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UM CORAÇÃO LONGE DA ALEGRIA E DA FESTA

“Quando voltava, já perto de casa ouviu músicas e danças. Chamando um


servo,
perguntou-lhe o que estava acontecendo. Este lhe disse: ‘É teu irmão que
voltou
e teu pai matou o novilho cevado, porque o recuperou com saúde” (Lc. 15,25-27).

Há uma tônica forte no quadro de Rembrandt: a incapacidade do filho mais velho


de partilhar da alegria de seu pai. Ao voltar do campo, percebeu que havia
alegria na casa. Imediatamente, suspeitou do que estava acontecendo. Uma vez
que assumiu essa atitude de desconfiança, deixou de ser espontâneo a tal ponto
que nem a alegria pode despertar alegria. A experiência e a partilha da alegria
eram totalmente estranhas para a ele; a alegria dos outros resulta-lhe
insuportável.
“Chamando um servo, perguntou-lhe o que estava acontecendo”.
Na pergunta há o medo de que ele tenha sido excluído novamente, que alguém
não tenha lhe contado o que estava se passando, que ele tenha sido mantido à
margem dos acontecimentos.
Porque não ama, não se sente amado; e porque não se sente amado, é desconfiado
e ciumento.
Do começo ao fim da parábola, o filho mais velho não manifesta nenhum sinal de
felicidade interior.
Suas atitudes e reações estão dominadas pelo desejo insatisfeito e pela inveja.
Sua pergunta revela-nos que, afetivamente, ele estava mais longe do coração do
pai do que o filho mais novo, pois este, mesmo
estando fisicamente longe, e cuidando dos porcos, lembrou-se da casa, da bondade
e do sofrimento do pai.

O servo, sem suspeitar, excitado e ansioso para dar a boa nova, comunica que o
irmão mais novo voltara e que o pai mandara matar o novilho cevado. Mas essa
manifestação de alegria não pode ser recebida. Em vez de alívio e gratidão, a
alegria do servo produz nele o efeito contrário: a música e as danças, em vez de
convidar ao festejo, tornaram-se causa para um afastamento ainda maior.
Essa experiência de não poder partilhar da alegria é a experiência de um
coração duro, frio e ressentido
O filho mais velho não podia entra na casa e partilhar da alegria do seu pai.
Sua mágoa íntima o paralisava e o deixava taciturno.
Rembrandt entendeu o sentido profundo de tudo isso quando ele pintou o filho mais velho ao lado do
estrado em que o filho mais jovem é recebido na alegria do pai. Ele não descreve a comemoração com
música e dançarinos; eram meros sinais exteriores do contentamento do pai.
Em lugar de uma festa, Rembrandt pintou luz, a luz radiosa que envolve tanto o pai como o filho.
A alegria que Rembrandt retrata é a alegria tranquila que pertence à casa de Deus.

Na parábola é possível imaginar o filho mais velho do lado de fora, no escuro, não
desejando entrar na casa iluminada e cheia de ruídos de festa.
Mas Rembrandt não pinta nem a casa nem os campos. Ele retrata tudo com
claro e escuro.
O abraço do pai, cheio de luz, é a casa de Deus. Lá estão as músicas e as danças.
O filho mais velho fica fora do círculo desse amor, recusando-se a entrar.
A luz sobre seu rosto mostra que ele também é chamado à LUZ, mas não pode ser
forçado.
A alegria da festa só será completa quando o filho mais velho participar dela.
Nem a pintura de Rembrandt nem a parábola que ela retrata falam da decisão
final do filho mais velho.
- Ele se deixou persuadir pelo pai? Entrou, finalmente, e participou dos festejos?
- Abraçou seu irmão e lhe desejou as boas vindas como seu pai havia feito?
- Sentou-se à mesa com o pai e o irmão e partilhou com eles da refeição festiva?
- Será que o filho mais velho foi capaz de reconhecer que ele também é um pecador que precisa ser
perdoado? Será que ele está disposto a admitir não ser melhor do que seu irmão?

Disso não temos certeza. O que conhecemos, com certeza plena, é o coração do
pai. É um coração capaz de compaixão sem limites. A parábola não sugere um
final feliz. Ao contrário, deixa-nos face a face com uma das mais difíceis escolhas
espirituais: confiar ou não no amor todo misericordioso de Deus. Sou eu
somente que posso fazer essa escolha.
A parábola, portanto, não tem um fi-
nal feliz, mas um final aberto.
Pedir a graça: pedir a graça de conhecer a
bondade e o perdão de Deus,
que são infinitamente maiores que a nossa “justiça”.

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