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Guiões de leitura Novo Plural 8 – Propostas de solução

Uma fotografia na rua (Manual – pág. 117)


Agustín Fernández Paz
Guião de leitura do conto integral
EXCERTO 1 – Ver manual – pág. 117

ORALIDADE
EXCERTO 2

1. V. 2. F: Nenhuma das empregadas tinha a certeza de ter visto Diana. 3. V. 4. F: Ángel ofereceu
alguma resistência ao pedido, apresentando dificuldades como confidencialidade ou atualização das
listas. Sobre os motivos do amigo, nada questionou. Limitou-se a ouvir as explicações que ele lhe
deu. 5. V. 6. F: Segundo Daniel era um nome pouco vulgar em Espanha.
EXCERTO 3

1. V. 2. F: Ángel apenas lhe dera as moradas. 3. V. 4. F: Daniel decidiu fazer-se passar por
funcionário de uma empresa de sondagens. 5. V. 6. V. 7. F: Daniel acabou as buscas casa a casa sem
qualquer pista. 8. V.
EXCERTO 4

1. a.; 2. b.; 3. a.; 4. c.

LEITURA DO TEXTO
1.1 a. Diana, a das fotografias encontradas por Daniel.
b. Quando estava prestes a entrar para o comboio, atirou a última fotografia para o chão. Com isso
cumprira o ritual.
1.2 O ritual consistia em deixar ao abandono oito fotografias em diferentes lugares das cidades que
visitava. Obrigatoriamente, deixava uma à chegada e a última à partida. As restantes ficavam
espalhadas pelos locais em que se sentira particularmente feliz.

2.1 Ganhara muito dinheiro na lotaria, deixara o emprego e passava a maior parte do seu tempo a
viajar, como sempre desejara.
2.2 Era possível conhecer a alma secreta das cidades visitando-as sozinha, durante uma a duas
semanas. Durante o tempo que lá permanecia, ia a festas e concertos, ouvia e falava com as
pessoas, caminhava por lugares conhecidos ou não. Nunca se ficava nos circuitos turísticos. Não
estava aí a alma da cidade.
2.3 Poderia fazê-lo, mas era pouco provável que sentisse essa necessidade. As fotografias largadas
ao acaso davam-lhe a possibilidade de imaginar que alguém estaria naquele momento a pensar na
Diana da fotografia ou estaria a fantasiar uma vida para aquela Diana que só conhecia de uma
fotografia.

Novo Plural 8
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3.1 b., c., e.

4. Daniel era um emotivo, carente de amor. Isto explica a reação que teve perante uma fotografia
caída no chão e apenas com um nome que a identificasse. O seu comportamento emocional,
sobretudo quando encontra outras fotografias da mesma pessoa, passa a ser obsessivo. Diana, a
rapariga da fotografia, passa a ser a mulher da sua vida, aquela que o destino pôs no seu caminho
para que vivessem uma relação feliz. Daí a sua persistência em encontrá-la, os seus momentos de
depressão, a sua enorme desilusão pela busca infrutífera.
Diana é uma solitária, que alia o gosto da aventura a uma grande imaginação. Preenche a sua vida
procurando conhecer o espírito das cidades por onde viaja como se de um ser humano se tratasse.
Por isso este ritual de abandonar oito fotografias ao acaso. É um pouco da sua memória que fica na
cidade. Mas a sua fantasia vai mais longe. Gostava de imaginar vidas para as pessoas que via
ocasionalmente. Deixar as suas fotografias ao acaso pela cidade dava-lhe a ilusão de que alguém,
em qualquer sítio, em qualquer momento, poderia estar a fazer o mesmo. A sonhar uma vida para a
Diana da fotografia. Tudo isto está de acordo com uma imaginação delirante e uma vontade imensa
de fugir à rotina.

Novo Plural 8
Guiões de leitura – Propostas de solução
Natal (Manual – pág. 136)
Miguel Torga
Nota prévia: Este guião de leitura, bem como os de A inaudita guerra da Avenida Gago Coutinho,
Saga, O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá e O mundo em que vivi, pressupõe a leitura prévia da
respetiva obra, na íntegra.

1. Tinha de ir para longe porque na sua terra ninguém lhe dava nada. Por um lado, os seus
conterrâneos também viveriam com dificuldades e portanto pouco teriam para dar. Por outro lado,
o velho Garrinchas não precisava, ocasionalmente, de uma esmola. Precisava de auxílio diário,
precisava de qualquer coisa que lhe permitisse comer todos os dias. E isso em Lourosa não lhe
davam, porque não estavam dispostos a sustentar mais uma boca ou simplesmente não tinham
como o fazer.

2. Não ficou em Loivos porque era véspera de Natal e ele queria passar a consoada na sua terra.
Embora não tivesse família, tinha o forno do povo, onde outros mendigos como ele iriam dormir. As
telhas, o borralho de estevas e giestas, o perfume de pão fresco, tudo lhe era familiar, era da sua
terra e por isso era aí que queria passar a consoada.

3. Sem forças para continuar a percorrer os caminhos da serra, sem forças para enfrentar a neve e o
frio, que cada vez eram mais intensos, quando chegou ao adro da ermida decidiu que era mesmo ali
que ia ficar.

4. Garrinchas, sozinho, na noite de consoada, sentiu-se próximo da santa. Também ela, com o seu
menino nos braços, estava sozinha no altar e parecia sorrir-lhe, parecia satisfeita, tal como o
menino, por ele estar ali. Então o velho Garrinchas resolveu meio a sério, meio a brincar, recriar a
verdadeira consoada – a estátua representava, como sempre, a Virgem Maria e o Menino Jesus, ele
fazia de S. José.

5.1 e 5.2 O 1.º momento corresponde ao primeiro parágrafo. (Título possível: Profissão – pedinte)
O 2.º momento corresponde ao terceiro e quarto parágrafos. (Refúgio abençoado)
O 3.º momento começa em «E caía algodão em rama!» e termina em «que mais faltava?». (A
solução)
O 4.º momento é constituído pelos últimos parágrafos, a partir de «Enxuto e quente». (A verdadeira
consoada)
Nota: Os títulos (entre parênteses) são apenas sugestões.

6.1 Os emissores são as pessoas a quem Garrinchas pedia («Tenha paciência, Deus o favoreça, hoje
não pode ser») e o próprio Garrinchas («beba um desgraçado água dos ribeiros e coma pedras!»).
6.2 O facto de as suas palavras estarem separadas por um travessão.

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7. Para ele, ser um bom cristão era praticar boas ações. Não eram as rezas ou ladainhas que abriam
as portas do paraíso, mas os atos cometidos.

8.1 O forno do povo, em Lourosa, a sua aldeia.


8.2 Sim. Ambas as frases associam o espaço à miséria. A primeira através de «manjedoira», que nos
leva a associar as pessoas a animais. A segunda através da palavra «fome», que era comum a quem
ali buscava refúgio. E era tudo com que podiam contar naquele espaço – abrigo, calor, companhia e
fome.
8.3 Porque é o local que mais se aproxima de um lar, da casa de família. Ao menos era na sua terra,
entre as suas gentes e com cheiros que lhe eram familiares.

9. Evitar aborrecer-se com o que quer que fosse. Aceitar, sem grandes emoções – de alegria ou de
revolta –, o que a vida lhe dava.

10.1 De registo popular, encontramos a expressão «fez ouvidos de mercador». Há uma notação
poética em «chuva de pétalas».
10.2 Apressou mais o passo, procurou esquecer a fadiga, e foi rompendo por entre a neve que caía.
10.3 «A coisa fia mais fino! Mas, enfim... Segue-se que só dando ao canelo por muito largo
conseguia viver.» (ll. 16 a 18); «Derreadinho!» (l. 21); «Lá morrer de frio, isso vírgula! Ia escavacar o
arcanho. Olarila!» (ll. 73 e 74). (Nota: São apenas alguns exemplos.)
10.4 Sim. Garrinchas é um homem do povo, sem instrução, e portanto o seu discurso será
predominantemente de uso popular. As transcrições apresentadas em 10.3, por exemplo, traduzem
fielmente o pensamento do emissor.

11. Está plenamente de acordo. Ele tinha um espírito prático, encarava a vida sem dramatismos.
Estava cheio de frio, precisava de fazer uma lareira ou não resistiria às temperaturas da noite.
Estava ali madeira suficiente para se aquecer e passar uma consoada tranquila, mas a madeira era
do andor da igreja. Tinha de optar: ou roubava um objeto da igreja ou morria de frio. Perante isso a
sua decisão foi rápida. Andor, fariam outro quando fosse preciso, vida é que só havia uma e queria
conservá-la.

12. Garrinchas é um mendigo de setenta e cinco anos. A sua vida é uma peregrinação entre a sua
terra, Lourosa, e as povoações próximas, em busca de sustento. Vive da caridade alheia e para
conseguir sobreviver percorre quilómetros pelos caminhos difíceis da serra.
Poderá dizer-se que é um homem inteligente e sensato, com base na forma como encara a vida.
Habituado a enfrentar dificuldades, encara-as com a tranquilidade do inevitável e procura encontrar
a forma possível de sobreviver – na sua terra não lhe dão esmola, vai em busca de outros lugares
onde lha deem; não tem madeira para se aquecer, faz uma lareira com o andor da igreja, consciente
de que não é a solução ideal, mas a necessária.
Aliás, o seu conceito de religião é igualmente revelador da sua inteligência e simultaneamente da
sua pureza. Tem consciência de que ser um bom cristão não depende de rezas (ou andores) mas de
ações. E a sua relação com o divino, neste caso representado pela imagem de Nossa Senhora com o

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Menino ao colo, é de amizade. Não culpa Deus pela dureza da sua vida, não faz súplicas ou
promessas. Da religião reconhece apenas o lado mais desinteressado e puro. Gosta da Santa e do
seu Menino e trata-os como amigos, consciente, contudo, da sua pequenez humana: «eu, embora
indigno, faço de S. José.»
Garrinchas, além de inteligente, tem a simplicidade dos puros.

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A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho (Manual – pág. 136)
Mário de Carvalho

1.1 Clio, a musa da História, enfadada com a sua tarefa de tecer, adormeceu, mas os dedos
continuaram a entrelaçar os fios. Dois fios enlaçaram-se, e fez-se um nó que misturou duas datas
históricas.
1.2 Como Clio tinha a incumbência de fazer a tapeçaria da história dos humanos, ao enlaçar,
involuntariamente, os dois fios, misturou duas épocas – século XII e século XX.
1.3 Súbito encontro entre dois grupos opositores: começa em «Os automobilistas» (l. 12) e termina
em «… por hordas de nazarenos odiosos» (l. 22).
Consequência imediata desse encontro: começa em «Viu-se de repente…» (l. 23) e termina em «e
bradado que Alá era grande» (l. 30).
Estratégia da tropa de Ibn-el-Muftar: começa em «De que Alá era grande…» (l. 31) e termina em
«… partida de jinns encabriolados?» (l. 41).
Reação da polícia: começa em «Enquanto o árabe refletia» (l. 42) e termina em «… com grande
alarde de sereias e pisca-piscas multicolores» (l. 67).
Reações dos grupos, frente a frente, no terreno: começa em «Entretanto, Ibn-el-Muftar via pela
frente…» (l. 68) e termina em «… a canalha a desafiar a polícia» (ll. 101-102).
Atuação da Polícia de Intervenção: começa em «– Toca a varrer…» (l. 103) e termina em «placa
central da praça do Areeiro» (l. 129).
Atuação da tropa Ralis: começa em «Por essa altura…» (l. 130) e termina em «… engarrafamento
com camiões TIR» (l. 136).
Atuação da Companhia de Intendentes: começa em «Mais sorte teve o capitão…» (l. 137) e
termina em «… aproximaram-se da mourama» (ll. 153-154).
Predisposição para conversações: começa em «Nessa ocasião, Ibn-el-Muftar e o seu estado-
maior…» (l. 155) e termina em «– Aleikum salam» (l. 170).
Desaparecimento súbito do grupo invasor: começa em «De maneira que…» (l. 174) e termina em
«… a coçar a cabeça, abismados» (l. 176).
Ibn-el-Muftar desiste da invasão da cidade de Lisboa: começa em «Ibn-el-Muftar, por seu lado…»
(l. 177) e termina em «… e desistiu da cidade» (l. 188).
Esquecimento do episódio: começa em «A musa Clio não teve poderes…» (l. 189) e termina em «…
se enfaixasse num camião TIR.» (l. 199).
Consequências desta «inaudita guerra»: três últimos parágrafos.
1.4
 Essa interferência dá-se quando Clio acorda e repara que havia trocado os fios da tapeçaria.
 As tropas árabes desapareceram, os homens que se encontravam na avenida Gago Coutinho
ficaram incrédulos.
1.5 As consequências recaem sobre homens e deuses porque os árabes acharam que aqueles
acontecimentos todos eram um mau agoiro e desistiram de atacar a cidade de Lisboa. Preferiram
conquistar as terras de Chantarim, da margem do Tejo. Para as autoridades de Lisboa, as
consequências foram mais gravosas porque tiveram bastante dificuldade em explicar aos seus
superiores porque haviam colocado tantos seguranças na avenida; e alguns foram mesmo alvo de
processo marcial. Quanto à deusa Clio, ficou proibida de tomar ambrósia durante quatrocentos
anos.

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1.6 A imagem ilustra o essencial da ação do conto pois mostra alguém, que parece adormecida, a
tecer uma tapeçaria. Ao longo desses fios vê-se por um lado as tropas árabes e, por outro, um carro
de polícia de uma época recente.

2.1 Esta realidade manifesta-se desde logo pela quantidade de homens que entraram na Avenida
Gago Coutinho, mais de dez mil combatentes, quase todos montados a cavalo. Na perspetiva do PSP
Manuel Reis Tobias, era «uma multidão de indivíduos do sexo masculino, a maior parte dos quais
portadores de armas brancas e objetos contundentes, cortantes e perfurantes, com bandeiras e
trajes de carnaval». Muitos destes homens eram archeiros pois, a determinada altura, lançaram as
suas setas contra o grupo de tropas.
Sabe-se que o chefe Ibn-el-Muftar era um homem de barbicha afilada que vestia um manto e «a
cota de malha», tinha um barbante e trazia na mão um pendão verde e um alfange.
Por último, a referência à crença em Alá – o próprio adjunto de Ibn-el-Muftar diante de tal confusão
queria apear-se do cavalo para orar a Alá.
2.2 Quem comandava as tropas mouras era Ibn-el-Muftar, cujo objetivo era cercar e invadir a
cidade de Lisboa.
2.3.1 1.ª O chefe mouro, quando chegou à avenida e avistou toda aquela confusão diante do seu
adjunto que queria orar a Alá, mandou-o ficar quieto assim como toda a tropa que estava atrás de
si. 2.ª Assim que viu todos os automobilistas saírem dos seus veículos, decidiu formar esquadrões
para que pudessem atuar a qualquer momento. 3.ª Após um camionista ter atirado um «calhau» e
acertado num dos seus homens, resolveu dar uma ordem e vinte archeiros atiraram uma «saraivada
de setas». 4.ª Quando vislumbrou a Polícia de Intervenção a «varrer» tudo à bastonada e a
aproximar-se, decidiu dar ordem aos seus homens para atacar. 5.º Por último, diante de um grupo
restrito de homens que se aproximavam, decidiu que poderiam conversar.
2.3.2 As decisões foram adequadas e sensatas, uma vez que diante de uma situação tão insólita, o
chefe mouro teve o discernimento de aguardar e só ameaçar atacar quando se sentia atacado.
2.4 Diante daquele pandemónio que ultrapassava a compreensão humana de um mouro do século
XII, o chefe acreditou que alguém tivesse feito mal a Alá. Seria aquilo o «inferno corânico», uma
«uma feitiçaria cristã» ou seria «uma partida de jinns encabriolados»?

3.1 Os invadidos são todos os transeuntes e automobilistas do século XX que se encontravam na


avenida Gago Coutinho.
3.2 Os invadidos acham que tudo aquilo é um cenário montado para uma campanha publicitária ou
para a cena de um filme.
3.3 Sim. Nunca ninguém pensaria que pudessem estar ali presentes tropas mouras do século XII,
portanto os automobilistas limitaram-se a fazer o que muitos fazem nas estradas quando não se
consegue andar – saem dos carros, apitam, gritam e os mais bem-humorados brincam com a
situação.

4.1 O invasor não investiu logo contra o inimigo porque ficou perplexo com tamanha confusão de
carros, que não conhecia, de prédios onde esperava encontrar campos. Aliás, os homens e os seus
cavalos assustaram-se com o ruído ensurdecedor que se ouvia na avenida.

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4.2 O grupo invasor ficou tão estupefacto com o que presenciou que não soube como reagir.
Aqueles não eram os homens nem as muralhas de Lixbuna que eles conheciam bem. Aqueles não
eram os inimigos que vinham preparados para abater.

5.1 Quem tomou a primeira iniciativa necessária e adequada foi o agente da PSP Manuel Reis
Tobias, que transmitiu ao posto de comando o que estava a acontecer na avenida Gago Coutinho.
● Não foi um ato heroico porque o agente estava atrás de umas colunas de um prédio, meio
escondido, e estava tão amedrontado que a sua mensagem para o posto de comando não foi muito
clara.
5.2.1 O comissário Nunes achou que se tratava de uma manifestação da «canalha» que desafiava,
uma vez mais, a polícia.
5.2.2 O comissário resolveu colocar os pelotões da Polícia da Intervenção a bater à bastonada em
todas as pessoas que encontravam.
5.2.3 O chefe mouro achou que aquele grupo era a guarda de Ibn-Arrik, senhor de Lixbuna, e
mandou as suas tropas lançarem-se contra eles.
5.2.4 Diante das tropas mouras, os pelotões da Polícia da Intervenção desataram a fugir.
5.3 O corpo de Ralis não chegou a intervir porque os seus blindados não conseguiram passar no
imenso caos de trânsito.
5.4 O capitão já vinha com indicações para avaliar a situação, mas agir sempre com moderação.
Depressa percebeu que à sua frente estavam tropas mouras, afastou os civis e seguiu com sete
homens armados. O chefe mouro percebeu que se tratava de militares mas não os achou
particularmente perigosos e, por isso, estava disposto a «parlamentar». Começou o diálogo entre os
invasores e os invadidos, pois o capitão Soares havia aprendido alguma daquela linguagem com os
muçulmanos, quando havia estado na guerra na Guiné.
5.5 O maior responsável pelos feridos existentes foi o comissário Nunes, que resolveu mandar a
Polícia de Intervenção atuar à bastonada o que, além de dois agentes feridos, provocou muitas
cabeças partidas.

6. Esta guerra é inaudita porque nunca se ouviu falar de uma guerra entre pessoas de séculos
diferentes.
6.1 Esta «inaudita guerra» desenrolou-se a 29 de setembro de 1984.

7. À intenção lúdica poderá acrescentar-se a intenção crítica da «guerra do trânsito», por exemplo.
(Será curioso ouvir as sugestões dos alunos.)

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«Saga» (Manual – pág. 129)
Sophia de Mello Breyner Andresen

PÁGINA DE DICIONÁRIO

1. Na primeira aceção, saga designa bruxa, feiticeira ou ainda alguém que advinha ou profetisa
factos futuros. Na segunda aceção refere o nome de uma antiga vestimenta militar.

2. É a aceção 3, porque o conto «Saga» baseia-se numa narrativa entre histórica e lendária da
literatura escandinava.

OS ESPAÇOS DE ELEIÇÃO

1. As setas indicam – : grupo de ilhas da Dinamarca (Mar do Norte) entre as quais se situa a ilha
de Vig; : Portugal, o país que acolheu Hans.

Pormenor das mais de 400 ilhas


2. Mar do Norte, rochedos
da Dinamarca, das quais 76 são
escuros, promontório, floresta
habitadas
no interior da ilha, vila costeira,
ruelas, cais, praia, casas com
portas de entrada baixas.
2.1 Vig era uma ilha do mar do Norte. Na zona costeira destacavam-se os rochedos escuros e
promontórios que permitiam uma visão privilegiada do mar. Mas era também na costa que havia
pequenas vilas com cais, com embarcações, com praias. A floresta cobria o interior da ilha onde o
barulho do mar só se ouvia em dias de tempestade. Aí as casas apresentavam um pormenor curioso
– as entradas eram baixas e as pessoas obrigadas a curvar-se ligeiramente para conseguir entrar.
Tradição que vinha de lutas antigas entre invasores e invadidos, mas que se mantivera ao longo do
tempo. Mar, rochedos, floresta devem fazer de Vig um espaço de encantamento.

3. [Penetraram (…) na] barra estreita de um rio esverdeado e turvo, flutuante de imagens entre as
margens cavadas. À esquerda, subindo a vertente, erguia-se o casario branco, amarelo e vermelho,
misturado com os escuros granitos.

Na luz vermelha do poente a cidade parecia carregada de memórias, insondavelmente antiga,


feérica e magnetizada, com todos os vidros das suas janelas cintilando. (…)

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Guiões de leitura – Propostas de solução
(Hans amou desde o primeiro momento) a respiração rouca da cidade, o colorido intenso e sombrio,
o arvoredo murmurante e espesso, o verde espelhado do rio. Na estrada que corria junto às
margens viam-se bois enfeitados e vermelhos, puxando carros de madeira que chiavam sob o peso
de pipas, pedra e areias. (pág. 64)
Através de grades de ferro pintadas de verde, espreitou o interior sussurrante de insondáveis jardins
onde sob enormes arvoredos se abriam trémulos junquilhos.
(…) Penetrou nas igrejas de azulejo e talha que não eram claras e frias como as igrejas do seu país,
mas doiradas e sombrias, numa penumbra trémula de velas. (pág. 66)
Amava o rio, o granito das casas e calçadas, as enormes tílias inchadas de brisas, as cameleiras de
folhas polidas que floriam desde Novembro até Maio. (págs. 73-74)
3.1 É a cidade do Porto.

SOREN

1. Soren era um homem alto, magro, com rosto austero onde brilhavam os olhos azuis porcelana.
As mãos, belas e sensíveis, foram marca de família de muitos dos seus descendentes.

2. «À casa e à família imprimia uma inominada lei de silêncio e reserva (…)»


2.1 Sim. Todos sabiam que eram livres de escolher, mas totalmente responsáveis e
responsabilizados pelas suas escolhas.

3. Não necessariamente. Estes valores poderiam contribuir para a prosperidade, paz ou felicidade.
Mas a integridade humana que ele impunha a si e aos seus, nada podia contra o destino.
(Nota: Estas opiniões são de Soren. O aluno poderá não estar de acordo, mas não é expectável que, nesta faixa etária,
consiga ter uma visão pessoal discordante.)

4. Soren, descendente de marinheiros, ele próprio um homem do mar, tivera, em tempos, várias
embarcações. Os seus irmãos mais novos tinham morrido num dos seus barcos. Ele, Soren, conhecia
a excelência do veleiro, que inspecionara com minúcia, sabia que os irmãos eram excelentes
marinheiros e tinha um capitão hábil e competente em quem confiava. Apesar de tudo isso, o
temporal apanhou a embarcação num momento imprevisto. O saber, a experiência foram vencidos
pelo mar. O destino foi mais forte do que todo o cuidado, todo o profissionalismo, todo o sentido de
responsabilidade.

5. Sugestões de perguntas:
Soren, há alguns anos a viver no interior de Vig, no seio da floresta de abetos, foi em tempos um
homem do mar, proprietário de várias embarcações. Respeitado, austero, reservado, poucos
habitantes da ilha o conhecem pessoalmente ou têm oportunidade de o ver. Nos minutos que nos
concedeu, enquanto visitantes da ilha, tentámos desvendar um pouco a mística que o envolve.
 Por que razão escolheu viver na floresta, no interior da ilha? (A resposta está implícita nas
questões 3 e 4.)

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 Sabemos que em tempos teve vários navios. O que o fez abandonar o seu pequeno império
marítimo? (A resposta está implícita na questão 4.)
 Como definiria a sua relação com o mar? Amor? Ódio? (Uma relação de amor tão forte que
me obrigou a afastar-me para bem longe dele e para sempre; ao mesmo tempo, uma
relação de ódio porque, apesar do respeito que sempre tive pelo mar, ele matou-me,
traiçoeiramente, dois jovens irmãos.)
 Sente-se de algum modo responsável pela morte prematura dos seus irmãos? (A resposta
poderá estar implícita na questão 4. No entanto, são de admitir vários pontos de vista.)
 Diz-se que no dia em que os seus irmãos naufragaram, chicoteou o mar. É verídico?
(Resposta muito variável.)

HANS EM VIG

6. O núcleo familiar de Hans é constituído pelos pais e uma irmã.

7. Em várias ocasiões como, por exemplo, quando se estava a formar a tempestade (início do conto)
e Hans procurou um ponto estratégico, o extremo de um promontório, onde deitado ao comprido
no chão para não ser empurrado pelo vento, assistiu, deslumbrado, ao espetáculo da Natureza em
fúria. Com muita frequência, Hans, que morava no interior da ilha, vinha à beira-mar e ao cimo do
promontório ouvir as vagas do mar. Mesmo em casa, no interior da floresta, procurava ouvir,
quando o vento soprava de sul, o rumor da arrebentação.

8. Sonhava navegar para longe, aportar a lugares exóticos e distantes, viver no mar momentos de
encantamento e pavor, como qualquer marinheiro, ser recebido triunfalmente na sua terra, quando
regressasse dessas aventuras marítimas cujas peripécias, contadas inúmeras vezes, ficariam para
sempre na memória de Vig.
8.1 A solidão dos grandes oceanos, a aproximação de costas diversas, as luzes, cores e cheiros de
diferentes espaços, os encantos e os perigos da vida no mar, a rotina da vida de marinheiro, o
regresso desejado a casa, a admiração de familiares e amigos que os esperavam, as histórias que os
que chegavam tinham para contar e encantar os ouvintes. A noção de pertença a uma memória
coletiva de muitas gerações.

9. A tempestade que Hans vira iniciar-se, deitado no promontório, e deslumbrado com o espetáculo
da Natureza, culminou numa tragédia para as gentes de Vig.
O Elseneur, que devia ter entrado na barra durante essa tarde tempestuosa, não o conseguira fazer
e durante a noite não aguentou a força da tempestade no mar. O Elseneur, o melhor navio de Vig,
naufragou contra os rochedos das falésias. Da tripulação ninguém se salvou. Eram homens jovens
ou velhos marinheiros, naturais de Vig, mortos quando estavam prestes a regressar à sua terra.

10. Soren, depois do jantar desse dia fatídico, teve uma conversa com Hans. Tinha-o inscrito na
universidade, em Copenhaga, e queria que o filho escolhesse um curso. Hans disse apenas que
queria ser marinheiro.

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O pai refutou essa hipótese e contou-lhe o sofrimento que vivera nessa tarde quando, ao
acompanhar um amigo que tinha dois filhos no Elseneur, assistira ao reconhecimento dos corpos
desfeitos dos dois jovens por um anel de prata que ambos usavam no terceiro dedo da mão direita.
O pai, arrasado pela dor, apenas dissera «Maldito seja o mar» e ele, Soren, não queria voltar a
sentir esta dor que o faria amaldiçoar a vida.
Proibiu, por isso, o filho de ser marinheiro e pediu-lhe que lhe prometesse que nunca o seria. Hans
respondeu baixo, mas com convicção, que não podia fazer essa promessa.
Em agosto, Hans alistou-se como grumete no cargueiro inglês Angus, que parara em Vig, vindo da
Noruega. Fugiu de Vig, em busca do seu sonho.

FUGAS DE HANS

11. Hans tem uma personalidade forte que não cede perante o que considera injusto e não teme as
consequências dos seus atos de homem livre. Tinha a noção de que magoara profundamente o pai,
mas não podia enganá-lo. Não podia prometer o que sabia que dificilmente iria cumprir. Por isso
fugira. Não por medo, mas para começar a viver o seu sonho, incompatível com a vontade do pai.
Agora fugia do Angus porque não podia admitir que o capitão o humilhasse e o castigasse sem um
motivo justo. Não sabia o que o esperava numa cidade desconhecida, mas sabia que não podia
deixar que condicionassem a sua liberdade.

12.1 Tópicos de escrita da carta:


 Pedido de perdão aos pais, sentido e sincero, por ter fugido de casa.
 As razões por que o fizera.
 As aventuras que vivera até àquele momento.
 O local em que se encontrava.
 A promessa de voltar a Vig como capitão de um grande veleiro.

HOYLE E HANS

13. Hoyle, um inglês que vivia há três décadas na cidade do Porto, encontrou o jovem Hans a
chorar, cansado e perdido na cidade onde desembarcara há dias. Estava encostado ao muro da
quinta de Hoyle que o recolheu em sua casa. O inglês era armador e negociante e apesar de viver há
muito no Porto, não se integrara na cidade. Falava mal português, só tinha amigos ingleses e
mantivera hábitos e costumes da sua terra. Como tinha muito trabalho e não tinha família, adotou
Hans como empregado e como filho. Deu-lhe oportunidade de estudar e de se familiarizar com tudo
o que dizia respeito a um barco e viagens marítimas. Preparou-o, com empenho, para o futuro que
Hans tanto desejava. Hoyle, por sua vez, via nos sonhos do rapaz de Vig os seus próprios sonhos de
juventude, que não concretizara. Era o herdeiro natural dos seus sonhos perdidos. Hans iria viver o
que Hoyle não pudera e agora já não podia. Aos 21 anos, Hans era capitão de um navio de Hoyle e
homem de confiança dos seus negócios.
Alguns anos depois Hoyle, quase cego e demasiado velho para trabalhar, pediu a Hans que deixasse
o mar e se encarregasse dos negócios, como seu sócio. Hans não podia recusar o pedido. Associado
ao inglês, fez os negócios prosperar e quando Hoyle morreu era já um homem rico e um negociante

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respeitado. Mais uma vez, Hans vê-se afastado dos seus sonhos. É um marinheiro em terra com
especial habilidade para os negócios. Mas não era essa a vitória que Hans sonhara.

HANS, CAPITÃO DE NAVIO

14.1
 Hans deslumbra-se com os espaços que vai percorrendo: grandes praias brancas com
coqueiros, promontórios e costas desertas, ruelas, a escuridão transparente das águas, o
brilho da Lua. Tanto se encanta com os búzios do Índico cujos sons ouve enquanto pensa em
Vig, como com as loiças, as sedas, os temperos exóticos. Hans vive uma parte do seu sonho e
aprecia tudo, com todos os seus sentidos despertos.
 Esperança de poder contar todas as experiências que está a viver aos seus pais. Esperança
de que sintam com ele o deslumbramento em que viveu, viagem após viagem.

HANS E A MUDANÇA

15. Quando, a pedido de Hoyle, deixou de ser navegador e passou a tratar dos negócios do inglês,
velho e quase cego. Escolheu esse momento porque finalmente cumprira o desejo do pai de não ser
marinheiro. Agora Soren já não tinha motivo para ter medo de perder o filho para o mar.
15.1 Hans só perdeu a esperança quando a mãe morreu e a carta que nessa altura escreveu ao pai
não obteve resposta. Era sempre a mãe que respondia. Morrera com ela o ténue fio de
comunicação com a família e a esperança de ser perdoado pelo pai.

16. Hans, agora, trabalhava sentado em frente à sua mesa de escritório ou verificava armazéns,
navios, equipagens, cargas e descargas. As viagens que passou a fazer tinham com objetivo alargar
contactos, estudar mercados. Em síntese: agora era um negociante e geria, com zelo, o seu negócio.
16.1
Pouco depois da morte de Hoyle – casa-se com Ana.
Maio – nasce o primeiro filho de Hans.
Seis dias depois – o pequeno adoeceu e foi batizado, de urgência, com o nome de Soren.
No dia seguinte – enterro do recém-nascido e lançamento ao mar do primeiro navio de Hans, o
Soren.
Novembro do ano seguinte – nascimento do segundo filho.
Alguns anos depois – nascem mais cinco filhos de Hans, os negócios prosperam, as viagens em
trabalho tornam-se frequentes.
Meses depois da morte da mãe – compra uma quinta que «do alto de uma pequena colina descia
até ao cais de saída da barra». (pág. 76)
Durante um longo período – obras de restauro, engrandecimento e embelezamento da casa.
Recheio proveniente de toda e qualquer parte do mundo. (págs. 76-78)
Muitos anos depois – Hans manda construir uma torre no fundo da quinta.
Daí em diante – passa muitas horas, à tarde, a trabalhar no quarto da torre.
Alguns anos depois – adoece gravemente, mas todos esperam que a sua força física lhe permita
recuperar.

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No sétimo dia da doença – piora consideravelmente. Sem forças para falar, murmura para a
mulher e filhos que quer que mandem construir, sobre a sua sepultura, um navio naufragado.
Nota: Neste debate será curioso observar os diferentes conceitos de sucesso e fracasso que os alunos revelem.

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O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá (Manual – Pág. 161)
Jorge Amado

I A HISTÓRIA DO LIVRO

Em 1948, o autor vivia em Paris com a mulher e o filho. No 1.º aniversário do pequeno João Jorge, o
pai resolveu escrever este livro para que ele o lesse quando soubesse fazê-lo. No meio de outros
«pertences» da criança, o livro desapareceu e só foi encontrado por João em 1976.
Carybé, mestre baiano amigo da família, leu-o e fez umas ilustrações adaptadas à história. Jorge
Amado, que nunca pensara publicar esta obra, ficou, como todos os que as viram, deslumbrado
com as ilustrações e tomou a decisão de publicar O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá para que
todos pudessem apreciar a obra artística de Carybé. Quanto ao texto da sua autoria, embora tivesse
sido escrito 30 anos atrás, não sofreu alterações. Foi escrito pelo prazer que lhe deu fazê-lo e assim
ficou.

II A DEDICATÓRIA

A Dedicatória da obra, quando foi escrita, dirigia-se apenas ao filho no seu primeiro aniversário.
Quando foi publicado em livro, em 1976, a dedicatória foi consideravelmente ampliada. Passou a
ser não apenas dirigida ao filho, mas também a um afilhado, aos vários netos, ainda pequenos, e à
avó Zélia, sua mulher. Dedica ainda a obra ilustrada por Carybé, a um desconhecido que lhe envia
regularmente álbuns de recortes que possam ser úteis ao seu ofício de romancista. Por último dirige
a sua dedicatória ao «amigo numeroso e anónimo» que simboliza todos os seus leitores do mundo
inteiro.

III ERA UMA VEZ…

Num tempo intemporal. Um tempo que só existe no mundo maravilhoso da fantasia.

IV MADRUGADA E PARÊNTESIS

1. A Manhã
1.1 Manhã vem chegando devagar; três quartos de hora de atraso, funcionária relapsa.
Se lhe acontecer arranjar marido rico , a Manhã não mais acordará antes das onze e olhe lá. Sonhos
de donzela casadoira, outra a realidade da vida, de uma funcionária subalterna, de rígidos horários.
Obrigada a acordar cedíssimo para apagar as estrelas que a Noite acende
Depois a Manhã esquenta o Sol, trabalho cansativo, tarefa para gigantes e não para tão delicada
rapariga. É necessário soprar as brasas consumidas ao passar da Noite, obter uma primeira,
vacilante chama, mantê-la viva até crescer em fogaréu. Sozinha, a Manhã levaria horas para
iluminar o Sol, mas quase sempre o Vento, soprador de fama, vem ajudá-la.
pela madrugada arribava ele em casa do Sol para cooperar com a Manhãzinha. Sopra que sopra
com a imensa bocarrona de ar. Apenas porém a brasa crescia em labareda, o Vento deixava por
conta da Manhã atiçar a chama com o abanador das brisas e começava a recordar aventuras, a

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contar de coisas vistas nas caminhadas sem destino: nevados topos de montanhas muito acima das
nuvens ou abismos tão profundos que jamais a Manhã conseguiria enxergar.
Fanática por uma boa história, a Manhã se atrasa ainda mais, atenta ao falatório do Vento, casos
ora engraçados, ora tristes, alguns longos, prolongando-se em capítulos de folhetim. Pouco dada ao
trabalho, a Manhã deixa-se ficar embevecida a escutar. Risonha, melancólica, debulhada em
lágrimas… quanto mais comovente, melhor a novela – causando irremediável transtorno aos
relógios. Certo relógio universalmente famoso, colocado na torre da universalmente famosa fábrica
dos universalmente famosos relógios (os mais pontuais do mundo), ele próprio campeão olímpico
da hora exata, suicidou-se, enforcando-se nos ponteiros, por não mais suportar a lentidão da
Manhã e o atraso geral da produção. Era um relógio suíço com exemplar senso de responsabilidade
e imenso patriotismo industrial.
Relógios e galos fizeram uma denúncia ao Tempo – senhor de todos eles, protesto em oito itens e
vinte e seis razões irrespondíveis, mas o Tempo é infinito, não ligou muito (…) Ademais, o Tempo
não escondia certa fraqueza pela Manhã. Risonha e inconsequente, jovem e aloucada, pouco afeita
a regras e códigos, ela o fazia esquecer por alguns momentos a suprema chateação da eternidade e
a bronquite crônica.
Dessa vez, porém, a vadia ultrapassou todos os limites da tolerância. O Vento tentara dividir o longo
enredo em dois ou três episódios mas ela exigira a narrativa detalhada e inteira, até o lance final. Já
o Sol abrasava quando se despediram.
Vestida de luz branca com salpicos de flores azuis e vermelhas, a Manhã atravessa por entre as
nuvens, distraída, pensativa, refletindo sobre o caso que o Vento viera de lhe contar. Sonhadora ao
recordar detalhes, ligeiramente melancólica. Um autor erudito falaria em confusão de sentimentos.
Gostaria de não ser a Manhã, a própria, com obrigações estritas, para estender-se nos campos da
madrugada a pensar nas intenções do Vento. Porque escolhera ele exatamente aquela história?
Haveria uma moral a retirar do relato? Ou o Vento o fizera apenas pelo gosto da narrativa,
gratuitamente? A Manhã suspeita de intenção oculta, razão secreta a se denunciar no olhar
entornado do parceiro, em inesperado suspiro na hora do desfecho.
Suspira o Vento por ela, como rumorejam as comadres? Pensa pedir sua mão em casamento? Casar
com o Vento não é má ideia, se bem a Manhã prefira um milionário. O Vento a ajudaria a apagar as
estrelas, a acender o Sol, a secar o orvalho e a abrir a flor denominada Onze Horas que a Manhã, só
de ranheta, para contrariar, abre todos os dias entre as nove e meia e as dez. Se casasse com o
Vento sairia com o marido mundo afora, sobrevoando o cimo altíssimo das montanhas, esquiando
nas neves eternas, correndo sobre o dorso verde do mar, saltando com as ondas, repousando nas
cavernas subterrâneas onde a escuridão se esconde durante o dia para descansar e dormir.
Livre e inconstante, solteirão profissional, pensaria o Vento realmente em se casar? Contavam-se às
dezenas as paixões, os casos, as aventuras, os escândalos em que ele se vira envolvido.
A Manhã balança a cabeça: o Vento não pensa em casar coisa nenhuma, são outras suas intenções,
nefandas intenções, como se dizia naquele tempo de atraso e cafonice.
Mesmo assim, vale a pena sonhar. Envolta em tais pensamentos vai a Manhã devaneando,
esquecida das horas. Os relógios, todos eles, parados à espera; os galos, sem exceção, roucos de
tanto cantar anunciando o Sol e cadê o Sol?
Tantas queixas recebidas, tão grande atraso, o Tempo sente-se obrigado a ralhar com a Manhã, se
bem, ao lhe chamar a atenção e ameaçar castigo, esconda um sorriso cúmplice no rosto solene de
barbas e rugas. A Manhã confessa a verdade, num gorjeio de pássaro: – Meu Pai, fiquei ouvindo o

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Vento contar uma história. Perdi a hora. – Uma história? – interessou-se o Tempo, sempre em
busca do que lhe fizesse menos pesada a eternidade, droga de eternidade! – Conta-me e, se for
realmente uma boa história, não só te desculparei como te darei uma rosa azul que medrou há
muitos séculos e hoje não se encontra mais.
Senta-se a Manhã aos pés do Mestre, agita as fraldas do vestido de claridade, começa a contar.
Íntimos, demasiadamente íntimos, o Vento e a Chuva, companheiros de vadiagem. Somente
companheiros? A Manhã franze a testa, de repente preocupada.
1.2 e 1.3 Eu sou a Manhã.
Sou uma jovem rapariga, risonha, simpática, atraente e ansiosa por me casar, de preferência com
um marido rico. Todos acham que tenho pouco juízo, que sou muito tonta. Dizem, até, que sou
preguiçosa e pouco cumpridora dos meus deveres. Esquecem-se que tenho uma profissão dura
para uma jovem tão delicada. Tenho de me levantar cedíssimo, por isso começo as minhas tarefas
cheia de sono e sempre atrasada.
Primeiro, com um beijo, apago as estrelas que a Noite acendeu. Às vezes esqueço-me de algumas
que têm de ficar todo o dia a brilhar para nada, pois ninguém as vê. Também são tantas… Mas o
pior é acender o Sol. Vale-me nesta tarefa o Vento, senão não sei se conseguiria. Dizem que o Vento
está apaixonado por mim. Não sei se está ou não. Sei que adoro ouvir as suas histórias que atrasam
ainda mais as minhas funções.
Quem mais se zanga com a minha falta de profissionalismo, ou melhor, com a minha falta de
pontualidade são os relógios e os galos. Já fizeram até uma queixa, por escrito, ao Tempo, mas
como ele me acha piada, não deu importância ao assunto.
Certo dia passei dos limites, reconheço. O Vento começou a contar uma história que me apaixonou.
Ele bem tentou dividi-la em episódios mas eu não deixei. Quando acabou, lá segui o meu caminho,
deambulando, completamente distraída e sem noção do tempo. Ia envolta nos meus sonhos de
menina. Parecia-me que a história contada pelo vento era um recado. Perguntava-me: será que ele
está mesmo apaixonado por mim? Será que a história e, sobretudo, a forma como a contou tinham
um significado que eu tinha de decifrar? Será que ele queria dizer-me que queria casar comigo? Não
era o marido ideal, mas sempre melhoraria bastante a minha vida. Mas o Vento era um solteirão
profissional. As minhas dúvidas não deviam passar de fantasias. A esta hora devia estar ele a
passear-se com a Chuva, de quem é muito íntimo, o que não me agrada nada. Enfim, com estes
devaneios esqueci-me das horas. Os relógios pararam e os galos ficaram roucos de tanto cantar.
Desta vez o Tempo teve mesmo de me chamar a atenção, mas quando lhe disse o motivo por que
me atrasara tanto, esqueceu-se das muitas queixas que tinha recebido e pediu-me que lhe contasse
a história que o Vento me contara a mim.

2. O Vento
2.1 Sozinha, a Manhã levaria horas para iluminar o Sol, mas quase sempre o Vento, soprador de
fama, vem ajudá-la. Porque o bobo faz questão de dizer que estava passando ali por acaso quando
todos sabem não existir tal casualidade e sim propósito deliberado? Quem não se dá conta da
secreta paixão do Vento pela Manhã? Secreta? Anda na boca do mundo.
A respeito do Vento circulam rumores, murmuram-se suspeitas, dizem-no velhaco e atrevido,
capadócio a quem é perigoso dar ousadia. Citam-se as brincadeiras habituais do irresponsável:
apagar lanternas, lamparinas, candeeiros, fifós para assombrar a Noite; despir as árvores dos belos

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vestidos de folhagens, deixando-as nuinhas. Pilhérias de evidente mau gosto; no entanto, por
incrível que pareça, a Noite suspira ao vê-lo e as árvores do bosque rebolam-se contentes à sua
passagem, umas desavergonhadas.
A caçoada predileta do Vento é meter-se por baixo da saia das mulheres, suspendendo-as com
malévola intenção exibicionista. Truque de seguríssimo efeito nos tempos de antanho, traduzindo-
se em risos, olhares oblíquos e cobiçosos, contidas exclamações de gula, ahs! e ohs! entusiásticos.
Antigamente, porque hoje o Vento não obtém o menor sucesso com tão gasta demonstração: exibir
o quê, se tudo anda à mostra
Um tanto quanto louco, decerto; não vamos esconder os defeitos do Vento. Mas porque não falar
também de inegáveis qualidades? Alegre, ágil, dançarino de fama, pé-de-valsa celebrado,
amigueiro, sempre disposto a ajudar os demais, sobretudo em se tratando de senhoras e donzelas.
Por mais cedo fosse, mais frio fizesse, estivesse onde estivesse, cruzando distantes e íngremes
caminhos, pela madrugada arribava ele em casa do Sol para cooperar com a Manhãzinha. Sopra que
sopra com a imensa bocarrona de ar. Apenas porém a brasa crescia em labareda, o Vento deixava
por conta da Manhã atiçar a chama com o abanadar das brisas e começava a recordar aventuras, a
contar de coisas vistas nas caminhadas sem destino: nevados topos de montanhas muito acima das
nuvens ou abismos tão profundos que jamais a Manhã conseguiria enxergar.
Bisbilhoteiro e audacioso, rei dos andarilhos, rompendo fronteiras, invadindo espaços, vasculhando
esconderijos, o Vento carrega um alforje de histórias para quem queira ouvir e aprender . Fanática
por uma boa história, a Manhã se atrasa ainda mais, atenta ao falatório do Vento, casos ora
engraçados, ora tristes, alguns longos, prolongando-se em capítulos de folhetim.
Livre e inconstante, solteirão profissional, pensaria o Vento realmente em se casar? Contavam-se às
dezenas as paixões, os casos, as aventuras, os escândalos em que ele se vira envolvido. Citam-se
raptos, perseguições, maridos em cólera, juras de vinganças.
2.2 Eu sou o Vento.
Gosto de brincadeiras como apagar lanternas, lamparinas, candeeiros, fifós para assombrar a Noite;
despir as árvores dos belos vestidos de folhagens, deixando-as nuinhas.
Não gosto que me chamem irresponsável por ser brincalhão.
Gosto de levantar as saias às mulheres, para lhes ver as pernas.
Não gosto da moda atual porque já não há saias para levantar. Já está tudo à mostra.
Gosto que pensem que tenho um fraquinho pela Manhã.
Não gosto que achem que vou casar (nem com ela, nem com ninguém).
Gosto de dançar, de me divertir, e de contagiar os outros com a minha alegria.
Gosto de ajudar os outros, sobretudo mulheres e raparigas.
Gosto de correr mundo dos sítios mais elevados aos mais profundos e recônditos.
Gosto de contar histórias e deliciar os outros com o que ouvem.
Não gosto de quem não gosta de histórias e aventuras.
Gosto de estar apaixonado.
Não gosto de escândalos e muito menos de boatos.
Gosto da liberdade.
2.3 A história que o Vento contou à Manhã e que tanto a fez refletir, sonhar e atrasar-se foi a de O
Gato Malhado e a Andorinha Sinhá. A Manhã contou-a ao Tempo para este lhe perdoar o atraso e

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lhe dar a rosa azul. O Sapo Cururu, escandalizado por o Vento, seu velho companheiro, não
aprender nada de útil, contou a história ao autor do livro para fundamentar a sua opinião.

V A AÇÃO

1. A estação da primavera; Continuação da estação da primavera; Capítulo inicial, atrasado e fora


do lugar; Fim da estação da primavera; A estação do verão, A estação do outono; Continuação da
estação do outono; A estação do inverno; A noite sem estrelas.
Não. Como o próprio narrador especifica, o que corresponde ao capítulo III devia estar no início.

2.1
Situação inicial
Começa a primavera e o Gato Malhado acorda, espreguiça-se e manifesta a sua satisfação
«sorrindo» e rebolando na relva antes de começar o seu passeio no parque. Todos os outros
animais fugiram, esconderam-se como puderam, com medo do Gato. Só ficou, no galho de uma
árvore, a Andorinha Sinhá. (Início da primavera)
Sucessão de acontecimentos
a. Conversa entre a Andorinha e o Gato que se ri, divertido, por ela lhe chamar feio e convencido.
(Continuação da estação da primavera)
b. Antes desta conversa, já a Andorinha vigiava de perto o Gato e tentava, em vão, conhecê-lo
melhor.
c. Depois da breve conversa no início da primavera, o Gato não consegue esquecer a Andorinha,
embora não o queira admitir. Acaba no entanto por ir, quase instintivamente, até ao local onde ela
vive. Por precaução a conversa continua na ameixeira. A partir daí passaram a encontrar-se
diariamente. (Fim da estação da primavera)
d. O Gato manifesta ciúmes do Rouxinol, professor da Andorinha e pela primeira vez fala-lhe de
amor e de como gostaria de poder casar com ela. Sinhá, num voo rasteiro, acaricia-o com uma asa.
(Estação do verão)
e. O comportamento do Gato, agora que estava apaixonado, mudou tanto que os habitantes do
parque deixaram de ter medo dele. (Estação do outono)
f. Continuaram os encontros entre o Gato e a Andorinha mas ambos falavam pouco, ambos
estavam tristes. A Andorinha anunciou ao Gato que se ia casar com o Rouxinol. Despediu-se dele
acariciando-o com uma asa, em voo rasante. (Continuação da estação do outono)
g. No dia do casamento a Andorinha deixou cair sobre o Gato Malhado uma pétala de rosa
vermelha do seu buquê que ele colocou sobre o peito. (Estação do inverno)
Final
Ao som da música que festejava o casamento da Andorinha, o Gato partiu para sempre do parque,
a caminho do local onde vivia a cobra cascavel. No início do seu percurso caiu uma lágrima sobre a
pétala vermelha. Era o adeus da Andorinha Sinhá.

3.1 É curto porque foi um tempo de felicidade para o Gato Malhado e para a Andorinha Sinhá. Os
tempos felizes duram pouco e não há muito para contar. Continuaram os passeios, conversaram,

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estavam cada vez mais íntimos. Pela primeira vez o Gato manifestou ciúmes e assumiu o seu amor
ao dizer que casaria com ela se não fosse gato e ela acariciou-o com uma asa.
3.2 Para não falar de coisas tristes como o regresso do Gato à sua antipatia de sempre, a solidão e
tristeza do Gato. Tristeza acentuada pela festa de casamento da Andorinha Sinhá com o Rouxinol.
3.3 As questões trabalhadas neste ponto V prepararam o reconto oral a ser apresentado oralmente.

4. Texto que deve ser coerente e bem estruturado, mas de conteúdo livre.

VI AS PERSONAGENS

1.1 As personagens secundárias


Pato Negro, apaixonado e sempre a fazer a corte à linda Pata Branca (os Sempre Juntos); Mamãe
Sabiá que se suicidou com um espinho no peito, quando percebeu que lhe tinham levado do ninho
o filhinho (a Desesperada); Reverendo Papagaio, um papagaio que andara no seminário, daí a
designação de «reverendo», era um moralista, embora ele próprio fosse um devasso que gostava
de seduzir todas as mulheres, levando mesmo algumas a atraiçoar os maridos. Disfarçava a safadeza
com a capa de religiosidade (o Hipócrita); Goiabeira, uma árvore que se vangloriava da preferência
que o Gato revelava por ela, pois vinha frequentemente roçar-se no seu caule nodoso. Para ficar
mais bonita fez uma operação plástica para ficar com o caule lisinho. A partir daí, o Gato nunca mais
a procurou porque já não havia nós para se coçar (a Pretensiosa); Velha Coruja, a única que
conversava com o Gato e o defendia. Pela sua idade e sabedoria era respeitada por todos e
conhecia-os bem, a todos os habitantes do parque (a Conselheira); Galinha Carijó, mãe galinha,
sempre acompanhada duma ninhada de pintainhos e com medo de que alguma coisa lhes
acontecesse (a Mãe Galinha); galo Don Juan de Rhode Island tinha um harém, mas a sua preferida
era a Carijó. Ao contrário do Papagaio, não escondia que tinha várias mulheres embora fosse muito
criticado por isso. Era devasso, mas não fingido (o Mulherengo); Pé de Mastruço, médico
prestigiado (o Doutor); Cobra Cascavel, terrivelmente má, ninguém a queria nos parques e por isso
vivia sozinha e em locais distantes (a Cruel); os pais da Andorinha Sinhá tentavam controlar o seu
espírito independente, geralmente sem sucesso. Só se impuseram, de facto, quando os rumores de
namoro ou casamento com o Gato começaram a espalhar-se. Obrigaram-na então a casar com o
Rouxinol (os Pais Atentos); Rouxinol, amigo da Andorinha e seu professor de canto (o Cantor); Vaca
Mocha sentira-se ofendidíssima quando, depois de se ter metido com ele, o Gato lhe respondeu
que ela devia ter vergonha de ser tão grande e andar sem soutien, de mamas à mostra. A vaca
chorou desalmadamente e nunca mais lhe perdoou tal insulto (a Dramática).
Nota: As alcunhas não passam de sugestões.

1.2 As personagens secundárias e o narrador


Vários elementos do parque reunidos com o narrador. O Reverendo Papagaio toma a palavra.
– Sr. Narrador. Estamos muito ofendidos consigo porque nos sentimos desrespeitados. Fala de nós
como se o Gato Malhado fosse uma vítima e nós os malvados. Sabe quantos pintainhos ele já terá
roubado às suas mães para os comer? Sabe que, quase de certeza, foi ele que comeu a pomba-rola
mais linda do pombal? Sabe que se supõe ter sido ele que tirou o pequeno Sabiá do seu ninho o que
levou a Mamãe Sabiá ao suicídio?
– Disse muito bem, meu amigo – respondeu o narrador. – Ele «terá roubado pintainhos», «ele
quase de certeza comeu a pomba-rola», «supõe-se que levou o pequeno Sabiá». Eu não o nego.

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Mas já reparou que todas as acusações que fez, e que até podem ser verdadeiras, são todas
suposições?
– E quando ele me insultou por eu andar de mamas à mostra? Também é suposição? – acrescentou
logo a Vaca Mocha.
– É verdade que ele tem mau feitio. Ora, pelo que sei a senhora meteu-se primeiro com ele. Para
quê? Depois ouviu o que não gostou. E mais, não foi só ele que a insultou. Os seus amigos deram-
lhe toda a razão por estar tão magoada, mas fartaram-se de rir à custa do comentário do Gato.
– Também acha normal ele andar a seduzir a nossa Andorinha Sinhá, tão jovem, tão pura? –
questionou o Galo Don Juan.
– Ela anda com o Gato porque ela quer. E apreciam muito a companhia um do outro. – interveio,
zangada, a Coruja. – E tu, Sr. Galo, querias mais uma para o teu harém?
– Eu só gosto de galinhas. Deve-me estar a confundir aqui com o Reverendo.
– E conheço-vos bem a todos. Sei que o nosso reverendo é um devasso, hipócrita, sem vergonha
nenhuma. Por isso ele está tão revoltado com o Sr. Narrador. Nunca ninguém tinha falado tanto das
suas fingidas virtudes.
Nota: Sugestão de trabalho que poderá ser alterada ou ampliada de acordo com as sugestões dos alunos.

1.3 A Andorinha Sinhá e o Gato Malhado


Nota: Os tópicos orientadores para a elaboração da carta encontram-se no próprio enunciado.

1.4 O Gato apaixonado


1.4.1 É uma crítica completamente destrutiva. Da linguagem à originalidade, tudo é contestado.
E, efetivamente, o Sapo Cururu tem razão. A estrutura não é a de um soneto, é aliás
completamente livre, sem rima, sem métrica regular. Ideias profundas não tem: trata-se de um
desabafo espontâneo de um apaixonado infeliz, à semelhança de tantos outros. Mas, segundo o
Sapo, o mais grave é que o início do poema é uma cópia (plágio) de uma conhecida canção popular.
Em termos racionais, o Sapo tem razão: o poema é muito pobre. Mas foi o que o Gato conseguiu
fazer para expressar esse profundo, secreto e impossível amor pela Andorinha. Foi, possivelmente,
a primeira tentativa poética do Gato, sem arte mas com sentimento.
1.4.2 A minha Andorinha é muito jovem, risonha, faladora, curiosa…
Como tem uma inocência e pureza únicas, não vê maldade em nada, nem em ninguém. Dá-se bem
com todos os habitantes do parque. Muitos estão, como o Rouxinol, apaixonados por ela. Mas a
Andorinha é amiga de todos, mantendo-se distante de amores que lhe tirem a sua liberdade de
brincar à vontade.
Foi essa simpatia, esse desejo de se dar bem com os outros que a fez aproximar-se de mim. E
também a curiosidade e o gosto pelo desafio. Ela sabia que eu era detestado e temido no parque e
por isso procurou aproximar-se de mim. Quis perceber se eu era assim tão mau como diziam, quis
desafiar-se a si própria, quis tentar conquistar a minha atenção ou até a minha amizade, se possível.
Eu nem tinha dado pela existência dela. Mas era primavera… Quem resiste a tanta beleza e
simpatia? Acabei por me apaixonar e ela, embora nunca mo tenha dito, não rejeitava os meus
sentimentos. Mas leis mais fortes do que a nossa vontade obrigaram-nos a separarmo-nos. Não é
ela, portanto, a culpada do meu infortúnio.
A sua alegria, o seu interesse por mim, as suas carícias, as prendas de despedida que me deixou
foram o melhor que a vida me deu.

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A Andorinha Sinhá é única e sem ela viver deixou de ter sentido.
Nota: Este texto, que não se afasta do que a própria obra transmite, é apenas uma sugestão.

VII A FÁBULA

A moral que está implícita nesta fábula, é a de que o mundo só será um espaço humano e justo, um
espaço onde todos possamos viver em harmonia, quando os preconceitos forem banidos.
Enquanto imperar o ódio por motivos religiosos, enquanto houver conflitos entre grupos étnicos,
enquanto as pessoas que se amam não se puderem unir por serem «diferentes» e a sociedade não
aceitar essas diferenças e hostilizar quem se atreva a ignorá-las, enquanto o preconceito for lei, o
«mundo» não pode ser um paraíso, mas pode ser, para muitos, um inferno.
Nota: Esta é apenas uma opinião. Será interessante ouvir as eventuais diferenças de pontos de vista dos alunos.

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O Mundo em que Vivi (Manual – pág. 132)
Ilse Losa

I A PRIMEIRA INFÂNCIA

1. A criança e o espaço
Em pequena, Rose vivia com os seus avós maternos numa casa de aldeia.
Embora admirasse muito o avô, não ficou satisfeita quando ele lhe indicou onde ficava Nova Iorque
e lhe disse que a povoação onde viviam não constava do mapa. Segundo ele, a diferença de
tamanho entre Nova Iorque e a sua aldeia era equivalente à de um elefante e uma mosca.
Mas Rose tinha outra opinião – afinal a aldeia tinha três ruas importantes e muitas vielas com casas.
Não era assim tão pequena!

Rose e os avós viviam numa casa cuja varanda, coberta de uma vinha, dava para a rua.
Dois vasos de flores pintados de roxo ladeavam a porta da entrada que abria para um corredor
afunilado. Não se esqueceu nunca do cheiro fúnebre desses vasos de folhas escuras, nem do
armário enorme, encostado à parede e de um castanho brilhante como um espelho. Só a avó podia
mexer no que estava dentro do armário cuja chave andava sempre consigo. Lençóis, toalhas,
toalhinhas, panos de cozinha. A brancura desse enxoval de linho caseiro de que a avó tanto se
orgulhava, nada dizia à pequena Rose. De tudo isso apenas recorda com agrado o cheiro a alfazema
que saía do armário. Provinha de saquinhos que a avó punha entre as roupas. Era o cheiro de
campos e relvados floridos.

As refeições eram feitas na sala de jantar e de estar onde havia um sofá já velho. Era nele que se
aninhava, ao colo do avô, para os mimos de que tanto gostava. Era o momento só deles. A sala de
estar era ainda o local de brincadeiras com o avô sempre que a avó não estava presente e de
raspanetes que ele ouvia se ela aparecia de repente e os via a brincar, por exemplo, às cavalitas.
No friso da janela desta sala, virado para a rua, havia uma roseira que dava apenas uma rosa todos
os anos, no verão. Uma rosa vermelha. Rose gostava de a observar e sonhar com outros frisos
iguais, noutras terras, nomeadamente em Nova Iorque. Era de lá que tinham vindo as sementes
desta planta, a que naturalmente chamaram a roseira americana.

A sala de visitas era um local solene onde a avó só lhe permitia entrar graças às intervenções do
avô. O veludo azul das cadeiras e sofás estava protegido por capas brancas, que retiravam toda a
beleza à mobília.
Rose queria que a avó tirasse as capas, mas ela respondeu-lhe que estava a proteger os móveis para
a família, nomeadamente para Rose. Quando ela morresse iriam ficar gratos de estar tudo tão bem
conservado. Resposta gélida como a própria morte. Resposta que a magoou e lhe ficou na memória,
tanto mais que a mobília azul de que tanto gostava nunca chegou a ser sua.
Era num destes cadeirões que Rose adorava aconchegar-se, com o sol a entrar, de manhã, pelas três
janelas da sala. Um a um, pegava nos pesados álbuns que se encontravam em cima da mesinha.
Eram os álbuns da família. Parava sempre na foto da mãe, mas não sentia propriamente a mágoa de
não viver com ela e com os irmãos. Estranheza, apenas. Estava com o avô, estava bem.

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Guiões de leitura – Propostas de solução
Atrás da nossa casa havia um terreno com espaços que me eram particularmente queridos.
Entre macieiras e pereiras, havia um poço em que vivia a ninfa Raquel. Eu conhecia bem a história
bíblica de Jacob e Raquel. Mas como a minha ninfa era, com certeza, tão bela como a outra, dei-lhe
o mesmo nome. A ninfa fugira há muito, muito tempo levada por um príncipe com quem se ia casar.
A bruxa que a mantinha presa descobriu e condenou-a a voltar para sempre para o fundo do poço.
Raquel vivia numa grande tristeza e eu, quando me debruçava no poço, ouvia o seu choro sem fim.
Ao lado do poço havia o lavadouro e, por detrás do lavadouro ficava o meu canto favorito – um
ribeiro sobre o qual pendiam os ramos tristes de um salgueiro. Refletidos nas águas do ribeiro eu
«via» os meus heróis.
As traseiras da minha casa eram o meu espaço de sonho e fantasia.

Nota: Os textos e divisões aqui apresentados, são apenas sugestões. Convém, contudo, que se dividam os espaços para
facilitar a tarefa proposta. O narrador poderá ser, ou não, a própria Rose.

2. A criança num tempo histórico


2.1 A pesquisa sobre o tempo histórico poderá e deverá ser elementar. Interessam sobretudo as
noções como:
• nações em conflito;
• duração da guerra;
• Dia do Armistício;
• vencedores e vencidos;
• o último Kaiser alemão.
2.2 Em 1914 eu tinha um ano, portanto não sabia que estava a viver um ano muito importante. Tão
importante que vinha no livro de História.
Não vem no livro de História, mas o meu avô contou-me que o tio Franz, também em 1914, foi
mobilizado para a guerra. Por isso eu só o conhecia de uma fotografia em que parecia um miúdo.
Quando eu já era um bocadinho mais crescida ele veio a casa de licença. Tinha uma farda cinzenta e
um capacete, mas mesmo assim parecia vir de uma guerra de índios e cowboys e não de uma
guerra a sério. Esperava que ele me falasse da guerra e respondesse às perguntas a que o avô não
sabia ou não queria responder. Foi uma desilusão este tio soldado. Não queria falar de «coisas
tristes» e além disso não se parecia nada com aqueles heróis que estavam a dar a vida pela pátria.
Mas afinal porque havia guerras? Por que morria tanta gente na guerra? Se os soldados não
queriam ir para a guerra, porque se matavam uns aos outros? Era preciso fazer guerras? Para quê?
O avô dava-me respostas breves e eu ainda ficava mais confusa. Mas notava que ele não gostava da
guerra mas evitava dizer, não sei porquê.
Eu gostava do nosso Kaiser porque a sua flor favorita era o miosótis. Achava que ele era bondoso e
meigo como o meu avô. Quem gosta de miosótis não pode estar ligado a guerras e carnificinas. O
meu avô sabia destas minhas fantasias, mas não dizia nada. Um dia lá na aldeia fez-se um cortejo
em honra do Kaiser e eu fiquei muito satisfeita por ter de ir toda de branco. Mas o cortejo foi
cansativo, só tinha valido a pena porque o Kaiser devia ter gostado. Quando perguntei isso ao meu
avô ele respondeu-me que o Kaiser nem sabia destes cortejos, não tinha tempo para coisas tão sem
importância. Não achei graça. Afinal o nosso cortejo tinha sido para quê? Um homem bom, como
eu via o Kaiser, achava as homenagens das crianças ninharias? Nem sabia delas? Não queria saber?

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Guiões de leitura – Propostas de solução
Um dia, tinha eu seis anos, disseram-nos que a guerra tinha acabado. Era para chorar? Era para rir?
Era bom, mas nós, alemães, tínhamos perdido, disse-me o avô.
O que é perder uma guerra? Perde-se aos jogos de brincadeira, mas pode perder-se uma guerra? E
o que ganham os vencedores?
Segundo o meu avô, os vencedores ganham muito em terras, dinheiro… Fiquei com pena do Kaiser
que ia ter de pagar tudo isso. Mas a pena transformou-se em fúria quando soube que ele fugira e
quem ia aguentar com as perdas da guerra era o povo alemão. Será possível? E eu que até me
vestira de branco para um cortejo de homenagem a este fugitivo e caminhara até me doerem os
pés!!!
O meu avô tem razão. Ele é um velhaco que abandona o seu povo. Vejo-o a galopar num cavalo
negro, de capa negra, através de florestas também negras.

3. A avó Ester
3.1 Tópicos – A carta de despedida de Josef poderá:
• lamentar a falta de compreensão da mãe;
• evidenciar que as imposições da mãe não podiam condicionar o futuro dos filhos;
• mostrar que não esperava que a mãe apoiasse os seus sonhos profissionais, mas esperava que ao
menos lhe tivesse dado a possibilidade de tentar;
• revelar a mágoa de ter de partir tão cedo e em litígio com a mãe.
A carta de Gertrud, além dos tópicos sugeridos para a carta de Josef poderá pôr em evidência:
• a falta de sensibilidade da mãe ao não querer perceber a importância que tinha para a filha ser
médica;
• o espírito inflexível da mãe, que não punha em dúvida de que só ela tinha razão.
Nota: A carta de Gertrud poderá (deverá) ser mais sentida e menos «dura» do que a de Josef, pois, pelo que sabemos,
ela continuou a manter um contacto, tão próximo quanto possível, com os pais (longas cartas semanais, cartucho de
sementes... (págs. 11 e 18)).

3.2 Relato de ocorrências:


Uma das situações frequentes era quando o avô, depois das refeições, se punha a brincar com a
neta. Se a avó visse o avô a fazer de cavalinho para a neta montar, repreendia-o com severidade
(Devias ter vergonha Markus! Desperdiças o tempo do Senhor. E ainda por cima amimalhas a
menina. Que há ser um dia da pobre criaturinha? – pág. 13)
Havia também raspanete quando o avô lhe comprava algum brinquedito, com pena de não lhe
poder dar aquilo que Rose realmente desejava. Era a mulher que controlava os gastos e, portanto,
mesmo o brinquedo mais insignificante tinha de ser escondido ou atribuído à generosidade do dono
da loja que o oferecera à menina. A avó não era fácil de convencer: Então é isso o que sabem: deitar
o dinheiro pela borda fora? Markus, tu não serás capaz de ganhar juízo, com a idade que tens? (pág.
15).
3.3 Criação de diálogo
O avô Markus ouve o choro de Rose e senta-se na cama ao lado dela.
– O que foi, minha querida? Não chores. Fala com o avô.

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Guiões de leitura – Propostas de solução
– Tu sabes o que foi, avô. A avó não me deixa fazer nada do que eu quero. Parece que faz de
propósito para me pôr triste. Se não podia ficar com os três vestidos que a minha mãe me mandou,
porque não podia ficar, ao menos, com aquele de que gostava mais?
– A tua avó não faz isso para te pôr triste. Ela acha que é assim que te deve educar – a ser poupada
e prática.
– Mas quem comprou os vestidos foi a minha mãe. A avó nem sabe qual é o mais caro. Escolheu o
azul porque se suja menos. Eu não posso escolher nem o que me dão? A avó manda em tudo.
– Minha pequenina. Estamos em guerra e a tua avó tem medo de ficar sem nada. Mas, eu sei, tu
não tens culpa. Não tens idade para passar por estas tristezas.
– E a Boneca – mais – Linda – do – Mundo, vou recebê-la alguma vez?
– Eu espero que sim, Rose. Mas não te quero prometer nada, só que vou pedir à tua avó que ta dê.
– Ela não te ouve. Zanga-se contigo por me dares um brinquedo, até se zanga contigo por brincares
comigo… A avó nunca foi pequenina, nunca gostou de brincar, nunca gostou de vestidos de cores
bonitas. A avó já nasceu assim.
– Não é verdade, Rose. A vida da tua avó tem sido dura, por isso ela quer preparar-te para as
dificuldades que possam surgir. Todos já fomos crianças, mas a vida às vezes tira-nos as alegrias que
já tivemos.
Desta vez o avô não me convenceu. Era impossível. A avó nunca fora criança.

4. Avô Markus
Segunda fotografia – Na sala de estar o avô gatinha pelo chão para a neta fingir que anda de
cavalinho.
Terceira fotografia – Na sala da mobília azul, o avô mostra as letras que dizem Álbum num livro
grande e a mostra à pequena Rose a fotografia da mãe - a bisavó Katarina.
Quarta fotografia – O avô mostra-lhe no atlas onde fica Nova Iorque e ri-se imenso porque Rose
quer ver no mapa a sua pequena aldeia alemã.
Quinta fotografia – Na secção de brinquedos da loja do sr. Meyer, Rosa olha deslumbrada para uma
boneca e o avô sorri-lhe com um olhar triste.
Sexta fotografia – O avô sentado na cama, ao lado de Rose. Olha para a menina com enorme
tristeza, enquanto ela chora convulsivamente.
Sétima fotografia – O avô com Rose às cavalitas na cozinha, onde estava o pequeno-almoço que ele
lhe tinha preparado. (Apesar da escassez de alimentos, para Rose havia sempre um ovo e açúcar
para pôr no café com leite.) A avó não está na fotografia.
Oitava fotografia – Na rua, de mão dada com a neta, o avô lê, num papel fixado numa tábua, o
último comunicado com notícias da guerra.
Nona fotografia – O avô abatido, com olhos vermelhos de choro, pega na pequena Rose e encosta a
sua cara à dela, depois de ter recebido a notícia da morte da filha Gertrud.
Décima fotografia – Ar confuso de Rose, toda vestida de branco, quando o avô conversa com ela
(sobre a importância do cortejo para o Kaiser).
Décima primeira fotografia – Um velho alquebrado, o avô Markus, de lágrimas a cair pelo rosto e
olhos tristes a cruzarem-se com os da neta que parte com o pai.

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5. Judaísmo
• O tio Frank dissera que ser judeu era uma desgraça porque já tivera oportunidade de sentir, de se
aperceber que muita gente não gostava dos judeus. Ser judeu era um estigma que os perseguia e
começava a ser perigoso.
• Pode, naturalmente, ter-se orgulho da sua religião, da sua etnia, das suas origens modestas e ao
mesmo tempo sentir que isso é uma desgraça.
Uma desgraça porque se movem perseguições por diferenças religiosas; porque as sociedades, ou a
maioria delas, dão um tratamento diferente a quem tem uma cor de pele diferente ou porque não
dão as mesmas oportunidades a quem pertence a uma família modesta.

II A SEGUNDA INFÂNCIA

1. A família
1.1 Árvore genealógica

1.2 Textos de apresentação

O meu pai era o filho do avô Markus e da avó Ester. Como filho mais velho coubera-lhe a ele manter
a tradição familiar do negócio de venda de cavalos.
Foi o pai que me veio buscar à aldeia onde vivia com os avós. No percurso para casa, eu, que mal
conhecia o meu pai, fui observando aspetos que me chamaram de imediato a atenção. Não era um
belo homem. Era atarracado, com cara larga, ossos salientes, nariz aquilino e pouco cabelo. Mas
ficava quase bonito quando sorria com ternura e os olhos azuis brilhavam. Pela forma como os
acarinhava, também cedo descobri que o pai gostava muito de cavalos. Mais difícil foi estabelecer
essa intimidade comigo. Conversou, fez-me perguntas, foi amável, mas notava-se que não se sentia
à vontade. Constrangimento normal. Afinal eu era sua filha, mas desconhecida.
Pude constatar mais tarde que Leo, meu pai, fazia tudo para me mostrar como gostava de mim.
Gostava de mim como gostava dos seus outros dois filhos, Rudi e Bruno. Abraçava-nos, feliz,
quando vinha das suas viagens, trazia-nos prendas caras, parecia querer comprar o amor dos filhos.
Não sabia falar connosco senão meio a brincar e nunca sobre assuntos sérios que nos podiam
interessar. Acho que o pai nos amava, mas não nos conhecia.

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Quando eu o acompanhava às visitas aos lavradores, tinha ocasião de perceber como estes
gostavam dele. Apesar do seu estatuto social e económico, muito superior ao dos lavradores, o pai
sentia-se um deles e convidava-os com frequência a tomarem um café em sua casa.
Achava que o pai era uma pessoa importante, mas vim a perceber rapidamente que ser vendedor
de cavalos não era um ofício muito conceituado. A mãe, aliás, fazia questão que se dissesse sempre
que o pai era comerciante.
Mãe e pai tinham muito pouco em comum. O pai vira-a, gostara dela e o avô Jacob, que vivia com
grandes dificuldades, forçou-a praticamente a casar. Tinham gostos e maneiras de pensar muito
diferentes. Lembro-me, por exemplo, que o pai delirava com a festa do tiro que se realizava todos
os anos. Bebia canecas de cerveja, cantava alto, dançava alegre e despreocupado com as raparigas
e mulheres que estavam na pista de dança. Pelo contrário, quando um dia, foi a um baile na cidade
com a minha mãe, que estava não só ansiosa como lindíssima no seu vestido de tafetá azul, ele,
com a sua casaca e luvas brancas, lançou-nos ao sair de casa um olhar desesperado.
Numa dessas festas do tiro em que o meu pai tanto se divertia, ao voltar à mesa para descansar da
dança, um homem que bem conhecíamos, dirigiu-se-lhe nestes termos: «Seu judeu porco.» O meu
pai, sempre tão pacífico, como o outro não retirou o que disse, enfiou-lhe uma caneca de cerveja
pela cabeça abaixo. Foi preciso agarrá-los para evitar o confronto físico. Ficámos todos
abaladíssimos.
Para mim, foi nesse dia que eu deixei de ser criança.
Dois anos depois o meu pai adoeceu gravemente. Tentaram tratá-lo com rádio, uma novidade na
altura. Nada resultou. Debilitado e cheio de dores ainda deu, de carro, uma volta pelos campos.
Despediu-se deles e dos lavradores.
Lembro-me bem quando desceu as escadas de casa pela última vez. Ia para o hospital, para ser
operado e todos descera com ele. Eu fiquei a ver no patamar, mas ele deu pela minha falta e
chamou-me. Abraçou-me, segurou a minha cabeça entre as mãos e beijou-me na testa. Foi o adeus.
Para sempre.

Selma, a minha mãe, era uma mulher muito bonita. Sabia cuidar da sua aparência e vestir-se
sempre de forma adequada às situações.
Apesar de ter a ajuda de duas criadas, estava sempre atarefada. Os sonhos de grandeza não lhe
tiravam a vontade de trabalhar.
No dia em que o pai me trouxe para casa, veio ter connosco ao portão de entrada e abraçou-me.
Pareceu-me que estava comovida, mas não tenho a certeza. Poucos dias depois de eu chegar, veio
ao meu quarto à noite e, julgando que eu dormia, esteve uns momentos a olhar para mim, sem
dizer ou fazer nada. Era assim a minha mãe – talvez tivesse muito amor para dar, mas não dizia nem
mostrava. Os seus sentimentos só ela os conhecia.
À noite, antes de eu adormecer, obrigava-me a uma breve reza que eu podia continuar, se quisesse
conversar com Deus, como ela me ensinou. Nunca mais ninguém me contou uma história.
A comparação com o avô Markus era inevitável. As carícias, a ternura, as brincadeiras, a atenção, os
ensinamentos do avô, tudo ficara lá na aldeia, no tempo em que Josef e Gertrud não tinham
morrido. Em cada situação eu revia o que o avô fora para mim desde sempre. Fora ele,
efetivamente, o que eu sentia que devia ser uma mãe.
Ela preocupava-se com os nossos estudos, com a nossa educação religiosa (o meu pai pouco se
interessava pela religião). Segundo ela, já que eu não era bonita, ao menos que fosse uma boa
estudante. Nunca percebeu como este rótulo de menina feia, filha de mãe bonita, me feria

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profundamente. Como também não terá percebido que eu fazia tudo para lhe agradar, para captar
o seu amor.
Não sei se se orgulhava de ser judia, mas nunca o escondia. Dizia-o até com altivez, quando era
provocada.
Mostrou grande coragem quando após a morte do meu pai teve de refazer a vida para sustentar a
família.
Era uma mulher com qualidades e defeitos, como todos nós, a minha mãe.
Mas nunca me contou histórias para adormecer, nunca me sentou ao colo para me dar mimos,
nunca brincou comigo, nunca me chamou «minha pequenina», «minha querida». Nunca foi para
mim «a mãe» que o avô Markus substituiu. E foi talvez por isso, por ela não ter conhecido o mundo
da minha primeira infância, «que a nossa amizade seria sempre como um colar a que faltam as
pérolas mais bonitas». (pág. 56)

Conheci o meu avô Jacob já depois do enterro do avô Markus. E as comparações surgiram de
imediato. Este avô era também um homem bonito, com uma perinha branca e lunetas de armação
douradas, mas era diferente do avô Markus. Ninguém era como o avô Markus.
O avô Jacob quis logo saber se eu e o Bruno estávamos a ter lições de religião e de hebraico.
Aborreceu-se com a filha por esta não seguir todas as normas próprias de uma boa judia,
nomeadamente no separar das loiças de que depois nos explicou, a mim e ao Bruno, a importância.
Levava-nos, enquanto esteve connosco, a dar grandes passeios e falava-nos das plantas, das flores,
de como se faz o pão… Ensinava-nos muitas coisas. Só não me contava histórias e talvez por isso
nunca me sentei ao colo dele a fazer-lhe um carinho. Não o sentia meu avô. Era o avô-Deus-de-
justiça.
Passámos a ter aulas de religião com o sr. Heim, de quem sempre gostei muito. Um dia explicou-nos
o significado do dia de Ano Novo para os judeus. «É o aniversário da criação do Mundo (…). Neste
dia Deus tem um livro na sua frente onde estão registados os nossos nomes e determina quem, no
ano a entrar, cá fica ou morre.» Passei a imaginar o Deus-Poderoso como alguém «alto, com
perinha e lunetas de armação dourada, sentado a uma mesa de tampo dourado e a examinar nome
por nome, página por página, o seu livro de registos». (pág. 79). Explique-me porquê, avô Jacob.

A avó Friederike era gordinha, tinha uma cara redonda e olhos amendoados que irradiavam
simpatia. Tinha um sorriso maternal e não havia discordância que ela não serenasse. Era bom estar
com ela e sentir o seu amor por nós.

Com os avós vivia uma das irmãs da minha mãe – a tia Adele. Magra, de lentes grossas e modos
bruscos, contrastava com as irmãs na beleza e graciosidade e com a mãe na doçura e simpatia. A
única vez que a achei suportável foi quando ficou a tomar conta da nossa casa quando o meu pai foi
para o hospital. Pelo menos por uns tempos, a nossa dor humanizou-a.

A minha tia Helga era a irmã mais nova da minha mãe. Parecia-se com ela, mas a tia era ainda mais
elegante. Talvez por ser mais nova. Casou-se com um senhor de Munique, membro de uma velha
família aristocrata. O casamento foi muito contestado pelos familiares. A família do noivo, Von
Reichenstein, não queria vê-lo casado com uma judia. O avô Jacob, por seu lado, queria para a filha
um marido judeu e a rebeldia da filha magoou-o. A minha mãe admirou a coragem da irmã e o meu
pai comentava que uma judia com um aristocrata não dava bom resultado.

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Quando o casal nos veio visitar, admirei-me com o entusiasmo do tio Reichenstein pela guerra.
Parecia desejar outra, esquecido da nossa derrota e da fuga do Kaiser. O meu pai chamava-lhe o
guerreiro Reichenstein.
A tia Helga e o marido dançavam a valsa pela sala fora, ensinavam-nos passos de dança e a tia
tocava piano. Era um casal feliz e apaixonado.
A tia perguntou-me se não queria dormir na cama dela e fiquei feliz por sentir a sua estima. Quando
eles se deitaram, fiz de conta que já dormia. A tia deitou-se então na cama do marido e só muito
depois veio para a minha. Estes segredos dos adultos constrangiam-me, mas quando a tia Helga
disse ao marido que desejava muito ter um filho, uma criaturinha adorável como eu, fiquei
desconcertada. Seria possível? Uma mulher linda achar-me «adorável»?! Não era a menina feiinha
que a minha mãe via? Gostei da tia Helga, mas nunca me senti verdadeiramente integrada naquele
seu mundo adulto.

O tio Franz casou-se com uma rapariga chamada Marie. Quando lhe perguntaram se era judia
respondeu que não. Não era judia, era uma joia.
Vieram visitar-nos numa primavera e ainda hoje associo Marie a todas as primaveras. Tinha um
corpo delicado, olhos castanhos sempre atentos e cabelo loiro. Parecia que procurava
propositadamente a minha companhia. Teria percebido que eu precisava que me ouvissem, que
alguém desse resposta às minhas dúvidas. Falei-lhe das aulas de religião e de hebraico com o sr.
Heim, mas também de como me sentia humilhada no liceu por ser judia. Falei-lhe dos sionistas, dos
que se convertiam ao catolicismo com medo de ser judeus e como eu repudiava essa ideia de
abandonar a religião do meu avô Markus, a religião de que ele tanto se orgulhava.
Também ela me falou da miséria em que tinha vivido, das perguntas a que ninguém lhe respondera,
das dúvidas que tivera. Mas hoje era uma mulher feliz. Não rezava, mas procurava ser sempre reta.
Gostava da Natureza, gostava de ajudar os outros a serem felizes. Foi ela que me explicou com
clareza e simplicidade a origem da vida, que associou ao milagre do amor. Quanto à minha
insegurança sobre a minha beleza, disse-me com toda a franqueza que me achava bonita. Não me
lembro se o seu rosto era tão bonito como eu o via e não tenho nenhuma fotografia que a recorde.
Mas a ela devo a libertação de quase todos os meus segredos. Só não teve tempo suficiente
connosco para me libertar da insegurança de ser judia.
Com Marie sentia-me feliz. Ela, como o avô Markus, sabia amar.
O meu tio, o irmão preferido do meu pai, parecia continuar o mesmo rapazinho que me
dececionara no tempo da guerra, por não querer falar dela. Falava com serenidade do futuro em
que a seu ver deixaria de haver descriminações. Marie apoiava as suas ideias.
O futuro não lhe deu o que esperavam. Franz foi preso, Marie morreu num campo de concentração.
Mas em mim viverá para sempre. Foi ela que me ensinou que a vida pode ser bela. Foi uma joia
preciosa na minha vida.

1.3 Página de diário


São inúmeras as referências que, ao longo deste guião, implicam a presença ou memória do avô
Markus. Todos os alunos deverão estar aptos a escrever esta página de diário sobre uma das
personagens centrais da obra. Este trabalho não pretende ser uma reconstituição de tudo quanto já
foi dito sobre a relação avô-neta. O objetivo é a escrita de um texto emotivo/expressivo, que parte
de dados já apreendidos.

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2. Os amigos
Anni Plannech era colega de escola de Rose. Usava duas tranças e era uma menina meiga, com
espírito maternal. Punha o braço nos ombros da amiga, enquanto passeavam no recreio da escola,
como que a protegê-la. A sua ternura em relação a Rose recordava a do avô Markus. Talvez por isso
ela se lhe tenha afeiçoado tanto.
Os pais de Anni não eram de famílias ricas. Tinham enriquecido com o negócio do pai. Eram, como
dizia altivamente uma colega delas, «novos-ricos». Isto queria dizer que não sabiam vestir-se com
distinção, tinham uma casa decorada com mau gosto, não falavam nem sabiam «estar» com a
correção própria dos importantes, enfim, não pertenciam à alta-roda.
Para Rose isto era indiferente. O pai de Anni era amigo do seu pai e cumprimentava-a, sempre que
a via, com ar brincalhão («Olá, faneca…», pág. 67). A mãe recebia muito bem, dava-lhe gulodices,
brincava com ela e com a filha e não as obrigava a serem sossegadinhas e bem comportadas.
Deixava-as ser simplesmente crianças.
A bondade natural de Anni e a sua preocupação com os outros manifestavam-se em pequenos
detalhes. Anni pertencia à maioria protestante. Certa manhã em que um grupo de colegas vinha da
escola, uma delas desafiou os outros a irem cuspir na igreja dos católicos por onde estavam a
passar. Ela tomou a iniciativa de o fazer e os outros seguiram-lhe o exemplo. Só Anni e Rose
fugiram. Anni comentou com pena que devia ser triste ser católico. Rose pensou que ser judeu
também não era nada fácil.
Anni foi a primeira amiga a quem Rose partilhou o segredo que não lhe dava paz: como nasciam as
crianças. Mas da conversa nada resultou, a não ser a revelação de que Anni tinha as mesmas
dúvidas e também nunca falara delas.
Foi em casa de Anni que falaram do assunto, depois de um lanche maravilhoso que a mãe lhes tinha
preparado. A neve, o aconchego fizeram Rose pensar que a vida era bela, se não fossem as
incertezas que a atormentavam. Anni teria decerto concordado.

Foi também na escola que Rose conheceu Frieda. Era mais velha do que Rose três anos. Estivera
muito doente e só agora tinha podido começar a ir à escola.
Tinha um rosto largo, testa muito baixa, olhos sempre semicerrados, dentes grandes e salientes.
Não conseguia andar sem muletas, nem participar nos mesmos jogos. Sentada na cadeira,
observava-os, ria com a mesma vontade e batia palmas enquanto dançavam. Frieda aproveitava
assim, sem revolta, com naturalidade, o pesado fardo que a vida lhe dera.
Frieda era boa aluna, mas não tanto como Rose. No final do ano letivo, o professor, sr. Brand, antes
de entregar as cadernetas, chamou Rose à parte e explicou-lhe que ia dar o primeiro lugar da turma
a Frieda, embora fosse Rose a merecê-lo. Mas Frieda era doente e a mais velha de todos e este
prémio ia ser uma alegria para quem não tinha muitas mais.
Rose não ficou satisfeita, sobretudo porque queria que a mãe se orgulhasse dela. Dias depois,
Frieda convidou Rose a ir a sua casa. Uma casa no campo, a lembrar a do avô Markus. Frieda queria,
de certa forma consolar a amiga por lhe ter tirado o prémio de melhor aluna e explicar-lhe que
sabia que o professor lho tinha atribuído por ser aleijada. Perante a sinceridade e grandeza de
Frieda, Rose sentiu vergonha da sua mesquinhez.
Sabia-se que Frieda tinha possibilidades de cura desde que fosse tratada em Hamburgo por um
especialista famoso. Mas o pai dela era operário de fábrica. Não viviam na miséria (como algumas
famílias que Rose conhecia por as ver mendigar) mas não tinham meios de pagar os tratamentos da

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filha. Todos tinham de aceitar a inevitabilidade da invalidez, fonte de sofrimento, mas não de
revolta.
Quando Rose passou a frequentar o liceu, numa cidade próxima, além de travar novas amizades,
passou a ter menos tempo para ir a casa de Frieda. Foi o pai que comentou, com desagrado, que no
liceu os jovens aprendiam a não «ligar aos pobres e aos doentes».
O comentário pareceu-lhe injusto. No entanto, tempos depois foi visitar Frieda e não pôde estar
com ela. Estava doente, não recebia visitas e não sobreviveu. Abalada, Rose sentiu não apenas o
absurdo daquela morte prematura, como a gélida sensação de que abandonara a amiga.
Nota: Outros amigos poderão ser selecionados: Kate, Hanna Berg, Herbert. Estas escolhas são apenas dois exemplos do
que se pretende com a atividade proposta – elaborar um texto em que partindo do geral para o particular, as
características essenciais da personagem sejam apresentadas e justificadas, sempre que possível, com atitudes e
comportamentos.

III ADOLESCÊNCIA

1. A família
Desde muito pequena, Rose se tinha apercebido de que o pai gostava dela e de que fazia o possível
para demonstrá-lo, mas tinha uma enorme dificuldade em manter com ela uma relação de grande
proximidade. Conversava com ela, levava-a, quando possível, às casas dos lavradores com quem
negociava, dava-lhe prendas, mas parecia haver sempre um bloqueio entre eles. O pai talvez
sentisse que não conhecia bem a própria filha e os primeiros anos de vida, em que ela viveu com os
avós, poderão ter sido determinantes.
No quarto do hospital, esse amor «envergonhado» de pai e filha foi dramaticamente sentido. O pai
estava a morrer. Como distraí-lo falando de banalidades? Foi o pai que tentou aproximar-se
falando-lhe, por exemplo, sobre o tratamento que estava a fazer. Mas ditas duas ou três frases, o
assunto morreu. Rose tentou acariciar-lhe a mão, pele e osso, a confirmar a doença ou pôr-lhe a
mão na testa a consolá-lo, mas não teve coragem. Nunca tivera com o pai essas intimidades e agora
sentia-se constrangida. A maior aproximação deu-se na última vez que viu o pai vivo. Ele abraçou-a
e beijou-lhe a testa.
O enterro foi na aldeia. Rose, que não via a avó na sala com a mãe e as amigas foi procurá-la. Estava
no lagozinho onde costumavam caminhar nos dias de calor. Não chorava, não tinha lágrimas que
abafassem aquela dor. Perdera o terceiro filho. Rose ficou a seu lado. Pela primeira vez
compreendeu a avó. Também não tinha lágrimas. «Só uma ferida comum sangrava, sangrava.»
A morte de Leo Frankfurter deixou a família numa situação económica complicada. Leo era um bom
negociante, mas não se preocupava em precaver o futuro. Além disso, o negócio de cavalos tinha
vindo a decrescer. A mãe sempre se fixara em tarefas domésticas e não viu outra hipótese de
sustento senão abrir uma pensão. O avô Jacob concordou, mas aconselhou-os a procurar uma
cidade maior onde havia mais possibilidades de o negócio crescer.
Graças ao empenho da mãe, o sustento dos filhos ficou garantido. Não havia mais lugar para sonhos
de grandeza, mas Selma sentia orgulho de ser uma mulher combativa, independente e capaz de
enfrentar os obstáculos.
Rose desistiu do seu sonho de tirar um curso. Resolveu arranjar emprego e conseguiu, graças a um
amigo, uma colocação em Berlim. Nunca mais reviu alguns amigos. Nunca mais reviu a avó Ester
que agora repousava ao lado do marido e do filho no cemitério da aldeia.

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2. O namorado
Conheci Paul Martem numa tarde de inverno, quando Waltraut, uma colega minha, mo apresentou.
Era seu namorado e não gostei de o ver sempre a olhar para mim, sem prestar sequer atenção ao
que a namorada dizia. Estávamos os três num café, no cimo de um monte e junto de uma janela de
onde tínhamos uma vista magnífica sobre a cidade. Foi para aí que desviei o olhar, fingindo não
perceber a fixação de Paul.
Enquanto subíamos o monte reparei que Paul era alto, tinha cabelo louro encaracolado e uma
expressão um tanto infantil.
No dia seguinte a este encontro, fiquei surpreendida por o ver à porta de minha casa. A partir daí
passou a vir buscar-me diariamente ou para ir para o liceu ou para dar um passeio. Perguntei-lhe
um dia porque tinha deixado Waltraut e, perante a sua resposta, insisti: «Porque gostas de mim?» A
resposta desarmou-me completamente: «Porque és tu.» Foram as palavras mais belas que me
podia ter dito. Senti-me especial, única.
Segundo dizia, Paul queria acima de tudo acabar o curso, ganhar dinheiro e casar comigo. Eu
partilhava dos seus sonhos, pois estava perdidamente apaixonada.
Mas o nosso relacionamento não era fácil. Paul era órfão e vivia com uma irmã muito mais velha
que era simpatizante do partido nazi. Nunca perdeu uma oportunidade, assim que me conheceu,
de me mostrar que os nossos mundos eram diferentes. Kurt, o melhor amigo de Paul e uns anos
mais velho do que ele, procurava combater a influência que a irmã exercia nele. Era evidente a
força das convicções e de caráter de Kurt, por oposição aos devaneios e limitações de Paul.
Paul traçava um futuro risonho para nós e parecia não perceber o que se passava à nossa volta.
Insultos, humilhações, perseguições aos judeus eram, na sua perspetiva, coisas passageiras. Em
breve tudo seria como já fora – os judeus voltariam a ser alemães de pleno direito.
Um dia convidou-me, em nome da irmã, para ir com a minha mãe a sua casa lanchar. Fomos, ela
não apareceu. Deixou um bilhete com uma desculpa que não convenceu sequer a minha mãe. Ela
teve pena de Paul e da sua atrapalhação e, como sempre, soube contornar a situação.
Quando decidi ir trabalhar para Berlim, ao despedir-me de Paul, ele deu-me um anel de prata.
Selava um compromisso – nada nem ninguém nos podia separar.
Prometeu visitar-me assiduamente em Berlim. Esperei, sobretudo nas férias de Natal, que isso
acontecesse. Não aconteceu. Enviei-lhe pelo correio o anel que selava o nosso compromisso. Ainda
assim, tive esperança que viesse.
Em vez dele veio Kurt. Disse-me que Paul se afastara dele. Tinha um grupo novo de amigos. Quando
me despedi de Kurt, tive pena de não conseguir corresponder ao seu amor. Como podia ainda amar
Paul?
Nota: Sugestão de reconto. As expressões a negrito pretendem realçar alguns aspetos que, inevitavelmente, têm de ser
abordados. O narrador não tem de ser a própria Rose.

3. Os amigos
São vários os amigos que os alunos podem escolher. As suas opções, que deverão justificar, são um
aspeto importante, pois evidenciam aquilo que valorizam num amigo.
Entre as escolhas possíveis destacamos: Hanna Berg (sionista); Herbert (amigo e pretendente);
Beloz Amadi (violinista húngaro); Sr. Wolf (que despertou o interesse de Rose, até aparecer Paul);
Kurt, o livreiro; Else; Hedwig Schneider.

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4. Antissemitismo
A insegurança dos judeus manifesta-se desde o início da obra mas vai-se acentuando com rapidez
crescente.
Numa viagem de comboio que Rose fizera com a mãe, um senhor solícito ajudou-a a pôr as malas
na rede. Contou-lhe depois que ia para as termas porque desistira de ir para a praia onde havia
muitos judeus e ele não os suportava. A minha mãe respondeu prontamente que era judia e o
senhor, atrapalhado, disse-lhe que tinha muitos amigos judeus e que felizmente nem todos os
judeus eram iguais. Nesse tempo, Rose tinha acabado de entrar no liceu e Hindemburgo ainda não
era presidente. Alguns alemães ainda se desculpavam perante um judeu ou por quererem ser
politicamente corretos ou por não terem ideias definidas sobre o antissemitismo.
Kate cortou relações com Rose porque esta arrancou duma parede do comboio a fotografia de
Hindemburgo. Na verdade, nenhuma percebia nada de ideologia política. Ambas agiram em
consonância com o que ouviam aos respetivos pais. O antissemitismo crescia através das novas
gerações.
Numa festa do tiro, de que o pai de Rose tanto gostava e onde habitualmente se destacava pelo seu
entusiasmo, alguém passou por ele, enquanto descansava, sentado, e disparou este insulto: «Seu
judeu porco.» O outro levou com uma caneca de cerveja em cima, mas a humilhação de um insulto
injustificado não mais largou a família. Começava a haver quem fizesse gala em mostrar o seu
antissemitismo e a querer passar das palavras aos atos.
Isso aconteceu, por exemplo, já depois da morte de Leo Frankfurter, com Beloz Amadi, o violinista
húngaro. Estava a tocar num café quando um grupo de fardados entrou e o mandou parar com
«essa música diabólica». O dono tentou acalmar os ânimos e explicar que Beloz era húngaro, não
era judeu. Movidos pelo ódio e, tendo em conta que o violinista tinha aspeto de judeu, embora não
o fosse, os homens destruíram-lhe o violino e Amadi Beloz foi obrigado, para sua segurança e
sustento, a abandonar a cidade. O ódio e consequente agressividade começavam a não ter limites.
Para Rose, nesta época em que namorava Paul, o antissemitismo começava a ser insuportável. A
maior humilhação ficou a dever-se exatamente à irmã do namorado que, através de um bilhete,
justificou a sua ausência num encontro com a mãe de Rose, conforme estava combinado. Falta de
frontalidade ou manifestação de desprezo? Atemorizar, desprezar, humilhar, tudo era a
manifestação, agora constante, de antissemitismo.
Já em Berlim, em dezembro, Rose vira um homem atravessar a rua e, de repente, tinha surgido um
grupo compacto, que o rodeara. Ouvira uma voz chamar «judeu porco» e vira o grupo desaparecer.
No chão tinha ficado um homem banhado em sangue. A violência e crueldade pareciam surgir do
nada. Mas projetavam-se num nome – judeu.

Não havia mais distância entre o relâmpago e a trovoada. Um horrível estrondo fazia estremecer a
terra. E a voz, numa angústia mortal, exclamou: «Agora está mesmo por cima de nós!»
Durante uns anos Rose ouvira as tempestades. Em cada ano parecia que a distância entre o raio e o
trovão diminuía. Tivera esta reflexão no dia em que o pai fora insultado. No dia em que pelas ruas
de Berlim se comemorava a eleição de Hitler como Chanceler do Reich, Rose não teve dúvidas: a
tempestade tinha chegado com todo o estrondo. As humilhações, a insegurança, o medo crescente
agora tinham-se tornado um fato incontornável – não havia, na Alemanha, salvação para os judeus.
A trovoada era o anúncio do fim.

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IV A IDADE (PRECOCEMENTE) ADULTA

1.1 Rose nasceu em 1913, um ano antes de começar a I Grande Guerra. Quando, em 1933, Hitler foi
aclamado Chanceler da Alemanha, Rose tinha vinte anos.
1.2 Rose é procurada por dois homens, dois polícias da Gestapo, que, além de a identificarem, a
convocaram para estar no dia seguinte no edifício da Polícia na Alexanderplatz. Aconselharam-na a
refletir durante a noite se ainda achava que o Führer era um criminoso e a não tentar fugir porque
os braços deles eram compridos.
Rose ficou apavorada. Sabia que não podia recorrer a ninguém. Observou as fotografias da mãe e
dos irmãos, os seus utensílios que agora lhe pareciam tão inúteis. Passaram-lhe então pela memória
lampejos mais ou menos distantes do avô Markus, da avó Ester, de Marie a quem não deixavam ver
o marido preso, de Paul, do homem da Gestapo. O pânico apoderara-se dos seus pensamentos.
Estava, irremediavelmente, cercada, perdida.
Uma vizinha de quarto vem bater-lhe à porta depois de ter ouvido o choro de Rose. Veio convidá-la
para jantar. Contou-lhe que era uma simples professora primária, que nada podia fazer por ela
senão dar-lhe conforto. O conforto que gostaria de dar a todos os que como Rose estavam a sofrer
com uma injustiça que a ela, enquanto cidadã alemã, envergonhava. Grata e exausta, Rose
adormeceu com a cabeça apoiada no ombro de Marie e era primavera e havia amor. Quando
acordou já o pequeno-almoço estava pronto. Com um abraço de solidariedade e um «Coragem,
Rose Frankfurter», seguiu para Alexanderplatz.
1.3 O crime que Rose cometeu foi o de nascer judia. Além disso cometeu um grave delito de opinião
ao dizer, numa carta dirigida a Kurt, que Hitler era um criminoso. O amigo não recebera a carta, mas
a Gestapo, sim. Obviamente não houve julgamento. Decisões de tão pouca importância como a da
vida ou da morte de uma judia atrevida, não precisavam de julgamento.
Mas Rose não foi presa. O veredicto foi: cinco dias de liberdade. Porquê? Vários fatores parecem ter
contribuído para este desfecho. Rose não tinha aparência de judia. Além disso não negou que
tivesse dito aquilo de que a acusavam sobre Hitler e de certa forma mostrou-se arrependida de o
ter feito ao declarar que não sabia porque o fizera. Acresce que o inquisidor estava, segundo ele
próprio, muito bem-disposto nesse dia. Também tinha alguma esperança de passar essa noite com
Rose, mas um superior, apercebendo-se disso, deu-lhe uma forte reprimenda. Mas, e esse aspeto
terá sido determinante para ganhar a liberdade, Rose assinou uma declaração que o inquisidor
ditara a uma secretária em que retirava tudo o que tinha dito na carta.
Segundo o funcionário da Gestapo, dentro de cinco dias, instâncias superiores diriam o que fazer
com ela, Rose Frankfurter, e acrescentou «se ainda cá estiver». Era um passaporte para a fuga, para
a liberdade e para a vida.
1.4 Declaração
Eu, Rose Frankfurter, declaro que assinei uma declaração que não corresponde ao que sinto e
penso.
Declaro que a assinei porque estava apavorada perante aquele homem assustador que tinha a
minha vida nas suas mãos. Se eu não assinasse a declaração, assinava a minha sentença de morte.
Declaro ainda que a assinei porque não sou uma heroína, sou uma mulher jovem com medos e
inseguranças, mas que ama a vida.
Declaro, por fim, que sou fiel às minhas convicções e tenho, quer o partido nazi, quer o seu chefe,
Adolf Hitler, como criminosos que preparam a chacina do povo judeu.

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