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RETIRO INACIANO ECOLÓGICO

ou
EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS COM ENFOQUE ECOLÓGICO
“Todo o universo é um suspiro de amor. A física quântica e a mística tem em
comum o fato de ressaltarem a insuficiência da linguagem.
Só a mente vazia e o desejo canalizado para o interior do ser
nos permitem captar a essência do real”.

Sentido desta experiência


Trata-se de uma experiência que desenvolve
duas dimensões da espiritualidade inaciana: a ecológica e a comunitária.
Duas dimensões entrelaçadas que remetem ao “princípio e fundamento”
inaciano: “tudo vem de Deus e tudo volta para Deus; Deus presente em todas as coisas, e todas as
coisas estão presentes em Deus”.
Tal experiência parte do processo da vida, a cadeia dos seres, do sentido da evolução, e da religiosidade
integrada na ecologia, que vai mais além da pura reflexão das relações entre os ecossistemas.
Considera uma concepção diferente da pessoa e a irmana com todas as criaturas de Deus.
- O que é que nos une? O que é que nos põe em relação uns com os outros?
É a “comunidade universal de vida”, isto é, tudo o que existe, tudo o que
vive e que tem sentido pelo fato de estar em relação, em comunhão, desde
o mais ínfimo ser ao mais elevado.
É a noção do comunitário que inclui toda a matéria animada e inanimada
do cosmos.
Pertencemos a uma comunidade cósmica de vida tal como foi criada e
sustentada por Deus.
Há uma interação entre nós, seres humanos, e a natureza. Nosso corpo e
nosso cérebro são compostos das mesmas partículas que tecem o brilho das
galáxias que ardem nas profundezas siderais. Impossível estabelecer uma
nítida separação entre o ser humano e o universo.
Somos quem somos somente na relação e por nossa relação com todas as
criaturas e com o próprio planeta. Os acontecimentos da evolução estão
inter-relacionados.
E um desafio, para a experiência de oração, assumir que o mundo é um
santuário que deve ser respeitado e cuidado, que é a morada de tudo, que foi a
morada do Filho de Deus, e que continuará sendo a morada da Humanidade e da
Criação.
E isso nos move em direção a novas visões, a novas opções, a novo estilo de
vida, a novos caminhos para fazer eleição.
Fomos criados para a ação responsável; isto é o que significa sermos criados “à imagem e
semelhança de Deus”. Quando decidimos trabalhar em prol do bem em cooperação com os outros,
evoluímos para o conceito mais pleno de ser humano.
Do mesmo modo, evoluímos ao atuar em comunhão com todos os seres vivos. Não atuamos sozinhos,
mas como parte de uma comunidade, e todas as relações importantes dependem de ações importantes
dentro da comunidade. Nossa relação de dependência para com todas as criaturas nos move a atuar para e
com a comunidade da Terra.

Nesta experiência dos Exercícios, as orações pretendem revitalizar e dar novo


sentido à idéia de que a vida, em qualquer lugar do cosmos, é sagrada, como o
são todos os organismos vivos do planeta.
Trata-se de fazer a experiência do sagrado presente em tudo: nas pessoas, nas
plantas, nos animais e nos ecossistemas, de modo que cada um procure ampliar
seu sentido de pertença à “comunidade universal de vida” e incluir o
parentesco com todo ser vivo e com a natureza.
A ciência e a tecnologia nos proporcionam métodos e instrumentos para salvar
vidas, nos ajudam a produzir alimentos, a aumentar nossa esperança de vida, a
curar as enfermidades, nos facilitam as comuni-cações e o transporte rápido e
acessível e nos brindam um conhecimento melhor do mundo material.
Apesar destes avanços, detectamos um certo pessimismo e fundamentalismo científico na cultura
tecnológica global. Muitas interpretações das atuais descobertas científicas dão a entender que a vida não
tem sentido; é uma casualidade, algo estranho que poderia surgir em qualquer outra parte do universo.
A evolução está cheia de crueldade, dor e esforço inútil. Estamos sós.
Refletir sobre o mundo animado ou encorajar a uma vida espiritual no ser humano não tem sentido.

Os Exercícios Espirituais, iluminados pelo pensamento do Pe. Teilhard de


Chardin, tem o potencial de restaurar nova visão das coisas. Segundo Teilhard a
“evolução é uma luz que ilumina todas as coisas”
A evolução significa o processo gradual e constante de mudança ao longo de 15 bilhões de anos, do qual
emergiu o universo e todos os seus elementos.
Estes elementos são a matéria, a vida, os ecossistemas e as sociedades que existem por todo o cosmos.
Sua origem foi uma explosiva emergência de partículas e luz no mesmo instante no qual se originaram o
tempo e o espaço. Em seguida, os átomos evoluíram e depois surgiram imensas nuvens de hidrogênio que
se condensaram durante bilhões de anos para dar passagem à formação das estrelas.
Nas primeiras estrelas, parte do hidrogênio se transformou nos elementos dos quais se compõem os
organismos vivos, como o nitrogênio, o carbono e o enxofre. Mais tarde, faz uns 5 bilhões de anos, as
estrelas explodiram e liberaram estes elementos, que por sua vez se converteram em outras estrelas e
planetas, como o sol, Marte, a Terra.
A evolução continua num ritmo cada vez mais rápido: a evolução do ser humano foi algo instantâneo se o
comparamos com a evolução biológica e com a evolução do cosmos, que levou muito mais tempo.
Além disso, o que continua emergindo é cada vez mais surpreendente, inovador, diferente, interessante,
intenso e formoso: faz dois bilhões de anos havia DNA, mas não havia orquídeas, nem árvores, nem a
Terra, nem o microchips, nem olhos para ver e ouvidos para ouvir.

Os Exercícios Espirituais podem oferecer-nos uma experiência do mistério


apaixonante da vida e fazer com que nos transbordemos do desejo de aspirar a
“viver no Espírito”.
O “mistério” é uma verdade profunda, que a razão não consegue abarcá-la;
quanto mais apelamos à razão, mais profundo se faz o mistério.
A experiência dos Exercícios com enfoque ecológico tem o propósito de nos
levar a tomar maior consciência do profundo “mistério da vida”, que é uma
experiência do Transcendente.
Isto se mostra com maior evidência em nossa experiência relacional com as plantas, os animais, os
ecossistemas, os oceanos, o vento, o sol, a lua, as estrelas, as pessoas...

O “mistério da vida” é sentido de modo mais profundo na relação que nós


mesmos, e tudo o que existe no cosmos, temos com a Trindade, comunhão das
3 Pessoas Divinas, unidas através da relação.
Atualmente, buscamos uma nova compreensão da Trindade que nos permita
valorizar a ação divina nas comunidades em evolução, sejam moléculas, estrelas,
planetas, animais ou seres humanos.
Moltmann considera que a Trindade é uma comunidade divina de Pessoas em relação umas com as
outras; não uma pluralidade, mas uma unidade. Para expressar esta inter-relação usa a expressão “a
dança das Três Pessoas Divinas”.
A imagem da dança divina nos ajuda a entender que todas as Três Pessoas Divinas estão presentes na
Criação, na Redenção, na Encarnação, no Mistério Pascal e na Eucaristia.
Em lugar de um Deus distante e ausente, vemos as Três Pessoas Divinas que se “movem numa dança”
dentro de seu cosmos em evolução, sustentando e transformando o sofrimento do cosmos num gemido
que dará à luz uma “nova e gloriosa ecologia”.
Segundo o relato da Criação, o grande ato de amor da Trindade é a evolução
cósmica. As Três Pessoas Divinas estão intimamente unidas e seu Espírito se
manifesta nos inícios e na evolução do universo.
Ao contemplar a história de nosso universo, transcendemos uma série de
acontecimentos cronológicos até chegar a sentir como o amor da Trindade
transborda para além até converter-se em criação.
Na visão de S. Paulo, a evolução não está completa e por isso o cosmos é ainda imperfeito e geme para
dar à luz a futura plenitude (Rom. 8,19-23).
Nossa responsabilidade é viver de tal modo que a promessa da evolução se revele diante de nós em plena
harmonia com o amor da Trindade. Para contribuir com o desígnio amoroso da Trindade, devemos vencer
nossa inclinação doentia à exclusividade. A imagem da Trindade como comunidade é a de uma divindade
incluente, cujo cosmos se move continuamente para a diversidade e novidade.

Ao orar sobre a evolução do Cosmos, que, segundo cremos, é fruto da ação da


Trindade, podemos alcançar uma experiência mais profunda do caráter sagrado
da Criação.
“Todos os seres vivos participam de alguma maneira na vida de Deus. Portanto, se
concebemos a Deus como Pessoa, como meta e finalidade, todos os seres vivos se
convertem também em meta e finalidade, em comunhão com Deus, cujo plano divino não é
só salvar o gênero humano, senão salvar o mundo inteiro” (Michael Downing).

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Percebemos, no momento atual, que o ser humano tem perdido o contato e a
comunhão com o cosmos, com as montanhas, com os animais, com as aves,
com os rios e oceanos... e isto tem provocado nele toda espécie de mal-estar, de
doenças, de insegurança, de ansiedade.
Ele se sente “demais” um estranho para o mundo.
“Na visão ecológica do mundo em desequilíbrio que vivemos, todo aquele que ri do
escárnio ambiental, vira hiena de si mesmo” (Félis Concolor)
Orar é primeiramente mergulhar no louvor do universo, porque, segundo os Padres da Igreja, “todas
estas coisas sabem rezar antes de nós”. Orar é ter “sentimento de mundo”.
O ser humano é o lugar onde a oração do mundo toma consciência de si mesma; ele está aí para
pronunciar o que todas as criaturas balbuciam.
Orar é entrar em uma nova e mais alta consciência que chamamos de fé, ou seja, a adesão da inteligência
e do coração a este “Tu que É”, que se deixa transparecer na multiplicidade das criaturas.
Atrás do estremecimento das estrelas há mais do que estrelas: há uma Presença difícil de se nomear, uma
Presença que tem todos os nomes...
“O meio ambiente é a face natural de Deus”

É o coração que pode sentir isto.


Aí, há alguma coisa que é mais que o universo e que, no entanto, não pode ser
tomada de fora do universo
A oração nos coloca na presença de um estado de consciência que não é o de
um pequeno “eu”, mas de um estado de consciência “cósmica”, aberta a todas
as criaturas: meu próprio corpo é o corpo do universo, e, se neste universo um
só membro sofre, eu não posso conhecer a plenitude ou a beatitude.
Coisas da terra
(Ferreira Gular)

Todas as coisas de que falo estão entre o céu e a terra.


São coisas, todas elas, cotidianas, como bocas e mãos, sonhos, greves, denúncias.
Acidentes de trabalho e do amor.
Coisas de que falam os jornais.
Às vezes tão rudes, às vezes tão escuras,
que mesmo a poesia as ilumina com dificuldade.
Mas é nelas que te vejo pulsando, mundo novo.
Ainda em estado de soluços e esperanças.

Nota: Boa parte dos anexos deste Retiro são tradução, adaptação ou complementação do
Suplemento n. 57, Revista “Progressio”, da CVX

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