, representa que ela faz parte desse local há muito tempo. No entanto, ela
nem se quer está completamente finalizada.
O vazio, mais uma vez, é pensado como um volume independente de sua
volumetria externa, causando surpresas ao utente, uma casa especial, implantada
num lugar especial e com uma história especial resume essa obra.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observando os estudos elaborados nesta dissertação, pode-se destacar que


o trabalho dos irmãos Aires Mateus é desenvolvido basicamente sobre bases
conceituais segundo uma série de transgressões sobre a tradição do arquiteto,
carregada de questões técnicas e culturais da arquitetura vernacular ou tradicional
portuguesa, que são representadas pelos pátios, peso, espessura, formas
arquetípicas, método de organização espacial e construtivo, além do diálogo de suas
obras com o entorno. Suas construções carregam uma hibridação daquilo que é
entendida pelos autores do que seja arquitetura contemporânea e o que havia de
tradição na arquitetura portuguesa.
175

Percebe-se uma série de lições da arquitetura de Álvaro Siza, nas obras dos
irmãos Aires Mateus, sobretudo no âmbito da dilatação e compressão espacial, no
controle da luz, na organização dos espaços e na relação de suas obras com o
entrono.
Alexandre Alves Costa no texto Escandalosa Artisticidade37, afirma que a
modelação do espaço é o objeto de desejo central de Álvaro Siza, os espaços são
sempre inesperados, com percursos labirínticos, entendidos como preparação de
uma surpresa, isso é evidente no museu de Serralves e em tantos outros projetos de
sua autoria. A luz é sempre controlada, qualificando a riqueza dos vazios e a
apropriação dos espaços interiores como negativos qualificados dos volumes
construídos, encontra neles a sua contrapartida escultórica, de relação com o
contexto mais alargado do território.
Eduardo Souto de Moura, na obra do museu Paula Rêgo em Cascais,
trabalha o ponto que é frequentemente usado pelos irmãos Aires Mateus, a
diferença entre forma e função. Os dois volumes que se destacam na paisagem,
recordando as grandes chaminés do Palácio Nacional de Sintra, parece estar
diretamente relacionado com a função a qual eles abrigam, porém, naqueles
espaços encontram-se uma livraria e um restaurante mostrando que aquela forma foi
concebida mais pelo ponto de vista expressivo externo do que da necessidade
interna, afirmando que a relação direta entre forma e função em vários arquitetos
portugueses não tem os mesmos princípios da arquitetura moderna que em muitos
casos, ainda é seguida por uma fatia expressiva de arquitetos.
Por outro lado, percebe-se, em suas obras, princípios projetuais bem
definidos, que não respeitam a tradição da formação dada no Brasil; como exemplo:
a busca pela razão, simplicidade, economia e clareza dos espaços. Esses princípios
não estão presentes em suas obras. Não se trata da busca dessas características. O
espaço e a forma edificada nas obras do período aqui estudado são protagonistas.
Preocupações como a modulação estrutural e a verdade construtiva, não são
pontos-chave de seus projetos, todo o sistema construtivo em suas obras, está
preparado para a modelação do espaço. Como dito anteriormente, a obra surge
como uma proteção à técnica construtiva, um invólucro, erradicando todos os

37
Livro: Álvaro Siza, Modern Redux. p.39.
176

vestígios estruturais. As figuras erigidas parecem não dialogar com sua origem
construtiva nem ao menos com suas funções. Tudo se torna independente.
A geração portuguesa, dos últimos 20 anos, não teve o interesse em discutir a
técnica construtiva como elemento central na arquitetura. Ela nunca teve o peso que
tinha na arquitetura dos primeiros modernos do século XX nem tão pouco a
discussão sobre ela que houve na década de 50 e 60 no Brasil e que continua até os
dias atuais, é alvo da arquitetura contemporânea portuguesa.
Para eles, a técnica não é mais um meio de o arquiteto atingir o fim, ou seja, a
técnica não é mais um desafio para o avanço na industrialização da construção civil,
para que o arquiteto possa viabilizar obras de grande porte de cunho social. Seu
protagonismo vai perdendo importância ao longo do século XX por conta dos
avanços tecnológicos na área da engenharia civil.
A construção do vazio na forma como está pretendida pelos arquitetos
estudados exige conhecimento técnico apurado, diferentemente da técnica citada
acima e grande descompromisso com a linguagem e as questões de partido
estrutural tão relevantes na modernidade. A estrutura não é necessariamente
assunto quando se quer evidenciar um vazio, não existe preocupação com as
verdades materiais.
Os vazios são provocados ora por balanços, ora por vãos ou formas
revestidas de gesso sobre estrutura leve, o gesso e outros materiais funcionam
como pele de recobrimento. Seus projetos questionam os pressupostos acadêmicos
e populares, tipologias, clara compressão espacial, construções lógicas, se
desmancham em favor da construção do espaço.
O interesse dos arquitetos Aires Mateus recai sobre a transgressão das
regras compositivas clássicas e modernas. Ao se apropriarem delas, eles as
transportam para um novo patamar, dando-lhes um novo sentido em suas obras,
como dito anteriormente, colocando-as como um fio condutor da história, assim
como fez Fernando Távora e fazem Álvaro Siza e Peter Zumthor, numa geração
anterior, e Barozzi Veiga e Valério Olgiatti, dentre outros arquitetos de uma nova
geração.
Sobre Álvaro Siza, Costa38 ressalta que as antinomias clássico/anticlássico,
oriente/ocidente, na difícil resolução do interior/exterior, acarretam um complexo

38
Alexandre Alves Costa, Álvaro Siza, Modern Redux. p.39
177

sistema de composição que se afasta totalmente da ortodoxia geométrica, mais ou


menos codificada como regra de ouro da arquitetura ocidental, e que tem, como
expressão mais radical, o uso da simetria.
As obras de Aires Mateus são caracterizadas pela não simetria, não
hierarquia e não presença de eixos organizadores do espaço. A estrutura não é
clara. Não há submissão da parte com o todo. Eles usam essas características
deliberadamente com a consciência dos atributos da arquitetura moderna e clássica
e se apropriam de termos como poché e enfilades, que eram usados na escola de
Beaux Arts e de muros habitados explorados ao longo da história e trazida a tona
por Louis Khan.
Ao contrário do que possa ser entendido à primeira vista, há uma
preocupação com a organização do programa de necessidades apesar da aparente
desordem de suas plantas, assim como a inserção do novo edifício no contexto
existente.
Nota-se que existe como ponto de partida a identificação dos limites
edificados e as condições naturais onde a obra será inserida. Além desses atributos,
suas obras empregam algumas estratégias projetuais, que são seguidas com certa
disciplina e obtidas em algumas obras mais e em outras menos, porém são sempre
exploradas, como:

 A exploração da geometria – Pela criação de um limite, ou seja, de um


volume, partes dele são subtraídas gerando a forma externa. Os espaços
internos também são resultantes da ação de subtração ou escavação
dessa matéria, comportando-se como verdadeiros volumes vazios e
tornando sua forma interna independente de sua volumetria externa.

 A representação gráfica – Correlacionada à maneira de organizar os


espaços internos. Os espaços são organizados através de espaços
primários e secundários. O branco é a subtração da matéria,
representando os espaços principais, e o preto, além da massa
construída, é incorporado nos espaços secundários. Dessa forma, eles
conseguem um maior controle das proporções e do desenho espacial.
178

 Os materiais neutros – São usados para ressaltar a forma da volumetria


externa e dos espaços internos. O contraste entre luz e sombra é utilizado
para ressaltar suas volumetrias. Não há composições de materiais em
suas obras no período estudado. O volume monocromático ou
monomatérico é esculpido. Não há elementos compondo as fachadas e a
materialidade se sobressai à transparência.

 Arquitetura como um fio condutor do tempo – Suas referências estão mais


próximas da arquitetura ao longo da história do que de uma inovação
tecnológica. As formas arquetípicas internas se hibridam geralmente no
volume com formas primárias externa, criando suas aberturas e as
relações do usuário com o exterior.

 O diálogo com o entorno – Suas obras procuram extrair algumas


características de seu entorno. Sejam elas materiais, formais ou visuais,
procura-se resgatar sistemas construtivos de determinado edifício próximo
àquele implantado. Usam-se materiais daquela determinada região.
Quando há alguma intervenção em edifícios consolidados, procura-se
manter sua volumetria externa, intervendo com mais ênfase dentro de
seus limites.

 A obra e o tempo – Toda obra do período estudado tem uma relação com
o tempo em termos fenomenológicos. O tempo que muda a coloração de
suas fachadas com o passar das horas, a luz que invade ambientes
pontualmente ressaltando texturas, formas e cores; o tempo que levamos
para descobrir suas obras através do percurso, já que a organização
espacial é sempre complexa e labiríntica.

Os procedimentos projetuais dos irmãos Aires Mateus estão intimamente


ligados ao processo de projeto da arquitetura contemporânea, sobretudo no que diz
respeito à manipulação de formas-espaços decorrentes dos conceitos apontados
numa clara demonstração de processos não compositivos.
Eles procuram mostrar que a arquitetura é uma manifestação cultural apta a
receber informações de conteúdos históricos. A presença de edifícios constituídos
179

ao longo do tempo, com diversas técnicas construtivas, diferentes momentos,


transmitem, a todo instante, conhecimentos e valores, que, absorvidos pelos irmãos
Aires Mateus, fazem tais arquitetos desejarem dar continuidade ao que já foi feito,
não propondo uma ruptura, porém mostrando não haver uma regra única e
impositiva aos arquitetos contemporâneos, ou ao menos, não deveria haver.
Não se trata de uma escola de arquitetura como as que conhecemos no
passado ou mesmo de seguidores de uma doutrina arquitetônica. Trata-se de uma
arquitetura plural que procura atender as diversidades contemporâneas.

7 ANEXO

Entrevista com Jorge P. Silva no Atelier Aires Mateus e Associados, Lisboa,


Portugal, 2017.

Jorge P. Silva nasceu em Lisboa em 1976. Em 1998, obteve o diploma em


arquitetura da Universidade Lusíada em Lisboa. Teve como professor, em seu último
ano de formação, o arquiteto Manuel Aires Mateus, que o convidou para participar
da equipe Aires Mateus e Associados.
Tornou-se coordenador de projetos do Atelier e participou diretamente de
projetos como: Casa em Alenquer, Centro de Artes Sines, Grande Museu Egípcio,
Casa em Monsaraz, Parque Tales em Málaga Espanha, Centro Muçulmano de
Bordéus e Faculdade de Arquitetura em Tournai entre outros. Vem trabalhando com
Manuel Aires Mateus na maioria dos projetos do estúdio.
Desde 2002, ele é regularmente convidado como assistente em workshops e
seminários de Manuel Aires Mateus na Itália, Espanha, Eslovênia, Suíça, Grécia e
Nova Zelândia, além de Portugal. Desde então, ele começou a representar o estúdio
em cerimônias e palestras em Portugal, Espanha, França, Alemanha, Egito e Itália.

ENTREVISTA
180

Gabriel: Gostaria de saber sobre o processo criativo do Atelier.

Jorge: Muito bem. Eu já comecei por te mostrar o ateliê e tu já viste essa


parte, esse complemento das maquetes. Esta produção de maquetes que tu vês
para todo lado tem a ver exatamente com o conceito de trabalho do próprio ateliê.
As maquetes são feitas como um meio, são uma ferramenta de investigação e cada
vez que existe uma ideia ou cada vez que se iniciam vários caminhos ou que se
pensa em vários caminhos, primeiro são testados em paralelo nas maquetes.
Portanto, é capaz de se fazerem três maquetes, que é uma variação de três
possibilidades diferentes. E falas o mais rapidamente possível, e às vezes de uma
maneira até relativamente impulsiva. Eu às vezes costumo brincar com isso. Quando
nós não temos ideia nenhuma, quer dizer, quando se começa a fazer um trabalho,
em vez de ficarmos à espera duma epifania ou duma inspiração... nós começamos a
trabalhar primeiro e a pensar depois.
Ou seja, mesmo que pareça que não há um caminho, nós podemos
considerar uma possibilidade, depois consideramos outra possibilidade, depois outra
e muitas vezes testam-se caminhos, assim, por impulso, e isso tem muito a ver não
só com o que tu vês aqui e com o que tu viste lá embaixo das maquetes
compulsivas, mas também com todo o resto do sistema de trabalho, porque isso não
acontece só nas maquetes, isto acontece nos esquissos, isto acontece nos designs,
isto acontece nas coisas que tu vês penduradas na parede...
O ateliê funciona muito por autocorreção, porque (hesitação)... no fundo,
aquilo que se pensa é que, para nós irmos afinando e acertando o passo, é preciso
praticar muito. E em vez de se estar à espera de produzir só o que está certo, o risco
que é assumido aqui é o de produzir coisas que podem nem estar certas, nem estar
no caminho certo para este projeto, mas que gera uma reação. E essa reação, como
se pode dizer “Epa! Grande merda que isto é, não vamos seguir por aqui, afinal isto
não resulta em nada, também nos permite dizer que, quando temos cinco, destas
cinco há uma que está mais ou menos e há quatro que não queremos todos seguir.
Esse processo faz com que todos os projetos sejam um processo
relativamente longo, e isso depende também de projeto a projeto, mas de correções,
e de afinações e de otimizações. Mas mesmo nas partes, mesmo nos caminhos que
às vezes estão afastados, essas ideias anteriores podem servir para outros projetos.
181

Figura 134 – Foto escritório Aires Mateus e Associados


Fonte: Aires Mateus, 2016.

Gabriel: Eu percebi isso em seus projetos. Vocês resgatam alguma coisa já


explorada, mas acho que indo sempre um pouco mais além.

Jorge: Exato. Há uma relação evolutiva, sim. Não é só uma réplica. Eu acho
que nós podemos comparar isso, não sei, com o trabalho da criação em música.
Não se consegue nunca... quer dizer, quando alguém faz um álbum, faz o álbum
dentro de uma série de atmosferas de cosias que o preocupam na altura. E é claro
que as músicas partilham um estilo e não são iguais, mas têm denominadores
comuns. E isso só consegue encontrar n’alguns projetos. Nós não fazemos dois
projetos iguais. Não fazemos nem na habitação..., mas é frequente encontrar traços
comuns em vários projetos mesmo havendo variações, depois as coisas voltam a
acontecer.

Gabriel: Alguns autores referem-se à ação de escavar ou da subtração da


matéria construída para criar o espaço quando falam de suas obras, o que você
poderia falar a respeito?

Jorge: Nós temos projetos mais para achar que há só uma maneira de se
fazer e de desenhar. Tu podes ver que há muitos tipos de projetos diferentes que
saem de cá do ateliê. Mas há uma coisa em comum entre eles, o modo de como o
espaço é entendido. A qualidade do espaço, a compreensão do espaço é uma coisa
que para nós é muito importante. Nós conseguimos reconhecer noutros arquitetos
182

méritos que têm a ver com princípios de conceitos sociais etc., mas é bastante
menos concretizado espacialmente. Acho que há aqui uma coisa em que, por
ventura, nós trabalhamos sobre um legado que tem a ver com um tipo de arquitetura
vernacular portuguesa. Portuguesa que eu acredito que compartilha com a
arquitetura vernacular brasileira. Porque, na altura em que nossa história a partir de
um período se cruzaram, construía-se muita arquitetura e para nós são muito caros,
são muito queridos, os exemplos de arquitetura vernácula, que pelo lado de fora se
percebe que uma casa é uma casa.

Gabriel: Você está se referindo ao arquétipo de uma casa, da imagem exterior


dela que também é levada para o interior?

Jorge: Sim. Mas isso também tem um gesto claro e fundativo de assumir, de
declarar que isso é uma casa, não é só uma associação, uma junção de coisas. Nós
sentimos muito isso na arquitetura do Alentejo ou do interior do país, sobretudo. E
essa dualidade que existe entre o interior e o exterior, essa... como é que eu vou
dizer... Essa cumplicidade que nós do Alentejo temos por espaços que são mesmo o
conceito de proteção de um espaço total, depois no interior ele é dividido e muitas
vezes ele já nem sequer tem teto, mas o espaço que se lê do lado de fora também
se lê do lado de dentro, nós pensamos o espaço interior como verdadeiramente um
vazio. Esse negativo que tu estás a dizer, ou esse escavar, ele pode ser mais claro
ou não, na maneira de desenhar, mas a intenção é sempre que o espaço interior
seja ele próprio também compreensível e que seja um volume.
Ele não é só uma consequência. As duas coisas tão desenhadas uma com
outra, o exterior e o interior. Existe essa propensão, essa tendência, para tornar o
espaço... Tornar tanto espaços interiores claros como a imagem exterior clara
também. E os limites são muitas vezes usados para abrigar tudo aquilo que é
preciso...
183

Figura 135 – Casa em Coruche. Aires Mateus e Associados


Fonte: Ilustração produção do autor, 2016.

Gabriel: Louis Kahn39 trabalhava com espaços servidos e espaços servidores.


Eu vejo claramente essa organização na obra de vocês, até a apresentação gráfica
de vocês evidenciam essa relação, o claro e o escuro, os espaços servidos e os
espaços servidores. Existe alguma referência do Louis Kahn em seus projetos?

Jorge: Mais ou menos. Os projetos quando acontecem não são o produto


duma pesquisa teórica ou intelectual, não se fica cinco páginas a escrever sobre não
sei o que, pois, isso dá um projeto... não. Há vários casos de arquitetos que fazem
arquitetura assim, mas não são os nossos heróis. Sei lá, por exemplo, os
americanos, os pós-modernistas e tudo mais, que escreveram, escreveram,
escreveram... e depois produzem...

Gabriel: Robert Venturi?40

Jorge: Sim, estava a pensar no Venturi objetivamente. Nós não trabalhamos


assim, funcionamos a partir da definição do espaço. Isso que tu estás a dizer da
maneira de representar do preto e do branco. Acredito que isso é a mesma maneira
de pensar e de fazer os primeiros esquissos. Não é um trabalho cosmético feito a
posteriori. Nós desenhamos logo paredes espessas de preto e começamos a
desenhar lá dentro.

39
Louis Isadore Kahn (1901-1974) nasceu na Estônia, mas sua família mudou-se para os Estados
Unidos (Filadélfia), quando Kahn tinha apenas cinco anos. Foi naturalizado americano em 15 de maio
de 1914. É considerado um dos grandes nomes da arquitetura mundial do século XX.
40
Robert Charles Venturi (1925-) é um arquiteto norte-americano vencedor do Prêmio Pritzker de
1991. Formou-se em Princeton em 1947. Trabalhou com Eero Saarinen e Louis Kahn antes de formar
sua própria firma com John Rauch.
184

Gabriel: Justamente para desenhar o espaço.

Jorge: Na área em preto, para dizer isto é cozinha, aqui é o frigorífico... Isso
parte logo do esquisso. Isso existe em todas as fases do trabalho. As fases,
eventualmente, em que isso é poupado, nas fases do projeto de execução, porque
isso pode ser ambíguo para quem está a construir, mas elas existem nos esquissos,
no anteprojeto, na parte de licenciamento, existem muitas vezes em projeto de
execução também, mas não com preto, mas com outras maneiras de representar
essa densidade e depois voltam a aparecer nas publicações. Isso é completamente
longitudinal em relação à maneira de pensar o espaço. Essa maneira de organizar
existe sempre... E as referências que nós temos, não há muitas referência que nós
precisamos dizer de arquitetos contemporâneos, quer dizer, há de vez em quando
os livros do Zunthor,41 que não andam muito longe; depois, por umas razões ou por
outras, há o Herzog42 ou mesmo o Koolhass43, ou outros, alguém que admiramos,
mas não há assim alguém em especial, mas a maneira que tu tinhas de desenhar
arquitetura há quinhentos anos não é distante da maneira que nós temos hoje em
dia de desenhar também. Portanto, se tu vires desenhos de arquitetura do século
XVI, século XVII, século XVII, XVIII, ela já tem manchas desenhadas dentro das
paredes e lá dentro estão todas as pedras, tudo aquilo que fabrica essa arquitetura.

Gabriel: Como se a “sujeira”, digamos assim, tivesse contida, dentro dessas


manchas pretas...

Jorge: Sim. Ela serve para você definir outras coisas. Isso eu reconheço que
existe, mas eu acho que há mais... Volto a dizer que me parece que há mais
semelhanças com arquitetura vernacular que propriamente referências aos
arquitetos contemporâneos. Mas, enfim, é nossa maneira de pensar arquitetura, de
pensar espaço, pensar o mundo, e essa ideia das raízes interessa-nos bastante, não
para replicar, mas para servir de mote, para servir de caminho também como
reflexão.
41
Peter Zumthor (1943-) é um arquiteto suíço, agraciado com o Prêmio Pritzker de 2009. Estudou no
Pratt Institute em Nova Iorque na década de 1960.
42
Jacques Herzog (1950-) é um arquiteto suíço, nasceu na Basileia, estudou no Instituto Federal de
Tecnologia de Zurique. Vencedor do Prêmio Pritzker de 2001.
43
Rem Koolhaas (1944-) Nasceu em Roterdã, estudou na Architectural Association e Cornell
University em Nova Iorque. Vencedor do Prêmio Pritzker de 2000.
185

Gabriel: E o branco, digo a cor, que são pintadas as suas obras, geralmente
de branco, também podemos dizer que está dentro desse pensamento da
arquitetura vernacular portuguesa?

Jorge: Sim. Mas tu estás a tocar no ponto certo. O branco em si não é um


fetiche do ateliê, porque existem vários outros arquitetos que usam e mesmo outros
projetos aqui do ateliê não são brancos. Há muitos que são brancos e outros que
não são. Mas a forma interessa-nos mais do que qualquer outra coisa. Se tu tiveres
num monomaterial ou monomatéria, tu não estás a distrair o usuário com diferentes
diálogos de materiais. A forma é mais apreensível. Como te disse, o branco existe
não só nos nossos projetos, mas numa série de outros projetos, porque nós temos
um sol nesse país que é muito, muito generoso e é muito generoso na riqueza que
ele oferece, porque a cor varia, a mesma cor na luz varia extraordinariamente da
manhã até a tarde. Na manhã, o Sol é muito azul, a luz que se distribui é muito azul,
e ao fim da tarde ele já é muito dourado. E nós, quer dizer, estou a te dizer isto
porque sabemos que desenhar em Portugal é diferente de desenhar em França ou
na Suíça ou desenhar noutros países.
O branco é uma condição extraordinariamente rica em nosso país por causa
da generosidade do Sol. Porque ele deixa com que a pessoa perceba muito mais
facilmente as zonas de contraste, as zonas de sombra. Nós acabamos agora, há
duas ou três semanas, o edifício que é uma universidade de arquitetura na Bélgica
e, aí, por acaso, pintamos todos os materiais de cinzento, porque o cinzento, apesar
de tudo, resiste às agressões dos estudantes de uma maneira diferente do branco.
O branco é bastante mais exigente no seu estado, ele começa a ter patologias por
agressões, ou o risco, ou fita, cola, ou tinta que saltou... O branco é muito mais cruel,
porque evidencia isso numa maneira muito mais presente. Mas nós temos o edifício
todo em cinzento e a verdade que a experiência de relação com o Sol é menos
intensa.
O branco... Tem menos zona de sombra... São quase pretos, não é, os teus
olhos leem como preto menos zona de luz, mesmo que ela esteja amarela, tu lês
aquilo como branco. O branco é preferível por isso apenas, porque é um meio, não é
um fim. Para nós, o fim é o desenho da forma, não é propriamente o tipo de material.
O branco é muito fácil e é muito rico na maneira como ilustra uma forma, mas é,
sobretudo, por isso, o muro na face exterior com o branco cria-te zonas de sombra e
186

zonas iluminadas com contraste muito melhor que qualquer outro material de
qualquer outra cor.

Figura 136 – Universidade de Arquitetura. Tournai, Bélgica. Aires Mateus e Associados


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Gabriel: No projeto do Centro de investigação de Furnas, vocês usaram a


pedra que era da região. Naquele caso, vocês optaram por um material natural, mas
esse material envolve todos os dois edifícios.

Jorge: Sim. É uma pedra de origem vulcânica, por acaso não sei dizer de que
ilha que ela veio, mas o princípio era esse, era de haver uma relação com o Sol e
com a topografia, e se fossem vários materiais tu entras num diálogo entre... Não
sei, muros, paredes... E isso não nos interessa tanto. Mas não quer dizer que nós
não reconheçamos projetos que têm como princípio o uso de materiais diferentes,
porque reconhecemos que têm outros tipos de arquitetura que recorrem a esse
léxico e que funcionam, não é. Nosso caminho não é esse, não é um desprezo em si
por essa maneira de pensar, refletir e desenhar, mas não é o que nós procuramos.
187

Figura 137 – Centro de investigação de Furnas. S. Miguel, Açores, Portugal. Aires Mateus e
Associados
Fonte: Aires Mateus, 2016.

Gabriel: No Brasil, ainda temos uma ligação muito forte com a arquitetura
moderna. Nós somos um país jovem e a arquitetura moderna foi um período de
grande êxito em nosso país. Tivemos grandes arquitetos nesse período. E isso
reflete na maneira com que pensamos o espaço. A relação interior/exterior, é
praticamente transparente, muitas vezes, você entende o interior do lado externo ou
simplesmente, ao adentrar a obra, com um simples olhar você vê todo o espaço
praticamente. E isso na obra de vocês é o inverso. Os espaços que vocês criam são
mais labirínticos, por quê?

Jorge: Nós podemos falar das diferenças, nós também achamos que existem
especificidades muito grande em relação ao sítio onde se desenha. Eu, há pouco,
estava a falar da luz, da luz e da riqueza que a luz tem, mas nós também admiramos
muito essa fase mais rica da arquitetura brasileira, apesar de sabermos, que aquilo
que admiramos também é um pouco daquilo que nós não conseguimos viver. A
arquitetura brasileira é muito brasileira no sentido da relação com as condições do
clima que existe em seu país. Nós cá, por mais que queiramos estabelecer o mesmo
gênero de relações entre o interior e o exterior, a partir do momento em que temos
de ter dos vidros duplos aos vidros triplos, em que aquilo tem mais reflexo do que
transparência, a obra fica pesadíssima! E é um equívoco, passa a ser um equívoco.
188

Isso não tem mal nenhum, mas é até um equívoco nós cá tentarmos desenhar como
se desenha no Brasil, como seria para vocês desenhar como se desenha em
Portugal. E tem a ver com essas condições. Os livros do Paulo Mendes da Rocha
estão abertos por aí, do Niemeyer naturalmente também, mas isso é quase que as
vezes como uma espécie de desejo mais do que propriamente uma capacidade de
concretização. Mas é engraçado, porque nós gostamos da maneira como o interior
se relaciona com o exterior enquanto pele no sentido de transparência, mas não
desenhamos exatamente dessa maneira em que nada tem limites. O limite como ele
precisa de existir para nós é importante e saber como desenhá-lo. Eu não sei se os
espaços são labirínticos ou não, mas são complexos na maneira de organizar, sim,
sem dúvida. Mas eu acho que isso tem a ver com as condições que nós temos de
clima. Se nós desenhássemos no Brasil, iríamos querer desenhar assim. Como se
desenha no Brasil.

Gabriel: A hibridação de formas, de uma forma arquetípica com um desenho


contemporâneo. Temos alguns arquitetos que exploram esse tema. O Valério
Olgiatti44 e o atelier Pezo Von Ellrichshausen45, segundo minha leitura, trabalham
com a hibridação entre organização espacial clássica com contemporânea, sejam
elas com as formas de domos, arcos, mas também trabalham com disposições
internas em enfilades, por exemplo, que são organizações da arquitetura clássica.
Tem uma casa de vocês que não foi construída em Alvalade. Vocês fizeram os
muros grossos e aí disseram que aqueles muros grossos não se justificavam mais
na época que nós estamos. Aí, vocês transformaram aquilo em dois muros,
ocupando aquele espaço com corredores de circulação. Mais uma vez, Louis Kahn
dizia sobre o muro habitado. Você poderia me explicar um pouco mais sobre aquela
casa?

44
Valerio Olgiati (1958-) estudou arquitetura até 1986 na ETH Zürich. Em 1996, abriu seu escritório
em Zurich e, em 2008, em Flims.
45
Pezo Von Ellrichshausen é um estúdio de arte e arquitetura estabelecido em Concepcion, no sul do
Chile em 2002 por Mauricio Pezo e Sofia von Ellrichshausen. Mauricio Pezo completou seu Mestrado
em Arquitetura na Universidade Católica do Chile (Santiago, 1998) e é licenciado em Arquitetura pela
Universidad do Bio-Bio (Concepcion, 1999), e Sofia von Ellrichshausen é licenciada em Arquitectura
pela Universidade de Buenos Aires (Buenos Aires, 2002).
189

Figura 138 – Casa a Alvalade, Alentejo, Portugal, 1999. Aires Mateus e Associados
Fonte: Aires Mateus, 2015.

Jorge: Essa casa podia verdadeiramente ser vivida de duas maneiras. As


portas eram todas duplas de maneira que elas pudessem fechar o espaço ou que
pudessem fechar o corredor. E aí passavas de espaço para espaço. Quando se
fechavam as portas, os espaços ficavam isolados e aí era o corredor que ficava
fluido. Era uma espécie de jogo. É um projeto já feito há muitos e muitos anos e
nasceu duma conversa fortuita entre como é que seria desenhar uma casa para um
anão e para um gigante, e pensou-se que eles podiam habitar a mesma casa sem
nunca se verem. Isso era uma piada, quer dizer, estávamos a falar... E essa ideia de
que a parede dum dava para o outro viver foi o que acabou por gerar noutros passos
essa ideia da casa que era “então por que não se faz duas casas dentro da mesma
casa?” E, então, há os corredores que são uma entidade, há outros espaços que
são outras entidades e depois há essa chave de interpretação que pode mudar.
Uma vez é o gigante, outra vez é o anão, como se quiser. Mas a maneira de
compreender o espaço e desenhar o espaço, eu acho que essa casa também fala
outra vez um poucadinho da mesma coisa. Mas eu acho que aqui há uma diferença
grande entre o mundo novo... Esta tendência entre nós pensarmos o que é o novo
mundo e o que que é o velho mundo. E na Europa existe para o bem ou para o mal,
mas existe uma cultura de continuidade em que tu podes dizer que há uma
otimização, mas existe quase que uma carga qualquer com relação à moral. Na
Europa, existe quase uma dependência do patrimônio que faz com que as coisas
190

vão sendo alteradas ou afinadas de geração em geração, que faz com que
intrinsicamente as coisas sejam diferentes do mundo novo. E no mundo novo, posso
por, sei lá, a América toda, América do Norte, América do Sul, em que aí a grande
força é exatamente o que não existe na Europa, que é o “desrespeito” pelo que já
existia. Isso não é mau, são só condições diferentes. Mas quando a pessoa chega a
Nova York e compra um livro sobre todos os edifícios que já foram demolidos aí, a
pessoa fica a pensar “Ah! Como é que é possível? Eram edifícios magníficos que
existiam aqui e que foram demolidos, porque era preciso construir um centro
comercial”, e ninguém pestaneja. Não há qualquer pudor de o fazer. Isso também é
uma força e eu acho que é aquilo que fez com que a arquitetura do Brasil também
tivesse a força que tem, porque era sempre legítimo pôr tudo em causa e tudo podia
começar do início. E isso dá uma riqueza e uma liberdade que na Europa, por
ventura, não se consegue viver. Porque nós estamos sempre a trabalhar sobre
aquilo que já existia, e isto só se liga noutro sentido em que, por exemplo, numa
igreja, se tu pensares em numa igreja, uma igreja é mais ou menos por dentro aquilo
que tu vês por fora. Tu já tens... A forma que tu vês do lado de fora é mais ou menos
aquela que está no interior, é um espaço vazio.
E tu também sentes isso no Panteão em Roma. Vais a Roma, vais ao
Panteão e tens aquele volume todo vazio, também é uma coisa que de alguma
maneira tu sentes do lado de fora. E eu acho que nós, se calhar, continuamos esse
legado. E andamos preocupados com o interior e com o exterior, com a dualidade
entre as duas coisas e, sei lá, pensar agora também na catedral de Florença que tu
tens as duas cúpulas. As duas cúpulas são mesmo duas cúpulas, não é? Elas não
têm nada a ver uma com a outra, mas depois uma só cabe dentro da outra. Isso é
uma matéria que nós trabalhamos, mas eu acho que é uma especificidade da
arquitetura do mundo antigo, não é?
Do mundo velho que, da qual, às vezes, nós não conseguimos fugir e
custava-nos. Enquanto que o mundo novo, é pá! Mandava abaixo a catedral de
Florença se fosse preciso construir um parque de estacionamento. E isso não é mal.
E essa é a grande força da arquitetura no mundo novo. É o que também acaba por
proporcionar e por oferecer raciocínio e cultura ao mundo velho, que ele não teria se
continuasse a só viver nos seus vícios.
191

Figura 139 – Cúpula da Catedral de Florença, 1419, Itália, o projeto de Filippo Brunelleschi foi o
vencedor do concurso para a construção da cúpula
Fonte:http://ngm.nationalgeographic.com/2014/02/il-duomo/mueller-text. 2018.

Gabriel: Eu, particularmente, acho muito mais interessante as intervenções


que vocês europeus fazem com a cidade antiga, respeitando muito precisa o
entorno... Têm alguns projetos do Gonçalo Byrne46 que eu visitei e a impressão era
de que aqueles prédios sempre estiveram naqueles locais, de modo geral as
arquiteturas de vocês também buscam se encaixar nesse existente.

Jorge: Sim, mas essa submissão ao contexto é uma coisa que vai estar. É
uma cosia que tem a ver com o tal mundo velho, é certo, mas é que o que é mais
engraçado, nós também temos um grande afeto pela cidade mais densa. Mas o que
é mais divertido nisso é pensar que a cidade medieval, ela é o produto dos muitos
compromissos entre pessoas. Aquilo não era desenhado com planejamento.
Portanto, o teu limite para fazer a tua casa era um limite em que tu sabias até onde
tu podias ir sem que o teu vizinho te viesse agredir. E tu tens... E a cidade era muito
mais surpreendente por isso, não é, porque no fundo essa cidade medieval tu vês
n’alguma parte de Lisboa, tu vês em Barcelona, vês em Roma, o espaço público
continua a ser uma vitrine de todos esses processos que são humanos, que são
46
Gonçalo Nuno Pinheiro de Sousa Byrne (1941 -) é um arquiteto português. Gonçalo Byrne
diplomou-se em Arquitetura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em 1968. Autor de uma
vasta obra, várias vezes premiada em nível nacional e internacional.
192

humanos por convivência, que são de compromisso, não saem só de uma cabeça,
saem de muitas condições diferentes. Nós também achamos... E depois é uma coisa
que eu ia falar, é claro que as cidades medievais foram construídas em ordem à
escala da pessoa, e não em ordem à escala do trânsito ou do carro. Mas, pronto,
mais uma vez, as cidades têm umas vantagens de capacidade de renovação, de
expansão, que uma cidade com casco histórico não tem tanto, não é. Uma cidade
como Nova York evoluiu muito mais nos últimos cem anos do que qualquer cidade
europeia nos últimos trezentos. E tem essa capacidade de adaptação que o mundo
antigo não tem. Mas a grande vantagem é o desenho em ordem à pessoa, e não o
desenho à máquina. Mas as duas coisas são valores urbanos muito diferentes, mas
igualmente legítimos.

Gabriel: O projeto para o centro mulçumano em Bordéus é bem diferente das


obras anteriores, sua forma é mais orgânica, inicialmente não relacionei a obra a
vocês, essa exploração formal é por conta de usos de novas tecnologias dos
computadores, vocês estão explorando novos softwares?

Jorge: Não, chegamos naquela forma com maquete escava com lixa. As
nossas ferramentas para pensar o espaço são exatamente as mesmas de 20 anos
atrás. Mas aquele edifício, em particular, saía d’um programa de funções muito
específico e que nós achávamos que não podia ou não devia ter nada a ver com
aquilo que nós conhecêssemos como espaços cotidianos. Quer dizer, nasce mais
dessa missão de fugir de tudo aquilo que nós conhecemos, divisão de parede, porta,
de procurar uma relação com uma atmosfera irrepetível, do que outra coisa. Mas,
quer dizer, é uma coisa que sai da intuição ideológica, se tu quiseres, mas não
necessariamente de nós “agora queremos fazer coisas curvas”, não tem a ver nada
com isso. Os instrumentos são exatamente os mesmos que nós usávamos há 20
anos para projetar.
193

Figura 140 – Centro Mulçumano de Bordéus, 2016. Aires Mateus e Associados


Fonte: Aires Mateus, 2017.

Gabriel: Vocês estão construindo há muito tempo uma casa muito


interessante, a casa em Monsaraz. Você poderia me contar um pouco da história
dessa casa?

Jorge: Esta casa tem uma história curiosa. Nós tínhamos feito um projeto para
uns pequenos produtores imobiliários em Moura. Essa é uma cidade onde está o
maior lago da Europa ou foi o maior lago por muito tempo, fica no interior do
Alentejo. Essa área era muito, muito seca, e havia um rio que passava e foi
interrompido por uma barragem enorme. Muita, muita água junta serve os campos
da agricultura e tudo o mais. E aqui junto ao Alqueva47 existe uma coisa, uma terra
que se chama Moura – esta é Mourão, mas é aqui mais para cima – em que umas
pequenas coisas, uns pequenos investidores locais pediram-nos para fazer um
edifício que tinha nove casas e algumas lojas.
E nós fizemos, eles gostaram, eles ficaram bastante entusiasmados com a
arquitetura, com o projeto e tudo mais, e começaram a procurar outras maneiras de
investir ali e encontraram um terreno que era esse terreno junto à água. Eles
próprios que eram locais não sabiam desse terreno, ninguém sabia da existência
dele, isso foi há muitos, muitos anos – se calhar, há uns dez, 12 anos – eles
compraram o terreno. Compraram o terreno para fazer uma casa com a intenção de,
depois, venderem e estavam bastantes entusiasmados com aquela possibilidade, e

47
A construção dessa barragem permitiu a criação do maior reservatório artificial de água da Europa,
também chamado de Grande Lago ou Lago de Alqueva.
194

tudo o mais. Nós começamos a pensar nisso, começamos a visualizar isso, fizemos
o projeto até praticamente o licenciamento e eles ficaram apaixonados pela casa,
ficaram completamente entusiasmados e mesmo não sendo pra eles – porque a
intenção deles era fazer uma casa para depois venderem e se ter por investimento,
ficaram muito rendidos à ideia da casa e à maneira como ela se relacionava com a
água, era uma espécie de supressão de um pátio. Porque aí o que nós pensamos
foi: “Nós acreditamos num pátio enquanto relação de ligação com o exterior, mas é
um crime fazer um pátio com uma paisagem perfeita à frente”. Não se vai esconder.
Então, em vez de se fazer um pátio, como de costume, decidimos fazer um pátio
assim, tanto que o alpendre... Aquele alpendre é um espaço em si protegido. Pois é,
é um espaço com vinte e tantos metros quadrados, mas aquilo não é uma
continuação da casa, aquilo é o princípio de fundação que relaciona o interior com o
exterior naquela casa.
Quer dizer, aquela semi-cúpula ou aquela zona de alpendre que gera toda a
casa para trás. Aquilo, apesar de não ser fechado, é uma zona de relação com o
exterior, é o que legitima todo o resto que está atrás. Esse pátio é formado pelo
encontro de duas elipses que formam um buraco no teto. Essa ideia das elipses veio
duma outra referência que nós temos, que é intrigante.
Na Vila Adriana, em Roma, há uma cúpula que tem um buraco e foi mais ou
menos daí que ela veio, e foi na altura que se pensou “O que que aconteceu ali? O
que ela está fazendo ali em cima? O que que aconteceu para esse buraco estar aí?
Como é que aquilo existe?” E, na prática, há um buraco em cima, e isso é que
gerou... isso foi que fez com que se percebesse que a interseção entre duas cúpulas
pode dar a relação com o Sol, e é um sol que mexe pra todo lado. Naquele pátio,
faltava uma outra coisa, se me permite, falta uma outra cúpula aqui, que nós temos a
cúpula, que é da parte de cima do terreno, temos a cúpula, que é esta, como se
pode dizer que faz isto, que é da zona da proteção, e, depois, nós dizemos que o
terreno vem até aqui, que ele faz isto até aqui, mas falta uma terceira cúpula, que
esteve desenhada e que vai ser eventualmente construída, que é a cúpula da água,
que está aqui e ainda vai ser construída, isto daqui uma piscina, quer dizer, um lago,
uma coisa assim, porque é isto que faz com que o Sol que anda aqui e que se
espalha reflita depois o brilho todo da água e o cintilar da luz nesta cúpula toda que
recebe a luz do Sol e que tem depois tanto de luz direta como luz refletida pela
água.
195

E, depois, todos os outros compartimentos estão aqui e relacionam-se não só


com esta água, mas com o Sol, com esta topografia que depois, mais ao longe, que
tem água também. E vale a pena ir lá neste momento, porque aquilo está, assim, a
meio no caminho de estar concluída, pois esta sociedade de investidores faliu. Foi
na altura da crise em Portugal por volta de 2005... 2006, começaram a haver os
primeiros sintomas e sentiam-se muito mais no interior. E eles estavam tão
apaixonados pela casa, tão apaixonados, que nos vieram fazer uma proposta, que
nós também não conseguimos recusar, porque nós também gostávamos da casa.
Eles vieram cá e disseram-nos: “Nós gostávamos que esta casa fosse construída,
não temos capacidade, a sociedade vai se afastar, porque os sócios tinham opiniões
diferentes em relação às coisas, mas nós precisamos vender isto, precisamos
vender o terreno. Se for para vocês, para o ateliê, nós vendemos isto exatamente ao
mesmo preço que compramos há dez anos atrás”. E era um valor irrisório e o ateliê
comprou esse terreno, e essa casa neste momento é do ateliê. Foi o ateliê que, por
entusiasmo também com um projeto nosso, foi fazendo a casa... Essa casa está há
dez anos em obra. Ela só é feita quando há alguma reserva de dinheiro... De lucro
do próprio ateliê, e nós vamos fazendo, e faz mais um poucadinho, depois falamos
com mais uma empreiteira e fazem-se as paredes interiores, fica parado, depois faz
mais um poucadinho, fechou o isolamento térmico.
Essa fase que está aqui no Google é a fase só do tosco. Portanto, é a fase do
betão, só estava aqui o betão. Ainda nesse não está o isolamento térmico nem o
isolamento da estanqueidade. É o que te digo, pode ir lá àquela casa à vontade,
porque os donos somos nós... Podes entrar à vontade, tirar as fotografias que tu
quiseres, não há restrição rigorosamente nenhuma, mas é um caso muito, muito
peculiar do ateliê e que nós queremos acabá-la, estamos há meses sem lá ir,
estamos há duas horas de distância, de vez em quando vamos lá, e vai a malta do
ateliê, os estagiários, nós também, e vamos lá, temos lá nossa conversa e depois
vamos embora.
Mas há de se concluir e a intenção também é que ela, pelo menos num
primeiro tempo, sirva para as pessoas do ateliê terem gozo em irem lá, se quisermos
fazer umas festas, fazer umas férias... E depois, provavelmente, será ou vendida ou
então rentabilizada de alguma maneira com um aluguel, alguma coisa assim, porque
ela não é propriamente próxima de Lisboa, mas há muita gente que pode vir a ter
interesse em explorá-la, alugar por semana, o que for. Mas, enfim, é uma obra que
196

se fez com umas condições muito, muito peculiares de entusiasmo pela arquitetura.
Que consolou nos antigos clientes que não queriam de maneira nenhuma.... Eles
sabiam que se vendessem este terreno com esta capacidade de construção que o
vendiam num instantinho e o vendiam por mais dinheiro. Eles conseguiriam ter feito
um lucro enorme, porque o terreno era extraordinário, mas não ia ser construída a
mesma coisa. E por isso é que eles nos disseram: “Nós queremos que vocês
construam a casa”. E nós dissemos: “Bora! Está bem! Bora! Vamos lá!” Vais gostar
desta casa e nós estamos ansiosos por ver como é que isso vai avançar. Acho que
sim... Esta casa é uma casa muito, muito extraordinária, sem dúvida!

Figura 141 – Casa em Monsaraz. Croqui feito por Jorge P. Silva na entrevista com o autor da
dissertação
Fonte: Jorge P. Silva, 2017.
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